auxilio emergencial

Vinicius Torres Freire: Remendo medíocre evita a explosão de fome e dívida no governo Bolsonaro

Para salvar Bolsonaro, PEC do auxílio e dos gastos empurra problema com a barriga

Nestes dias, o país discute como vai sobreviver a Jair Bolsonaro, ao morticínio, a fomes e a intervenções econômicas que podem danar até o crescimento medíocre previsto para 2021. Além do mais, o Brasil passa por uma guerra civil federativa, de estados e cidades em conflito com o governo federal.

Esse tumulto fúnebre tira de vez a atenção de um assunto sempre difícil ou francamente chato, mas essencial: as possíveis mudanças no gasto e na dívida do governo previstas pela proposta de emenda à Constituição (PEC) 186, a que também vai regulamentar a nova rodada de auxílio emergencial.

A PEC 186 na prática vai servir para empurrar com a barriga a mesmíssima situação em que estão as contas do governo. Isto é, se emenda não for ainda mais amputada ou lipoaspirada quando for a votação. Impede alguma explosão e sururu radical na finança (alta de dólar e juros em caso de rachaduras no “teto”), mas basicamente não muda a situação. Logo, apenas adia a discussão fundamental do que o país vai fazer de teto, gasto, dívida, investimento em produção e civilização, debate impossível até que voltemos a ter um governo e política civil.

Aprovada como estava até terça-feira (2), a PEC deve permitir que o “teto” de gastos federal resista pelo menos até o início do mandato do próximo presidente. A despesa de investimento em obras (como estradas ou hospitais), ciência ou saúde ficará no mesmo nível arrochado de agora, no máximo, na mais otimista das hipóteses.

Sem entrar em tecnicalidades, a despesa obrigatória será contida em até 95% da despesa total (como prevê a PEC) por meio da contenção do gasto com servidores públicos, no grosso. Na prática, tal despesa não poderá crescer mais do que a inflação em 2022 e 2023 (além do crescimento vegetativo, como promoções automáticas etc.) e, depois desses anos, nem isso. É o que indicam contas feitas com base em dados da Instituição Fiscal Independente, de acompanhamento de contas públicas, ligada ao Senado, dirigida por Felipe Salto

A PEC prevê também aumento de impostos, na prática. Isto é, define que devem ser canceladas certas renúncias de receitas (reduções de impostos para certas empresas ou indivíduos). Mas há tantas exceções que será impossível reduzir essa renúncia em cerca de 0,25% do PIB a cada um dos próximos oito anos, como se deduz da PEC (não vai se chegar nem a 40% disso). Por exemplo, a PEC permite acabar com a dedução de saúde e educação privadas no IR, mas isso deve cair também. Logo, difícil que saia alguma receita daí.

Na previsão da IFI, a receita do governo até 2030 fica abaixo da média dos anos Dilma 1 em pelo menos 1% do PIB. A arrecadação (como proporção do PIB) aumentaria mais apenas em caso de crescimento acelerado da economia com ênfase em setores mais formais e que pagam mais impostos. Esse milagre de crescimento dependeria de um dilúvio de investimento privado, o que não está no horizonte até pelo menos 2022.

A PEC em tese prevê uma mudança no modo de lidar com as contas públicas. Diz lá que uma lei complementar vai estipular algum limite para a dívida pública e quais os meios de controlá-la (com metas de contenção de gastos ou outras). Pode dar em reviravolta, em revolução fiscal ou em nada, virando letra morta, o que no caso talvez não seja má ideia.

A PEC não tem “contrapartidas” para o gasto com o novo auxílio emergencial. Isso tudo era conversa mole e pano passado para Paulo Guedes e turma. A PEC não resolve nada. É um remendão para a coisa não explodir até 2022.


Merval Pereira: Caindo pelas tabelas

Por onde quer que se pegue, o Brasil está literalmente descendo a ladeira, caindo pelas tabelas das principais estatísticas internacionais. A começar pelo combate à pandemia da Covid-19, passando por questões internas que nos afastam assustadoramente do mundo ocidental civilizado. Em números absolutos, temos o desonroso segundo lugar no mundo, com mais de 255 mil mortes por Covid-19.

Mesmo quando colocado em termos proporcionais, o número no Brasil fica entre os 30 países mais atingidos dos 178 com mais mortes por Covid-19 para cada 100 mil habitantes. Também na comparação proporcional, houve mais mortos no Brasil do que na Argentina, Alemanha e Rússia. Com relação à vacinação em massa, a estimativa é de que só será alcançada em meados de 2022, segundo a Economist Intelligence Unit.

A plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, indica que o Brasil aplicou, até o momento, 3,97 doses para cada 100 habitantes. O país com a maior taxa de vacinação no mundo é Israel, com 93,5 vacinados para cada 100 habitantes. Não por acaso, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, faz propaganda na televisão para estimular a vacinação, e o presidente brasileiro usa suas lives na internet para propagar o negacionismo, falar contra o uso de máscaras e sobre os pretensos perigos da vacinação.

Essa calamidade do combate à pandemia no Brasil se refletirá certamente na medição do Índice de Desenvolvimento Humano feito pelo Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (Pnud), que avalia a saúde, a educação e o padrão de vida dos países. O Brasil perdeu cinco posições no ranking mundial na última medição, passou do 79º para o 84º lugar entre 189 países. Perdemos também duas posições na América Latina, ficando atrás de Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia.

Com relação à educação, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês) registrou em 2019 ligeiro avanço dos estudantes brasileiros, que seguem, no entanto, entre os 20 piores colocados entre as 80 nações avaliadas em Ciências, Matemática e Leitura. Com todos esses resultados, ainda acrescentamos à nossa desdita um Congresso que propõe acabar com a verba obrigatória no Orçamento para Educação e Saúde, e um governo que, ao mesmo tempo que tenta ser admitido na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desdenha medidas de boa governança exigidas de seus membros, como valorização da democracia e dos direitos humanos, até regras de proteção ao meio ambiente e no combate à corrupção.

Na questão ambiental, retrocedemos 20 anos em dois no governo Bolsonaro. O Brasil, que já sediou congressos fundamentais e teve protagonismo internacional na discussão da proteção ambiental, hoje tornou-se um pária. A batalha contra a corrupção vai sendo gradualmente perdida por decisões jurídicas e parlamentares. Já não há pudor em debater mudanças em temas como nepotismo, improbidade administrativa ou impunidade parlamentar. Ou em defender alterações na Lei de Ficha Limpa.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, anuncia agora uma reforma política “profunda”, que pretende amenizar a legislação de cláusulas de barreira para atuação plena no Congresso dos partidos, acabar com a proibição de coligações nas eleições proporcionais e certamente amenizar as barreiras a candidatos condenados, como estava na versão original da PEC da Impunidade.

Os partidos que não conseguirem atingir as metas em 2022 para a eleição da Câmara perderão pela primeira vez o direito de ter financiamento público, tempo no rádio e televisão de propaganda eleitoral e até mesmo estrutura de gabinete e presença em comissões e na Mesa da Câmara.

Essa é uma tentativa de repetir uma experiência já vivida. As cláusulas de barreira foram aprovadas em 1995, para vigorar dez anos depois. Teoricamente, os partidos teriam tempo suficiente para se organizar. Em 2006, esses mesmos partidos entraram no Supremo Tribunal Federal contra as novas regras, e os ministros acataram os apelos em nome de “defender as minorias”. Chegamos aonde chegamos.


Míriam Leitão: Vida mais curta e outros recuos

Em 2030 ainda se sentirá o efeito da pandemia nas estatísticas brasileiras. As projeções refeitas da população podem registrar de um milhão e meio a três milhões menos brasileiros do que haveria se não tivesse ocorrido a pandemia. A crise sanitária reduziu a expectativa de vida dos brasileiros em 2,2 anos, segundo cálculos atualizados da demógrafa Ana Amélia Camarano, e isso mexe com todas as outras projeções. Há vários efeitos da pandemia na vida das pessoas. A participação da mulher no mercado de trabalho caiu aos níveis dos anos 1990. A morte dos mais velhos pode impactar fortemente a renda de milhões de famílias.

Há muito tempo os demógrafos calculam o momento em que o número de habitantes do país passará a diminuir anualmente, em vez de aumentar. Cada demógrafo ou instituto faz um cálculo diferente, dependendo das premissas. Mas uma coisa é certa: o encolhimento vai acontecer mais cedo e de forma mais intensa por causa da redução da expectativa de vida que está ocorrendo agora.

— Comparando a projeção que eu fiz em 2018 para a população brasileira com a que faço diante da diminuição da expectativa de vida, concluo que haverá um milhão e meio de brasileiros a menos na população. Na projeção do IBGE, o número pode ser de três milhões de brasileiros a menos. Alguns dados ainda nem se conhece, como a queda da taxa de fecundidade — diz a pesquisadora do Ipea.

Ana Amélia vinha chamando a atenção nos seus artigos e entrevistas para o fenômeno do prolongamento da vida no Brasil, e todas as mudanças decorrentes disso. Os brasileiros vivendo mais mudavam os seus hábitos e isso tem impacto na economia. A demógrafa costuma usar a expressão “os novos velhos” para se referir a pessoas com mais de 60 anos que estão mudando o conceito do que é ser velho:

— A recomendação médica era para a pessoa sair de casa, fazer exercício, encontrar os amigos para ter uma velhice saudável. O mercado de trabalho começava a rever seus conceitos, aceitando pessoas mais velhas. Um mercado de consumo de viagens, turismo e entretenimento se voltava para esse segmento. A pandemia mudou tudo isso.

As pessoas com mais de 60 anos são o alvo principal de um vírus que tem matado no Brasil numa intensidade alarmante. Para permanecer vivos, eles precisam abandonar os bons hábitos:

— Os idosos precisam mesmo se proteger porque 77,6% das mortes ocorrem na faixa com 60 anos ou mais. É justamente o grupo que tem um impacto crescente no consumo de lazer, turismo. Quem ainda estava no mercado de trabalho saiu pelo medo de se contaminar ou foi demitido porque aumentou o preconceito contra os idosos. A pessoa saiu da ideia da “melhor idade” para a do “grupo de risco”.

