auxilio emergencial

Hélio Schwartsman: Se o vírus tivesse me ouvido...

O corona, porém, não atendeu a meus apelos

Em julho, quando o presidente anunciou que tinha contraído a Covid-19, escrevi a coluna "Por que torço para que Bolsonaro morra". Ganhei uma enxurrada de emails irados e um inquérito com base na LSN. Riscos da profissão.

A título de experimento mental, convido o leitor a adentrar no fantástico mundo dos contrafactuais e imaginar o que teria acontecido caso o vírus tivesse atendido a meu desejo.

Em princípio, nada muito animador. Bolsonaro teria sido substituído pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, que tem ideias parecidas com as do titular e também nutre crenças exóticas (cloroquina) em relação à Covid-19. Mas Mourão, admita-se, vem com uma demão de verniz civilizacional e parece mais disposto a seguir conselhos de especialistas.

De todo modo, as inclinações naturais do general nem são tão relevantes. Ao assumir a vaga de alguém que morrera de Covid-19, Mourão não teria alternativa que não a de declarar guerra ao vírus. Àquela altura, vale destacar, teria sido possível comprar antecipadamente grandes quantidades de vacinas, que talvez tivessem evitado as consequências mais catastróficas desta segunda onda que enfrentamos.

A própria população teria ficado assustada com a morte precoce do presidente e, presume-se, não resistiria a medidas de distanciamento social nos momentos em que elas se mostrassem necessárias.

Em 7 de julho de 2020, o Brasil contabilizava 1.658.589 casos confirmados da doença e 66.741 mortes. Hoje, esses números são 11.998.233 e 294.042 e aumentam rapidamente. Não dá para precisar quantos óbitos teriam sido evitados se Bolsonaro tivesse sucumbido à moléstia, mas não teriam sido poucos.

O vírus, porém, não atendeu a meus apelos. Para quem gosta de ciência e flerta com a teoria dos muitos mundos, resta o consolo de que existe um universo onde o Sars-CoV-2 levou Bolsonaro e, depois disso, o Brasil se tornou um exemplo no combate à epidemia.


François Hollande: Papel da esquerda é tirar populistas do poder democraticamente

Ex-presidente francês afirma discutir com Lula como construir forças políticas capazes de encarnar a alternância

Beatriz Peres, Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente francês François Hollande, 66, que comandou o país entre 2012 e 2017, considera palpáveis os danos causados pelo populismo que ascendeu em diferentes partes do mundo.

"A eleição de Jair Bolsonaro resultou em destruições importantes da floresta amazônica, em um declínio da democracia e das liberdades e em políticas muito duras com os mais pobres e muito complacentes com os mais ricos", diz o socialista. "Sem esquecer a gestão da crise sanitária, que, tanto no Brasil quanto nos EUA —quando Donald Trump estava no poder—, fez vítimas demais, por falta de medidas restritivas."

Em entrevista à Folha, por email, Hollande defende uma reação em bloco, como afirma ter acontecido com a candidatura do democrata Joe Biden na vitória sobre Trump. "Foi por pouco, e isso só foi possível porque o conjunto dos democratas, para além de suas diferenças, juntaram suas forças."

Depois da condenação do ex-presidente Nicolas Sarkozy, o senhor criticou o que chamou de “ataques repetidos contra a Justiça”. Por que considerou necessário defender a Justiça francesa neste momento? 

A separação dos Poderes é o fundamento da democracia. Na França, a Justiça é independente do Executivo. Os magistrados, os juízes e os procuradores conduzem suas investigações e proferem suas sentenças sem intervenção nenhuma do poder político. As decisões podem ser contestadas por todas as vias de recurso, o que Nicolas Sarkozy já fez em seguida à condenação. Por isso não aceitei os ataques vindos da direita e dos apoiadores do ex-presidente que visam desacreditar a autoridade judiciária.

No Brasil, a Justiça também está sendo criticada devido ao processo contra o ex-presidente Lula. É preciso defender a Justiça também no Brasil? 

A Justiça brasileira vai estabelecer ela mesma a verdade e poderá um dia verificar se as acusações contra o ex-presidente Lula tinham fundamento. Mas já parece claro que tudo foi feito no plano político para impedir Lula de se candidatar na última eleição presidencial. Foi isso que justificou minha tomada de posição, com outros chefes de Estado e de governo, desde 2018, para que Lula pudesse, livre, ser candidato à eleição presidencial. Hoje é um novo momento que se abre, e fico feliz de ver Lula recuperar plenamente seu espaço na vida política brasileira.

Nos EUA, a eleição de Joe Biden freou a onda populista de Donald Trump. Mas os movimentos populistas de extrema direita e de ultradireita estão espalhados pela Europa e também pelo Brasil. Qual é o papel da esquerda neste momento? 

Nós já podemos facilmente constatar os danos causados pelos populistas. A eleição de Jair Bolsonaro resultou em destruições importantes da floresta amazônica, em um declínio da democracia e das liberdades e em políticas muito duras com os mais pobres e muito complacentes com os mais ricos. Sem esquecer a gestão da crise sanitária, que, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos —quando Donald Trump estava no poder—, fez vítimas demais, por falta de medidas restritivas.

A esquerda nos Estados Unidos –porque é assim que podemos considerar os democratas americanos– foi capaz de se unir em torno de Joe Biden, cujo passado e experiência eram testemunhas de seu compromisso e despertaram confiança. Foi assim que Trump pôde ser derrotado. Foi por pouco, e isso só foi possível porque o conjunto dos democratas, para além de suas diferenças, juntaram suas forças. O papel da esquerda, portanto, é fazer de tudo para impedir que os populistas cheguem ao poder e, quando eles chegam, de retirá-los democraticamente propondo ao povo uma solução crível.

Na França, o Partido Socialista está programando um congresso de “refundação”, para definir um novo ciclo e renomear o partido. Do que se trata esse movimento de refundação? 

Em um mundo que evolui rapidamente e diante de desafios enormes como as desigualdades, a democracia e o aquecimento climático, cada geração deve assumir suas responsabilidades. Os partidos progressistas precisam se renovar, se refundar e se repensar, tanto do ponto de vista de sua organização como de seu projeto. Mas sem nunca se esquecer de sua história e sem perder os valores sobre os quais foram fundados. É essa a tarefa atual dos socialistas franceses.

O senhor tem discutido a renovação da esquerda com o ex-presidente Lula? 

Sim, nós concordamos em trocar experiências, em defender as mesmas posições em nível internacional e em construir, em nossos respectivos países, as forças políticas capazes de encarnar a alternância. Trabalharemos com todos que quiserem se juntar a nós para devolver a esperança à política. Nós compartilhamos os valores da liberdade, da democracia e da justiça social.

A França ainda vive o luto de atentados terroristas recentes, incluindo a decapitação do professor Samuel Paty, e os deputados aprovaram um projeto de lei contra os separatismos, que será examinado pelo Senado. As discussões do chamado “islamoesquerdismo” eclipsam o problema real? 

A França ama as polêmicas. Algumas podem ser frutíferas, outras ocultam os problemas reais. Sejamos lúcidos, existem fenômenos de radicalização, de divisão e mesmo de separatismo. E há até teorias que os justificam. Eles precisam ser discutidos e combatidos. Mas não vamos acreditar que eles sejam majoritários na esquerda, pelo contrário. É uma fração muito pequena que mantém esses movimentos para viver em protesto, em exclusão e na recusa de suas responsabilidades. Eu sou socialista e, portanto, universalista e não me satisfaço com os combates parciais. Tudo deve convergir para uma mudança global da sociedade. Quanto ao terrorismo, ele tenta nos assustar e nos dividir, não podemos ceder a ele.

