Banco Central

William Waack: Não faltou aviso

Banco Central adverte: populismo faz mal para saúde fiscal

Jamais terá sido por falta de aviso. Caso o governo brasileiro abandone o rigor fiscal em troca de popularidade – possibilidade que mercados passaram a considerar real –, ficará provado que, no Brasil, não só a História pouco serve de lição. Ainda por cima se repete como farsa cada vez mais trágica.

Parece até mesmo um ciclo maldito. Sarney se encantou com a popularidade trazida pelo Cruzado e prorrogou medidas “temporárias” até cair na hiperinflação. Lula abandonou os superávits primários depois da vitória de 2006, derrotando as consequências do mensalão. Na doce conversa das medidas contracíclicas para combater a crise de 2008, e atrás de dividendos políticos, Dilma expandiu o intervencionismo fiscal até cair nas pedaladas.

“A história se repete agora” foi uma frase muito usada entre agentes de mercado nos últimos dias, chegou aos andares de comando em grandes corporações e esfriou consideravelmente ânimos de investidores. Esse estado de espírito se consolidou no alerta feito na terça à noite pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que foi contundente (para os padrões convencionais de um “central banker”) ao admitir que a credibilidade da política econômica do governo está arranhada, que a fragilidade fiscal contribui para a desvalorização da moeda brasileira e que o País já perde fluxo de capitais por conta das políticas ambientais.

A questão para quem toma decisões na economia, prosseguiu Campos Neto, não são tanto os prazos de reformas e o calendário eleitoral, mas qual a trajetória que se pretende seguir além do fim do ano. É um ponto de interrogação respondido até aqui com a reiteração de um conjunto de intenções (“privatizar”, “desburocratizar”, “avançar nas reformas”), no momento dependentes das eleições municipais e da sucessão das duas Casas Legislativas. Ou seja, “mañana”.

Nos círculos bem dentro do governo o aviso estridente do presidente do Banco Central foi entendido como um recado ao próprio Bolsonaro. Teme-se no Ministério da Economia que o presidente se sinta em prazo não muito distante na contingência de ter de ligar para Campos Neto e pedir para ele não subir os juros. Pois é o “sentir” de Bolsonaro em relação à política – nada fazer que arrisque perda de popularidade – a principal causa da apenas aparente dificuldade de se aprovar matérias relevantes: “até as eleições vamos para uma agenda de baixo custo político”, resume um dos homens mais próximos ao presidente.

Custo político é fácil de definir: qualquer decisão em qualquer das áreas que tem impacto direto na questão fiscal (tributária, administrativa e do pacto federativo) causará prejuízos a grupos organizados (econômicos, políticos, corporativos), a entes como municípios e Estados e a agrupamentos como igrejas. Não tomá-las também, com o agravante de que a conta fiscal não está esperando que o peculiar mundo do poder em Brasília se mova em qualquer direção.

A única direção clara é Bolsonaro ter subordinado tudo ao projeto de reeleição. Alguns de seus ministros mais próximos admitem em conversas particulares que as agendas de reformas e transformação poderiam ter sido tocadas de forma mais rápida, que esperar pelas eleições municipais era desnecessário para tratar de renda básica, que o presidente, ao “dar uma virada na política” e conseguir “domar o establishment” (qualquer que seja o significado disso), entregou a chave do cofre para o Centrão e que agora ele precisa de mais um mandato para realizar o que prometeu antes de ser eleito em 2018.

Autoengano, indicam episódios da nossa História, é coisa contagiante e, às vezes, vira fenômeno coletivo.

*Jornalista e apresentador do Jornal da CNN


Bruno Carazza: Como as economias morrem

Depois do teto, próxima vítima poderá ser a autonomia do Bacen

As ambições de um político o tornam capaz de passar por cima de anos de amizade e a desprezar laços de parentesco mesmo em momentos difíceis de saúde - o que dirá em relação a compromissos com a estabilidade econômica do país.

Em 1959, Lucas Lopes era o ministro da Fazenda do presidente Juscelino Kubitschek. Companheiro fiel desde os tempos da campanha de JK para o governo de Minas, o engenheiro foi o cérebro por trás da criação da Cemig - polo indutor da industrialização mineira, que catapultou JK ao primeiro plano da política nacional - e idealizador do famoso Plano de Metas, o programa desenvolvimentista que prometeu entregar “50 anos em 5”. JK e Lucas Lopes eram tão próximos que seus filhos vieram a se casar.

Depois de presidir o BNDE (o “S” só viria a ser acrescentado no início da década de 1980), Lucas Lopes foi escalado para comandar a economia do país em meio ao desequilíbrio das contas públicas gerado principalmente pela construção de Brasília. Ao lado de Roberto Campos, concebeu o Plano de Estabilização Monetária (PEM), cujo propósito era deter o crescimento do déficit público por meio de um controle mais rígido dos gastos e aprovar uma minirreforma tributária destinada a aumentar a arrecadação, além de reduzir a expansão do crédito para aliviar a inflação. A dupla Lopes & Campos ainda planejava rever a política de incentivos para o café e iniciou negociações de um novo empréstimo junto ao FMI para evitar uma crise cambial.

Qualquer ministro da Fazenda que tenha que defender a austeridade fiscal frente a um presidente que só pensa na sua popularidade vive em permanente estresse - e o de Lucas Lopes era tão grande que ele acabou sofrendo um infarto em 30 de maio de 1959. Com o grande amigo (e futuro consogro) correndo risco de vida, JK não pensou duas vezes: nomeou o expansionista Sebastião Paes de Almeida em seu lugar, rompeu com o FMI, autorizou um reajuste no preço do café e ampliou ainda mais os gastos públicos para entregar a nova capital dentro do prazo. Se o populismo de um político não respeita nem os laços pessoais mais íntimos, não serão as instituições econômicas que o deterão.

Em 2018 foi lançado o best-seller “Como as Democracias Morrem”, escrito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos professores de ciência política de Harvard. O argumento central do livro é que líderes autoritários estariam sorrateiramente enfraquecendo as instituições ao rejeitarem as regras do jogo democrático, encorajarem a intolerância e a violência e restringirem as liberdade civis, atacando especialmente a imprensa.

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro vem sendo apontado como o exemplar brasileiro dessa nova safra de governantes que buscam permanecer no poder e impor suas vontades não pelo uso de tanques e metralhadoras, mas por forçarem diuturnamente as grades de proteção da democracia.

A aliança firmada com o Centrão nos últimos meses tende a arrefecer esses temores. Cada vez mais refém da “velha política” para proteger a si mesmo e à sua família de processos e também para ampliar sua aprovação entre a população mais pobre do Norte e do Nordeste, parece que não é mais a democracia quem corre perigo no Brasil - mas sim a economia.