A população idosa continua sendo a que mais cresce, porque no passado nasceu muita gente, mas ela vai crescer menos. Aumentou para quase oito anos a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres. A desigualdade de expectativa de vida entre negros e brancos deve aumentar.

— E é a população preta e parda que está mantendo o Brasil funcionando, mesmo no isolamento social — lembra a pesquisadora.

São muitas as consequências e as sequelas desta pandemia. Há a mortalidade indireta. Muitas pessoas não puderam ser tratadas de outras doenças porque os hospitais estavam lotados pela Covid ou porque adiaram exames preventivos. O número de mamografias no SUS, segundo o alerta feito pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, na Globonews, foi menos de 50% em 2020 comparado a 2019.

— O câncer de mama é o que mais mata mulher no Brasil — lembra Ana Amélia.

Existem outras consequências. Há 21 milhões de domicílios nos quais a renda dos idosos é mais da metade da renda da família:

— Nesses domicílios há seis milhões de crianças com menos de 15 anos. Quando morre o idoso, a família não fica apenas órfã, ela fica mais pobre.

E ainda encolheu o mercado de trabalho para a mulher:

— A participação da mulher no mercado de trabalho voltou aos níveis dos anos 1990. Muitas tiveram que deixar o emprego para cuidar dos filhos, outras foram demitidas, as mulheres trabalham muito nos serviços e no comércio. Houve queda forte também no número de vagas para empregadas domésticas.

Depois da pandemia haverá muito trabalho para combater todos os efeitos desta tragédia que vivemos.


Bruno Carazza: Governar é inaugurar estradas

Ajuste fiscal da PEC emergencial foi esvaziado

Coribe (BA), Propriá (SE), Cascavel (PR), Florianópolis (SC), Alcântara (MA), Sertânia (PE), Campinas (SP), Rio Branco (AC), Foz do Iguaçu (PR), Tianguá (CE) e Fortaleza (CE). Nos últimos 40 dias, o presidente da República visitou 12 cidades brasileiras. Além das críticas à promoção de aglomerações no período em que a pandemia atinge seu ápice, o roteiro também deixa claro que Bolsonaro já está em campanha para ser reeleito em 2022.

Com a exceção de Rio Branco, para onde se dirigiu com os justos propósitos de sobrevoar as áreas atingidas pelas enchentes e acompanhar a ação das Forças Armadas e dos órgãos de Defesa Civil, os outros deslocamentos tiveram motivação meramente política.

Reagindo à queda de popularidade e aos ataques intensos que vem recebendo pela condução do país durante a crise de covid-19, Bolsonaro botou o pé na estrada. Afinal, é preciso manter o entusiasmo em regiões que o apoiaram massivamente em 2018 (como Santa Catarina e o oeste do Paraná) e prestigiar grupos cativos como os militares, ainda que a visita seja apenas para desejar boa sorte a novos cadetes no seu curso de formação em Campinas.

Todavia, chama a atenção o destino preferencial de suas viagens. Em cinco das últimas seis semanas o presidente voou para inaugurar obras no Nordeste, seu calcanhar de Aquiles nas últimas eleições e onde ele tem seu pior desempenho nas pesquisas. Não por acaso, na maioria das vezes ele aterrissou em Estados governados por partidos que lhe fazem oposição.

Entregar trechos de estradas, pontes e ações contra a seca faz parte do jogo político. Como todos os seus antecessores desde que Fernando Henrique Cardoso inventou a reeleição, Bolsonaro está utilizando os recursos de que dispõe como chefe do Poder Executivo para agradar eleitores cativos e ampliar sua base de apoio visando se manter no poder até 2026.

Essa antecipação do clima eleitoral, porém, emite sinais claros a respeito de como será conduzida a economia na metade final de seu primeiro mandato. Tanto a teoria quanto nossa história indicam que é bastante improvável que um governante resolva adotar políticas fiscais restritivas quando está em campanha.

A vitória de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para as presidências da Câmara e do Senado foram comemoradas por muitos no mercado como um indicativo de que o governo passaria a ter à sua disposição uma ampla base capaz de aprovar uma agenda econômica mais ambiciosa.

As muitas semelhanças e afinidades entre Jair Messias e a maioria dos parlamentares que compõem essa massa amorfa que chamamos de Centrão deram esperança de que as propostas fiscais de Paulo Guedes poderiam avançar de modo mais fluido. A hipótese faz sentido; pena que as condições para a sua concretização estavam presentes há dois anos - e foram desperdiçadas.

Reformas econômicas abrangentes, que rompam estruturas, são implementadas mais facilmente em início de mandato, quando ainda não se verifica o desgaste natural de todo presidente. Além disso, precisam contar com o empenho dos líderes no Congresso, de preferência se comungarem do mesmo apetite por mudanças.

Quando tomou posse, Bolsonaro tinha em mãos todos esses ingredientes: um alto índice de popularidade, um Congresso que é a sua cara e, na presidência na Câmara, Rodrigo Maia, que desde o governo Temer conduzia uma agenda liberalizante, com a aprovação do teto de gastos e a reforma trabalhista. A rápida aprovação das novas regras da Previdência mostrou que essa parceria poderia render, mas depois disso a química com Maia desandou - e as propostas foram colocadas em banho-maria.

O contexto atual é bastante diferente, a começar pela interminável pandemia, que exige cada vez mais recursos para lidar com seus imensos custos sociais e econômicos.

Bolsonaro também não é mais o mesmo, pois em exatos dois anos, sua desaprovação subiu de 17% para 42%, segundo a última pesquisa XP/Ipespe. Essa piora tem literalmente um preço: além de todas as emendas extraordinárias liberadas para eleger seus aliados para a presidência do Congresso, o envio da nova MP da Eletrobras trouxe consigo um agrado de R$ 8,75 bilhões para as bancadas do Nordeste, da Amazônia e de Minas Gerais destravarem o processo de privatização. Outras faturas virão.

A maior prova, porém, de que o novo arranjo entre Bolsonaro, Lira e Pacheco não resultará em medidas econômicas de impacto está no novo relatório da PEC emergencial, apresentado na semana passada pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Comparando-se o substitutivo do relator com a proposta inicial, encaminhada por Paulo Guedes, a PEC nº 186/2019 foi bastante desfigurada. Além de autorizar, sem parâmetros ou limites, uma nova rodada do auxílio emergencial, Bittar busca cristalizar na Constituição um regime fiscal extraordinário para calamidades públicas, suspendendo-se travas relativas a contratação de pessoal, obras e serviços, abrindo-se a possibilidade de se criar despesas sem prévia previsão orçamentária e dispensando a observância da regra de ouro do endividamento público.

Para contrabalançar, o substitutivo propõe compensar o aumento de despesas seguindo a velha tática de impor ônus sociais em lugar de desagradar grupos de interesses bem identificados.

O acordo entre Bittar e a equipe de Paulo Guedes (ou seja, entre o Centrão e Bolsonaro) tem uma lógica clara. De um lado, desobriga o Estado de gastar um percentual mínimo com educação e saúde; de outro, preserva os servidores públicos de terem seus salários reduzidos e blinda os empresários que se aproveitam dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, do Simples, das entidades sem fins lucrativos, dos produtores de bens da cesta básica e da bolsa empresário dos fundos de desenvolvimento.

Com Bolsonaro em clima eleitoral e o Centrão no comando do Congresso, é muito pouco provável que uma reforma fiscal de verdade seja aprovada antes de 2023. De emergencial, só sobrou o auxílio.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Celso Rocha de Barros: Brasil morre, Brasília foge, e Faria Lima vende

Bolsonaro permanece impune, em troca nenhum político será preso

A semana passada deve ter sido a pior do século 21 brasileiro. Enquanto os primeiros países a se vacinarem já discutem a volta à normalidade, as mortes por Covid-19 crescem aceleradamente no Brasil.

As mortes já começaram a cair em países que também se saíram mal no combate à pandemia, como o México e os Estados Unidos, mas continuam a crescer no Brasil.

Em Manaus, pacientes intubados precisam ser amarrados para suportar a agonia porque a anestesia acabou, como antes havia acabado o oxigênio.

O governo Bolsonaro mandou as vacinas do Amazonas para o Amapá porque errou a sigla. Em várias regiões do Brasil a ocupação de UTIs se aproxima de 100%.

No célebre hospital Albert Einstein, o preferido do presidente, já está em 104%. Se Bolsonaro fosse esfaqueado por Adélio Bispo hoje, morreria sangrando na sala de espera.

Enquanto isso, o auxílio emergencial acabou, e a população brasileira mergulhou na mais profunda miséria.Sem perspectiva de vacinação, não há cenário de crescimento econômico que empregue essa gente toda.
Passaremos a recuperação da economia mundial doentes, morrendo, pobres, deixados para trás pelas nações que não elegem Bolsonaros.

O que as elites política e econômica brasileiras estavam fazendo durante tudo isso? Em um país funcional, teriam apoiado e promovido impeachment e prisão dos responsáveis por tudo isso.

Um governo de união nacional estaria já implementando a nova política de sustentação de renda. Todos os esforços estariam focados em conseguir vacinas desde o impeachment de maio de 2020.

Ao invés disso, na pior semana do século, as pautas em Brasília eram as seguintes: o Congresso passou tempo precioso tentando tornar mais difícil que parlamentares sejam presos.

O governo inventou um pacote de medidas liberalizantes projetadas nas coxas para acalmar o mercado depois da intervenção na Petrobras (cujas ações voltaram a cair).

Bolsonaro conseguiu que o Superior Tribunal de Justiça aliviasse para seu filho Flávio, criando jurisprudência que será usada por todos os acusados de corrupção de agora em diante. Na quinta-feira, o presidente da República foi à internet para mentir que máscaras não funcionam para combater a Covid-19.

A Brasília que sustenta Bolsonaro resolveu deixar o resto do Brasil morrer enquanto eles todos, como o primeiro-filho Flávio, fogem da polícia.

O acordo é esse: Jair Bolsonaro, o responsável por muitas milhares de mortes durante a pandemia, mantém seu cargo e permanece impune pelas mortes que causou. Em troca, nenhum político será preso pelo dinheiro que roubou.

E os ricos? Até a semana passada, apoiavam isso tudo.