O senhor concorda com a gestão do presidente Emmanuel Macron durante a pandemia

A gestão da pandemia é uma das crises mais difíceis que se poderia conceber, já que o vírus é resistente, a vacinação demora a produzir seus efeitos e uma parcela da população continua vulnerável. A gestão do governo pode ter parecido às vezes hesitante ou contraditória, mas foi assim em todos os países. Ao menos eu reconheço o mérito de Emmanuel Macron, ao contrário de Jair Bolsonaro, de ter admitido que o vírus era perigoso, que poderia matar e que era preciso tomar medidas restritivas, especialmente o confinamento.

O senhor se arrepende de não ter disputado as últimas eleições presidenciais? 

Eu deveria ter demorado mais para anunciar minha escolha, talvez um pouco mais tarde tivesse sido diferente. Eu me arrependo de não ter podido perseguir por mais tempo a política de redução das desigualdades, a priorização da educação e da inserção dos jovens, assim como a luta por uma ecologia social.

O senhor acredita ter um papel na eleição de 2022? Qual? 

Eu não sou mais dirigente do Partido Socialista. Tenho orgulho do que fiz pelo meu país, ainda que reconheça determinadas falhas, mas meu papel é contribuir para o debate de ideias, fazer propostas, expressar minhas convicções quando os pontos essenciais estão em questão e transmitir minha experiência às novas gerações.

*François Hollande, 66, Formado pela École des Hautes Études Commerciales de Paris e pelo Institut d'Études Politiques de Paris (Sciences Po), entrou para o Partido Socialista em 1979. Foi deputado pelo departamento de Corrèze e prefeito da capital, Tulle. Foi o sétimo presidente da quinta República Francesa.


Carlos Andreazza: A era dos xerifes

Os únicos crescimentos em V hoje no Brasil são o da presença do Centrão no governo e o do recurso à Lei de Segurança Nacional. Herança do estado de direito segundo a ditadura militar, a LSN está na moda de novo. Não poderia ser diferente. Há muito vivemos sob o espírito do tempo autoritário, o principal condicionante da depressão política cujo maior produto (até aqui) é Jair Bolsonaro na Presidência. Aquele Messias que diz: “Enquanto vivo for, enquanto eu for o presidente, porque só Deus me tira daqui, eu estarei com vocês”.

Só Deus — nem uma eleição, nem um impeachment — o tira do trono; brada aquele que afirmou ter provas (jamais apresentadas) de que o pleito de 2018 fora fraudado.

Pode piorar.

Não se chega a um presidente abertamente golpista — um investidor no caos, que tanto mais prosperará quanto mais forem as instabilidades e os conflitos — sem um longo percurso de permissões à violência. Pode piorar. (Enquanto isso, Fux — num gesto de bravura institucional — telefonará para saber se o discurso golpista pode se materializar em golpe; de resto, como se a dilapidação autocrática da democracia liberal precisasse de tanques nas ruas.)

Pode piorar. O encadeamento do esquema é lógico. Se a mentalidade dominante é a autoritária, influentes serão — mais oferecidos estarão — os instrumentos arbitrários. E então temos um presidente que, citando estado de sítio diariamente, apropria-se do Exército, forja governadores como tiranos e prega o armamento da população — instigando a desobediência civil — como maneira de resistir aos usurpadores imaginários da liberdade.

Se a mentalidade prevalecente é a discricionária, mais tentados seremos às soluções exorbitantes. Encaixa-se nessa concepção prepotente —em que a boa causa legitima se diluírem as fronteiras entre acusação e juízo — a forma como o lavajatismo compreende a Justiça. E, se nos sentimos à vontade ante o uso de ferramentas abusivas — justiceiras — contra adversários, porque, afinal, são adversários (a linguagem vigente os torna inimigos), então teremos entrado na cancha em que gente como Bolsonaro, o que faz “qualquer coisa pelo povo”, joga em casa.

O bolsonarismo — fenômeno reacionário de natureza populista-autocrática — será o dono da bola se as regras forem as autorizadas pela Lei de Segurança Nacional. A LSN é um paraíso para a equiparação entre a pessoa do governante e a representação do Estado; do que se desdobra a fé antidemocrática, exercida por alpinistas como o ministro da Justiça, de que a proteção à honra de Bolsonaro equivalha à guarda do próprio Estado brasileiro. E daí — numa corrida por quem pode mais — não haverá limites.

Decorrem dessa distorção o inquérito intimidador contra Felipe Neto (referiu-se ao presidente como genocida) e a ação contra um tocantinense que veiculou outdoor em que chamava Bolsonaro de pequi roído; para ficar apenas em dois casos recentes. Ambos atos do mais óbvio exercício da liberdade de expressão. Atos cujos conteúdos, porém, podem, sim, ofender a honra; ofensas contra as quais existe o Código Civil. Ponto final. Tudo o mais sendo tentativa — pelo Estado — de amedrontar. Ou alguma dessas manifestações — por agressiva que seja — tem potencial atentatório contra a segurança do presidente? Ou alguma dessas expressões investe contra a ordem política republicana? Não.

As falas do deputado Daniel Silveira, sim. Enquadram-se na LSN. Falas de alguém com mandato, agente que se exprime desde dentro da democracia representativa, que atacou um Poder da República. Mas é muito perigoso que a captura do crime de Silveira e os gatilhos para a prisão do parlamentar (de flagrante muito duvidoso, depois improvisada numa espécie de flagrante permanente) baseiem-se numa lei que, como próprio a mecanismos autoritários, molda-se a qualquer ímpeto ressentido e vingador, cujo alcance se estica para chegar a qualquer um, a depender do mendonça de turno na esquina.

Está aberta a pista — e já bem movimentada, com convites a toda sorte de aventureiro — para o baile em que Bolsonaro e seus silveiras são os melhores e mais experientes dançarinos. E a culpa aqui — pelo salão encerado e escancarado — é compartilhada entre Congresso e Supremo.

Da parte do Parlamento, porque ainda não jogou no lixo a LSN, em cujo espaço deveria erguer uma robusta legislação de defesa do estado democrático de direito — um marco destinado a tipificar os crimes contra a democracia e esclarecer os modos como um senador ou deputado, sem mais meios de deturpar a liberdade de se expressar, podem ser presos, inclusive provisoriamente, e cassados; com o que, ademais, se valorizaria o espírito republicano da imunidade parlamentar.

Da parte do STF, porque tem origem no tribunal o revigoramento da LSN, a excrecência que ancora o inquérito dito das Fake News, aquela doença totalitária, um enclave censor — já censurou uma revista — baixado de ofício e sem objeto investigado definido, ali onde tudo cabe, por meio do que o Supremo se impõe ao mesmo tempo como vítima, investigador, promotor e julgador.

Um péssimo exemplo. Que atiça qualquer empoderadinho com distintivo. Chama os revanchistas e oportunistas a expor os dentes. E desbasta o terreno em que a barbárie fareja as carnes. Aí está. Vai piorar.