Bolsonaro colheu os frutos imediatos da enorme injeção de recursos públicos para combater os efeitos do coronavírus sobre trabalhadores e empresas. Com a popularidade em níveis recordes, inebriou-se com a perspectiva de uma vitória fácil quando tentar a reeleição. O problema é que 2022 está muito distante.

Os sinais de desequilíbrio na economia brasileira aparecem em todas as frentes. O déficit e a dívida pública estão em trajetória explosiva, elevando o risco-país e afugentando o capital externo. A saída de investidores pressiona a taxa de câmbio, que encarece insumos importados e estimula o agronegócio e indústrias nacionais a direcionarem suas vendas ao exterior. Os índices no atacado já mostram uma forte inflação de custos e os consumidores nos supermercados se assustam com os preços dos alimentos.

Tecnicamente, não há muita dúvida sobre o caminho para recuperar o equilíbrio. Passado o pior da pandemia, caberia ao governo recolher a artilharia fiscal montada para combater a covid e avançar nas causas estruturais de um desequilíbrio que já incomodava desde antes da chegada do vírus: trabalhar pela aprovação das PECs emergencial e do pacto federativo e atacar uma reforma administrativa muito mais corajosa do que a apresentada ao Congresso no mês passado.

O problema é que o receituário técnico entra em colisão com as ambições políticas de Bolsonaro. Um ajuste rigoroso pode abortar a recuperação e inviabiliza a continuidade dos agrados distribuídos aos futuros eleitores de 2022. O teto de gastos parece ser a primeira vítima do populismo fiscal do Palácio do Planalto. Mas é pouco provável que o ataque às instituições econômicas pare por aí.

O abandono do teto e a falta de comprometimento do governo com a sustentabilidade das contas públicas elevarão ainda mais o câmbio ao longo de 2021 e 2022, pressionando a inflação. Estará o presidente preparado para ver o dólar romper a barreira dos R$ 6 ou R$ 7? À medida em que a eleição se aproximar, será que Bolsonaro aceitará passivamente aumentos na taxa de juros?

Uma vez derrubado o teto de gastos, quem entra na mira do populismo presidencial é a autonomia operacional do Banco Central. Para não colocar em risco seus planos eleitorais, não me surpreenderia se Bolsonaro tentasse influenciar o Comitê de Política Monetária por uma maior leniência com a inflação ou até mesmo pela busca de soluções “criativas” para conter a taxa de câmbio, como o uso mais intenso das reservas internacionais ou medidas de controle de saída de capitais.

Nestes novos tempos, são incomuns as grandes rupturas macroeconômicas provocadas por declaração de moratórias, confisco de poupanças ou rompimento com o FMI. O perigo hoje em dia é o sorrateiro enfraquecimento das instituições econômicas por líderes populistas que só pensam em permanecer no poder a qualquer custo.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Alex Ribeiro: BC teme que risco fiscal segure consumo

Receio é que uma parcela da população siga poupando por temor de vir a ser chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública

O Banco Central começa a mapear um novo risco à retomada da economia: a política fiscal. O receio é que uma parcela da população siga poupando, abrindo mão de consumir, porque será chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública.

A preocupação é o que os economistas chamam de “equivalência ricardiana”. Essa é uma teoria do economista David Ricardo, desenvolvida mais tarde por um outro economista, Robert Barro, que afirma que tentativas do governo de expandir a economia por meio de déficits públicos são ineficazes. Os contribuintes sabem que, mais tarde, a despesa terá que ser coberta com o aumento de impostos. Preventivamente, eles poupam mais.

A tese foi levantada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelo diretor de política econômica da instituição, Fabio Kanczuk, na entrevista do relatório de inflação, na semana passada. “É a poupança de alguém que está vendo uma situação fiscal mais grave e está entendendo que vai ter que pagar uma parte do custo mais para frente”, disse Campos Neto.
Para o Banco Central, esse comportamento “ricardiano” dos indivíduos é, por ora, uma hipótese, a ser comprovada ou não. O diagnóstico é que o auxílio emergencial e outras liberações de dinheiro pelo governo, que o BC sempre entendeu como necessárias, recompuseram a renda da população perdida durante a pandemia. Mas o consumo não se sustentou da mesma forma e caiu abaixo do que era antes. Essa diferença entre renda e consumo representa um aumento da poupança.

A grande questão é o que vai acontecer com essa poupança mais adiante. O cenário ideal, disse Campos Neto, é que o auxílio emergencial termine no fim do ano e, provavelmente, seja substituído por um programa permanente de transferência de renda que caiba no teto de gastos. Desse ponto em diante, afirmou, a população começaria a gastar a poupança acumulada durante a pandemia, o que operaria como mais um motor de sustentação da demanda.

Obviamente, para que a poupança vire consumo, será preciso que os indivíduos que acumularam essas reservas passem a gastar. É por isso que o BC está procurando entender a natureza da poupança acumulada pela população.

Kanczuk falou um pouco sobre o que acontece nos EUA, que para ele é um indicativo do que poderá vir a ocorrer no Brasil. Lá, a renda da população subiu bem, sustentada pelo pagamento de auxílios pelo governo. Ainda assim, o consumo caiu. Mais recentemente, a renda recuou, depois que acabaram as transferências, e o consumo passou a subir.

Apesar de, no fluxo, renda e consumo terem se aproximado, o resultado de todo esse processo foi um aumento do estoque de poupança. Os economistas estão olhando os dados no detalhe para entender melhor os desdobramentos. Uma conclusão é que os mais pobres mantiveram o consumo durante a pandemia - na verdade, aumentaram 1,6% em relação a janeiro passado. Provavelmente, substituíram o consumo de alguns serviços - cujo acesso ficou mais restrito por causa da pandemia - por outros bens, como os duráveis. “Vemos alguns mercados, como construção civil e carros usados, que estão bem exuberantes”, afirma Kanczuk.

Já entre os mais ricos, o consumo está quase 10% abaixo dos níveis de janeiro. Uma possível explicação é que, com as medidas de distanciamento social, essas pessoas não estão tendo acesso aos serviços que gostariam de consumir. Outra hipótese é que esses indivíduos aumentaram a poupança precaucional porque têm medo do futuro. Mas medo do quê?

Uma possibilidade é as pessoas terem poupado mais porque estão receosas de perder o emprego. Kanczuk, porém, apresentou um gráfico que mostra que o nível de emprego dessa faixa da população quase se recuperou - está apenas 1,6% abaixo de janeiro. Ou seja, pode ser um pouco de medo de desemprego, mas parece ser mais do que isso. É aí que entra a tese do medo do desequilíbrio fiscal.

“Não é a incerteza em relação ao emprego, mas talvez uma questão sobre o que vai acontecer lá na frente, já que de algum modo a economia não produziu, o governo aumentou a sua dívida, e isso vai ter que ser pago”, disse Kanczuk. “Uma possibilidade é que os ricos estão incorporando isso - sendo ricardianos - sabendo que talvez eles que vão arcar com o aumento do consumo que houve sem ter produção.”