Desde a intervenção na Petrobras, estão em dúvida: discutem se Bolsonaro, que mudou de Palmeiras para Flamengo no dia seguinte à decisão do Campeonato Brasileiro, tem convicções liberais firmes. Se concluírem que tem, voltam a apoiar. Enquanto discutem, a bolsa cai.

Na pior semana do século brasileiro, Brasília fugiu da polícia, e a Faria Lima vendeu Petrobras. Se já houve mecanismo capaz de fazer as duas trabalharem pelo Brasil, parece ter parado de funcionar.


Fernando Gabeira: Bolsonaro e a construção do caos

Na semana em que as mortes pela pandemia atingem a marca de 255 mil, toda a atmosfera política parece sombria. Não é caso de desespero, apenas a constatação de que vivemos um momento especialmente difícil.

Enquanto sonhamos com a imunização do povo contra a Covid-19, quem recebe vacinas é Flávio Bolsonaro, filho do presidente, e os congressistas do Brasil. Flávio ganhou uma vacina contra a punição no caso das rachadinhas. Os congressistas foram mais longe e produziram um projeto que os vacina contra a prisão em flagrante.

Impressionante ver como o populismo de direita se associa aos políticos tradicionais para criar uma intransponível blindagem para toda sorte de crimes.

E logo eles, os populistas de direita, que afirmam a decadência de um mundo materialista, distante dos valores espirituais que pretendem restaurar.

Acabo de ler “Guerra pela eternidade”, um livro de Benjamin Teitelbaum. O livro fala do retorno do tradicionalismo e da ascensão da direita populista. Infelizmente, não posso fazer uma resenha aqui, senão meu espaço iria para o espaço, se me perdoam o jogo de palavras.

Teitelbaum é etnógrafo, e seu método de pesquisa consiste em observar e interagir com as pessoas que estuda. Dois personagens, entre outros, se destacam em seu livro: Steve Bannon e Olavo de Carvalho. A leitura do livro me ensinou alguma coisa sobre o pensamento da direita, embora a tese central não tenha me parecido muito sólida. Ele tenta enquadrar Steve Bannon e Olavo de Carvalho no figurino do tradicionalismo, mas algumas partes do corpo ficam do lado de fora, não cabem exatamente.

O tradicionalismo tem uma visão circular do tempo. As épocas se sucedem da Idade do Ouro, o tempo dos sacerdotes, passando pelos guerreiros e comerciantes, até o dos escravos, a decadência que se vive hoje no mundo material, globalizado, dominado por uma aliança entre o liberalismo e a China.

Steve Bannon e Olavo de Carvalho sonham com um novo mundo, em que os moradores das áreas rurais americanas e o povo religioso do Brasil (no caso de Olavo) aparecem como as forças novas que vão restaurá-lo.

É um pouco parecido, num outro plano, com a visão romântica dos comunistas, que viam a redenção na classe operária. O mais importante, no entanto, é que, assim como a velha extrema esquerda, Bannon quer implodir as instituições existentes.

Isso explica, no governo Trump, a escolha de uma secretária de Educação que distribuía vouchers para usarem em escolas particulares, anulando o ensino público. Ou mesmo a escolha de um diretor da agência ambiental cujo grande objetivo era acabar com seu ativismo.

Há correspondência dessas escolhas no Brasil. Ricardo Salles foi apontado para destruir o trabalho legal pelo meio ambiente. Ernesto Araújo, para realizar uma diplomacia que rompe com as práticas tradicionais.

Araújo não se importa que o Brasil se transforme num pária. Num mundo decadente, isso é um elogio: significa que há um papel na nova idade do ouro, em que os símbolos superam a razão.

Não tenho espaço para as contradições. Lembro apenas que Bannon se diz espiritualista, mas recebia um salário de US$ 1 milhão de um bilionário chinês e foi acusado de desviar dinheiro destinado a construir o muro na fronteira com o México.

O ponto central é que essas ideias influenciam o governo Bolsonaro. Ele mesmo é uma espécie de antipresidente, alguém destinado a explodir a instituição. O caos é algo promissor para quem julga antever a aurora de uma nova era.

É assim que entendo sua intervenção na Petrobrás e os decretos para armar o povo. Na verdade, foi assim que li as principais declaracões dos quadros da alt-right, a direita alternativa.A tática parece muito com as velhas teorias revolucionárias , só que com o sinal trocado.


José Eduardo Faria: Qual o rumo da democracia brasileira

Entre os diferentes modos de compreender o que é a democracia, em termos funcionais, destaca-se o que a encara como um regime de dispersão e neutralização de confrontos que podem colocar em risco as estruturas sociais. Nessa perspectiva, a democracia é vista como um entrechoque entre interpretações e aspirações, entre alternativas e opções, percepções e convicções, que se desenvolve em espaços públicos sujeitos a extravasamento de paixões, aspirações, reivindicações, promessas, dissimulações, maniqueísmos, agressões morais e mentiras.

Para neutralizar os riscos de corrosão do pacto social daí decorrentes e viabilizar a construção de decisões coletivas com base em diálogos construtivos, evitando o retrocesso do Estado civil para o estado da natureza, a democracia desenvolveu um sistema de freios e contrapesos — ou seja, regras e procedimentos, como o voto universal, eleições livres e o princípio da maioria, que canalizam reivindicações e desarmam insatisfações, ao mesmo tempo em que permitem construção de acordos coletivos e de deliberações públicas.

Se em vários momentos na segunda metade do século XX a democracia foi marcada por embates ideológicos profundos e acirrados, ainda que por vezes sem que os líderes políticos e partidários se desqualificassem reciprocamente no plano moral, nas duas primeiras décadas do século XXI isso mudou. Em decorrência dos avanços das tecnologias de comunicação e de informação, os partidos se fragmentaram, as linhas de demarcação que separam responsabilidades e delimitam as diferentes zonas de poder se tornam mais porosas e novos espaços políticos surgiram, intercruzando-se e se justapondo, enfraquecendo com isso a mediação parlamentar.  No mesmo sentido, a imprensa tradicional, as novas mídias e os antigos e novos espaços políticos justapostos foram sendo progressivamente envolvidos por atitudes cada vez mais polarizadas e por retóricas cada vez mais agressivas de políticos cuja identidade é forjada mais pelo que negam e agridem do que pelas ideias que defendem. Em vez de uma convivência democrática entre adversários, ao destilar o ódio e recorrer a agressões morais e à mentira sistemática uma corrente entre os novos atores converteu a política não em disputa ou competição, mas numa guerra, em cuja dinâmica quem não é amigo é inimigo e como tal tem de ser liquidado.

Foi o que se viu, por exemplo, nas atitudes do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán logo após sua reeleição, em 2014, descrevendo o futuro de seu país na perspectiva de um Estado autocrático, que não rejeitaria os valores da democracia liberal, mas não os adotaria como elemento estruturante da organização das instituições húngaras. Foi o que também se viu no final do governo Trump, com o triste espetáculo da invasão do Capitólio, em janeiro.

Também foi o que se viu entre nós, com a escolha de ministros civis e militares medíocres, mas que se ajustam à maneira de agir, às opiniões xenofóbicas e racistas e aos objetivos ditatoriais de Bolsonaro. É, igualmente, o que se tem visto com as sucessivas afrontas promovidas por ele e sua falange autocrática aos Poderes constituídos, com a construção de inimigos fantasiosos — como um Paulo Freire ou a TV Globo, por exemplo — para que possam radicalizar o debate político e com o progressivo aparelhamento dos mecanismos constitucionais de controle do Executivo, levando-os a fazer vistas grossas para os crimes de responsabilidade e os crimes comuns praticados pelo inquilino do Planalto. É o que se tem visto, ainda, com a militarização das várias áreas de políticas públicas e as facilidades legais para o crescente armamento do que o presidente chama de “cidadãos de bem”, mas que na prática nada mais são do que suas milícias. Tudo isso com o apoio de parlamentares abjetos oriundos da área da segurança pública que, lembrando a “dialética da malandragem” — termo cunhado por Antônio Cândido em ensaio clássico sobre Memórias de um Sargento de Milícia — não conseguem diferenciar as fronteiras entre a moralidade e a imoralidade.

Em contextos como esses, o que esperar da democracia? A corrosão democrática tende a se acelerar, fundada em um discurso do ódio de gente incapaz de saber que, sem coexistência, divergências e competição não há vida política nem uma sociedade aberta? Ou as instituições democráticas resistirão? Apesar das sucessivas tensões institucionais causadas pela estratégia bolsonarista de ir testando o grau de resiliência das instituições e das liberdades públicas, talvez seja possível, com a devida prudência, apontar dois cenários possíveis.

O primeiro cenário envolve esse risco de conversão da democracia liberal em uma democracia iliberal — conceito desenvolvido por Fareed Zakaria em artigo publicado na Foreign Affairs, no ano de 1997. Os problemas por ele suscitados foram aprofundados mais recentemente por Adam Przeworski, em um importante livro sobre as crises democracia, editado em 2019. Também chamada de “democracia de baixa intensidade” ou de “autoritarismo furtivo” e entendida como processo de “desconsolidação da democracia liberal”, a democracia iliberal é um sistema de governo em que, os cidadãos votam, mas suas garantias vão sendo progressivamente esvaziadas e eles não exercem controle sobre as atividades daqueles que detêm o poder efetivo.

A democracia iliberal encontra as condições para crescer quando a economia passa por períodos de estagnação, a circulação de riquezas diminui, as receitas fiscais caem e a desigualdade aumenta. Programas sociais não atingem toda população desvalida e sem representação. Políticas públicas são canceladas em nome da austeridade fiscal e a situação de incerteza e insegurança sociais daí decorrentes abre caminho, pelo voto, para o surgimento de concepções regressivas de ordem pública e para a degradação do debate político. A progressiva ascensão de um populismo nacionalista e autoritário desenfreado menospreza a pluralidade inerente a uma sociedade democrática, desqualifica o diálogo como meio de resolução de divergências e mobiliza a população contra inimigos reais ou inventados.