Maria Cristina Fernandes: Carta eleva pressão sobre Bolsonaro

Congresso se vale de documento para tentar isolar presidente na gestão da pandemia

A carta dos economistas não foi pensada com este fim, mas seu resultado mais imediato foi o de fortalecer o Congresso frente ao presidente Jair Bolsonaro não apenas para a reunião que está sendo programada para amanhã no Palácio do Planalto entre as cúpulas dos Três Poderes e uma comissão de governadores, mas frente ao próprio Ministério da Saúde.

Ao conseguir a aderência de banqueiros, investidores e empresários como Roberto Setubal (Itaú), Pedro Moreira Salles (Itaú), José Olympio da Veiga Pereira (Credit Suisse), Arminio Fraga (Gávea), Fábio Barbosa (Gávea), Luís Stuhlberger (Verde) e Horácio Lafer Piva (Klabin) a carta isolou ainda mais o presidente e dificultou a transformação do encontro de amanhã na armadilha pretendida.

A ideia de um comitê de crise, a ser discutido nesta reunião, seria não apenas melhorar a coordenação entre os entes federativos, como também tirar do presidente Jair Bolsonaro a condição de responsável-mor pela mortandade brasileira recorde. Seu comportamento na tarde de domingo, porém, desautorizou as expectativas de mudança. Ele foi para o gramado do Palácio do Alvorada comemorar seu aniversário com manifestantes que se aglomeraram no gradil. Ao discursar, disse que “estão esticando a corda” e que “só Deus” o tiraria do cargo.

Na segunda-feira pela manhã, durante a posse da Associação Comercial de São Paulo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, encarregou-se de responder ao presidente. Disse que o negacionismo tornou-se uma “brincadeira de mau gosto, macabra e medieval” (ver abaixo).

Horas antes, Pacheco havia se reunido com um grande banqueiro na capital paulista. Apesar de não ser signatário da carta, o banqueiro, que costuma falar com CEOs de grandes indústrias farmacêuticas e acompanha de perto a produção mundial, lhe disse que o documento dos economistas, revelado pelo jornalista Merval Pereira (“O Globo”), simbolizava a paciência esgotada de agentes econômicos importantes com a conduta do presidente da República e de seu governo na pandemia.

Ouviu dele que a do Congresso também está por um fio. Não se avançaram, na conversa, ações concretas decorrentes do fim da paciência geral da nação, nem mesmo uma posição definitiva sobre a CPI da pandemia no Senado. Na noite de ontem, o mesmo banqueiro e um grupo de grandes investidores e empresários tinham um jantar marcado com Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Ecos desta insatisfação, que cresce desde a nomeação de Marcelo Queiroga para a Saúde e foi estampada no documento do fim de semana, chegaram ao Palácio do Planalto no fim da manhã de ontem. A posse de Queiroga, que havia sido prevista para ontem à tarde, não aconteceu e há expectativas de que venha a ser confirmada entre hoje e quinta-feira.

Há preocupações urgentes que um Ministério da Saúde acéfalo só agrava, como a definição em relação aos estoques de vacina. No domingo, o ainda ministro Eduardo Pazuello anunciou que os estoques nacionais guardados para a segunda dose poderiam ser usados para avançar a vacinação. Segundo o comunicado da pasta, a liberação teria levado em conta a previsão de entregas dos institutos Butantan e Fiocruz, que puderam acelerar a produção com a chegada da matéria-prima (IFA) importada.

A medida, porém, está longe de ser consensual. Um governador enviou um dos médicos que compõem seu conselho consultivo para conversar com um ministro do Supremo Tribunal Federal. Ao ser questionado pelo ministro sobre seu aval à decisão, o médico disse que não conhecia o embasamento técnico da decisão e o governador foi desencorajado a ir em frente.

O Ministério da Saúde não forneceu nenhum documento demonstrando garantia de produção da segunda dose a tempo de repor os estoques no prazo previsto para quem recebeu a primeira picada. Em entrevista à CNN americana, o governador de São Paulo, João Doria, apresentou-se como porta-voz dos chefes dos executivos estaduais: “Estamos em um daqueles trágicos momentos na história em que milhões de pessoas pagam um preço alto por ter um líder despreparado e psicopata no comando de uma nação.”

Além das incertezas em relação às vacinas, os governadores que participarão do encontro de amanhã no Palácio do Planalto levarão as preocupações em relação à falta de leitos e de insumos como oxigênio e sedativos. Se a posse de Queiroga for confirmada hoje, depois da pressão de um Congresso fortalecido pela carta dos economistas, a expectativa é de que o ministro faça uma gestão compartilhada com o Centrão, ao contrário do que havia sido sinalizado na semana passada.

Uma acomodação que não mude o rumo da vacinação é vista com desânimo por signatários da carta, como o economista Arminio Fraga, da Gávea Investimentos. Ele teme que o fracasso dos signatários em convencer os Poderes da necessidade de guiar a reação à pandemia pela ciência e pelo bom senso, não apenas revele um país impotente frente à mortandade como também jogue por terra qualquer chance de recuperação da economia em 2022.

Um outro signatário, também investidor, que participa de projetos comunitários em favelas na capital paulista, diz ter sido alertado por uma liderança influente de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, que a corda está perto de arrebentar. Sem conseguir conter o desespero e a fome na comunidade, esta liderança teme que os moradores saiam em arrastão pelas ruas do bairro vizinho do Morumbi.

Vem daí a ofensiva do Movimento Convergência Brasil por um projeto de renda básica amarrado a uma reforma administrativa e a privatizações. A ideia do movimento, que tem o apoio de empresários como Luiza Trajano e Jorge Gerdau Johannpeter, é vencer as resistências do Congresso com o compromisso de que uma parte dos recursos não seria usada para abater dívida mas para financiar o projeto de renda básica.

O momento, porém, é visto como desfavorável por economistas signatários da carta pelo precedente aberto pela PEC emergencial, que pouco cortou em troca da nova rodada do auxílio emergencial. Tanto Arminio Fraga quanto Elena Landau, ex-diretora do BNDES e uma das principais articuladoras da carta dos economistas acham que a urgência da renda básica está descolada de uma reforma administrativa e de um programa de privatizações porque, assim como a vacinação, essas iniciativas não contam com a aderência do presidente da República.


Adriana Fernandes: Governo resume carta de 500 economistas e banqueiros a 'movimento' contra Bolsonaro

Documento, que defende o uso de medidas efetivas no combate à pandemia, causou desconforto no presidente, mas não vai alterar seu discurso anti-lockdown, apoiado por vários setores empresariais

A carta aberta que juntou banqueiros e economistas em defesa de medidas efetivas de combate à pandemia foi interpretada no governo como um “movimento político” contra o governo Jair Bolsonaro nessa fase mais dura da pandemia da covid-19. Num momento de queda da popularidade, o documento, que começou a ser construído em conversas de economistas em grupos de Whatsapp, ganhou força no fim de semana com mais de 500 assinaturas e causou enorme desconforto, mas o presidente não mudou a estratégia de repetir o discurso contrário ao lockdown – que tem endosso nos setores empresariais que o apoiam.

A expectativa do governo é que esses setores também se posicionem contrários às medidas de restrição de mobilidade, apontadas por autoridades sanitárias como essenciais para que o colapso hospitalar não seja disseminado por todo o País. Não há sinais de que Bolsonaro vai abandonar esse discurso porque ele está convencido de que as medidas de isolamento são uma “armadilha” para afundar ainda mais a economia, sem chances de recuperação para garantir a sua reeleição. Bolsonaro já foi avisado do quadro extremamente ruim da economia, com impacto na arrecadação, das vendas e queda do PIB no primeiro semestre. O presidente vê nas medidas de restrições um entrave a mais.

