autonomia
Lei de autonomia do Banco Central deve resultar em juros mais baixos, avalia Jorge Jatobá
Em artigo na revista Política Democrática Online, economista defende independência da maior instituição monetária do país
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (EUA) Jorge Jatobá vê como positiva lei que classifica o Banco central como autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”. É o que ele diz em artigo publicado na revista Política Democrática Online de março.
Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.
“Espera-se que, com a formalização em lei da independência do Banco Central, possamos ter também taxas de juros mais baixas em comparação com os padrões históricos”, assevera o economista.
Juros mais baixos
De acordo com ele, maior confiança diminui riscos que se expressam em juros mais baixos. “A política monetária exercida pelo Banco Central, em harmonia com a política fiscal, poderá também moderar os ciclos econômicos e reduzir o desemprego”, acredita.
No artigo da revista Política Democrática Online, Jatobá diz que a história ensina que banco central sem autonomia poderia sofrer fortes pressões do presidente de plantão. Isto, segundo ele, para financiar gastos públicos via emissão de moedaou quantitative easing ou para baixar a taxa de juros artificialmente em desalinho com que a macroeconomia ditaria ser a taxa de juros de equilíbrio.
“Poderia também ser instado a intervir de forma mais agressiva do que o faz, eventualmente, para evitar desvalorizações sucessivas do real perante o dólar, desestabilizando a taxa de câmbio e comprometendo reservas em moedas estrangeiras”, assevera.
Prejuízo
O Banco Central, de acordo com o artigo na revista da FAP, precisa de credibilidade junto aos atores econômicos e ser capaz de ancorar, pela confiança que inspira no mercado, a inflação em torno do centro da meta. “Um banco central sem credibilidade seria prejudicial à economia”, alerta.
Jatobá lembra, na revista Política Democrática Online, que um argumento contra a independência do banco central muito usado durante campanhas eleitorais é de que sua autonomia, com mandatos para presidente e diretores, submeteria o interesse público aos do sistema financeiro.
No entanto, de acordo com o economista, essa tese “não tem apoio na experiência de dezenas de bancos centrais independentes ao redor do mundo”. “Presidentes de bancos centrais têm de conhecer bem o funcionamento, os mecanismos e os meandros do sistema financeiro, quer seja egresso dos quadros da instituição, ou não”, afirma.
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Monica de Bolle: Os desafios do Brasil aquém e além da pandemia
Ou se aceita que a escolha de gastar para salvar vidas requer abrir mão do que se reconhece como sendo fiscalmente responsável, ou se permite o alinhamento com bolsonaristas
Os desafios a que me refiro no título deste artigo não são nem os da saúde pública, que são imensos, nem os econômicos, também enormes. Em momento sombrio da história brasileira, dou um passo para trás em um esforço para perceber mais claramente os desafios que a sociedade brasileira já havia criado para si com a eleição de Bolsonaro em 2018 e que foram agravados pela pandemia. Podemos dividir o país em dois campos, como é mais habitual: de um lado, figuram os bolsonaristas; de outro os que a elem se opõem. Mas vale tentar ir além do binarismo, para contemplar nuances que já eram visíveis em 2018 e ficaram mais explícitas no decorrer do último ano.
Há os bolsonaristas. Eles possuem uma linguagem própria, e este elemento merece atenção porque o bolsonarismo se define menos por uma ideologia do que por estratégias de comunicação que ou apresentam a violência ou repõem a sua potencialidade. Não menos importante, o bolsonarismo é antipluralista. É antipluralista em relação à vida social, como fica claro quando contemplamos a sua relação com minorias; na política, como podemos ver, sugere a ilegitimidade de seus adversários, desde a sua perspectiva; nos valores, o que notamos quando atentamos para os seus operadores (”cidadão de bem”, “humanos direitos”, “a família brasileira”) e no plano das ideias. Falas bolsonaristas, como são as do presidente, deixam ver práticas patriarcais longamente constituídas. Para ilustrar com uma manifestação recente: contestando medidas que governadores tentam implementar, o presidente afirmou em uma mídia social que “atividade social é toda aquela necessária para um chefe de família levar o pão dentro de casa”. O viés do bolsonarismo também é nitidamente colonialista, como se nota em sua relação com povos indígenas, com esboços de defesa ou justificação do desmatamento em nome do “desenvolvimento”.