Uma implicação dessa conjectura, se ela se mostrar verdadeira, é que um pedaço da poupança acumulada durante a pandemia não vai voltar para a economia. Esse motor de sustentação da retomada seria um pouco mais fraco do que se imaginava inicialmente.

O argumento, certamente, não é unânime. A teoria da equivalência ricardiana é uma contraponto à tese keynesiana de que, nos momentos em que o setor privado fica com medo e se retrai, o governo deve se endividar para sustentar a demanda agregada. As críticas à teoria Ricardo-Barro são conhecidas: ela pressupõe indivíduos extremamente racionais que poupam em resposta a uma situação meio etérea das contas fiscais. A evidência empírica sobre o tema é um tanto ambígua, o que ajuda a alimentar o esporte favorito dos economistas de discordarem entre si.

Juros suficientes?

Em 2% ao ano, os juros básicos são baixos o suficiente para estimular a economia? O ex-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica (Depep) do BC, Marcelo Kfoury Muinhos, foi conferir num estudo que acaba de publicar com seu colega no Centro de Estudos Macroeconômicos da FGV-EESP, Marcelo Fonseca, e com Evandro Schulz, da B3. Alerta de spoiler: sim, estão baixos o suficiente.

Eles estimam entre 2% e 3% reais ao ano a taxa neutra de longo prazo, usando três metodologias diferentes batizadas com sobrenomes de seus criadores, como a de Laubach-Williams. E calculam quanto os juros deveriam estar seguindo a regra de Taylor: 0,8% reais negativos. Hoje, os juros reais de mercado estão mais ou menos nesse patamar. E, além de juro baixo, há o reforço do “forward guidance” do BC de não o subir em algumas situações em que a regra de Taylor exigiria aperto.


Gustavo Loyola: Bancos Centrais não operam milagres

Não se pode ter a vã ilusão de que juros baixos por longo período seja a receita certa para o crescimento econômico

Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central colocou a taxa Selic em seu mais baixo patamar histórico - 2% ao ano - e ao mesmo tempo, como “forward guidance”, sinalizou para a manutenção da política de estímulo monetária pelo menos até o final do ano de 2022. Contudo, por mais que as ações da autoridade monetária afetem o comportamento da demanda agregada no curto prazo, seria equivocado contar com os juros baixos como instrumento para elevar de modo sustentado a taxa de crescimento da economia brasileira nos próximos anos. Quando muito, a política monetária expansionista facilitará a recuperação cíclica da economia no pós-pandemia.

De início, deve ser registrado que ter os bancos centrais como pilares do combate aos efeitos econômicos da pandemia foi uma tendência global que abrangeu não apenas as economias maduras como também as emergentes. Não poderia ter sido diferente. A crise sanitária criou um formidável “gap” entre as receitas e despesas operacionais das empresas e provocou uma queda abrupta e substancial na renda disponível das famílias.

No curto prazo, o alívio passaria necessariamente, como de fato passou, pela expansão do crédito para os agentes econômicos de modo a lhes permitirem enfrentar a fase mais aguda da crise, quando a necessidade do distanciamento social enfraqueceu a atividade econômica de maneira substancial. Coube aos bancos centrais, nesse contexto, o papel de prover a necessária liquidez aos mercados, por meio da expansão de seus balanços, entre outras medidas.

Contudo, igualmente como tendência global, os bancos centrais não estiveram solitários na tarefa de enfrentamento da crise. A política fiscal também foi largamente utilizada, por meio de programas de transferência direta de renda para as famílias e empresas, alívio de impostos e garantias em operações de crédito. Aqui no Brasil, também não foi diferente, tendo o Tesouro Nacional praticado uma política fortemente expansionista, que deve elevar o déficit primário de 0,9% do PIB em 2019 para quase 10% do PIB em 2020, segundo projeções de mercado.

Como mencionamos numa coluna anterior, o esforço fiscal no Brasil deixou as contas públicas extremamente vulneráveis, pelo crescimento da dívida pública para quase 100% do PIB. Tal fato indica a necessidade de contenção fiscal nos próximos anos, de maneira a recuperar o equilíbrio das contas primárias e afastar o risco de insustentabilidade do endividamento público. Daí a necessidade da preservação das regras fiscais - como o teto constitucional de gastos - e simultâneo esforço de reforma em várias frentes para reduzir a rigidez orçamentária, de forma a viabilizar ao longo do próximo quinquênio a restauração da saúde no campo das finanças públicas.

As implicações do atual estado sofrível das contas públicas para a política monetária são de várias naturezas. De um lado, a necessidade da prática de uma política fiscal contracionista, ainda que gradualista, nos próximos anos, coloca sobre os ombros da política monetária o papel solitário de estimular a demanda agregada, com vistas a fechar o hiato do produto que se formou os últimos anos com as crises recessivas de 2015-2016 e 2020.

De outro, o risco associado à precariedade fiscal impõe um limite para as quedas das taxas de juros de longo prazo, tendo em vista o prêmio de risco exigido pelos credores da dívida pública. Aqui se tem a velha questão da dificuldade, ou mesmo incapacidade, de os bancos centrais afetarem os juros de longo prazo, o que cinge sua atuação à região curta da curva de juros. Portanto, a própria efetividade da política monetária é amortecida pela situação fiscal.

Ademais, no caso de o Banco Central ter que elevar a taxa de juros, em aderência ao arcabouço do regime de metas para inflação, pode ressurgir o temor da ocorrência de uma situação de dominância fiscal, como ocorreu brevemente no segundo semestre de 2015, caso paradoxal em que o aperto monetário faz piorar as expectativas inflacionárias.

Desse modo, a manutenção dos juros baixos depende da preservação da responsabilidade fiscal, além, é claro, da credibilidade do Banco Central construída nos últimos anos no bojo do regime de metas para inflação.

Porém, mesmo que as condições apontadas no parágrafo anterior prevaleçam nos próximos anos, o crescimento mais acelerado e sustentado da economia brasileira não estará assegurado. Como aponta a teoria econômica consagrada, o crescimento da produtividade é que, em ampla medida, determina a capacidade de crescimento de uma economia no longo prazo.

Obviamente, a contribuição dos bancos centrais não é desprezível nesse particular, pois cabe a eles assegurar a estabilidade da moeda que é um dos pilares essenciais para o bom funcionamento da economia. Contudo, não se pode ter a vã ilusão de que a manutenção de juros baixos pelo BC por longo período seja a receita certa para o crescimento econômico. Esse tipo de ilusão serve apenas para diminuir o apoio da sociedade à imprescindível agenda de reformas que conduza à aceleração do crescimento da produtividade no país.

Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo


‘Brasil precisa voltar a crescer, criar empregos e gerar renda’, diz Benito Salomão

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de agosto, economista cita cenário em que a recuperação da economia só pode ocorrer pelo gasto privado

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Soluções para estimular a economia, como redução da taxa de juros e corte dos impostos e expansão das despesas públicas, aliadas a uma política de estímulo fiscal, estão fora de cogitação no Brasil. “O gasto privado, possibilidade ainda mais complexa, sofre com a falta de confiança na economia do país”, diz o economista Benito Salomão, em artigo publicado na revista Política Democrática Online. “Brasil precisa voltar a crescer, criar empregos e gerar renda”, alerta.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de agosto!

A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todas as edições podem ser acessadas, gratuitamente, no site da instituição. De acordo com o economista, as soluções para estimular a economia, ao menos no curto prazo, em cenários como este, de baixa inflação, esboçam-se tradicionalmente no modelo keynesiano.

Vale dizer, redução da taxa de juros e corte dos impostos ou expansão das despesas públicas, para conduzir a economia a seu equilíbrio de médio prazo”, afirma, para continuar. “Isto, no entanto, não será tão simples porque muitos destes instrumentos estão esterilizados”.

A taxa nominal de juros, conforme Salomão observa, encontra-se em seu nível mais baixo. “A Selic over para o mês de julho foi de 2,15% ao ano. Se a taxa de câmbio permanecer estável em torno dos R$ 5,20, pode ocorrer que a taxa de juros caia ainda mais. Entretanto, nova queda de 0,5 ponto percentual, trazendo a Selic nominal para 1,75%, terá pouco efeito sobre o produto”, explica.

A outra política de estímulo seria a fiscal, de acordo com o economista, mas, conforme acrescenta, ela está obstruída por uma dívida pública de 85,5% do PIB, que deve fechar 2020 em 96%. “Em um contexto destes, cuja retomada não se poderá se dar pela expansão da despesa pública, a recuperação da economia só pode ocorrer pelo gasto privado, possibilidade ainda mais complexa, pois o gasto privado depende de um elemento subjetivo e fora do controle da política macro: a confiança”, afirma.

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Vinicius Torres Freire: BC dos EUA toma decisão histórica e que pode ajudar até o Brasil

Fed muda sistema de metas de inflação e talvez enterre o modelo dessa política tal como a conhecemos

O Banco Central dos Estados Unidos tomou uma decisão que pode dar uma mãozinha para o Brasil e para o controle da nossa dívida pública. Trocando em miúdos, quer dizer que as taxas de juros por aqui talvez também possam ficar mais baixas por mais tempo, tudo mais constante. Como é historicamente óbvio, sempre podemos nos arrebentar por vontade própria, não importa o ambiente econômico mundial. Mas é uma ajuda.

A decisão do Fed é uma providência candidata a entrar para os livros de história econômica. Altera ou talvez enterre a política de metas de inflação tal como a conhecemos, ideia que dominou a teoria e prática de política monetária no último quarto de século.

No que tem de essencial e mais simples, a decisão é uma formalização de providências que vêm sendo adotadas pelo menos desde 2019. O Fed agora afirma explicitamente que vai procurar atingir sua meta de inflação de modo ainda mais flexível. Declara de antemão que não vai elevar sua taxa básica de juros assim que a inflação estiver perto de 2% e subindo. Caso não esteja ocorrendo de fato uma alta de preços desembestada ou alguma anomalia qualquer, vai tolerar inflação além de 2% e deixar como está para ver como é que fica.

Isto é, o Fed vai mirar em uma espécie de média móvel de inflação, apurada em alguns anos, aliás como já se acha correto fazer com metas fiscais (de contenção de déficit das contas públicas).

Qual o motivo? O Fed quer evitar uma alta precoce dos juros, os básicos e os da praça financeira, logo que a inflação esteja perto da meta. Caso a meta seja perseguida a ferro e a fogo, pode haver uma alta de juros que prejudique a recuperação do nível máximo ideal de emprego ou que crie a expectativa de que os preços possam congelar ou cair de novo, em seguida ao aperto monetário: recessão ou estagnação inúteis.

Mais que isso, o presidente do Fed, Jay Powell, disse que um baixo nível de desemprego pode ser compatível com inflação controlada. Um mercado de trabalho aquecido parece estar deixando de causar pânico. Na prática, não era esse o entendimento do Fed em 2015, quando o BC americano passou a elevar os juros, havia quase sete anos no nível zero.

Bom nível de emprego e inflação baixa foi o que se viu Estados Unidos nos anos de crescimento depois da Grande Recessão. Aliás, por motivos variados e objeto de grande controvérsia, não tem havido inflação no mundo rico, seja por repressão salarial, salários baixos, globalização, tecnologia, demografia, “estagnação secular”, o que seja.

Outro motivo da mudança do Fed é a dificuldade dos BCs de estimular a atividade econômica quando as taxas de juros de curto prazo estão a zero ou perto disso; quando, mesmo bulindo com taxas de prazo mais longo, as economias mal reagem. Qual a alternativa? Indicar que as taxas ficarão baixas por muito tempo, o que já vinha sendo feito na base de conversa (“forward guidance”), agora formalizada: a meta de inflação será encarada de modo muito mais flexível.

Em suma, acredita-se que seja possível reduzir a volatilidade econômica se existir uma compreensão de que a inflação vai flutuar em torno de certo nível (baixo), por vezes abaixo, por vezes acima, sem levar o BC a adotar medidas dramáticas.

Não é uma lição a ser imediatamente aproveitada no Brasil, ocioso dizer. No entanto, o experimentalismo pragmático que se tem visto desde 2008, mais por precisão do que por boniteza, poderia inspirar também nossos economistas.


Merval Pereira: Dinheiro vivo

Num mundo em que crescentemente o uso do dinheiro vivo está sendo descartado, justamente para evitar falcatruas como lavagem de verbas de origem ilegal, especialmente no financiamento ao terrorismo e tráfico de drogas, o governo brasileiro anuncia a criação da nota de R$200, 00 na contramão do que aconselham os órgãos internacionais de controle financeiro, e o senador Flavio Bolsonaro banaliza os pagamentos em dinheiro vivo no seu dia a dia, contando versões implausíveis.

O Coaf (Centro de controle de atividades financeiras), órgão governamental encarregado da fiscalização das chamadas movimentações atípicas com o objetivo de combater a corrupção, não foi consultado pelo governo sobre a criação da nova nota, mas sabe-se que no ano passado foi cogitado, por sugestão do órgão, que as notas de R$100,00 fossem suspensas de circulação.

De acordo com o Ministério Público, cerca de 70% do valor pago pelo plano de saúde da família do senador Flávio Bolsonaro, e a escola das filhas, foram quitados em dinheiro vivo. Segundo ele, em entrevista ao Globo, “não há nenhuma ilegalidade” no fato de Fabrício Queiroz ter pago 63 boletos com dinheiro vivo, num total de R$ 108.407,98, pelo plano de saúde. Só que das contas do casal Bolsonaro só saíram R$ 8.965,45 para esse tipo de gasto.