Desse modo, quando votam em candidatos populistas, nacionalistas e autoritários, o eleitorado acaba, paradoxalmente, restringindo seu direito de determinar o rumo de seu país, ao mesmo tempo em que endossa propostas de resolução pela força bruta, em detrimento da segurança do direito. A democracia iliberal é, assim, um regime no qual regras e procedimentos democráticos são utilizados por grupos autoritários com o objetivo de reduzir as mediações institucionais, minar garantias fundamentais, inviabilizar juridicamente eventuais resistências e de alterar as regras democráticas com base nas quais seus candidatos se elegeram. Se de um lado a democracia iliberal recorre a instrumentos do regime democrático em busca de uma pretensa tintura de legitimidade, de outro não esconde a propensão por uma concepção de poder fundada em técnicas ardilosas de transgressão da ordem constitucional.

Em linha oposta, o segundo cenário parte das premissas de que a “desconsolidação” da democracia seria mais mito do que fato e de que a democracia liberal — uma construção política que experimenta avanços e retrocessos que variam nos graus de representatividade, liberdade e possibilidade de alternância no poder – é mais estável do que parece com relação àqueles que propagam o ódio. Aqui, a referência intelectual é o filósofo basco Daniel Innerarity, que tem discutido se a fragilidade da democracia é um fato ou apenas um mito. Doutorado na Alemanha, professor do Instituto Universitário Europeu, em Florença, e diretor do Instituto de Governança Democrática, na Espanha, ele é autor de importantes ensaios e livros sobre democracia na perspectiva da teoria dos sistemas.  “Vivemos numa época em que há muito ódio, mas pouca violência. Convém não confundir as duas coisas. Este grau de hostilidade intensa do qual padecemos hoje em nossas democracias nada tem a ver com a violência armada organizada. O ódio não é a antessala da violência, mas algo que a substitui. Não nos permitimos odiar tanto porque sabemos que — pela solidez de nossas instituições, pelo Estado de Direito ou pela ameaça ao castigo da lei — é muito improvável que esse desprezo mútuo desemboque em violência”, diz ele.

Tomando por base a democracia americana e a europeia, Innerarity afirma que um regime democrático não cai necessariamente por meio de um golpe do Estado e que eleições acirradas, agressões verbais, paralisia decisória e agressividade retórica fazem parte do jogo político. A seu ver, o que de fato vem desarranjando a democracia são formas mais sutis de degradação, como descontentamento popular, negativismo dos eleitores, oportunismo dos políticos profissionais e deslocamento dos espaços tradicionais de decisão para espaços novos — muitos deles transterritroriais – não controlados democraticamente. Por isso, personagens que ameaçam a vida democrática — como um Trump ou um Bolsonaro, por ele não nominados expressamente — são mais oportunistas do que propriamente golpistas. Se por um lado recorrem à retórica violenta para atrair atenção, por outro não sabem nem têm condições de exercer um poder expandido ou forte no âmbito de países dotado de um mínimo de complexidade.

Se a debilidade da democracia liberal decorre mais do enfraquecimento de uma cultura política baseada no sentimento de pertencimento a uma comunidade unida, diversa e aberta do que a ameaça de políticos populistas autoritários, diz Innerarity, sua força tende a aumentar à medida que forem construídas instituições que não sejam demasiadamente condicionadas por aqueles que eventualmente as dirijam. Mais precisamente, em que as regras prevaleçam sobre o voluntarismo dos dirigentes.

Em um período de aceleração do tempo, de deslocamento da produção jurídica para instâncias não legislativas, de integração dos espaços nacionais pelos meios de comunicação, de transferência da titularidade dos Legislativos para organismos intergovernamentais, a chave de resistência democrática está na criação de estruturas institucionais bem mais complexas do que as forjadas nos séculos XIX e XX, que moldaram uma democracia mais simples,  eficaz para a época, mas lenta nos períodos de crise econômica, e com jurisdição limitada às fronteiras dos Estados.

A situação hoje é outra. Em decorrência da internacionalização da decisão econômica, do advento de tecnologias mais integradas, de novas formas de comunicação e de informação, da tendência da sociedade contemporânea de subdividir em subsistemas funcionalmente diferenciados, são necessárias instituições capazes de trabalhar com sistemas mais complexos e inteligentes — o que não ocorria quando a democracia liberal emergiu no mundo moderno. Também é necessário articular robotização, automatização e digitalização com princípios de autogoverno, que constituem o núcleo normativo das estruturas democráticas, diz o autor. Essas mudanças configurariam estruturas, processos e regras que proporcionariam à democracia contemporânea um alto grau de inteligência sistêmica — uma inteligência que não está nas pessoas, mas nos componentes constitutivos de um sistema institucional mais flexível e capaz se adaptar a mudanças e inovações.

É isso que tornaria o regime democrático funcionalmente mais eficiente e resistente, frente a falhas de atores individuais, fraquezas de partidos políticos e más intenções de aventureiros populistas. Sem relativizar a importância da autorização popular que está por trás de suas decisões, a democracia só sobrevive se a própria inteligência do sistema institucional for capaz de compensar a mediocridade, a inépcia e a até má fé e a maldade dos atores políticos — conclui o autor de Una teoria de la democracia compleja – gobernar en el siglo XXI (Barcelona, Galaxia-Gutemberg).

Em princípio, esses cenários não são animadores. Diante do cenário da tendência à democracia iliberal, por meio de medidas astuciosas, porém nem sempre ilegais, e o cenário da afirmação da força de uma democracia baseada em sistemas inteligentes, é difícil apontar qual é o mais viável. A verdade é que, quanto mais nos enveredamos na análise de cada um deles, mais voltamos ao paradoxo socrático da ignorância, à medida que sabemos do quanto não sabemos qual será o destino da democracia entre nós.

*José Eduardo Faria é Professor Titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

(Esse artigo foi originalmente publicado em Estado da Arte, revista eletrônica vinculada ao jornal O Estado de São Paulo, em 20/02/2021)


Guilherme Amado: Senadores de oito partidos falam em impeachment de Bolsonaro por Covid, Veja prints

Em grupo de WhatsApp, conclamados por Tasso Jereissati, senadores de diferentes partidos concordaram sobre a necessidade uma CPI da Covid e de responsabilização de Jair Bolsonaro

Senadores de oito partidos, inclusive integrantes da base aliada, criticaram a postura de Jair Bolsonaro e defenderam a necessidade criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar e responsabilizar a atuação do presidente durante a pandemia.

A coluna teve acesso a prints de mensagens trocadas no sábado 27 no grupo de WhatsApp que reúne os 81 senadores, em que, conclamados por Tasso Jereissati, do PSDB do Ceará, senadores de PSD, MDB, PT, Cidadania, Rede, PROS, Podemos e Republicanos concoradaram com a necessidade de responsabilizar Bolsonaro.

Escreveu Jereissati, às 14h27 deste sábado:

"Senadoras e senadores, o presidente Bolsonaro esteve no Ceará, ontem, sexta-feira, quando cometeu pelo menos dois crimes contra a saúde pública, ao promover aglomerações sem proteção e ao convocar a população a não ficar em casa, desafiando a orientação do governo do estado e ainda ameacando o governo de não receber o auxílio emergencial. Desta maneira a instalação da CPI no Senado tornou-se inadiável. Não podemos ficar omissos diante dessas irresponsabilidades que colocam em risco a vida de todos brasileiros".

A partir daí, começaram os apoios.

"Toda razão amigo Tasso, o PR (Bolsonaro) afronta os governadores que estão na ponta cuidando da saúde nos estados, cabe ao Senado, a Casa da federação, contestar essa ação equivocada do PR JB, que leva a quebra de protocolos e leva à expansão da doença no país", escreveu Otto Alencar (BA), do governista PSD, acrescentando: "O PR receitou cloroquina, depois reconheceu que era placebo, muitos usaram. Aqui na Bahia alguns morreram por parada cardíaca, inclusive um médico morreu, Dr Moisés, de Ilhéus, por parada cardíaca".

"Isto, mestre Tasso. Dói na alma estas coisas. Ainda bem que temos governadores e prefeitos que cumprem seus deveres", criticou Confúcio Moura, do MDB de Roraima.

"Concordo 100%", escreveu Alessandro Vieira, do Cidadania do Sergipe.

"Concordo, Tasso", respondeu a senadora Zenaide Maia, do PROS do Rio Grande do Norte.

"Registrei imediatamente as inconsequentes posturas presidenciais, com o respeito cabível e exigível, ao fazer carreata no dia que se verificara o maior número de óbitos de nacionais", concordou Veneziano Vital do Rêgo, do MDB da Paraíba.

"Esse negacionismo já passou do limite. O Brasil já ultrapassou os 250 mil mortos e vamos ter lamentavelmente próximos dias muito graves em mortes e colapso da rede pública em vários estados", criticou Eduardo Braga, do MDB do Amazonas.PUBLICIDADE

"Concordo e apoio a iniciativa do senador Tasso! Nosso PR tem tido um comportamento totalmente errado em relação a como cuidar dos brasileiros no que diz respeito à pandemia. Desde o início, tudo errado. Não é razoável que depois de tudo o que aconteceu no mundo ele continue nagacionista", escreveu Oriovisto Guimarães, senador pelo Podemos do Paraná.

"Um depoimento que contrapõe a insensatez e dureza de coração de muitos", comentou Mecias de Jesus, líder do Republicanos e eleitor por Roraima, em cima de um vídeo em que o secretário de Saúde de Rondônia critica as aglomerações e faz um apelo pela conscientização.

"Concordo com Tasso Jereissati. Agora mais do que nunca sobejam razões para instalar a CPI", escreveu Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá.

"Uma grande verdade, Tasso! Está na hora", concordou Eliziane Gama, do Cidadania do Maranhão.

"Concordo plenamente. Não há outro caminho", acompanhou Humberto Costa, do PT de Pernambuco.

"Concordo 100% (II). Aqui em Natal, há 'discípulos' até hoje: o prefeito", escreveu Jean Paul Prates, do MDB do Rio Grande do Norte, compartilhando um vídeo em que o prefeito de Natal, Álvaro Costa Dias (PSDB), recomenda o uso de ivermectina, medicamento sem comprovação científica para o combate à Covid-19.