O governo prevê que a situação da pandemia no País vai piorar muito ainda nas próximas três semanas e, até lá, o presidente terá de administrar a “fervura” política que vai aumentar no setor produtivo e no Congresso. Em 30 dias, a expectativa no governo é que o avanço da pandemia comece a ser travado e, em 60 dias, o quadro já seja outro, com a aceleração da vacinação da população pelo aumento da produção no Brasil e da chegada das novas vacinas que estão sendo compradas, entre elas 138 milhões da Pfizer e da Janssen.

Para auxiliares do presidente, aqueles que assinaram a carta são mais “dos mesmos críticos de sempre” para desgastar o governo e reforçar o discurso de uma saída de centro no quadro de polarização política entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula, com a pandemia da covid-19 por trás.

Na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que recebeu uma versão da carta, a ordem é ficar em silêncio. Auxiliares do ministro avaliam, porém, como “injustas” as críticas de que não houve ação com medidas de combate à pandemia. Citam, por exemplo, o auxílio emergencial. Eles lembram que o pedido na carta dos economistas de vacinação em massa e cuidados é defendido por Guedes.


Monica de Bolle: Economia e saúde jamais foram separáveis

O país inteiro asfixia não apenas por ter ignorado aquele que seria o seu destino ante o descaso, mas porque continua preso na armadilha de que a economia importa mais do que as vidas que a sustentam

A frase que intitula esse artigo está sendo dita e repetida por mim e muitas outras pessoas há mais de um ano. A insistência nunca foi por pura teimosia, menos ainda por pessimismo exagerado como muitos acreditaram no início da pandemia. A insistência, ao contrário, sempre veio do entendimento de que caso tratássemos a economia como soberana ao vírus entraríamos em colapso. Já não tenho noção de quantas vezes disse e escrevi que o colapso do sistema de saúde levaria, inevitavelmente, ao colapso econômico. Afinal, quando o sistema de saúde colapsa no país inteiro não são apenas os pacientes de covid-19 que morrem desnecessariamente ou que sofrem e agonizam. São também todos aqueles que precisam de atendimento hospitalar: do enfarte a uma perna quebrada, de uma crise de asma a um tornozelo torcido. Pensei na apendicite.

A apendicite é uma inflamação no apêndice, órgão que perdeu a funcionalidade no nosso intestino mas que lá reside. A apendicite acomete qualquer pessoa, em qualquer idade, com qualquer condição de saúde. Seja um adolescente saudável ou uma senhora de 80 anos com doença pulmonar obstrutiva, a apendicite pode, de uma hora para a outra, levá-los à emergência. Esse quadro inflamatório agudo, caso não mereça atenção imediata, pode supurar, levando as bactérias responsáveis pela inflamação à circulação. Quando isso ocorre, a pessoa acometida tem sepse e pode acabar morrendo. Hoje, uma pessoa com apendicite em qualquer canto do país tem de contar com muita sorte para ser atendida, ou mesmo contar terrivelmente com a morte de outra para que possa ter um leito de hospital. Hoje no Brasil, ter apendicite é uma quase sentença de morte. É isso que significa o colapso dos sistemas de saúde público e suplementar em todos os Estados. Para que fique claro, a saúde complementar é o sistema hospitalar privado. Portanto, não adianta ter dinheiro caso você tenha apendicite pois já não há hospital para atendê-lo.

Como chegamos a esse ponto? Alguns dizem que foram as festas de fim de ano, outros apontam o Carnaval e outros ainda culpam as pessoas que não usam máscaras e não respeitam as regras de distanciamento social. É claro que todos esses fatores contribuíram de alguma forma para o colapso, mas na realidade ele já estava contratado. Ele foi contratado no momento em que aceitamos a falsa dicotomia entre saúde e economia e jamais tratamos de abandoná-la.

Algo semelhante ocorreu aqui nos EUA, onde moro. Por muito tempo —tempo pandêmico, logo denso— a necessidade de limitar a circulação de pessoas para frear as cadeias de transmissão do vírus foi negada. O uso de máscaras se tornou objeto de embates políticos, as medidas de distanciamento social foram rechaçadas por uma parte da população, incitada pelo então presidente Donald Trump. Houve descontrole da pandemia e mais de meio milhão de pessoas morreram. Muitas das que sobreviveram e se “recuperaram” hoje vivem o calvário da covid-19 crônica, isto é, da convivência com sintomas debilitantes que jamais desapareceram ainda que tenham se livrado do vírus. Apesar dos números pavorosos da epidemia nos Estados Unidos durante a Administração Trump, planos de vacinação foram preparados, financiamentos para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos foram concedidos pelo governo. Além disso, os Estados Unidos jamais enfrentaram a situação que vive hoje o Brasil. Estados colapsaram, sim. Contudo, havia recursos em outros Estados que podiam ser deslocados para os mais necessitados. Profissionais de saúde viajaram de uma parte do país a outra, ventiladores mecânicos foram emprestados, equipamentos hospitalares em geral foram compartilhados. Dessa forma, cenas como as de Manaus, de pessoas morrendo por falta de oxigênio, de pessoas intubadas sem sedativos nos corredores dos hospitais, foram evitadas.

Entendam: hoje não há recursos hospitalares em qualquer parte do país que possam ser compartilhados. Quando todos os Estados colapsam simultaneamente, foi-se a capacidade de uns ajudarem os outros. O país inteiro asfixia não apenas por ter ignorado aquele que seria o seu destino ante o descaso, ou mesmo a política intencional de deixar morrer do Governo Bolsonaro, mas porque continua preso na armadilha de que a economia importa mais do que as vidas que a sustentam. Não fosse assim, teríamos medidas de lockdown —não as medidas disfarçadas de lockdown que fizemos em 2020, mas as de verdade— no país inteiro. Essas medidas estariam sendo defendidas por todos: governadores, prefeitos, pela população.

E o que são, realmente, essas medidas? Em poucas palavras, o fechamento do país. Todos os serviços e estabelecimentos não essenciais precisam fechar. A circulação de pessoas precisa ser severamente limitada. O uso de máscaras tem de ser obrigatório, e penalidades para quem infringir essas ordens devem ser postas em prática. Vários países fizeram isso, e não só as economias mais avançadas. Países como a Índia adotaram multas severas para quem não utilizasse máscaras em locais públicos, outros fizeram o mesmo. Afetado hoje, inclusive, por variantes mais agressivas do vírus —mais transmissíveis ou até mais letais, duas delas surgidas no Brasil— o país não tem tempo a perder. Mas perde tempo.

O Brasil perde tempo com a discussão sobre o lockdown e perde tempo ao propor um auxílio emergencial completamente inadequado. Não é possível fechar o país sem o auxílio emergencial. O auxílio não é apenas uma medida econômica, mas uma medida de saúde pública. No entanto, o Governo brasileiro deixou o auxílio acabar quando já estava claro que a pandemia iria piorar e hoje oferece de 150 a 375 reais mensais para as famílias de baixa renda e para a população vulnerável. O custo médio da cesta básica no Brasil —e a cesta básica contém realmente isso, o básico do básico —é de mais de 500 reais. Como que as pessoas que precisam ter meios para sobreviver sem ir aos seus locais de trabalho serão capazes de se alimentar com menos da metade do valor da cesta básica? O auxílio proposto é de baixo valor para preservar as contas públicas brasileiras, assim nos dizem. Pergunto-me desde quando as contas públicas brasileiras passaram a ser mais importantes do que a maior crise sanitária já vista no país segundo a Fundação Oswaldo Cruz.