Já a escola das filhas foi paga com 53 boletos quitados com dinheiro vivo, somando R$153.237,65, mas apenas uma parte minoritária desse total saiu da conta dos Bolsonaro. O senador admitiu também que recebe muito dinheiro vivo na sua loja de franquia da Kopenhagen, e alega que se alguém quer pagar em dinheiro, não poderia rejeitar. Cada vez mais pelo mundo, lojas ou estabelecimentos não aceitam pagamentos em dinheiro vivo, justamente para não se meter em confusão, à medida que o combate à corrupção e ao financiamento de terrorismo se intensifica.

Já há países em que a circulação de dinheiro vivo está sendo gradativamente restringida, entre eles os dois mais populosos, Índia e China. Ao contrário do que faz aqui o governo brasileiro, desde 2016 o governo indiano retirou de circulação as duas notas de valor mais alto – 500 e 1000 rúpias - e lançou um programa de economia digital com a previsão de que em 2023 os sistemas móveis de pagamento movimentem US$ 1 trilhão.

Quando visitei a China pela primeira vez, em 2002, estava sendo implantado o pagamento através de cartão de crédito, e em muitas lojas tínhamos que ensinar ao vendedor como usar as maquininhas, como se fossemos muito mais avançados que eles. Hoje, mais de 70% das contas são pagas através do aplicativo do celular nas grandes metrópoles chinesas.

O senador Flavio Bolsonaro não é chegado muito a essas modernidades, mas tem amigos abonados e prestativos. Contou que estava num churrasco, comemorando a vitória nas eleições de 2018, quando se lembrou que uma prestação de um apartamento estava para vencer. Como não tinha o aplicativo do banco, pediu a um amigo PM que festejava com ele que fizesse o depósito de R$ 16,5 mil. Flavio teria devolvido o pagamento em dinheiro vivo.

Livros e homens

A proposta do governo de retirar a isenção de impostos sobre os livros provocou reação nos meios intelectuais do país, e uma nota pública das associações representativas do livro, lideradas pelo Sindicato Nacional do Livro, Câmara Brasileira de Livros e Abrelivros.

A Academia Brasileira de Letras (ABL) também divulgou a seguinte nota oficial:

“A Academia Brasileira de Letras vem expressar sua preocupação com a possibilidade de as editoras de livros virem a ser taxadas pela reforma tributária que está em debate no Congresso Nacional.

A proposta do ministro da Fazenda de acabar com a isenção de impostos sobre livros, taxando as editoras em 12% com o novo imposto, é um claro retrocesso cultural, que se junta a outros neste triste período por que passa o país, agravado pela crise econômica que atingiu em cheio a indústria do livro durante a pandemia.

O mercado editorial brasileiro encolheu 20%, de 2006 a 2019, segundo dados da Câmara Brasileira de Livros (CBL), e diversas livrarias tiveram que fechar as portas. O papel do governo deveria ser incentivar a leitura e a divulgação de livros, não restringir sua circulação com novas taxações.

Não podem faltar homens e livros”.


Míriam Leitão: Sinais de melhora no mundo em crise

Há cinco semanas tem melhorado a previsão da recessão deste ano, no Boletim Focus do Banco Central, e o tamanho da queda ficou quase um ponto percentual menor. A mediana era uma retração de 6,5%, agora é de 5,6%. A confiança empresarial subiu. A bolsa acumula alta de mais de 60% desde o seu piso em março. O que significa tudo isso? O país está vivendo a maior crise da sua história, os ativos variáveis sobem por falta de opção de rentabilidade, mas a economia tem tido pequenos alívios. Está, contudo, muito longe do fim desse túnel no qual entrou com a pandemia. O mundo todo está com uma recuperação muito desigual e volátil.

A alta das bolsas dá a falsa impressão de que a economia voltará rapidamente ao que era antes da crise, até porque as ações costumam antecipar os movimentos futuros da conjuntura. Mas o que está acontecendo tem a ver com outro fenômeno. É resultado de uma injeção de recursos nunca vista por parte dos bancos centrais mundo afora. Para se ter uma ideia, na crise de 2008, o banco central americano demorou cinco anos para elevar em 8,2 pontos percentuais o seu balanço monetário. Desta vez, em apenas quatro meses o volume de dólares despejados pelo Fed na economia chegou a 13,7 pontos do PIB dos EUA. É essa montanha de dinheiro, que foge dos juros baixos em todo o mundo, que corre em direção às bolsas. E também ao ouro — considerado um ativo de proteção — que na semana passada bateu novo recorde. No Brasil, a bolsa já subiu 61% desde o seu pior momento em 23 de março, mas ainda está 16% abaixo do que estava em 23 de janeiro.

Várias instituições estão revendo os dados da queda do PIB, atenuando a recessão prevista antes. Isso é bom, evidentemente. Mas não se pode perder a visão de que se for 4,7%, como o governo prevê, ou 5,6%, que é a atual mediana do mercado, continua sendo a maior recessão da história. E o país ainda não havia se recuperado das quedas de 2015 e 2016.

Na balança comercial, a corrente de comércio do Brasil em julho ficou 18% abaixo do mesmo mês do ano passado. As exportações tiveram uma queda leve, de 3%, na mesma comparação, porque houve forte aumento nas vendas de produtos agropecuários e da indústria extrativa, especialmente para a China. A exportação para os chineses, diga-se de passagem, cresceu 24%, enquanto para os EUA despencou 37%. Já a venda de produtos manufaturados teve forte recuo de 12%. A queda de 35% nas importações sugere que o consumo interno continua fraco, e a indústria permanece sem fôlego para importar matéria-prima. Foi pela queda mais intensa da importação que se atingiu o saldo de US$ 8 bilhões na balança.

Esta semana vão sair diversos indicadores, indústria, desemprego, inflação e o Banco Central decidirá o que fazer com os juros que estão em 2,25%. Há uma parte do mercado que acredita em nova queda de 0,25%, mas há quem aposte em permanência apesar de a inflação dos últimos 12 meses estar bem abaixo da meta de 4%. O IBGE divulga hoje o resultado da indústria em junho, que deve vir com uma forte alta, na comparação com maio, mas uma grande queda em relação ao mesmo período do ano passado. A estimativa do banco ABC Brasil é de crescimento de 9% de um mês para o outro, mas um recuo de 10% sobre o mesmo período do ano passado. Isso tudo quer dizer que o setor recuperou apenas parcialmente as perdas que teve com a pandemia. Entre março e abril, a retração na produção industrial chegou a 26%. Em maio, houve alta de 7%. O crescimento de junho será o segundo consecutivo.