Se o bolsonarismo é antipluralista, o antibolsonarismo seria pluralista. compreende o antirracismo, o feminismo e sua luta mais que secular no Brasil pelos direitos das mulheres, a igualdade de todos os seres independentemente de gênero ou orientação sexual, o rechaço à desigualdade e a contestação de uma democracia universal na forma, mas restrita na vida, em que negros e pobres são tratados como não-cidadãos, ou cidadãos de segunda classe. O pluralismo percebe o traço autoritário na operação de uma lógica absolutista e que instrumentaliza a razão em causa própria. A razão assim instrumentalizada é cerceada. Ser pluralista, ao contrário, é manter-se aberto aos conflitos trazidos pela abertura ao real e os questionamentos dos pressupostos que a realidade suscita. O pluralismo supõe uma abertura que é antagônica a tudo o que é estático.
O antagonismo do pluralismo ao que é estático ficou em evidência maior na pandemia, um evento cujo ineditismo não permite que permaneçamos apegados a conhecimentos estabelecidos e formas de ordenar o mundo informadas por experiências passadas. A pandemia fez ver. Fez ver o tamanho da desigualdade, a inadequação da política econômica, o desconhecimento científico da população, o sofrimento, a vida e a morte. Esses aspectos da realidade brasileira ficaram tão visíveis, tão despidos de construções e fantasias, que o inaceitável ―para o campo pluralista― passou a ser permitir que o mundo não fosse visto por determinados grupos da sociedade.
Mas, nas fraturas da sociedade brasileira, há ainda outro grupo: aquele formado por pessoas que se declaram antibolsonaristas, mas, ao encontro com o real, não resistem a se agarrar a um conhecimento estabelecido, mantendo intactos os seus pressupostos, sem reexaminá-los. É o que chamo, hoje, de relação absolutista com a racionalidade, que faz certa razão aparecer como antipluralista. Esses atores políticos percebem a importância das causas do pluralismo e as abraçam. Porém, o antipluralismo embutido na forma como entendem a relação de especialistas com o público torna algumas de suas práticas compatíveis com o bolsonarismo. Sendo preciso dar-lhes um nome, proponho chamá-los de “anti-anti”.
Eles estão presentes na economia, mas não só: os antibolsonaristas e antipluralistas aparecem à luz do público, eventualmente. São pessoas bem intencionadas, de diferentes gerações, que defendem causas a meu ver justas, tais como a renda básica, a redução da pobreza e das desigualdades, mas que ao mesmo tempo não se dão conta de que defendê-las pode implicar abrir mão de certas crenças e pressupostos. Na economia, o pressuposto mais hostil a dúvidas, e proveniente do conhecimento estabelecido a partir de experiências passadas, é o de que a responsabilidade fiscal é um valor inegociável, ainda que a realidade o exija, em uma crise humanitária e com um governo que atua por ação e omissão para deixar morrer e fazer morrer. No mundo dos anti-anti, a defesa da igualdade de acesso e o inevitável choque com aquilo que consideram fiscalmente responsável estão em planos distintos, correm em paralelo. Mas a realidade não permite que se opere em planos paralelos. Ao contrário, ela coloca esses planos em rota de colisão: ou se aceita que a escolha de gastar para salvar vidas requer abrir mão do que se reconhece como sendo fiscalmente responsável, ou se permite o alinhamento com bolsonaristas.
Evidente na economia, tal absolutismo é difuso. No jornalismo opinativo ―nos editoriais ou nas colunas de opinião― a construção de um mundo que não tem relação com a realidade está igualmente presente. Constroem-se argumentos para sustentar essa ou aquela tese com base em uma dissociação da realidade. Temas que tentam reconstituir uma realidade que deixou de ser com a pandemia dão a tônica à representatividade dos veículos de comunicação. Aceita-se de bom grado o absolutismo econômico, científico, ou seja lá qual for, ainda que se manifeste uma opinião contra o Governo, contra o presidente da República. A imprensa que se permite tratar o mundo real com demasiada maleabilidade, ou negligenciá-lo, para habitar esse outro construído valida o bolsonarismo sem querer fazê-lo: é anti-anti pelo que deixa ver, pelo que faz não ver.
Está posta, assim, a tragédia do Brasil atual: atores importantes da sociedade não enxergam, em suas construções e atitudes, pontes para a perpetuação do antipluralismo bolsonarista. Esses grupos preferem desqualificar aqueles que estão com os pés na realidade, tentando dar conta de um mundo repleto de fraturas, de descontinuidades, que requer novas ideias e o livre pensar, ou o que Hannah Arendt chamou de pensar sem corrimão. Preferem tudo isso a enxergar insuficiências e inadequações do conhecimento que nos foi legado. No limite, e nós nos encontramos em alguns limites, tornam-se facilitadores, conscientes ou desavisados, da franca decadência moral que marca um país que se recusa a chorar pelos seus mortos, seus doentes, seus destituídos.
