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Vinicius Torres Freire: Sem fura-teto, miseráveis vão à breca

Bolsonaro cancelou debate que permitiria estender auxílio sem derrubar teto de gastos

Jair Bolsonaro não quer “tirar nada dos pobres para dar aos paupérrimos” nem diminuir salários dos servidores públicos. Ainda que quisesse e que o Congresso aprovasse tais planos, algum dinheiro para aumentar o Bolsa Família ou coisa que o valha começaria a aparecer apenas em meados do ano que vem.

Logo, a alternativa prática para estender o efeito do auxílio emergencial é uma gambiarra que burle o teto de gastos federais. Se não houver prorrogação do auxílio ou um esquema qualquer a fim de engordar o Bolsa Família e leva-lo a mais gente, milhões voltarão à miséria total a partir de janeiro.

Essa é a primeira consequência prática fundamental do faniquito presidencial da manhã desta terça-feira (15), preparado e gravado —não foi uma daquelas explosões de saidinha do Alvorada. Como se sabe, Bolsonaro ameaçou expulsar do governo aqueles que queiram congelar o valor de aposentadorias e do salário mínimo ou arrochar outros benefícios sociais. Congelar: não reajustar nem pela inflação. Quer dizer: reduzir, em termos reais.

Além do veto à transferência de renda de “pobres para paupérrimos” e do enterro provisório do Renda Brasil, Bolsonaro disse ao ministro Paulo Guedes (Economia) que quer um programa de criação rápida de empregos. Para Guedes, isso significa reduzir impostos sobre a folha de pagamentos das empresas, o que em tese exige a criação de uma CPMF.

Logo, a segunda consequência prática do veto de Bolsonaro ao Renda Brasil é a volta da discussão prática dessa CPMF de Guedes.

No ambiente brasiliense, de muita política politiqueira, se discutia se Bolsonaro pediu a cabeça de Waldery Rodrigues, secretário de Fazenda, uma espécie de vice-ministro de Guedes, que propôs o congelamento (redução real) de benefícios sociais. No Planalto, dizia-se que Bolsonaro acha melhor que Rodrigues peça para sair; em público, o presidente tratou o Ministério da Economia como uma espécie de serviço de consultoria externa, que toma atitudes e enuncia planos que nada têm a ver com o governo.

Mas é fácil perceber que isso é meio irrelevante. Caso Bolsonaro não mude de ideia, não haverá Renda Brasil ou similar a não ser com fura-teto, ressalte-se. Ainda que o povo do mercado comece a admitir que a gambiarra talvez seja inevitável, haverá algum sururu e Guedes continuará no mínimo a ser refogado na banha da desmoralização.

Essas são as questões sociais, econômicas e políticas relevantes, a não ser que, por milagre, o desemprego e a renda do início de 2021 voltem ao nível em que estavam no início de 2020, pré-pandemia.

Ou, então, que parte do povo padeça ou morra calada e outro tanto ache que está tudo bem. Neste Brasil terminal, quem sabe seja ainda mais possível.

Ainda não se presta atenção suficiente à gravidade das decisões que a manutenção do teto de gastos exige, situação crítica que deve explodir para algum lado já em 2021. Como era de esperar, confrontado pela primeira vez com a necessidade de tomar uma decisão de governo (não de desgoverno ou destruição ativa), Bolsonaro não decidiu nada.

Quanto à redução de impostos sobre a folha salarial, casada com a CPMF, haverá mais problema. Primeiro, vai ter pelo menos rolo no Congresso (até agora, Rodrigo Maia diz que o imposto só passa sobre o cadáver político dele). Segundo, não há evidência nenhuma que imposto menor cria emprego, menos ainda em uma economia deprimida.

Afora milagres ou uma contravolta de Bolsonaro, estão armadas bombas para explodir no colo de alguém. Provavelmente dos paupérrimos.


Benito Salomão: Renovar o auxílio emergencial?

O Brasil caminha para adentrar no quinto mês de Coronavírus e é o atual epicentro mundial da pandemia. O conjunto de erros cometidos pelo governo federal na gestão da pandemia, deu ao Brasil este nefasto status, o Brasil é hoje o exemplo mundial do que não se fazer em termos de medida de combate a uma crise sanitária. Diante da evidente deterioração do panorama econômico, em simultâneo ao descontrole do quadro epidemiológico, a proposta de prorrogar por mais 3 ou 4 meses o auxílio emergencial pago a trabalhadores informais ganha força na Câmara dos deputados.