O Estado de S. Paulo: Pandemia molda tática eleitoral de Bolsonaro

Analistas mostram como ações do presidente ao longo da pandemia tiveram impacto na condução da crise e nas estratégias pela reeleição: um ano depois, Bolsonaro assume postura menos liberal e retorna ao convívio do Centrão

Adriana Ferraz e Marcelo Godoy

A crise chegou ao Brasil em25 de fevereiro de 2020. Além do aspecto dramático que contabiliza até agora mais de 250 mil brasileiros mortos, o saldo político de um ano de pandemia é evidente. Sob fortes críticas pela condução da gravíssima crise sanitária, o governo deJair Bolsonaro assumiu uma feição menos liberal e mais associada à “velha política” que costumava rechaçar.

A aproximação com o Centrão - em boa parte para frear as ameaças de impeachment - permitiu que Bolsonaro garantisse aliados no comando do Congresso e deixou mais clara sua articulação para a reeleição. Ao conseguir formar uma base, o presidente já molda sua candidatura e dispõe de mais alternativas partidárias até mesmo para sua filiação. Desde que deixou o PSL, ainda em 2019, Bolsonaro segue sem partido.

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Analistas ouvidos pelo Estadão ainda viram nesses últimos 12 meses o governo se afastar definitivamente do lavajatismo e deixar de lado o liberalismo, adotado como tática eleitoral em 2018. Para alguns, o governo se sustenta hoje em uma “visão conservadora-autoritária” e no apoio do Centrão. “Ainda não sabemos qual desses dois vai prevalecer”, diz o historiador Boris Fausto.

Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco; da Câmara, Arthur Lira; e da República, Jair Bolsonaro
ADRIANO MACHADO/REUTERS

O cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, coordenador do curso de Administração Pública da FGV-SP, ressalta que essa incerteza sobre os rumos da aliança com o Centrão já foi até colocada à prova com o caso da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) - os partidos que formam o grupo votaram majoritariamente contra o parlamentar.

“O Centrão faz cálculo político. Se os deputados perceberem que a reeleição de Bolsonaro está em risco, eles pulam do barco. Foi o que fizeram com a então presidente Dilma Rousseff durante o processo de impeachment. O presidente Bolsonaro hoje tem essa base, que lhe dá sobrevivência no cargo, mas o acordo não é atemporal”, afirma.

Do ponto de vista da saúde, no entanto, há um consenso de que a forma como o governo Bolsonaro lida com a pandemia só aprofunda o impacto do coronavírus na rotina dos brasileiros. No dia em que o País bateu recorde de mortes (1.582), o presidente contestou o uso da máscara como estratégia para conter o contágio.

Comportamento que se repete. Bolsonaro fez inúmeras declarações neste primeiro ano de pandemia tentando reduzir o risco da doença. Entre falas que consideravam o potencial do vírus “superdimensionado”, o presidente comparou a covid-19 a uma “gripezinha”, chamou de “histeria” a postura da imprensa e ainda afirmou que não é “coveiro”, ao ser questionado sobre a responsabilidade pelas mortes. “A sociedade se incomoda muito quando o governo fala algum absurdo. A saúde é o limite”, afirma a economista Laura Müller Machado.

É aqui que o desenvolvimento de políticas públicas com critério enfrentou seu principal adversário: o negacionismo, ainda tão presente no discurso e nas ações do presidente como há um ano atrás. Além de não usar máscara, Bolsonaro ignora medidas de distanciamento social e ele próprio provoca aglomerações por onde passa.

Sem máscara, presidente cumprimenta apoiadores e provoca aglomeração
ALAN SANTOS/PR-21/1/2021

“O tom negacionista do governo impactou toda a condução da pandemia no Brasil, principalmente porque o negacionismo fez com que não houvesse uma coordenação nacional centralizada, com um Ministério da saúde forte que pudesse orientar os Estados e municípios”, alerta a bióloga Natália Pasternakdoutora em microbiologia e diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).

“Essa é uma crise que pegou todo mundo de calças curtas. Ninguém estava preparado para uma crise desse tamanho.”Marcos Lisboa, economista

O maior sistema público de saúde do Ocidente, o SUS, não conseguiu nem sequer comprar agulhas e seringas ou mesmo distribuir testes para detectar a covid-19 - milhões deles ficaram parados, estragando nos estoques do governo. Cidades ficaram sem oxigênio e os brasileiros, sem vacina. Tudo virou disputa política, de olho na eleição de 2022.

Embora a pandemia tenha afetado a percepção das pessoas sobre governos, os efeitos sobre os planos de Bolsonaro devem ser “relativizados”, na avaliação do cientista político e professor do Insper Carlos Melo. “O ano de 2020 se desenvolveu como avalanche que invadiu 2021, atravessando-o e lançando o País diretamente em 2022. Antecipou a disputa eleitoral, que só não está nas ruas porque as ruas estão forçosamente vazias”, afirmou Melo. “Verdade que o presidente nunca desceu do palanque. Mas, desconfiado e competitivo ao extremo, tornou-se mais ansioso, temeroso e temerário.”


Governo Federal x Estados e municípios

Se a crise foi aguda em todos os cantos no mundo, no Brasil ela teve características que aprofundaram seus efeitos sobre a economia e o ambiente político. O primeiro deles foi a falta de coordenação entre o governo federal e os demais entes da federação.

Já é histórica no Brasil a disputa entre poder central e poderes locais, mas durante a pandemia a nação assistiu a um desencontro entre os poderes, levado, nas palavras do cientista político José Álvaro Moisés, a “limites inteiramente paradoxais”.

Eduardo Pazuello (Saúde) reúne governadores para distribuir as primeiras doses de coronavac
FELIPE RAU/ESTADÃO

O governo Bolsonaro também errou em seu planejamento para a compra de vacinas. “Por que o governo federal não comprou outras vacinas no segundo trimestre do ano passado como tantos países fizeram? Esse foi um erro grave, que prejudicou muito o País. E, aí não tinha desculpa, pois era só copiar o que os outros estavam fazendo”, afirma Marcos Lisboa.

A aposta em remédios sem comprovação científica de sua eficácia contra a covid-19 e o desrespeito por normas sanitárias chegou aos tribunais, com investigações abertas pela Procuradoria da República contra o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) para apurar suposta omissão no enfrentamento da falta de oxigênio para os hospitais do Amazonas.

No Congresso, parte da oposição passou a defender a ideia do afastamento do presidente da República. Diante do risco, Bolsonaro deixou de lado o discurso de campanha da nova política e abriu seu governo ao Centrão, um seguro contra futuros pedidos de impeachment.

Carreata em Brasília pede o impeachment de Jair Bolsonaro
GABRIELA BILÓ/ESTADÃO

Em meio a tudo isso, Bolsonaro intervém na Petrobrás, levando a maior empresa brasileira a um prejuízo de mais de R$ 100 bilhões em valor de mercado -, e o Congresso se debruça sobre propostas que ampliam a imunidade parlamentar e desvinculam recursos obrigatórios da saúde e da educação.

Para a economista Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman, a aliança de Bolsonaro com o Centrão não deve proporcionar ao Brasil avanço em temas que ajudem na retomada da economia.“Não acredito num Centrão apoiando uma agenda de reformas estruturais. Acredito num Centrão que blinda o presidente da República e junto dele vai alavancar ações populistas que vão garantir as eleições de 2022. É, definitivamente, uma agenda eleitoral e não uma agenda pelas reformas necessárias para que o Brasil se desenvolva. E isso, não tenho dúvidas, só vai se exacerbar até 2022.”

Sem oferecer vacinas à população nem auxílio emergencial, Bolsonaro começa o segundo ano da pandemia com a aprovação na faixa dos 30%, mas com alianças bem desenhadas para a busca de seu principal objetivo: assegurar a reeleição em 2022. Essa é a única agenda clara que analistas veem no governo.


EXPEDIENTE

Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin e William Mariotto / Designer multimídia Lucas Almeida / Editor-coordenador de Política e Internacional Eduardo Kattah / Editor-assistente de Política Vítor Marques / Reportagem Adriana Ferraz e Marcelo Godoy / Coordenador de Produção Multimídia Everton Oliveira / Edição de Vídeo Rafael Bepu / SEO Igor Moraes


Uma conversa: Luciano Huck & Rebecca Henderson

Professora mais disputada de Harvard prevê que a agenda de proteção ambiental e social vai prevalecer sobre autoritarismos porque é melhor para os negócios

Luciano Huck, especial para O Estado de S. Paulo

Esta semana, passamos dos 250 mil mortos pela covid-19 no Brasil, e a fotografia dos próximos meses não parece nada boa. De um lado, o contágio avança de maneira ainda mais violenta com novas cepas do vírus estrangulando a capacidade das UTIs nos hospitais; do outro, o negacionismo e falta de planejamento fazem com que a imunização da população avance lentamente demais, mesmo com toda experiência e capilaridade do SUS.

Desde o começo da pandemia venho publicando no Estadão conversas com pensadores, filósofos, professores e autores do mundo afora que possam contribuir no debate e iluminar o caminho pós-pandemia. De Yuval Harari a Esther Duflo, de Michael Sandel a Anne Applebaum, foram vários encontros inspiradores.

Hoje mergulho em um tema que me salta aos olhos e me faz pensar e refletir, o capitalismo. Nenhum outro sistema tirou tanta gente da pobreza, mas é evidente que ele não deu totalmente certo se levarmos em conta as enormes desigualdades que gerou – acentuadas ainda mais pela pandemia. Acredito que nossa geração tem a responsabilidade de reinventar o capitalismo a fim de curar as feridas causadas no século 20.

Por isso hoje trago para este espaço a professora e autora americana Rebecca Henderson. Ela simplesmente comanda o curso mais disputado da Harvard Business School e carrega o título de maior prestígio dessa universidade, honraria hoje limitada a apenas 25 acadêmicos.

Henderson é especialista em inovação e mudança. Virou a referência global nos temas de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa), que são centrais na medição da sustentabilidade e impacto social dos negócios, que definitivamente entraram no radar dos grandes investidores – até mesmo no Brasil. Recentemente, ela lançou o livro Reimagining Capitalism in a World of Fire (Reimaginando o capitalismo em um mundo em chamas, em tradução livre), em que faz a defesa do capitalismo e, ao mesmo tempo, da necessidade de ajustá-lo para contemplar imperativos sociais e ambientais.