Monica de Bolle é economista, PhD pela London School of Economics e especializada em medicina pela Harvard Medical School. É professora da Universidade Johns Hopkins, pesquisadora-Sênior do Peterson Institute for International Economics e mestranda em Imunologia e Microbiologia na Georgetown University.
Bruno Carazza: Mais próximo do que se imagina
Autonomia exige cautela de presidente do BC
No seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém, deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano, não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.
Embora real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um tempo, retornam aos antigos empregadores.
O pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e horário do início e do fim de cada deslocamento.
Interessado em mapear o relacionamento entre funcionários do Banco Central americano e executivos das grandes instituições financeiras, Finer analisou cuidadosamente os padrões dos trajetos dos famosos táxis amarelos entre o prédio do FED, na 33 Liberty Street, e as sedes de gigantes como Bank of America, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley. Lembrando que os encontros também podem se dar fora dos escritórios, o pesquisador incluiu no seu rastreamento as viagens que partiam de ambos os endereços para um terceiro destino (que poderia ser um restaurante ou um bar, por exemplo) num curto espaço de tempo.
Buscando minimizar o risco de vazamento de informações que podem abalar o mercado (e enriquecer muita gente), o FED impõe restrições a seus diretores e funcionários, como um período de silêncio em que são proibidas reuniões com o público externo e declarações à imprensa nos dias que antecedem os encontros do Comitê de Política Monetária (o FOMC, na sigla em inglês).
Após garimpar uma montanha de dados, Finer obteve evidências de que as movimentações entre as sedes do FED e dos bancos, ou de ambos para centros de lazer e alimentação, se intensificam na proximidade das datas em que as taxas de juros básicas são estabelecidas, particularmente no horário de almoço. Há também um aumento atípico nas corridas entre os mesmos destinos nas primeiras horas da madrugada após o encerramento do período de silêncio - o que sugere uma busca de integrantes do mercado por explicações sobre as decisões tomadas pela autoridade monetária.
Com uma metodologia inovadora, a pesquisa de David Finer aponta para a necessidade de se aprofundar os instrumentos para que a independência dos Bancos Centrais seja para valer e valha para ambos os lados - perante o governo e o mercado.
No Brasil, depois de pelo menos duas décadas de discussão legislativa, somente no final do mês passado a autonomia operacional do Bacen virou lei. Embora nosso Banco Central já tenha incorporado muitas das melhores práticas internacionais, como o próprio período de silêncio antes das decisões do Copom, ainda temos um longo caminho a percorrer para torná-la efetiva.
Não é preciso GPS para observar que são cada vez mais frequentes os deslocamentos feitos pelo presidente Roberto Campos Neto entre o Setor Bancário Sul, onde se localiza a sede do Banco Central, e a Praça dos Três Poderes, para atender a chamados de Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.
É bem verdade que o BC brasileiro possui atribuições que extrapolam aquelas típicas de uma autoridade monetária - como a regulação e a fiscalização do sistema financeiro - e a nova Lei Complementar nº 179/2021 ainda exige que a instituição zele para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomente o pleno emprego, ao lado de manter a inflação sob controle. Tudo isso acaba exigindo que o presidente do Bacen compareça ao Palácio do Planalto ou ao Congresso Nacional para prestar contas de suas decisões.
O grande problema é que Roberto Campos Neto, pela sua capacidade técnica e habilidades interpessoais, tem entrado de cabeça na negociação política da agenda econômica do governo - e com isso tem avançado perigosamente a linha de independência exigida de um central banker.
Na semana passada, quando o governo se dividia entre as votações da PEC Emergencial e as tratativas com a farmacêutica Pfizer para a compra de um novo lote de vacinas, Roberto Campos Neto esteve duas vezes com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Além disso, visitou o presidente da Câmara em sua residência oficial para convencer diversos deputados da necessidade de aprovação de dispositivos de ajuste fiscal como contrapartida à nova rodada do auxílio emergencial.
Não há dúvidas que o presidente do BC tem um excelente trânsito com os parlamentares e tem se mostrado um ativo valioso do governo para construir pontes e aparar as arestas, muitas vezes afiadas, criadas por Paulo Guedes nas suas relações com o Congresso. Mas não pode se prestar a esse papel, sob pena de perder sua credibilidade.
Caso queira continuar contando com a capacidade técnica e o fino trato do neto de Bob Fields nas negociações de sua agenda econômica, Bolsonaro tem uma saída. O art. 8º da lei da autonomia lhe deu 90 dias para referendar a atual diretoria do Bacen e empossá-los nos novos mandatos.