Encerro respondendo a minha própria pergunta: as contas públicas são soberanas porque nós teimamos em separar a economia e a saúde. Esse é o caminho do colapso e é nele que nos encontramos.


Miguel Nicolelis: ‘Podemos chegar a 500 mil mortos na metade do ano’

Professor da Universidade Duke (EUA) faz previsões catastróficas e afirma que, sem implantações de medidas restritivas imediatamente, uma ‘tsunami irá varrer o Brasil’

Constanca Tatsch, O Globo

RIO — Hecatombe significa uma “destruição ou desgraça em grande escala”. E é o termo usado pelo médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA) Miguel Nicolelis para descrever a situação do Brasil em meio à pandemia da Covid-19. Segundo ele, se não forem implementadas medidas restritivas imediatamente, o Brasil deve alcançar a marca de 500 mil mortes em julho. Segundo o ex-coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19, além do colapso sanitário, já ocorre um colapso funerário.

Já estamos com quase 3 mil óbitos por dia. Por que março vive uma explosão de mortes?

A explosão de forma sincronizada em todo o Brasil é decorrente das eleições (municipais, em novembro) e das aberturas indiscriminadas. Com as festas natalinas e o carnaval, explodiu de vez. Como medidas mais rígidas não aconteceram, infelizmente as previsões se concretizaram, e chegamos a um colapso. Hoje é difícil prever qual vai ser a taxa de óbitos daqui a duas, três semanas. A gente não consegue ver limite ou pico.

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Há pacientes em São Paulo morrendo na fila de espera por vagas nos hospitais. O que se pode fazer a esse respeito?

O prefeito e o governador têm que criar coragem e fechar a capital e a Grande SP, impedindo o fluxo nas rodovias. Não dá para continuar empurrando com a barriga. Ou faz agora, ou as pessoas vão morrer na rua. São Paulo já colapsou há dias. Quando cruza 90% de ocupação, já foi. Só na logística para achar o leito e transferir, as pessoas vão morrer. O Brasil inteiro colapsou.

O que precisa ser feito para evitar o desabastecimento dos insumos hospitalares?

Tem que comprar esses medicamentos no mercado internacional, mas não estão entregando. O Brasil tinha que ter feito um estoque enorme, mas é desespero. É uma hecatombe. Como se a gente estivesse numa guerra, o inimigo tivesse tomado o Brasil, e a gente tivesse optado por não se defender porque quem deveria criar nossa estratégia de defesa renunciou ao papel de defender a sociedade da maior tragédia humanitária da nossa história.

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O senhor acha que o lockdown deve ser nacional ou bastam medidas regionalizadas?

No Reino Unido, em dezembro, o comitê científico disse que em 12 dias o sistema hospitalar ia colapsar. O primeiro-ministro fechou o país. Hoje, a Inglaterra anunciou que teve a menor taxa de transmissão, óbitos e internações desde setembro. Porque fez o que tinha que fazer. Não teve lero-lero. Não tem saída. Nós sempre seguimos as ondas europeias. Avisamos em outubro que a segunda onda ia chegar aqui, agora certos lugares da Europa estão na terceira onda e vai chegar também. É duro dizer isso, mas vai piorar muito se não fizermos nada. E tem que ser a nível nacional, com medidas sincronizadas. Não adianta fechar um estado e deixar o resto aberto porque o vírus está em todo lugar, se espalha pelas rodovias, pelos aeroportos. Vamos chegar a 300 mil óbitos com uma rapidez impressionante. Podemos chegar a 500 mil na metade do ano, no meio do inverno.

Mesmo com a vacinação?

Mesmo com a vacinação, sem lockdown, dificilmente será possível reverter essa situação. Teríamos que vacinar 3 milhões de pessoas por dia por 60 dias, começando imediatamente. É altamente improvável. Enquanto isso, se tivermos 2 mil mortes por dia por 120 dias, teremos mais 240 mil mortes. É uma estimativa grosseira, só para ilustrar que chegaríamos a 500 mil mortes em meados de julho.

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Como o senhor avalia esse pedido do presidente Jair Bolsonaro ao STF, de que só ele pode definir lockdown?

Esse documento vai rodar o mundo e vai servir como prova definitiva de que as intenções da Presidência não são voltadas ao bem maior da sociedade. E, quando um mandatário renuncia à sua obrigação máxima de proteger e salvar seus cidadãos, outros poderes da República têm que intervir. O presidente botou no papel o que o mundo inteiro já sabia, que ele quer fazer o oposto do necessário para evitar um genocídio no Brasil.

O senhor falou no Twitter que o colapso funerário começa em pequenas cidades

Já começou. Vi um município de Pernambuco onde corpos estavam se acumulando num terreno baldio. Já temos registros de filas enormes em cartórios para registrar os óbitos, dificuldades de manejo de corpos nos hospitais, a Associação Brasileira de Funerárias recomendando que não deem férias aos funcionários, faltam urnas. Os sinais são claros. Não sei como alguém ainda não vê o tsunami que vai varrer o Brasil. Não vai mais ser só crise sanitária, começam a ter distúrbios sociais.

Pandemia:  Saúde requisita mais de 665 mil remédios do kit intubação para os próximos 15 dias

É o caso de uma mobilização internacional para ajudar o país?

O Brasil precisa de ajuda. Pedimos aos países amigos com excedente de vacinas, mas o que os governos desses países falam publicamente e reservadamente é que não tem um interlocutor. Não somos um país pária, somos um país radioativo. O Brasil não é um problema só dos brasileiros, é um problema do mundo. Se não controlarmos a pandemia, nossas fronteiras são porosas, as variantes daqui vão escapar, e o mundo sabe disso.


Afonso Benites: Bolsonaro sabota auxiliares que tentam costurar pacto contra a covid-19

Ação do presidente no STF que pretende impedir que governadores e prefeitos decretem ‘lockdown’ é vista como uma tentativa de ele reforçar seu discurso político em contraposição aos governadores. Cresce no Senado movimentação pró-CPI da Covid

Enquanto auxiliares do Palácio do Planalto se articulam para demonstrar alguma união com outros poderes e governadores no combate à pandemia de covid-19, o próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) joga contra a sua equipe. Em duas aparições públicas, na sua live de quinta, e numa conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, na sexta-feira, o mandatário voltou a criticar governadores que impõem medidas de restrição de circulação, reforçou que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para impedir esses decretos e citou que, em algum momento, o Governo Federal tenha de tomar uma “medida dura”, por causa da pandemia. Foi uma repetição do discurso que vem adotando há um ano.

A diferença é que agora o Brasil registra quase 300.000 óbitos em decorrência do coronavírus e encontra dificuldades em adquirir vacinas, já que ignorou as ofertas de preferência de compras apresentadas no ano passado, e está prestes a ficar sem remédios básicos para UTIs em 18 Estados. Os ataques ocorrem nas vésperas de promover uma reunião ampla, em que o objetivo era mostrar alguma coesão. Ela está prevista para o próximo dia 24 e espera contar com a participação dos presidentes da Câmara, do Senado, do STF, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas da União e uma comitiva de governadores que ainda não foi definida.