Na conversa a seguir, Henderson faz uma bela leitura dos nossos gargalos de desenvolvimento e detalha sua visão de mundo, um sopro otimista em meio a tanta notícia ruim. Ela acredita que a agenda ESG tende a prevalecer não só porque é a escolha moralmente correta, mas também porque é importante para o sucesso dos negócios. Lembra que regimes autoritários têm, por sua natureza, problemas de sustentabilidade. E esclarece por que o sucesso do capitalismo depende de uma sociedade civil fortalecida e de uma democracia genuína e inclusiva – justamente a equação que tem me levado nessa jornada de escutar-pactuar-agir que me anima a seguir adiante.

Luciano Huck: Pessoalmente ainda enxergo o capitalismo como  o melhor sistema econômico. Nenhum outro sistema até hoje tirou tanta gente da pobreza quanto o capitalismo. Mas está claro que ele não deu totalmente certo. Basta observar as obscenas desigualdades que ele gerou e ficaram ainda mais evidentes depois da pandemia. Parte da missão da nossa geração é reinventar o capitalismo, um capitalismo 4.0 que cure as feridas causadas no século 20. Você navega muito bem por esse tema nas suas aulas e nos seus livros. Você poderia falar um pouco sobre isso? Como podemos construir um capitalismo justo e sustentável?

Rebecca Henderson: Concordo completamente com você. O capitalismo é incrível. Quando funciona como deveria, ele gera inovações formidáveis, empregos de boa qualidade e muitas oportunidades. Mas o capitalismo exige equilíbrio. Mercados livres e empresas livres são absolutamente fantásticos, mas precisam ser estruturados. Se você falar para um empresário “ei, faça dinheiro, sem regras, sem limites, apenas vá”, você o estará convidando a forçar salários para baixo, jogar lixo nos oceanos e rios, cortar todas as árvores, corromper políticos... Precisamos encontrar um equilíbrio entre o livre mercado, governos eleitos democraticamente, capazes e transparentes e uma sociedade civil forte. Não estou falando que “vamos nos amar” ou “tudo será sempre lindo”. Estou falando de encarar as coisas como uma negociação, em que cada um tem os próprios interesses. Os governos têm o papel de estabelecer regras. Os negócios têm um papel de criar empregos e inovação. E a sociedade civil tem o papel de manter esses dois entes sempre em xeque.

Luciano Huck: Existe em algum lugar do planeta alguma iniciativa pública ou privada que tenha saído apenas do campo das ideias e de fato esteja aplicando novos experimentos, novas fórmulas ao capitalismo?

Rebecca Henderson: Não estou falando de algo imaginário, isto é muito real. Um amigo uma vez me entrevistou acerca do meu livro e ele me disse “Rebecca, seu livro não deveria se chamar ‘Reimaginando o capitalismo’, deveria se chamar ‘Poderíamos, por favor, voltar ao capitalismo dos anos 50, só que sem a misoginia e o racismo?’.” Se você olhar para o que tínhamos nos EUA nos anos 50, era isso o que a gente tinha: um governo forte, um mercado forte e padrões de vida que cresciam de forma estável para aqueles na base da pirâmide de distribuição de renda. Era possível manter um emprego e construir uma família. Hoje, Alemanha, Dinamarca e Japão são sociedades com níveis baixos de desigualdade. Não existe uma imensa separação entre os ricos e os pobres, como vemos no Brasil e nos EUA. Há uma cooperação próxima entre os negócios e o governo e um nível elevado de investimento em treinamento e educação para o homem comum, não somente para as pessoas que nasceram com os pais certos. Hoje está na moda ser cruel em relação ao Japão, porque a curva de crescimento se manteve reta durante muito tempo, mas o Japão ainda é a 3.ª maior economia do planeta, imensamente produtiva, com níveis baixíssimos de pobreza. Não estou dizendo que qualquer uma dessas sociedades seja perfeita. Os EUA nos anos 50 tinham grandes problemas, especialmente nos tópicos de racismo e misoginia. Mas nós podemos criar um capitalismo que funcione para todos. Já aconteceu antes. Existem lugares no planeta em que isso está acontecendo. E podemos fazê-lo novamente.

Luciano Huck: Algumas das personalidades mais admiradas das últimas décadas foram empreendedores que construíram empresas bilionárias a partir de criações que impactaram o cotidiano das pessoas. Steve Jobs, Bill Gates, Elon Musk... A meu ver, as cabeças mais admiradas nas próximas décadas terão um perfil distinto. Serão aquelas que conseguirem repensar o capitalismo, endereçar a pobreza extrema e solucionar, além das palavras, as disfunções das sociedades a nível global. Estou errado?

Rebecca Henderson:  Luciano, acho que você está completamente certo. Nossa ideia do que significa ser um líder vai mudar significativamente. Ainda vamos admirar pessoas que constroem grandes empresas e geram empregos, mas acho que vamos olhar para pessoas como Hamdi Ulukaya, o CEO da Chobani, uma empresa de iogurte, e pensar “esse cara é demais!”. Ele construiu uma empresa incrível, o iogurte é uma delícia, mas ele disse “eu sou um imigrante, vou me certificar que pessoas em dificuldade tenham empregos, salários decentes, oportunidades de promoção, que elas possam ser cidadãos plenos em nossa sociedade”. Ele diz: “eu sou um nômade e um guerreiro, sou hospitaleiro, mas jogo duro”. Esse é o tipo de homem de negócios que precisamos ver. Um dos meus heróis pessoais é Paul Polman, que foi CEO de uma das maiores empresas do mundo, a holandesa Unilever. Eu o vi trabalhar, e ele era simplesmente incrível. Ele era ao mesmo tempo um executivo agressivo à moda antiga e um líder que levava a sério o discurso de que, como a Unilever tocava um bilhão de pessoas por dia, a empresa era fundamental para melhorar o mundo.

Luciano Huck: O Terceiro Setor, a filantropia e o capital para o bem evoluíram muito nas últimas décadas. Eram tímidas iniciativas escondidas no subsolo das empresas e hoje são fundos bilionários de impacto e grandes corporações entendendo que pensar no próximo é o melhor jeito de pensar em si. O compromisso ESG, com o meio ambiente, o impacto social e a boa governança, agora ocupa a agenda dos grandes tomadores de decisão ao redor do mundo. Você é referência mundial nessa pauta ESG. O que você pensa sobre essa transformação?

Rebecca Henderson: É, de fato, a coisa certa e moral a se fazer. Mas há muito interesse próprio embutido nisso. Nós estamos destruindo os sistemas de suporte à vida do planeta, e isso não é bom para ninguém. E também não é nada bom para os empresários que as cidades sejam inundadas, que as secas arruínem as colheitas ou que os sistemas agrícolas entrem em colapso. Não é bom para os empresários que milhões de pessoas se percebam deixadas para trás e sintam raiva. Isso aumenta o risco de que surjam governos autoritários e extrativistas, de pessoas que chegam ao poder para enriquecer. Isso não é bom para os negócios. Ou seja, há um ângulo de negócios importante nessa guinada. Os dados indicam que tratar os trabalhadores com respeito, pagando um salário decente e dando-lhes liberdade para tomar decisões, é a melhor forma de administrar uma empresa. É o que eu chamo de sistema elevado de emprego. Quando você eleva o patamar da sua relação com os funcionários, você passa a ver a sua produtividade, criatividade e inovação crescendo drasticamente. Pode ser mais difícil, você vai ter de investir a longo prazo, vai ter de ser um líder realmente autêntico para fazer sua empresa seguir adiante, mas você não vai apenas sobreviver, você vai abrir mercados completamente novos.

Deixe-me lhe dar um exemplo. Tenho um amigo que deixou um emprego extenuante no setor de private equity para aceitar a posição de CEO de uma empresa de lixo. Não é algo sexy, mas ele queria fazer a diferença. Se nós encontrarmos uma forma como lidamos com os resíduos que geramos, podemos reduzir a quantidade de emissões em centenas de milhões de toneladas. Já na primeira semana, ele teve de lidar com um problema gigantesco. Todo o setor no qual a empresa atuava era imensamente corrupto. Tanto a empresa dele quanto seus competidores estavam descartando lixo de maneira ilegal ou enviando os resíduos para o exterior sem a devida identificação. As multas por violações eram mínimas, e a fiscalização era muito fraca. Ele anunciou que atuaria apenas dentro da lei e aumentaria os preços para cobrir os custos de fazê-lo. A maioria na empresa achou que ele tinha ficado maluco. Metade da equipe sênior pediu demissão. Alguns clientes desistiram. Mas a corrupção funciona melhor quando está escondida. Assim que ele tornou a decisão pública, muita gente reagiu e começou a se desdobrar. Os funcionários que ficaram estavam animadíssimos para trabalhar para uma empresa preocupada em fazer as coisas da maneira certa. Muitos clientes se mostraram dispostos a pagar mais. Os investidores passaram a apoiá-lo, porque passaram a acreditar que aquele modelo de negócios dominaria o mercado. E eles estavam certos.

Luciano Huck: Estamos vivendo uma necessária transformação de mentalidade das lideranças empresariais. De uma estrutura vertical onde um fala e outro apenas ouve, para algo mais aberto, maleável, democrático, mas não menos produtivo.

Rebecca Henderson: É apenas pensar nas coisas de uma forma nova. Em vez de pensar apenas em mim, agora pensar em nós e no que podemos criar juntos. É ver problemas como oportunidades para a criação de novos negócios. Pense no homem que criou a “carne do futuro”: ele teve a abertura de capital mais bem-sucedida dos últimos 20 anos porque encontrou uma forma completamente nova de ganhar dinheiro. Um amigo meu que é CEO teve um problema de saúde e perdeu a capacidade de falar – ele apenas consegue falar com grande dificuldade. E ele me disse “Rebecca, essa foi uma das melhores coisas que já me aconteceram, pois quando as pessoas vêm ao meu escritório perguntar o que deveriam fazer, a única coisa – literalmente – que eu consigo dizer é “o que você acha?”, e de repente eu descobri que as pessoas têm ideias das mais variadas, de todo tipo!”. A empresa começou a crescer muito mais rápido e hoje consegue pagar salários melhores e contratar mais.