Com os rumores cada vez mais constantes de que Paulo Guedes balança no cargo, de repente a solução para uma transição suave, que não assuste o mercado e ainda agrade ao Centrão, está mais próxima do que se imagina. Nem precisa chamar um táxi.
Zeina Latif: É o que temos para hoje
"Não convém tomar a aprovação da autonomia do BC como um sinal de que medidas importantes virão na sequência"
O comportamento do dólar tem incomodado o mercado financeiro, por estar muito descolado das moedas de países parecidos. A taxa de câmbio oscila ao redor de R$/US$ 5,40, enquanto modelos de projeção do câmbio apontam para aproximadamente 4,20 atualmente. Esse hiato não será eliminado tão cedo.
É verdade que os modelos de projeção têm grandes limitações, pois a taxa de câmbio não é um preço qualquer da economia, mas também de um ativo financeiro, sensível a expectativas e percepção de risco de investidores, que não são diretamente mensuráveis.
Mesmo assim, a expressiva distância entre as cotações atuais e o projetado, poucas vezes vista, sinaliza um novo fator de risco doméstico não captado pelos modelos.
Algo similar ocorreu no início do governo Temer, mas no sentido contrário: cotações muito abaixo do projetado, em função da expectativa de reforma da Previdência, um tabu na época. O escândalo político esvaiu o descolamento.
Via de regra, fatores externos associados ao ciclo mundial (dólar contra uma cesta ampla de moedas, preços de commodities, apetite global para risco) têm maior importância para explicar o comportamento do dólar, e deveriam estar puxando a cotação para baixo, assim como o fazem em outras economias emergentes.
Porém, fatores domésticos associados ao risco de ter recursos no Brasil estão pesando mais.
O novo fator de risco decorre de um duplo efeito da pandemia. Primeiro, uma inevitável correção de expectativas do mercado, excessivamente empolgado com o governo até então.
A crise evidenciou a baixa qualidade da gestão governamental e a reduzida disposição de enfrentar problemas estruturais, apesar de crises poderem ser janela de oportunidade para reformas.
O segundo ponto é que o Brasil sairá estruturalmente mais fraco da longa pandemia. O potencial de crescimento será provavelmente menor, pois há baixo investimento nas empresas e a mão de obra estará ainda mais despreparada, diante de desemprego prolongado e avanço digital.
E o quadro fiscal se agravou. O corolário é que aumentou a urgência de reformas.
Não convém tomar a aprovação da autonomia do BC como um sinal de que medidas importantes virão na sequência.
Foi apenas um gesto da Câmara sob nova presidência, com um tema menos polêmico e com concessões em demasia para vencer resistências da oposição. A cada etapa, o jogo recomeça. A base do governo não é sólida e tampouco a agenda de reformas.
A dinâmica da dívida pública é suficientemente preocupante, pois seguirá em alta por muitos anos, incluindo o próximo mandato presidencial, mesmo cumprida a regra do teto.
Mas ela não revela de forma precisa os riscos fiscais a serem enfrentados, especialmente com crescimento medíocre – as projeções do PIB em torno de 2,5% nos próximos anos parecem otimistas.
Além de prejudicar a arrecadação, a economia fraca pressiona os gastos sociais, eleva o risco de inadimplência nas linhas de crédito com garantias da União e de ações judiciais, particularmente as relativas a pagamentos de tributos.
Apesar de não haver uma relação clara entre o fluxo de recursos para um país e o comportamento da moeda, vale citar a saída de US$28 bilhões em 2020. O valor é inferior aos US$45 bilhões em 2019, mas a abertura dos dados não traz alento.
Parte importante da “melhora” é transitória (como a queda de gastos de turistas no exterior) ou negativa (desinvestimento de empresas brasileiras no exterior). E a queda de 51% no investimento direto estrangeiro destoa do recuo de 12% em países emergentes ou mesmo de 42% no mundo.
O Brasil perde participação global por conta da baixa expectativa de crescimento - variável chave para atrair o capital estrangeiro menos volátil.
No mercado, alguns torcem para o Banco Central elevar a taxa de juros Selic para aumentar a atratividade do real. Talvez ajude a conter a volatilidade da moeda, mas o problema é de outra natureza, de perspectiva de médio-longo prazo.
A não ser que haja sensível enfraquecimento do dólar no mundo, é pouco provável que o câmbio recue de forma relevante. Pelo menos até que haja expectativa de renovação política em direção a uma agenda mais estruturada e ambiciosa para destravar, paulatinamente, a economia. Em um cenário de campanha competitiva do centro democrático liberal em 2022, o dólar poderá ceder.