No começo da crise escrevi o artigo Macroeconomia em Tempos de Coronavírus em que defendi um auxílio emergencial de 1 salário mínimo para as camadas vulneráveis, a ser pago pelo tempo que durasse a quarentena. No meu entendimento, para que o programa cumprisse sua finalidade, deveria o pagamento deveria ser condicionado a uma rigorosa quarentena entre 2 a 3 meses. Os 53 milhões de brasileiros atendidos por um coronavaucher de R$1.000,00/mês, custaria aos cofres públicos cerca de R$212 bilhões em quatro meses. Isto ao lado de outras medidas também adotadas como a antecipação do 13°, a liberação de saques do FGTS, além do pagamento serviriam para arrefecer a ansiedade das populações, sobretudo as mais pobres, para cumprirem seu isolamento social com segurança. Investir R$212 bi na segurança da população não seria um custo, se a quarentena tivesse sido respeitada e talvez hoje tivéssemos 20 ou 25 mil mortos a menos.

Ao contrário da nossa sugestão inicial, Executivo e Legislativo negociaram em conjunto um auxílio emergencial de R$600,00/mês por três meses e o custo total da política foi de aproximadamente R$95,4 bilhões. Entretanto, o isolamento social foi definitivamente abandonado como estratégia sanitária de enfrentamento da proliferação da doença e o Brasil se aproxima de 60.000 óbitos pela síndrome. Ultima vez que um episódio exógeno ceifou a vida de 50 mil brasileiros foi há 150 anos atrás, na guerra do Paraguai que durou 6 anos. Agora que o desastre humanitário já é um fato e a economia vai apresentar uma queda de dois dígitos em 2020, novamente executivo e Legislativo dialogam no sentido de prorrogar o Coronavaucher. Isto deverá causar um gasto primário extra de R$95,4 bi, ou seja, ao final de setembro o Tesouro terá gasto cerca de R$201 bilhões no pagamento do auxílio para os informais.

Não é sobre gastar ou poupar recursos públicos, é sobre qualidade do gasto público. Ao final o Brasil gastará em 6 meses um montante muito próximo do que gastaria em 4 meses pagando minha proposta inicial de 1 salário mínimo. No entanto, o pagamento do auxílio na ausência da obrigação de uma quarentena efetiva gerou a despesa, mas não evitou os 60 mil óbitos. Como sempre gasto público no Brasil é empenhado em função das suas intenções e não em função dos seus resultados e a prorrogação do coronavaucher por mais três meses novamente vai se orientar por esta lógica. A pergunta é, qual o motivo de se ampliar o tempo do benefício sem a exigência de uma contrapartida da população? Defendo até que dadas as condições socioeconômicas vigentes o auxílio seja estendido, no entanto, isto precisa estar atrelado a outras políticas e a resultados, não pode ser apenas um benefício.

Mas não foi apenas no pagamento do Coronavaucher que a política pública fracassou, praticamente todas as medidas de enfrentamento ou foram tímidas, ou foram concebidas com atraso, ou simplesmente não existiram. O SUS foi realmente fortalecido? O número de leitos ampliados de forma não apenas a socorrer neste momento de pandemia, mas de suprir deficiências históricas que o sistema apresentava? Tais como filas em cirurgias eletivas, falta de leitos, insuficiência de insumos e equipamentos descoordenação?

E a educação? Em todos os seus níveis parada sob pretexto de que uma porção relevante dos seus alunos não dispõem de instrumentos básicos como computadores e acesso à internet para acompanhar o ensino remoto, ou ainda que parte expressiva dos professores não domina o uso de tecnologias que já apontam para o futuro da docência no século XXI. Tal constatação é perfeitamente pertinente, mas as crianças do resto do mundo estão tendo aula remotamente mesmo diante da pandemia. Por que o MEC não aproveitou o pretexto da pandemia para lançar um amplo programa de inclusão digital das famílias e regiões mais pobres do Brasil? Utilizando bancos públicos para subsidiar parte dos equipamentos adquiridos por estes alunos e vinculando inclusive (e apenas neste caso já que se trata de um subsídio) a compras de computadores e tablets produzidos pela indústria doméstica?

Muito se argumentou que “iriam morrer mais pessoas de fome do que pelo Coronavírus”, de repete se descobriu que na maior potência produtora de alimentos do mundo, existem pessoas que passam fome. Por que não se criar consórcios públicos de compra de alimentos da agricultura familiar e utilizar o exército ou até mesmo a expertise dos Correios (uma das poucas empresas de logística no mundo com estas características) para distribuir alimentos nos subúrbios das grandes cidades? Ou mesmo nos rincões do país? E o envio através do exército de caminhões pipas para que os 39 milhões de brasileiros desabastecidos de água tratada pudessem se higienizar nas periferias das grandes capitais?

O Brasil vai ter um déficit primário de 12% do PIB este ano, deve se desfazer ainda de uns 4% do PIB em reservas internacionais com impacto fiscal e a sensação que se tem é a de onde está sendo empregado este dinheiro? Não se vê o emprego destes recursos acontecendo na prática. Se o déficit era inevitável que ao menos fosse utilizado salvando a população e construindo um novo Brasil.

Benito Salomão é doutorando em Economia UFU e visiting researcher na UBC.