No Supremo, a ação apresentada pelo presidente tem sido vista como uma espécie de armadilha para reforçar o seu discurso, sem fundamento na realidade, de que o Judiciário não o deixa agir. Ele não espera uma vitória na Ação Direta de Inconstitucionalidade, e pretende usar uma possível derrota como plataforma política-eleitoral, na qual se eximiria de culpa no colapso da saúde e também pelas consequências do isolamento social. No ano passado, quando os ministros do STF decidiram que haveria uma responsabilidade compartilhada na gestão da crise, o presidente propagou entre os seus apoiadores a falsa informação de que ele foi impedido a agir por ordem dos magistrados.

Uma outra leitura política pode ser feita ao sobre o autor da ação. Geralmente, documentos que são enviados pela Presidência da República são assinados pela Advocacia Geral da União. Não foi o que ocorreu no caso. A petição inicial é firmada apenas pelo presidente Bolsonaro, e não por José Levi Mello do Amaral. No documento, o mandatário pede que os decretos emitidos pelos governos do Rio Grande do Sul, da Bahia e do Distrito Federal sejam suspensos. Também solicita “se estabeleça que, mesmo em casos de necessidade sanitária comprovada, medidas de fechamento de serviços não essenciais exigem respaldo legal e devem preservar o mínimo de autonomia econômica das pessoas, possibilitando a subsistência pessoal e familiar”. Na prática, quer proibir o lockdown.

A ação do presidente vai na contramão do que a maioria da população deseja. Pesquisa Datafolham, divulgada na quinta-feira, mostrou que 71% dos brasileiros apoiam a restrição do comércio e serviços como medida de controle da pandemia. Também segue em sentido oposto aos países que tem apresentado melhores resultados no combate à doença, como o Reino Unido.

Os nove governadores da região Nordeste assinaram uma nota que disseram estar surpresos com a ação do presidente. A chamaram de inusitada e o convidaram a participar de uma união de esforços no combate à pandemia. “Fizemos a proposta de um Pacto Nacional pela Vida e pela Saúde e continuamos aguardando a resposta do presidente da República”, diz o documento assinado pelos chefes dos Executivos estaduais nordestinos.

Sem vácuo na política

Os movimentos descoordenados de Bolsonaro tiveram três reações no cenário político. O primeiro foi que, no Senado, tem crescido um movimento para que seja instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19. Já há as assinaturas necessárias para tanto, mas o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), prefere postergar qualquer decisão. A abertura da comissão depende de seu aval.

O segundo movimento foi feito pelo próprio Pacheco. Nesta sexta-feira, ele enviou um ofício à a vice-presidenta dos Estados Unidos, Kamala Harris, pedindo que ela intermedeie a venda de vacinas excedentes em seu país para o Brasil. Harris acumula nos EUA o papel de presidente do Senado. Há ao menos 30 milhões de doses excedentes em território americano, produzidas pela AstraZeneca, que ainda dependem de autorização das agências sanitárias locais para serem usadas lá. A expectativa é que essas vacinas não sejam usadas tão cedo por lá. Enquanto que no Brasil, elas já têm autorização para o uso.

“O Governo não é só Executivo. O Governo é Executivo, é Legislativo e Judiciário. E a questão principal neste momento é unir forças em favor do povo brasileiro. E convém fazer mais do que tem sido feito”, disse a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado que intercedeu no tema. O Senado se viu compelido a agir não só pela inépcia de Bolsonaro, mas também porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que não tem cargo algum, tem tentado usar de sua influência política para obter mais vacinas ao país.

O terceiro movimento no xadrez político partiu de um subprocurador da República junto ao TCU (Tribunal de Contas da União). Lucas Furtado pediu a esse tribunal que afaste o presidente Bolsonaro das funções administrativas e hierárquicas sobre os ministérios da Saúde, Economia e Casa Civil e repasse as suas atribuições ao vice-presidente, Hamilton Mourão. Em seu pedido, o procurador argumentou que haverá prejuízo aos cofres públicos se não houver atendimento à população durante a pandemia e se queixa das disputas político-ideológicas.

“Não se discute que toda estrutura federal de atendimento à saúde, com recursos financeiros, patrimoniais e humanos, terá representado inquestionável prejuízo ao erário se não cumprirem sua função de atender à população no momento de maior e mais flagrante necessidade. É inaceitável que toda essa estrutura se mantenha, em razão de disputas e caprichos políticos, inerte diante do padecimento da população em consequência de fatores previsíveis e evitáveis”, diz trecho do documento.

O subprocurador ainda justificou que seu pedido está embasado na lei orgânica do TCU, que prevê o afastamento temporário do responsável caso haja indícios suficientes de que, “prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento”. Na prática, a tendência é que esse pedido não tenha sucesso. O afastamento de um presidente ocorre por meio de um processo de impeachment tocado no Congresso Nacional ou quando há a cassação da chapa por meio de uma ação no Tribunal Superior Eleitoral. O vácuo de liderança no Palácio do Planalto e os sinais trocados emitidos pelo presidente tem resultado até em ações esdrúxulas de outros atores.


Alon Feuerwerker: Segunda, terceira

Depois da segunda onda vem a terceira? Isso aconteceu, por exemplo, na Gripe Espanhola. E ali a mais mortífera foi a segunda. Agora, a Europa parece às voltas com o recrudescimento das infecções pelo SARS-CoV-2, uma terceira onda que preocupa as autoridades sanitárias (leia).

Também porque o ritmo da vacinação no Velho Continente deu uma engasgada, por causa das dúvidas sobre a vacina de preferência deles, a Oxford/AstraZeneca. Houve relatos de complicações após a administração, ela foi interrompida em diversos países mas agora parece que vai ser retomada.

Lá, como cá, a disputa se dá em torno de apertar e estender, ou não, as medidas de isolamento social. Mas ali preservou-se um grau bom de coordenação entre governos e países. Se acertarem, a chance de todos acertarem juntos é grande. Igualmente se errarem.

Por aqui, a turbulência federativa vai firme. Um exemplo insólito é a divergência entre o governador de São Paulo e o prefeito da capital, aliados e ambos do mesmo partido, sobre o feriado prolongado que a prefeitura determinou (leia). E assim caminha o Brasil. Tomara que a vacinação acelere logo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Rogério Werneck: Quatro ministros

Como o presidente continua incorrigível, o novo ministro deverá penar. Terá ele condições de reverter o aparelhamento feito por Pazuello?

Pandemia fora de controle, indignação com o caos da vacinação e popularidade em queda já vinham sendo razões de sobra para dar ao Planalto o que pensar. Não bastasse tudo isso, ainda havia aceleração da inflação, sobretudo de alimentos, atraso na retomada da economia e perspectiva de persistência de desemprego em massa até o fim do mandato. Por mais fixado que já estivesse em sua reeleição, Bolsonaro já dera sinais de ter percebido que desse jeito, aos trancos e barrancos, não teria como chegar lá.

Pois, na semana passada, a insegurança do Planalto com a precariedade da sua situação foi subitamente redobrada, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) – sempre ele – se permitiu remexer o caldeirão em que vem sendo preparado o complexo jogo eleitoral de 2022, fazendo com que viesse à tona quem parecia ter ficado definitivamente no fundo. O repentino ressurgimento de Lula como candidato a presidente, num momento tão difícil para o governo, deixou Bolsonaro visivelmente desconcertado.