Tasso Jereissati: 'Partidos foram triturados no Congresso'
Tucano atribui o racha em sua legenda às eleições na Câmara e no Senado, marcadas, segundo ele, pela ‘captação individual de votos’
Julia Lindner, O Globo
BRASÍLIA - O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou, em entrevista ao GLOBO, que seu partido, assim como os demais, foi “triturado” durante a eleição para as presidências da Câmara e do Senado e agora tem a oportunidade de se reconstruir.
Para ele, o melhor nome para disputar a eleição de 2022 será aquele que conseguir unir as legendas de centro, da esquerda à direita, a fim de evitar a polarização como a que ocorreu no segundo turno do último pleito, entre Jair Bolsonaro e petista Fernando Haddad.
Como o senhor avalia o cenário atual do PSDB? O partido está rachado?
O PSDB está num momento de transição, de reconstrução, procurando manter os seus princípios iniciais e fundamentais. Ao mesmo tempo, esse período agora é diferente, em que todos os partidos, todos, foram triturados ou tratorados pelo processo eleitoral de Senado e Câmara. Em uma olhada panorâmica, o DEM rachou, PSDB trincou, PSD teve problemas... Isso porque o processo que se instalou nas duas Casas do Congresso foi na base da captação de votos individual.
Sempre teve isso, mas os partidos também tinham um grande peso. Agora os partidos foram ignorados como se não existissem. Isso fez com que pessoas, de bolsonaristas a petistas, votassem nos mesmos candidatos. Essa questão de não haver uma coesão absurda não é privilégio do PSDB, todos os partidos estão vivendo problemas.
É possível encontrar uma saída?
É um bom momento para o PSDB se reconstruir, estávamos vivendo isso... Tínhamos uma candidatura natural (à Presidência da República) do governador de São Paulo (João Doria), que só pelo fato de ser governador de São Paulo já o torna presidenciável, e se abre uma nova perspectiva trazendo ao cenário mais um outro candidato de uma parcela do PSDB, o Eduardo Leite (RS), que traz uma perspectiva extremamente democrática para voltarmos às discussões dos nossos ideais, dos nossos princípios. E vai prevalecer aquele que se identificar mais com esses princípios. Tem que ser um princípio que junte mais os partidos de centro.
Considerando os nomes de Doria e Leite, qual deles tem o melhor perfil hoje para unificar o centro? Avalia que Doria tenderia mais para a direita do que para o centro?
Eu acho que antes de definirmos o nome, temos que definir o que queremos. Estamos vivendo um momento que, além dos partidos, vivemos uma crise de valores, uma crise sanitária, econômica e social. Então, eu acho que aquele que tiver capacidade de unir desde o centro mais à direita até o mais à esquerda, com o propósito de acabar a polarização em que (entre) a extremíssima esquerda e a extremíssima direita, o ódio é que está prevalecendo... Esse que tiver mais capacidade de fazer essa união será o candidato ideal.
Mas ainda não está na hora de definir (um nome), e sim o que queremos e conversar com outros partidos, inclusive com a possibilidade de aparecer outro nome com poder de agregação.
O senhor vê Luciano Huck com uma dessas alternativas?
Tem essa possibilidade. Não estou dizendo que seja ele, estou colocando. É um rapaz novo, não vejo problema no fato de não ser político, existem vantagens e desvantagens. Ele tem feito um esforço enorme de aprender, captar soluções e ideias que estão pairando pelo mundo. É um rapaz de centro.
A situação na Câmara e no Senado mostrou a bancada dividida e em parte apoiando o nome de Bolsonaro à presidência das Casas. Não é um sinal de que é difícil unir o partido e fazer oposição?
Essa definição de oposição em relação ao governo está tomada. É uma definição que está sendo reforçada com a ratificação do nome de Bruno Araújo (ao comando do PSDB). A diferença que houve durante as eleições não é um desafio só nosso, e sim de todos os partidos e democratas. Houve uma manipulação profunda que dizimou a unidade dos partidos.
O PSDB tem um alinhamento na área econômica com o governo. Como fazer essa diferenciação em relação a outras pautas?
Olhando em uma visão geral nós temos, sim, uma identidade muito grande, não total, na área econômica, mas nas outras questões temos uma distância enorme. Se for para falar de política externa, é o oposto da apresentada pelo ministro de Relações Exteriores, que é incompreensível. Se formos falar de tendência ao autoritarismo, somos um partido que nasceu da redemocratização. Enfrentamento da pandemia, coronavírus e Ministério da Saúde... É um desastre que chega a ser quase criminoso. As coisas que aconteceram e estão acontecendo beiram a irresponsabilidade total.