Dados positivos apenas atenuam a grande crise vivida no país e no mundo. Mais do que a coleção de números de cada semana, o fundamental é que o Brasil e o mundo ainda vivem os rigores de uma pandemia e a enorme incerteza que isso traz. A economia mundial está superando seu pior momento, mas não se sabe quando voltará a ser o que era antes da pandemia. Na Europa, países industriais como a Alemanha estão melhores do que os que são mais dependentes do turismo, como França, Espanha e Itália. A recuperação por lá está sendo assimétrica. Os Estados Unidos estão discutindo um novo socorro de um trilhão de dólares, no meio da polarização do processo eleitoral no qual o presidente Trump, em queda nas pesquisas, cria conflitos para ver se melhora nas intenções de voto.


Alex Ribeiro: Encurtamento da dívida deixa país vulnerável

Súbita mudança de humor dos mercados é risco para estratégia de emitir títulos públicos de curto prazo

Dois ex-presidentes do Banco Central alertaram, nos últimos dias, para os riscos da tendência de encurtamento do prazo da dívida pública, num ambiente de muita incerteza sobre a manutenção do teto de gastos, a principal âncora fiscal do país. O Tesouro Nacional pode até ganhar algum tempo emitindo títulos públicos de curto prazo, mais baratos. Mas ficará cada vez mais vulnerável a uma súbita mudança de humor dos mercados.

Arminio Fraga, da Gávea Investimentos, citou um número que sintetiza o perigo: pelo andar da carruagem, o Tesouro terá que captar no mercado o equivalente a 46% do Produto Interno Bruto (PIB) em 12 meses, para rolar os títulos que vencem no período, para pagar os juros da dívida e para bancar o altíssimo déficit primário do governo.

O fantasma é um eventual repeteco do que aconteceu em 2002, quando o próprio Arminio chefiava o BC. Os investidores se tornaram mais relutantes em financiar o governo, diante das dúvidas sobre o compromisso do então candidato Luis Inácio Lula da Silva com a austeridade fiscal. “O governo não conseguia vender papéis que venciam em 2003”, disse, referindo-se ao ano em que começaria o novo governo. A bomba só foi desarmada quando Lula se comprometeu a manter o ajuste das contas públicas.

O economista Affonso Celso Pastore explicou a dinâmica que tem empurrado o Tesouro para o encurtamento da dívida. Hoje, a taxa que o Tesouro paga para se financiar no curto prazo está entre 2% e 3% ao ano, enquanto que nas captações de dez anos paga algo como 7% ao ano. A diferença entre a taxa de curto prazo e a de longo prazo, de cerca de 4,5 pontos percentuais, representa justamente o risco fiscal.

A perspectiva é que a dívida bruta supere 100% do PIB e, até agora, o governo Bolsonaro não mostrou claramente como pretende manter o teto de gastos. Do ponto de vista do Tesouro, argumentou Pastore, faz sentido e é totalmente sensato captar no curto prazo, pagando juros menores. Com isso, reduz o custo implícito da dívida pública. Os juros que o Tesouro paga na dívida são um componente importante nos cálculos da dinâmica da dívida. A desvantagem é que o Tesouro fica com um perfil de dívida desfavorável, com vencimento em um prazo mais curto.

“Se isso for temporário, não tem muita importância”, afirmou ele, “Se isso se estender ao longo do tempo e você tiver um aumento de riscos, o Tesouro vai ter que seguir resgatando os títulos longos e colocando títulos curtos.” Para ele, o acúmulo desse risco é um alerta importante “para que o governo tenha juízo e retorne ao teto de gastos”. Os dados divulgados pelo Tesouro nos últimos dias mostram como o encurtamento da dívida pública vem ocorrendo de forma acelerada.

De dezembro para junho, o prazo médio da dívida baixou de 3,83 meses para 3,68 meses. Há pouco tempo atrás, o prazo médio da dívida era de 4,5 anos. Mas essa estatística deixa de fora a atuação do Banco Central por meio das operações compromissadas, que são operações de curtíssimo prazo que impactam a dívida bruta. No primeiro semestre, o déficit primário do governo central ficou em R$ 417,241 bilhões, em grande medida devido aos gastos extras e perda de arrecadação com a pandemia. Com forte volatilidade nos mercados, não foi possível ao Tesouro levantar dinheiro para financiar esses gastos. Desse déficit primário, apenas R$ 3,374 bilhões foram bancados com a emissão de dívida. A maior parte foi financiada por meio de operações compromissadas. Uma outra parte foi pela emissão de moeda, já que a população passou a demandar mais dinheiro em espécie na pandemia. No caso das compromissadas, não foi um financiamento direto do BC ao Tesouro. O Tesouro sacou dinheiro da conta única para pagar despesas e, em seguida, a autoridade monetária enxugou o excesso de dinheiro em circulação.

Do ponto de vista da dívida bruta, porém, faz pouca diferença. O débito aumentou e ficou com prazo mais curto. Os operações compromissadas de curtíssimo prazo subiram de 13% do PIB para 19% do PIB, enquanto que a dívida mobiliária subiu de 50,7% do PIB para 52,8% do PIB.

Na prática, o que aconteceu durante o primeiro semestre, num período de grande estresse, foi parecido com as operações de expansão quantitativa feitas por países desenvolvidos. O Banco Central ajudou a encurtar o prazo da dívida pública, tirando um pouco de pressão da curva de juros futuros. A diferença é que, no caso atual, o dinheiro para resgatar títulos do Tesouro veio da conta única. O Tesouro tem um bom fôlego para fazer essas operações, se necessário, já que a conta única tinha um saldo de R$ 997 bilhões em junho. Além disso, o Tesouro vai receber do BC um reforço dos lucros com operações com as reservas internacionais. Mas, se o quadro se prolongar e não houver recursos na conta única, em tese o Banco Central poderá comprar diretamente títulos em mercado, com os poderes que foram conferidos por uma emenda constitucional.

Um economista com longa experiência no Tesouro diz que uma dívida pública curta é sempre um problema, principalmente em um cenário de deterioração fiscal, dívida crescente e juros historicamente baixos. “Em 2002, o Tesouro teve que vender títulos pós-fixados de três meses com prêmios crescentes”, lembra. O Brasil tem alguns atenuantes importantes, como uma baixa participação de estrangeiros no financiamento da dívida e falta de opções de investimentos para investidores institucionais. Na época da hiperinflação, o governo conseguia rolar a dívida no overnight, mas pagava juros de 3% ao dia.

Agora, com os juros em 2,25% ao ano, o Tesouro já não tem a mesma facilidade de vender títulos pós-fixados.

O argumento de Arminio e Pastore é que o encurtamento do prazo da dívida pública pode ser uma estratégia para ganhar tempo enquanto são tomadas as medidas de ajuste fiscal. Mas esse tempo não pode ser desperdiçado. As medidas que podem sustentar o teto de gastos, como a PEC Emergencial e a reforma administrativa, parecem totalmente fora das prioridades do governo e do Congresso. Ao contrário, são muitas as forças para flexibilizar o teto de gastos.