Como não poderia deixar de ser, na sua reentrada em cena, o ex-presidente voltou a exibir seu velho e irrefreável lado mistificador. Apressou-se a se dizer inocentado pelo STF, rotulou a Lava Jato de “maior mentira jurídica em 500 anos”, comportou-se como se nada tivesse a ver com Dilma Rousseff e permitiu-se até destacar quão bem gerida era a Petrobrás, com a qual, de resto, esclareceu, nunca teria chegado a se envolver.

O mais danoso para o Planalto, contudo, foi o discurso suprapartidário adotado por Lula para denunciar os desmandos do governo no combate à pandemia. Batendo na tecla certa e fazendo bom uso da atenção que sua volta à disputa presidencial despertara, o ex-presidente insistiu no que qualquer pessoa de bom senso, não importa como se posicione no espectro ideológico, hoje espera ouvir, em meio ao grave recrudescimento da pandemia que enfrenta o País. Use máscara, evite aglomerações, não siga recomendações estapafúrdias do governo federal e, por favor, não deixe de se vacinar.

O Planalto sentiu o golpe. E passou recibo. Bolsonaro apareceu de máscara em evento público, seus filhos passaram a defender a vacinação e a tentar reescrever às pressas a história, dando como inverídicas as notórias manifestações negacionistas e obscurantistas do pai. 

O mais importante, contudo, é que a sobrevida de Eduardo Pazuello como ministro da Saúde se tornou insustentável. O general caiu em menos de uma semana. E, no melhor estilo bolsonarista, sua substituição foi muito mais ruidosa e desgastante do que poderia ter sido. 

Cotada de início para o cargo, a cardiologista Ludhmila Hajjar se dispôs a ir ao Planalto discutir que condições de trabalho teria caso viesse a assumir o Ministério. Mas, não tendo vislumbrado a possibilidade de chegar a uma visão “convergente” sobre o que precisa ser feito, declinou o convite, queixando-se de ter sido vilmente atacada nas redes sociais e se livrado por pouco de tentativas de invasão do hotel em que estava hospedada em Brasília.

A escolha, afinal recaiu sobre outro cardiologista, Marcelo Queiroga, que parece ter tido menos dificuldade para se acertar com Bolsonaro. Mas que achou mais seguro deixar registrado, logo de saída, que “a política é do governo Bolsonaro, não do ministro da Saúde”. Uma constatação, agora óbvia, da qual o País, a duras penas, se deu conta nos últimos meses. Tendo nomeado seu quarto ministro da Saúde desde a eclosão da pandemia, já não há mais dúvida de que o descalabro sanitário que hoje se vê deve ser integralmente debitado a Jair Bolsonaro.

Como o presidente continua incorrigível, o novo ministro deverá penar. Terá ele condições de reverter o aparelhamento que Pazuello se permitiu fazer na área da Saúde? Ou será obrigado a preservar a desastrosa ocupação do Ministério por militares? Baterá de frente com Bolsonaro, como Luiz Mandetta? Pedirá as contas em menos de um mês, como Nelson Teich? Ou se conformará em ser não mais que um Pazuello. É o que em poucos dias saberemos, em meio ao macabro turbilhão da pandemia. 

*Economista, Doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-Rio 


Adriana Fernandes: Negociação pelo Refis é a mais nova batalha da equipe econômica

Se no auxílio pesava o lado dos pobres na balança, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força

A negociação do novo parcelamento de débitos tributários é a mais nova batalha no campo econômico em Brasília após a votação da PEC do auxílio emergencial em conjunto a um grupo de medidas fiscais.

A aprovação de um projeto de parcelamento de dívidas tributárias já estava devidamente contratada no Congresso desde 2020, mas o Ministério da Economia vinha segurando o seu avanço para não perder o controle e abrir uma brecha para uma renegociação ampla.

O problema para Guedes é que a pandemia piorou e a pressão ganhou um reforço de peso do presidente do SenadoRodrigo Pacheco.

A hora chegou. 

Logo depois da sua eleição, no início de fevereiro, Pacheco já havia pedido o Refis ao ministro. Guedes respondeu que seria melhor esperar a reforma tributária e começou a discutir uma ampliação do programa aberto de transação tributária, que prevê negociação direta com os contribuintes com base na capacidade de pagamento.

Não resolveu. Com a PEC aprovada, não está dando mais para segurar a pressão pelo Refis que sempre aparece pelo menos a cada três anos nas últimas duas décadas.

A reforma tributária não vai andar como se fala oficialmente (muitos parlamentares nem acreditam nela até 2022) e o Refis é hoje considerado mais importante para o cenário atual de pandemia e queda do PIB, como aconteceu com o auxílio emergencial, que não pode esperar a ampliação prometida do programa Bolsa Família.

Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, foi escalado por Pacheco para ser o relator e o diálogo foi aberto nessa semana. De partida, Guedes quer limitar o Refis a débitos de 2020 e à lista de setores mais afetados.

Botou seus limites para iniciar as negociações. O posicionamento do ministro é uma tentativa de freio de arrumação muito semelhante às contrapartidas fiscais buscadas na PEC, mas, quando a discussão no Congresso esquentar, o negócio é outro com o Centrão em peso querendo o Refis. O Senado quer uma tramitação rápida para votação direta no plenário.

A questão é que tipo de Refis vai sair do Congresso? A dificuldade maior no Brasil é que foram tantos os programas especiais de parcelamento de débito (levantamento da Receita Federal aponta um total de 40 desde 2000) que se acabou criando por aqui o fenômeno do contribuinte “devedor contumaz”, aquele que deixa de pagar os tributos sempre à espreita do próximo. 

Para a Receita, que tem que arrecadar e financiar as despesas, esse é o pior dos mundos. Os Refis constantes também desestimulam o contribuinte que paga em dia. A publicação pelo Estadão nesta sexta-feira de reportagem sobre as negociações em curso para o Refis gerou esperança para muitos empresários, que estão esperando o programa, mas também críticas de que o Congresso está penalizado os que pagaram os tributos em dia, em prol de “caloteiros”, reforçando uma concorrência desleal.

Esse tipo de posicionamento mostra o tanto que os sucessivos Refis foram nocivos para o País e quanto o assunto é sensível. Agora, que a crise maltrata o setor produtivo e as pessoas físicas que perderam renda, argumentos desse tipo não fazem muito sentido.

É por essa razão que mais do nunca é importante impor limites que impeçam que o novo programa abarque o parcelamento de dívidas passadas que nada tem a ver com a pandemia permitindo mais “boiadas” na área tributária, como foi a confirmação pelo Congresso esta semana do perdão da dívida das igrejas ao isentá-las do pagamento da CSLL. Uma renúncia de R$ 1,4 bilhão com aval do presidente Jair Bolsonaro.

O dilema mais uma vez é a situação de fragilidade das contas públicas. Com a movimentação, que antecipa mais uma queda de braço entre o mundo político e a equipe econômica, o novo Refis já entrou ontem no radar do mercado financeiro como mais um risco fiscal a ser monitorado. Se no auxílio, o outro lado da balança era o mais fraco, os pobres, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força. 

Não por acaso o assunto de ponta entre os especialistas em contas públicas, que estão pensando na fase pós-covid-19, é justamente a necessidade de aumento dos impostos - tema hoje travado no debate nacional. Na Webinar do Estadão e do Ibre-FGV desta semana, a avaliação dos economistas é que ele vai voltar mais cedo ou mais tarde. Vale muito conferir o debate.