A nossa identidade é nessa questão da pauta econômica mais liberal, porém não é 100%. Nada nos impede quando as pautas econômicas chegam no Congresso de apoiarmos o governo. Fomos oposição ao (ex-presidente) Lula e à (ex-presidente) Dilma e nunca fizemos o quanto pior melhor. Se vier, por exemplo, uma proposta muito boa para a Saúde vamos aprovar.
Pensando em 2022, o senhor teme um cenário como o da última eleição, com Bolsonaro e o candidato do PT no segundo turno? Isso colocaria o PSDB numa situação difícil?
O Bolsonaro ganhou as eleições porque havia um forte sentimento antipetista na população brasileira. Eu costumo dizer que o Bolsonaro nasceu do PT. Quando o PT começou a dividir o Brasil entre nós e eles, dividiu o Brasil e acabou levando para a radicalização. Isso se transformou na extrema direita. Isso (cenário de 2018) só vai se repetir se nós, do centro, centro-direita, centro-esquerda, formos muito divididos novamente para a eleição. Porque você tem um nicho certo de eleitores na extrema esquerda e na extrema direita.
Se esse centro que é a maioria ficar todo subdividido, pode ser, como aconteceu, que a subdivisão leve a uma reedição de uma maneira piorada dessa polarização que só gerou ódio, dividiu a população. As pessoas não querem saber de argumentos. Tenho grande esperança de que possamos construir uma candidatura de centro mais sólida.
Como o senhor vê a sinalização, por exemplo, do ACM Neto não descartar um apoio a Bolsonaro lá na frente?
Eu acredito que o Neto disse isso mais como uma figura de linguagem, tipo “não estou descartando algum cenário”. Porque todas as vezes em que eu conversei com ele, além de negar de maneira muito veemente qualquer aproximação com Bolsonaro, não é da índole dele, da criação dele, qualquer aliança maior com um governo com esses defeitos.
O senhor falou do antipetismo. Avalia que a oposição do PSDB ao PT e especialmente a postura na eleição de 2014 de questionar o resultado contribuiu para esse ambiente?
Não foi nem a oposição do PSDB ao PT. Quando o PT fez o ‘nós e eles’ visou principalmente o PSDB, demonizou os nossos governos, neoliberalistas, os nossos candidatos, todo o primeiro governo do Lula tinha o negócio da herança maldita. Tudo era feito para demonizar o PSDB. Isso fez com que os eleitores do PSDB acabassem nas mãos da extrema direita, que criou o Bolsonaro.
Aécio Neves (MG) influênciou na eleição da Câmara no apoio ao candidato de Bolsonaro. A permanência dele atrapalha a imagem do PSDB?
Esse assunto está morto. O Aécio não está influindo, está calado lá. Ele não é mais uma liderança do partido, não tem relevância dentro das discussões. É um assunto morto e não tem por que abrir essa ferida. Temos outros assuntos tão importantes agora que isso seria sair do foco.
O que achou das explicações de Eduardo Pazuello ao Congresso? Ainda vê necessidade da CPI da Covid?
A grande maioria do PSDB assinou a CPI da Pandemia e estamos defendendo principalmente depois do depoimento do ministro da Saúde, que não respondeu as questões fundamentais. Alguém de governo tem que ser responsabilizado para que isso não volte a se repetir.
A situação em Manaus evidenciou mais a crítica que se faz ao governo na pandemia?
Claro. Aquilo foi um caos, um conjunto de crimes em relação à total falta de sensibilidade com o que estava acontecendo em Manaus, pessoas morrendo asfixiadas no meio da rua e o governo distribuindo cloroquina. E não só em Manaus. Cidades estão parando de vacinar por falta de vacina. É um conjunto de crimes, e alguém precisa ser responsável por isso. Não é possível que centenas de milhares venham a falecer e essa negligência fique impune. Até para que não volte a acontecer.
Cristovam Buarque: O Fator Confiança
Independência do Banco Central
Quatorze deputados votaram pela independência do Banco Central, contrariando orientação de seus partidos.
Deram voto lúcido, porque a história do Brasil mostra o desastre de anos do Banco Central sob a vontade do capitão, do general ou do líder civil no governo. O resultado é conhecido: somos campeões em juros altos, inflações demoradas, número de moedas. Qualquer dirigente, sobretudo na véspera de eleição, é tentado a usar política monetária para financiar os gastos de seu governo, deixando de respeitar os limites fiscais. Alguns podem usar os recursos para bons projetos, outros para financiar mordomias, privilégios, subsídios, corrupção. Jogando a conta para o povo e as gerações futuras. Desorganiza a economia, sacrifica aos pobres, aos assalariados e aos aposentados e engana aos eleitores. .