Luciano Huck: O Brasil pode e deveria ser a maior potência verde do planeta, uma potência agroindustrial sustentável. Mas, enquanto governos e negócios mundo afora estão investindo na economia verde, os líderes brasileiros estão trilhando um caminho diametralmente oposto. O governo brasileiro não está tomando nem a mínima responsabilidade pela maior floresta tropical do mundo de forma séria. Que dirá administrar de forma inteligente, sustentável e moderna os trilhões de reais que existem ali. Qual deve ser o impacto desse novo capitalismo, o papel e responsabilidades dos governos e empresas em relação ao meio ambiente?

Rebecca Henderson: Eles devem ser parceiros no investimento no longo prazo. Nosso meio ambiente é um ativo preciosíssimo. E destruí-lo também vai destruir a saúde de milhões de pessoas. Hesito de falar do Brasil, Luciano, porque eu não sou brasileira, mas a cooperação que tinha sido obtida nas administrações anteriores, entre governo e empresas em relação à preservação da Amazônia, foi um dos grandes exemplos mundiais do que corporações éticas podem ser. A união de pecuaristas, clientes do mercado da soja e fazendeiros no solo, em busca de uma solução que funcione para todos, e que governos anteriores ajudaram a emplacar, é um dos maiores exemplos que já vimos do que progresso deve parecer no mundo. Podemos cortar as florestas, mas o que temos depois disso? Madeira queimada.

Luciano Huck: O Brasil está vivendo uma situação delicada. O governo incentiva e ameaça subsidiar o consumo de combustíveis fósseis. Indo na direção oposta das melhores políticas de geração de energia e sustentabilidade. A ciência mostra que precisamos ter emissões negativas a partir da segunda metade do século.

Rebecca Henderson: Incentivar a produção de combustíveis fósseis me parece moralmente errado e economicamente desastroso. Queimar combustíveis fósseis resulta em graves danos à saúde humana. Quando você queima carvão ou óleo, você joga na atmosfera partículas venenosas de, por exemplo, mercúrio e chumbo. Ou seja, você está destruindo a saúde humana aqui e agora. Além disso, você está contribuindo com o aquecimento global, o que naturalmente vai gerar imenso sofrimento no mundo. E é uma escolha econômica estúpida, porque significa investir em indústrias do passado. Fica claro que precisamos seguir em frente. Os maiores investidores do mundo estão começando a indicar para as empresas de suas carteiras que elas precisam reduzir as emissões de carbono. Estão tirando dinheiro de empresas petroleiras ou que não possuem planos de transição energética e colocando em tecnologias avançadas. Em muitos lugares do mundo, as energias renováveis estão sendo ofertadas a um preço significativamente mais barato do que os combustíveis fósseis. Pelo fato de os EUA terem sido lentos em abraçar essa trajetória, estamos vendo a liderança em energia solar e eólica indo para países da Europa e para a China. Fomos lentos em fazer a transição para veículos elétricos. Estamos tentando entrar nessa onda agora, mas ficamos para trás. Seria um erro gigantesco se o Brasil, que possui um espaço gigante para evoluir e pessoas brilhantes, decidir abraçar indústrias do século 20 em vez de olhar para novos caminhos.

Luciano Huck: Qual sua avaliação das métricas modernas de aferição de riqueza e desenvolvimento, como o PIB?

Rebecca Henderson: O conceito de PIB foi inventado há cerca de 100 anos. As pessoas eram mais pobres e fazia sentido pensar que a felicidade estava atrelada a quantas coisas elas possuíam. Mas agora sabemos que, assim que você tem uma renda que seja suficiente para você se manter, uma moradia segura, uma saúde decente e um emprego, a felicidade é determinada por uma série de outras coisas. As pessoas no Brasil são muito mais felizes do que deveriam ser, dado seu nível de renda. E as pessoas no Leste Europeu são muito menos felizes. Podemos especular a razão disso, mas ela não se resume a renda. Ao medir o PIB, estamos medindo apenas a produção recente, não estamos medindo os estoques de longo prazo. É como administrar uma empresa sem acompanhar o que acontece com seus ativos. Você pode prontamente aumentar o PIB cortando todas as árvores do país, mas você estará destruindo todos seus ativos de longo prazo. Hoje, a variação do PIB já não faz mais sentido como medida. Precisamos equalizá-la com medidas de igualdade, bem-estar social e preservação ambiental.

Luciano Huck: O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta, com uma enorme concentração de renda e uma elite que até hoje sempre foi acusada de não se comprometer de fato com a construção de um país menos desigual, principalmente na geração de oportunidades. Para um país que quer se desenvolver, combater a pobreza não é bom apenas para a consciência, mas também para o bolso. No seu trabalho mais recente, você lança o desafio de como oferecer um novo enquadramento intelectual e um caminho plausível para um capitalismo que perdeu seu compromisso com a liberdade e a prosperidade na busca obstinada de maximizar o valor do acionista. Você pode falar um pouco sobre isso?

Rebecca Henderson: Os comprometimentos normativos mais profundos do capitalismo, os valores que, na minha visão, conferem ao capitalismo sua legitimidade são prosperidade e liberdade para todos. Se o capitalismo colapsa, a ponto de que poucos de fato se tornam ricos e têm acesso a oportunidades, ele perde sua legitimidade moral, perde seu apoio político e, a longo prazo, torna-se ruim para aqueles que têm dinheiro. Os dados sobre isso são muito claros. Se você concentra poder e renda em um pequeno grupo, o crescimento econômico desacelera, as taxas de inovação desaceleram, a raiva cresce. O que faz uma sociedade mais próspera e rica no longo prazo é trazer todos para dentro da sociedade, dar chances a todos. Porque todos juntos podemos gerar ideias e riquezas de uma forma que o pequeno grupo que gostaria de controlar tudo nunca conseguirá. É por isso que acredito que no futuro as democracias ocidentais vão prevalecer e superar, por exemplo, a autocracia crescente da China. A situação de exclusão que vivemos agora é muito perigosa para o capitalismo.

Luciano Huck: Em muitos recortes do planeta temos visto a democracia em risco em função da ascensão ao poder de governos autoritários, negacionistas, de extrema direita e tecnopopulistas. Você enxerga a combinação capitalismo + democracia como a melhor e mais eficiente para buscar uma sociedade mais justa e sustentável?

Rebecca Henderson: Sim! Mercados livres precisam de política livre. Mas a única forma de o capitalismo se sustentar no longo prazo é em uma parceria firme com uma democracia genuína e inclusiva.

Luciano Huck: Você tem uma relação com o Brasil.

Rebecca Henderson: É verdade. Meu marido cresceu no Brasil. A mãe dele era uma refugiada polonesa e o pai dele era um americano que foi ao Rio de Janeiro abrir um escritório de uma companhia de seguros. Eles se conheceram e se apaixonaram. Ele nasceu nos EUA, mas dos 6 meses de idade até os 9 anos ele cresceu no Brasil. Acho que ele é um pouco brasileiro. Ele é muito amigável, aberto e ama pessoas. Fomos ao Brasil juntos alguns anos atrás e pensei “oh, é por isso que meu marido é assim” (risos).

Luciano Huck: Como você enxerga o Brasil? E as nossas maiores potencialidades?

Rebecca Henderson: Quando estive no Brasil, tive a oportunidade de conhecer diversos empresários brasileiros que acreditam que reimaginar o capitalismo é algo central. Tive a grande honra de encontrar alguns dos principais executivos da Natura, CEOs envolvidos em criar uma aliança pelas florestas brasileiras, empreendedores que estão investindo em energias renováveis... Um deles descobriu um processo inovador que reduz drasticamente a energia necessária para produzir aço. Eles me descreveram um futuro para o Brasil imensamente promissor. Vocês têm os recursos, o espaço, a riqueza, uma população educada. Há oportunidade para crescer de forma sustentável – embora dizer “sustentável” pareça meio bobo –, ou melhor, de uma forma que renove o mundo e mostre o que o capitalismo pode ser de verdade. É possível criar uma sociedade justa e sustentável. Acredito que, de todos os países do mundo que têm essa oportunidade, o Brasil é o mais importante.

Luciano Huck: Você é professora, alguém que dedica seu tempo a compartilhar e ensinar conhecimento. Quais transformações no formato de ensino você acha que a pandemia vai impor?

Rebecca Henderson: Acho que a pandemia nos deu a chance de repensar a educação. Poderemos misturar o que há de melhor nos recursos digitais e o que há de melhor no ensino presencial. Todos os professores que trabalham em uma sala de aula têm acesso a vídeos e exercícios de todos os lugares do mundo. Agora, podemos levar a melhor educação para os lugares mais remotos. Não digo que isso será fácil, mas acho que é possível de uma forma que não era dez anos atrás. O retorno potencial é imenso.

Luciano Huck: Qual você acha que será o maior impacto da pandemia, na ótica econômica?

Rebecca Henderson: Acho que a pandemia nos mostrou que desigualdade não é só uma palavra. São pessoas reais que não estão conseguindo se manter e estão morrendo. Pessoas que não conseguem pagar seus aluguéis ainda que estejam trabalhando em tempo integral, que não têm benefícios de saúde ou recursos nos quais possam se ancorar. Acho que a pandemia colocou um rosto humano na igualdade. Que, em vez de se trancarem em belos escritórios, os gestores tiveram de encarar a realidade, de que possuem responsabilidade pelas pessoas que trabalham para suas empresas. E espero que isso traga compaixão. Sei que alguns empresários podem dizer “sabe, foi só quando vi as pessoas que trabalham para mim passando dificuldades em suas casas, com suas crianças no colo, que percebi a diferença que podemos fazer em suas vidas”. Viver em um momento como esse é pensar não só em quanto dinheiro conseguimos fazer e quão rapidamente podemos ser promovidos, mas “quem sou eu? e o que estou querendo fazer no mundo?”. Espero que o legado da pandemia seja a realização de que nenhum de nós está saudável enquanto todos não estiverem saudáveis. Nenhum de nós é rico enquanto todos não possamos ser prósperos e livres. E que isso dará início a uma mudança de mentalidade que é tão crítica se queremos criar uma sociedade melhor.

Luciano Huck: Somos um país de empreendedores. Qual a sua mensagem para essa comunidade Brasil afora?