Bernardo Mello Franco: Alguns benefícios da nota de R$ 200

Se a nota de R$ 200 tivesse chegado antes, o ex-deputado Rocha Loures não precisaria ter corrido com uma mala de rodinhas. Bastaria uma discreta mochila para transportar a propina

O governo anunciou mais uma medida inadiável. Vai lançar uma nota de R$ 200 em plena pandemia do coronavírus. Até o fim de agosto, a nova cédula deve começar a chegar às mãos dos brasileiros. Ou de alguns deles, é claro.

A diretora de administração do Banco Central, Carolina de Assis Barros, atribuiu a novidade ao entesouramento. O fenômeno ocorre quando a população passa a guardar mais dinheiro em casa.

Com a quebradeira e a redução de salários, milhões de famílias limitaram o consumo a itens essenciais. Quem não perdeu o emprego tenta cortar despesas e seguir adiante. Ainda que a luz no fim do túnel pareça vir de um trem na contramão.

O auxílio emergencial também aumentou a demanda por papel moeda. Isso elevou o gasto federal com impressão e transporte de valores. Até aqui, o governo precisava de ao menos seis notas para pagar os R$ 600. Agora só precisará de três — e os beneficiários que se virem para arrumar troco na quitanda.

Os economistas explicaram que o lançamento da cédula de R$ 200 não significa a volta da inflação. Mesmo assim, quem viveu no Brasil antes do Plano Real pode ter sentido um frio na espinha. Em 1993, o país chegou a rodar uma nota de meio milhão de cruzeiros. Ela estampava o rosto do poeta Mário de Andrade, que nada tinha a ver com aquela desordem monetária.

Ontem o BC anunciou que a nova cédula vai trazer a imagem do lobo-guará. A escolha decepcionou quem preferia homenagear o vira-lata caramelo ou a ema que bicou o presidente Jair Bolsonaro.

Para alguns setores da classe política, a novidade chega com atraso. Se a nota de R$ 200 já existisse em 2017, o ex-deputado Rocha Loures não precisaria ter corrido com uma ostensiva mala de rodinhas. Bastaria uma discreta mochila para transportar a propina até o táxi.

O assessor que abastecia a conta do senador Flávio Bolsonaro também teria poupado tempo diante do caixa eletrônico. A cada depósito de R$ 2.000 em espécie, ele era obrigado a contar e separar 20 cédulas. Agora só precisaria de dez.


Ribamar Oliveira: O QE tupiniquim está limitado

Descuido na redação da PEC deixou de excluir operação do BC do teto de gastos

Durante a atual situação de calamidade pública decretada pelo Congresso Nacional, em virtude da pandemia de covid-19, o Banco Central terá um poder muito grande de intervenção nos mercados. Por meio da emenda constitucional 106, promulgada em maio desse ano, o BC foi autorizado a comprar e a vender títulos de emissão do Tesouro, nos mercados secundários local e internacional, e os ativos, em mercados secundários nacionais no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos.

Na aquisição dos ativos, o BC dará preferência aos títulos emitidos por microempresas e por pequenas e médias empresas. A única condição é que os ativos tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior, conferida por pelo menos uma das três maiores agências internacionais de classificação de risco e preço de referência publicada por entidade do mercado financeiro credenciada pelo BC.

O objetivo de todo esse poder que os representantes do povo brasileiro deram ao BC foi para que ele evite uma depressão econômica no Brasil, adotando uma política monetária flexível que, durante a monumental crise financeira de 2008/2009 ficou conhecida como QE - sigla para o termo em inglês “Quantitative Easing”.

Como, naquela crise, a taxa de juros nos países desenvolvidos já estava próxima a zero (negativa, em termos reais), o uso dos juros pelos Bancos Centrais para regular a atividade econômica já não tinha efeito. Alguns deles passaram, então, a comprar grande quantidade de títulos bancários no mercado financeiro e de capitais e de títulos dos seus próprios governos negociados no mercado secundário. Por meio desse mecanismo, os BCs injetaram uma quantidade imensa de moeda na economia, evitando, com isso, uma depressão mundial.

Com a EC 106, o Congresso Nacional deu poderes ao BC para que faça o mesmo, se isso for necessário, para evitar que a economia brasileira entre em depressão. O problema é que, da forma como está sendo operacionalizada, a política do QE tupiniquim ficou limitada.

Quando anunciou as regras e diretrizes do seu programa de compras, o BC informou que as aquisições de títulos privados teriam impacto no resultado fiscal primário. Cada compra elevaria o déficit deste ano e a venda reduziria o déficit. A tese apresentada pelo BC foi que a compra de ativo privado afeta a dívida líquida do setor público (DLSP) e, portanto, o resultado primário.

A dificuldade da tese do BC é que uma despesa primária precisa transitar pelo Orçamento da União, pois um gasto não pode ser executado sem que esteja autorizado pela lei orçamentária. Assim, o governo teria que enviar ao Congresso um pedido de crédito suplementar ao Orçamento para acomodar a despesa com a compra de títulos privados pelo BC, informaram fontes governamentais ao Valor.

A questão é que uma despesa primária está, necessariamente, submetida ao teto de gastos da União, a menos que tenha sido excluída do limite por determinação constitucional. Por um descuido de quem redigiu a chamada PEC do Orçamento de Guerra, que deu origem à EC 106, a despesa do BC com a aquisição de títulos privados não foi excluída do teto.

Para contornar esse problema, bastaria que o presidente Jair Bolsonaro editasse uma medida provisória abrindo um crédito extraordinário no Orçamento, acomodando, assim, a despesa do BC. Pela EC 95/2016, que instituiu o teto, os créditos extraordinários estão excluídos do limite da despesa. Mas, na MP, o presidente teria que dizer o valor do crédito e informar como a despesa seria custeada.

Este é um problema sério, advertiu o consultor da Câmara dos Deputados Antônio D’Ávila Carvalho Júnior, em entrevista ao Valor. Ele disse que o Banco Central vai emitir moeda para comprar os títulos privados e observou que esse aumento do passivo (monetário) do BC “não é, conceitual e legalmente, uma receita orçamentária”. Para ele, inserir tal receita no Orçamento seria inconstitucional.

D’Ávila foi um dos auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) que investigaram as “pedaladas fiscais” realizadas no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Ele disse que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que apenas as despesas relativas a pessoal e encargos sociais, custeio administrativo e os investimentos do BC devem integrar a lei orçamentária anual.

O consultor afirmou também que o teto de gastos não pode limitar a atuação do Banco Central, quando se trata de emissão de moeda, não interessando se a operação possa ser ou não classificada pelas estatísticas fiscais como despesa primária. Ou seja, a emenda de teto de gastos não tem qualquer influência/limitação/restrição no que tange à política monetária.

D’Ávila discorda da interpretação apresentada pelo Banco Central de que a compra de ativos privados altera a DLSP, ou seja, o resultado primário do setor público. Para ele, os títulos privados a serem adquiridos atendem aos critérios estabelecidos pelas estatísticas fiscais para serem registrados como um ativo na dívida líquida do setor público.