A história mostra a lucidez do voto, mas o presente e o futuro mostram a responsabilidade do voto. Algumas décadas atrás, a economia dependia dos fatores Capital, Trabalho e Recurso Natural. Depois a Tecnologia, como fazer, passou a ser um novo fator, recentemente, a Inovação, o que fazer, virou outro. Nos últimos anos, devido à globalização, a Confiança dos consumidores e dos investidores passou a ser um fator fundamental para o crescimento. A inflação, taxas de juros, endividamento são causas para perda de confiança em uma economia A moeda de um país deve ser um patrimônio do povo, da nação, não do governo. Por isto, a independência do Banco Central é uma questão de responsabilidade com o valor da moeda.
Apesar disto, por crendice ou imaginando que um dia serão governo e querem poder nomear o guardião do valor da moeda, alguns partidos tomaram posição contrária à independência do Banco Central, exigindo coragem dos seus parlamentares com lucidez e responsabilidade.
Estes deputados demonstraram lucidez, ao entenderem a importância da decisão para o futuro; responsabilidade com os interesses do pais na frente dos interesses partidários; e coragem por enfrentarem os seus partidos que têm visão atrasada na economia, irresponsabilidade social ao sofrimento com inflação, e olham para a próxima eleição, não para as próximas gerações.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Vinicius Torres Freire: Entenda por que a autonomia do BC não muda quase nada
Mandatos para direção do banco em si não impedem mudanças na política econômica
O que muda com o projeto de “autonomia” do Banco Central? Quase nada. Qual a novidade, afora a extinção de uns artigos caducos das confusas leis do sistema financeiro? O presidente e oito diretores do Banco Central terão mandatos fixos de quatro anos.
Por dois anos, um presidente da República eleito para um primeiro mandato terá um presidente do BC nomeado pelo seu antecessor. No terceiro ano de mandato, poderá nomear um presidente do BC “seu”.
No primeiro ano de mandato, poderá também nomear dois diretores; no segundo, mais dois, e assim por diante. No início do terceiro ano, terá nomeado a maioria da diretoria do BC (7 a 2). Se reeleito, terá “maioria” por seis anos.
Não muda mais nada. O BC será “independente”? Não. O BC não poderá definir a política monetária (como vai lidar com a flutuação de preços, quais instrumentos vai utilizar e em qual medida etc.).
Diz o projeto de lei: “Art. 2º: As metas de política monetária serão estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, competindo privativamente ao Banco Central conduzir a política monetária necessária para cumprimento das metas estabelecidas”.
O CMN (Conselho Monetário Nacional) ora é composto pelo ministro da Economia, pelo secretário da Fazenda (nomeado pelo ministro) e pelo presidente do BC.
Logo, o governo pode decidir a política monetária ou outras correlatas, por meio do CMN ou de projetos de leis. Basta ter força política e capacidade de lidar com as consequências práticas na economia e na finança. O BC terá independência para definir suas metas (metas de inflação, no regime atual)? Não. Depende do CMN.
Uma diretoria do BC poderá lidar de modo mais ou menos conservador com as metas da política monetária? Sim, como agora. Exemplo. A meta de inflação para este 2021 é de 3,75%, com margem de tolerância: mínima de 2,25%, máxima de 5,25%, distância grande.
Por cautela ou ideia própria sobre o nível de inflação adequado, pode ser que uma diretoria mire o nível inferior (2,25%) embora não seja lá fácil acertar esse alvo, seja difícil fazer com que uma diretoria inteira concorde com esse conservadorismo e, enfim, o BC só consiga mesmo influenciar a inflação do ano seguinte (2022). Um presidente da República pode não gostar disso.
Vai fazer grande diferença para a economia, em prazo além do curto (um, dois anos?). Hum. O governo poderá demitir os dirigentes do BC “quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos”, caso tenha autorização da maioria do Senado.
Ficou institucionalmente mais difícil demitir a direção do BC. Antes, já era difícil na prática. A ideia de que o governo queira trocar diretores para implementar uma política doida, inepta ou de outro modo inviável provocaria um salseiro nas taxas de juro e de câmbio (para começar).
Isto é, um governo não é independente dos seus credores e dos donos do dinheiro grosso em geral, ainda menos em um governo mui endividado de um país avacalhado. As questões relevantes ainda são:
a disputa intelectual e de poder pelas diretrizes de política econômica;
a conjuntura econômica, aqui e alhures. Se um governo quiser fazer uma reviravolta na política econômica, será preciso que tenha capacidade política e técnica enorme. Essa nova “autonomia” do BC será o menor dos seus problemas, se tanto.