O Globo: Com pandemia no ápice, conflitos entre Bolsonaro, governadores e prefeitos emperram medidas de combate

Governador da Bahia, Rui Costa (PT), que também enfrenta críticas de prefeitos bolsonaristas, disse que vai acionar a Procuradoria-Geral do Estado para atuar contra o presidente

Bernardo Mello, Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, O Globo

RIO E SÃO PAULO - No momento mais crítico da pandemia, com o Brasil prestes a atingir a marca de 300 mil mortos, o confronto entre o presidente Jair Bolsonaro, governadores e prefeitos vem dificultando a adoção de medidas no combate ao coronavírus. Além de terem decretos questionados por Bolsonaro, que ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) ontem contestando o toque de recolher adotado por Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, governadores de pelo menos oito estados enfrentam embates com prefeitos, alinhados ou não ao presidente, que rejeitam restrições em seus municípios.

Leia: Em ação no STF, Bolsonaro compara restrições impostas por governadores a estado de sítio

Ontem, governadores que foram alvos do pedido no STF — que deve ser negado pela Corte — reagiram ao presidente. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), que também enfrenta críticas de prefeitos bolsonaristas, disse que vai acionar a Procuradoria-Geral do Estado para atuar contra o presidente, a quem chamou de “aliado do vírus”.

Governadores e prefeitos entraram em choque Foto: Editoria de Arte
Editoria de Arte/O Globo

O Consórcio Nordeste, formado por todos os estados da região, classificou o pedido de Bolsonaro como “inusitado”, enquanto Ibaneis Rocha (MDB) prorrogou o toque de recolher no Distrito Federal. O gaúcho Eduardo Leite (PSDB) ironizou a ação e disse que Bolsonaro “mais uma vez chega atrasado” ao debate. Leite também lembrou que o STF autorizou estados e municípios a determinarem suas próprias restrições, prevalecendo a regra mais rígida.

Interferência da Justiça

Bolsonaro criticou ainda o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), por determinar o fechamento das praias no fim de semana. O presidente disse que ir à praia era uma forma de obter vitamina D, o que reduziria a chance de um quadro grave em caso de contaminação com o vírus. Paes afirmou que pediria ao governador Cláudio Castro (PSC), aliado do presidente, para estender restrições à Região Metropolitana e respondeu Bolsonaro em uma rede social.

“Temos clareza das vitaminas que todos precisamos para ter saúde. Uma delas é a vitamina da solidariedade e contra o negacionismo aos fatos e o que vem acontecendo em todo o país”, escreveu Paes.

Gestão da pandemia criou atritos Foto: Editoria de Arte
Editoria de Arte/O Globo

Em algumas capitais, como Porto Alegre, Natal e Teresina, prefeitos alinhados ao bolsonarismo só cumpriram medidas restritivas de decretos estaduais após serem pressionados no Judiciário. Na capital do Piauí, o prefeito Dr. Pessoa (MDB), simpático a Bolsonaro, fez uma ofensiva no fim de janeiro, após se reunir com o presidente, pedindo a flexibilização de protocolos. Na última quinta, Pessoa baixou um decreto que descumpria as restrições do estado. O governador Wellington Dias (PT) recorreu à Justiça, que obrigou o município a seguir as regras estaduais.

— O sistema de saúde de Teresina está colapsado. Tivemos notícia de paciente que morreu sem atendimento. Ele (o prefeito) é um médico e espero que, com essa decisão, a gente possa manter a integração — afirmou Dias. — A posição do presidente cria uma dificuldade no cumprimento dos protocolos e decretos que são implementados. Sai da orientação científica para a campo da política.

Senado: Pacheco diz não haver razão para estado de sítio e cobra ações efetivas contra Covid-19

Em Natal, o prefeito Alvaro Dias (PSDB) aceitou um decreto conjunto com o governo do Rio Grande do Norte, na quarta-feira, após mediação do Ministério Público e pressionado por uma decisão judicial que reafirmava a prevalência das medidas mais restritivas. Na semana anterior, Dias havia contrariado decreto da governadora Fátima Bezerra (PT) e flexibilizado o toque de recolher para bares e restaurantes.

Em audiência de conciliação na última semana, Dias — que tem defendido o uso de remédios ineficazes contra a Covid-19, como a cloroquina — chegou a dizer que a capital potiguar tinha “vencido a pandemia”. Após ceder ao decreto estadual, ele justificou a mudança de posição citando a “agressividade” de novas cepas do vírus, argumento semelhante ao sugerido por aliados de Bolsonaro para que o presidente passasse a defender a vacinação:

— Ninguém gosta de adotar medidas tão duras. Isso afeta dos empresários aos trabalhadores mais pobres, informais. Por outro lado vejo que a doença está se espalhando e com características diferentes da primeira onda.

Na capital gaúcha, onde mais de 300 pessoas aguardam por leitos de UTI, o prefeito Sebastião Melo (MDB) ameaçou romper a chamada “cogestão”, em que prefeitos e governador tomam medidas conjuntas contra a Covid-19. Crítico ao fechamento de serviços, Melo chegou a apelar à população para que “contribuísse com a vida para salvar a economia”, e disse que “sempre cabe mais um” em hospitais.

Atrito entre aliados

O GLOBO também identificou conflitos entre governadores e prefeitos no Espírito Santo, Paraíba, Bahia, Minas Gerais e São Paulo.

Embora a maioria dos conflitos seja marcada por rivalidades locais, também há divergências entre aliados. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e seu correligionário Bruno Covas trocaram críticas ontem sobre a decisão da capital de antecipar feriados na tentativa de aumentar o isolamento social.

O temor do estado é que o feriado prolongado de dez dias motive viagens e aglomerações no litoral. Doria disse que faltou bom senso. Covas rebateu e disse que o que falta é “senso de urgência”.

Além das capitais, cidades médias apresentam embates envolvendo prefeitos que se declaram apoiadores de Bolsonaro e contrariam medidas restritivas.

Aglomeração

Em Bauru, o governo do estado alega que a gestão de Suéllen Rosim (Patriota) tentou descumprir a fase vermelha e não tem investido na fiscalização das medidas sanitárias. No mês passado, ela cantou em um culto em uma igreja para diversas pessoas.

— Bauru é o pior exemplo do estado em termos de consequências negativas para a saúde da população — afirma Paulo Meneses, epidemiologista e coordenador do Centro de Contingência do governo estadual.

Veja também: Ciro Gomes é alvo de inquérito da PF por ter criticado Bolsonaro em entrevista

Em Campina Grande, o prefeito Bruno Cunha Lima (PSD) afirmou que vai recorrer de decisão judicial que o obrigou a seguir o toque de recolher do governador João Azevedo (Cidadania).

Em Ipatinga (MG), o prefeito Gustavo Nunes (PSL), eleito com apoio do presidente em suas lives, chegou a retirar a cidade do programa “Minas Consciente”, da gestão estadual de Romeu Zema (Novo), que estabelece protocolos sanitários para abertura de serviços. Mesmo em colapso na rede pública, Nunes se recusou a fechar atividades até quarta-feira, quando Zema impôs toque de recolher estadual, inclusive para quem estava fora do Minas Consciente.

Na Bahia, cidades no Sul do estado resistiram ao decreto estadual de lockdown. Em Teixeira de Freitas, o prefeito Marcelo Belitardo (DEM), que teve apoio do bolsonarismo local na última campanha, baixou um decreto que afirma que as medidas do governador da Bahia “não serão acolhidas”.