O consultor observou ainda que o BC saberá os valores de mercado dos papéis no momento em que for adquiri-los. “Uma debênture no valor de R$ 1.000 e que seja avaliada como BB- será adquirida, por exemplo, por R$ 200. Essa deverá ser a quantia a ser entregue pelo BC ao detentor do título e esse será o valor do ativo a ser registrado nas estatísticas fiscais”, explicou. Por isso, para ele, não haverá variação na DLSP, ou seja, no resultado primário.

D’Ávila considera que a operação de compra de títulos privados pelo BC é de natureza monetária, deve ficar fora do Orçamento, por mandamento constitucional e não se submete ao teto de gastos, ainda que possa ser classificada pelo BC, em suas estatísticas fiscais, como uma despesa primária.

Enquanto essa questão de contabilidade pública não for solucionada, o BC não poderá comprar títulos privados e o QE tupiniquim estará limitado. Só poderá comprar títulos do Tesouro negociados no mercado secundário.


Cristiano Romero: Uma economia marcada pela concentração

Modelo que faliu em 1982 nos legou vários oligopólios

Quando um cidadão vai a um banco solicitar empréstimo para comprar um apartamento ou uma casa, fica sabendo que, entre outras taxas, ele tem que pagar R$ 3 mil para a “avaliação” do imóvel. Sob qualquer escrutínio, é um valor salgado. Muitos ou a maioria dos clientes nem sequer tomam conhecimento da cobrança, não porque a considerem módica, mas simplesmente por não saberem de sua existência.

Incomodado com essa situação, um brasileiro do Banco Central (BC) avistou-se com banqueiros para saber por que a taxa é tão alta e, também, o porquê da cobrança. Mandaram-lhe procurar representante dos peritos, os profissionais autônomos encarregados de avaliar imóveis.

A autoridade inquiriu o perito: “Vem cá, por que R$ 3 mil?”. Constrangido, o representante dos peritos respondeu: “Doutor, na verdade, a nossa parte é R$ 300”. “E os R$ 2.700?”, quis saber o brasileiro do BC. “Vão para o banco, doutor.”

Não mate o mensageiro, diz o provérbio originário do latim "ne nuntium necare". Diz a lenda que Dario III, rei da Pérsia, foi derrotado pelas tropas de Alexandre, o Grande, por ter matado Charidemus, um de seus generais, responsável por levar-lhe conselhos que contrariavam toda a sua estratégia até então. O brasileiro do BC respirou fundo ao retornar aos banqueiros.

“Vamos lá, os peritos me contaram outra história. Por que vocês ficam com R$ 2.700 da avaliação sem fazer absolutamente nada?”, questionou. Embaraço geral, crianças foram retiradas da sala e, assim, emergiu a verdade nua e crua: “Margem, por margem…”. Novamente: “Não mate o mensageiro”, meditou o brasileiro dom BC.

Margem, neste caso, é lucro ou aquilo que se pode auferir de um negócio num mercado controlado por poucas empresas. Os R$ 3 mil são rigorosamente cobrados por todos os bancos - é provável que isso tenha mudado, mas o fato serve para ilustrar a falta de concorrência no setor bancário.

O cliente não tem para onde correr, afinal, dois bancos estatais - Banco do Brasil e Caixa - respondem por 50% do varejo bancário, e três privados - Itaú Unibanco, Bradesco e Santander -, pelo restante. Uma pergunta que não se cala: a quem não interessa a privatização dos bancos estatais?

A atual gestão do Banco Central tem implementado agenda, desde sua chegada a Brasília, há um ano e meio, para tentar diminuir a concentração bancária, um dos principais gargalos da economia brasileira. Por que é um gargalo? Porque o custo do crédito na Ilha de Vera Cruz é altíssimo, e, no caso das micro, pequenas e médias empresas, proibitivo. Esta realidade impede o desenvolvimento na base da economia, onde estão os novos empreendedores, a possibilidade de inovação disruptiva e a maioria dos empregos.

Durante décadas - e isso ainda não acabou -, o Estado brasileiro deu subsídio fiscal e creditício, por meio do BNDES e outros bancos federais, a grandes empresas, inclusive multinacionais. Estas companhias não tomam dinheiro nos bancos locais pela mesma razão de todos nós: juro alto. Mas, elas têm acesso a capital barato lá fora, onde as taxas de juros são as menores da história.

A Constituição, corretamente, proíbe discriminar o capital estrangeiro investido aqui, mas, convenhamos, não faz nenhum sentido um país de 50 milhões de miseráveis e outros 100 milhões ou mais de pobres bancar as margens de lucro dessas empresas, bem como das grandes corporações nacionais.

A liberdade de expressão está para a democracia assim como a concorrência está para a economia de mercado. Não existe democracia sem que os cidadãos tenham o direito de dizer o que pensam de seus governantes. Do mesmo modo, não há economia de mercado onde monopólios e oligopólios vicejam. Economias de mercado, em que há verdadeira e acirrada competição entre as empresas, se desenvolvem mais rapidamente sob regimes democráticos. Democracias onde o poder econômico se concentra nas mãos de poucos são mancas e sempre sujeitas à instabilidade.

Na Ilha de Vera Cruz, os grandes monopólios e oligopólios foram criados pelo governo, como mencionado por esta coluna nesta série dedicada à história econômica do país desde 1964 - o objetivo é tentar, humildemente, saber onde estamos depois de duas décadas diametralmente opostas neste século: segundo o Valor Data, na primeira, a economia avançou em média 3,71% ao ano, e, na segunda, -0,02%; como se vê, estamos no último ano de uma década perdida.

A justificativa do Estado para estimular a emergência de grandes empresas, principalmente nos setores de matérias-primas e bens intermediários, era a de que não havia por aqui, na ocasião (década de 1970), capitalistas com capital suficiente para bancar investimentos vultosos. Adotou-se o modelo tripartite, que combinava a participação de capital estatal, privado nacional e estrangeiro.

Em alguns setores, considerados "estratégicos", o controle estatal era absoluto, como na Petrobras, fundada muito antes, em 1953, na CSN (fundada em 1941, mas inaugurada apenas em 1946), na Vale (1942) e na Eletrobras (1962, que surgiu como uma empresa de estudos na área energética, mas, depois, tornou-se holding e incorporou, durante o regime militar, uma série de estatais).

O modelo de desenvolvimento vigente era o de substituição de importações. De fabricante de quase nada, a Ilha de Vera Cruz transformou-se, graças aos portões fechados e a um enorme endividamento externo, em produtor de quase tudo - o “quase” aqui é crucial para entender que a economia fechada fez o país ficar à margem da corrida tecnológica, atraso que ainda nos custa muito caro. Em 1982, com o advento do que ficou conhecido como “crise da dívida”, o modelo de substituição de importações começou a ruir.