Rebecca Henderson: Passei os primeiros 20 anos da minha carreira estudando mudanças em grandes corporações. Trabalhei para companhias como Kodak e Nokia. Os jovens nem conhecem mais essas empresas. Essas empresas viram o futuro e se recusaram a mudar. E ninguém as conhece mais. Estamos em um momento similar. Estamos diante de uma profunda mudança em como precisamos lidar com nossa economia se queremos que nosso meio ambiente sobreviva e nossa sociedade prospere. Esse é um momento de mudança. Não tenham medo disso. A mudança é sempre desconcertante. Mas as empresas que se negam a mudar morrem. Aquelas que abraçam a mudança são bem-sucedidas, fazem mais dinheiro e se divertem muito mais.

Luciano Huck: Muito obrigado pela conversa, professora.


Vinicius Torres Freire: Otimismo econômico resiste, apesar de Mito, lockdowns e dólar caro

 Baderna política e chilique nas finanças dos EUA são ameaças

Amanhã vai ser outro dia, canta a maior parte dos relatórios econômicos, escritos pelos departamentos de futurologia de bancos e da finança em geral. “Amanhã” quer dizer junho. Depois de uma recaída no primeiro trimestre e uma convalescença no segundo, a vida recomeçaria a voltar ao normal, como parecia acontecer até novembro de 2020.

Mas o que temos para hoje? Variantes avacalhadas de lockdowns. O medo renovado da doença, que provoca enclausuramentos voluntários. Uma epidemia descontrolada, não se sabe bem se por causa da selvageria do Carnaval ou também porque há vírus mutantes. Há ainda chiliques no mercado financeiro americano, que já tiveram efeito por aqui —podem ser mero paniquito, mas sacudida semelhante ajudou a baquear a economia brasileira em 2013, o ano em que tudo começou a acabar.

Nada disso ainda está considerado nas contas dos economistas animados. Na hipótese otimista, o país volta a andar em meados do ano desde que:

1) os grupos de risco estejam vacinados até maio ou junho, como previsto no cronograma oficial;

2) Jair Bolsonaro e o Congresso não estourem as contas do governo. Isto é, que limitem o auxílio a quatro meses e que aprovem medidas que pelo menos evitem o estouro do teto de gastos nos próximos três ou quatro anos.

 “Otimismo” quer dizer crescimento de uns 3,5% neste ano. Isto é, atividade econômica parada no mesmo nível de novembro do ano passado, por aí, mas na média superior a 2020. Sem mudança maior, para os próximos anos, não há perspectiva de o Brasil andar em ritmo melhor do que 2018 ou 2019, um Temer atolado em Bolsonaro.

Para falar da vida miúda, quando o novo auxílio chegar, em março ou abril, valerá bem menos do que em abril de 2020, em termos de comida, com perda de poder de compra de uns 15%. O número de pessoas ocupadas no país é ora 8 milhões menor que em fevereiro de 2020. Chutes informados otimistas dizem que neste 2021 o número de empregados aumentaria em 3 milhões. O buraco ainda seria enorme. Pode haver gritos de auxílio até o fim do ano, pois.

Em quase todos os estados há decretos de lockdowns. As restrições de movimento e comércio não são rígidas o bastante para merecer tal nome. Além do mais, a maior parte das atividades econômicas aprendeu a lidar com as restrições (que, no entanto, afetam muito restaurantes, atendimentos pessoais e entretenimento). Mas haverá estrago.

Na conta do prejuízo é preciso incluir as bolsonarices. Ao “meter o dedo” na Petrobras e no Banco do Brasil e causar alerta de outros danos, Bolsonaro aumentou o descrédito de empresas e do governo.

Concretamente, encareceu o custo de financiamento de dívidas e investimentos, que ficou maior também por causa do sururu financeiro americano destes dias (alta de juros no mercado, basicamente, o que afetou “emergentes” em geral, Brasil em particular). O dólar tende a continuar caro até o fim do ano, ruim para inflação e juros.

Fevereiro foi um mês desperdiçado por causa do chilique estatizante, dos decretos armamentistas e do vomitório golpista do deputado “Daniel de Quê?”, um ferrabrás bolsonariano, que levou a Câmara a se ocupar de fugir da polícia, com a PEC da Imunidade.

Bolsonaro volta a fazer propaganda maciça contra a prudência sanitária. Seu governo não consegue comprar vacinas além daquelas do Butantan e da Fiocruz. Algum financista engraçadinho precisa criar um “Mitômetro” a fim de medir quanto de PIB ou de emprego vai para o vinagre a cada vez que Bolsonaro joga sujeira no ventilador.


Monica de Bolle: ‘O isolamento do Brasil tende a ser maior’

Economista alerta que processo amplia dificuldades de recuperação econômica de países emergentes

Henrique Gomes Batista, O Globo

SÃO PAULO - Monica de Bolle, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins e do Peterson Institute, ambos em Washington (EUA), acredita que a vacinação desigual amplia as dificuldades de recuperação econômica de países emergentes, com muitos isolados da indústria do turismo, por exemplo. A economista brasileira, que se especializou em imunologia genética pela Universidade de Harvard e integra o Observatório Covid, alerta que o risco é global: ao ficar sem vacinas, países mais pobres podem favorecer que mais mutações surjam, ameaçando todo o planeta. Para o Brasil, contudo, prevê um cenário ainda pior, com a ampliação do debate ambiental somado ao sanitário.

Efeito Bolsonaro: Intervencionismo do governo dificulta atrair investimento para projetos de infraestrutura

A economia será impactada pelos diferentes ritmos de vacinação entre os países?

As diferentes velocidades de aplicação da vacina no mundo certamente geram um cenário de risco de defasagens de recuperação em alguns países. Todos os países atrasados na vacinação correm o risco de estagnação, ou de uma recuperação muito aquém do que poderia ser com a vacinação no mesmo ritmo dos países desenvolvidos. Alguns devem sofrer consequências diretas, internas, e também externas. A atividade turística será prejudicada nessas nações, afetando a economia.

Isso pode gerar mais pobreza e desigualdade?

A ampliação da desigualdade entre os países já está ocorrendo, pela diferença na velocidade da vacinação. Há o risco do aumento da pobreza relativa pelo mundo. Mas, na verdade, essa defasagem de vacina coloca em risco a saúde e a economia do mundo inteiro.

Como assim?

A epidemia descontrolada em alguns países amplia a chance de surgimento de novas variantes do vírus. Isso coloca em risco o mundo inteiro. Não adianta Israel se vangloriar que vacinou todos e no Egito, digamos, o vírus siga descontrolado.

E como está o Brasil?

O Brasil, hoje, está entre os países atrasados na vacinação que terão uma recuperação mais lenta. Isso devido à incrível falta de visão do governo, que poderia ter articulado mais vacinas.

A questão ambiental se soma à saúde em como o Brasil é visto?

Há a perspectiva de que vamos sair da pandemia aguda para entrar na pandemia crônica. Ou seja, vamos ter debates sobre atualização de vacinas, fluxo de novas cepas. E haverá a preocupação do surgimento de novos vírus. E aí entra a questão do meio ambiente. Quanto mais a gente entra nos habitats naturais, onde estão os repositórios naturais destes vírus, mais a humanidade fica exposta, de modo geral, ao contato de novos vírus. As atenções, em relação ao Brasil, vão estar cada vez mais voltadas ao desmatamento na Amazônia. Não se trata apenas de uma questão climática, tem a questão pandêmica. Está cheio de repositório viral na Amazônia. O Brasil será visto não apenas como um país que não conseguiu controlar sua pandemia, atrasou na vacinação, mas como um país que está colocando o resto da Humanidade em risco, se continuar com as atuais políticas ambientais.

Na Europa está forte o debate sobre a criação de passaportes de vacinação. Isso pode afetar os países atrasados?

É inevitável. Não há a menor dúvida de que viagens internacionais estarão condicionadas a carteiras de vacina, assim como já ocorre hoje com a vacina da febre amarela. E, com a falta de vacina por problemas de planejamento, o isolamento do Brasil tende a ser maior, inclusive maior isolamento comercial.

É possível vacinação mais igual?

Há uma chance: acredito que, por volta de julho e agosto, vamos ter uma ideia melhor de quantas doses de vacina irão sobrar nos países ricos. Então provavelmente haverá uma reordenação destas vacinas, o que pode suprir um pouco essa defasagem de doses em muitos países emergentes.

Este é o cenário positivo. Há chances de o ritmo de vacinação piorar?

Sim. As vacinas dos países desenvolvidos usam um pedaço da proteína spike do vírus, não o vírus inteiro. E as mutações que temos visto até o momento alteram justamente esta proteína. Se surgir uma cepa com mutações a ponto de requerer uma atualização das vacinas, estamos falando de todas as vacinas dos países ricos. A possível exceção é a das vacinas de vírus inativado, que usam o vírus inteiro e podem ter uma resposta melhor a mutações da proteína spike. Entre elas estão a Coronavac e as vacinas indianas. Se elas se saírem melhor, o mundo inteiro pode, enquanto estiver atualizando suas vacinas, ficar dependente da China e da Índia, atrasando toda a vacinação global e gerando uma nova disputa por imunizantes. Mas é uma hipótese.

Trump piorou a coordenação internacional da pandemia?

Sem Donald Trump, a cooperação internacional seria melhor, não só devido à sua posição negacionista, mas por ter retirado os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), que perdeu recursos. Agora, se Trump não fosse presidente dos EUA, o mundo estaria cooperando lindamente? Não. Nessas horas os países ficam com a mentalidade de cada um por si, a vacina vira uma questão de política interna, não tem jeito. Agora China, Índia e Indonésia estão ampliando a doação de vacinas. Não tenho dúvida de que estes países vão ganhar espaço geopolítico.

A pandemia gerou o debate mundial de que ter uma cadeia de fármacos própria é algorelevante e estratégico?

Sim, este debate está na ordem do dia. Aqui nos EUA, por exemplo, há uma enorme preocupação para que o país tenha a capacidade de produzir tudo relacionado à vacinação e à pandemia, inclusive máscaras, que hoje vêm da China. É uma cadeia enorme. E as coisas mais básicas, como seringa, tubo de ensaio, luvas, estava tudo direcionado para a importação da China e da Índia. Máscaras agora são vistas como item necessário para a segurança nacional.