A lei deveria, sim, incentivar mais responsabilidade dos dirigentes do BC e torná-los mais independentes de “o mercado”. Para ficar apenas em um exemplo, conviria que as reuniões do BC fossem gravadas, para divulgação em um par de anos mais tarde.
O registro obrigaria o diretor a pensar três vezes no que propõe, criando no mínimo um risco de reputação (ou coisa mais séria). Convém dar mais poderes ao BC, como se pretende fazer no caso da legislação cambial? Essa é uma questão grave. Não é o caso dessa “autonomia” votada agora.
Míriam Leitão: Projeto certo na hora incerta
A autonomia do Banco Central é um projeto esperado há muito tempo, mas ontem parecia que a Câmara dos Deputados havia entrado numa realidade paralela. O Brasil está sem orçamento, no meio de um recrudescimento da pandemia, milhões de brasileiros não sabem que dinheiro terão no fim do mês, mas para a equipe econômica e o novo comando da Câmara o fundamental é a autonomia do Banco Central. Mesmo para quem sempre defendeu esse formato institucional para a autoridade monetária, parecia delirante.
O debate não fez sentido também. Os governistas diziam que a autonomia vai garantir a queda dos juros. As taxas nunca estiveram tão baixas na história e devem começar a subir em mais duas reuniões porque a inflação teve uma alta maior do que o BC esperava.
O texto aprovado é ruim e o relator Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) não entendeu ainda qual é o papel do Banco Central. Mas para o Ministério da Economia o importante é dar a impressão de que o encalacrado projeto de reformas está andando. Não está. No Senado, o projeto recebeu um acréscimo que cria uma dissonância. “O BC buscará o pleno emprego”, diz o texto. E o relator acrescentou em seu relatório. “Esta é, sem dúvida, mais uma grande conquista para as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros, que se verão protegidos por um órgão governamental.” Suas únicas missões têm que ser garantir a estabilidade da moeda e o equilíbrio do sistema financeiro, que ele fiscaliza. Desta forma, indiretamente ajudará os trabalhadores. Não pode fazer uma política de fomento de emprego porque não é seu papel e conflita com sua missão. Essa verdade aparecerá agora neste semestre: os juros subirão no meio da elevação da taxa de desemprego.
O assunto entrou para o primeiro da pauta da gestão Arthur Lira porque era mais fácil do que discutir qualquer projeto que implique em corte de gastos. A PEC emergencial, por exemplo, propõe congelar salário mínimo, a correção das aposentadorias, e os salários dos servidores em caso de crise fiscal como a que vivemos. Se fosse aprovada agora, só poderia valer para os reajustes do ano que vem, ano eleitoral. A autonomia do BC pode ser comemorada pelo mercado que, com muita liquidez, demanda otimismo.
O PT lutava ontem contra o projeto com os clichês de sempre. O BC ficaria entregue aos banqueiros, capturado pelo mercado financeiro. O projeto seria um fanatismo liberal. Quando o ex-presidente Lula assumiu a Presidência ele nomeou um ex-presidente de banco estrangeiro para assumir o BC. Henrique Meirelles havia sido presidente do Banco de Boston, fora eleito deputado pelo PSDB e foi para a direção do Banco Central. Seu primeiro movimento foi subir a taxa de juros, que já estava em 25%, para 26,5%. Ele demoliu as desconfianças em relação a atuação do BC e em junho começou a derrubar as taxas. Durante os oito anos que ficou no cargo foi pressionado pela bancada do PT na Câmara. Lula o manteve no posto. Ele comandou a travessia da crise de 2008 e o país retomou o crescimento em 2010.
No governo Dilma, o BC derrubou os juros de 11,25% para 7,25%, quando a inflação já estava começando a subir. Deu rebote. A Selic teve que ser elevada para 14,25%. Ilan Goldfajn, no governo Temer, iniciou a redução, após a derrubada da inflação que havia chegado a dois dígitos. E a entregou em 6,5%. O atual presidente Roberto Campos Neto levou a taxa aos níveis atuais.
A conclusão dessa história é que o BC tem tido autonomia de fato, em alguns governos, e nesses momentos ajudou o país a atravessar crises e pavimentar o crescimento. Mas o fez quando cumpriu bem o seu papel de defender a moeda. O primeiro projeto de independência do Banco Central foi de autoria do então senador Itamar Franco, em 1989. Nos 27 meses em que governou o Brasil teve três presidentes do BC. Com dois ele brigou, Gustavo Loyola e Paulo Cesar Ximenes.
Donald Trump nomeou Jerome Powell, mas mesmo assim entrou em conflito com ele. Powell continuou seu trabalho porque o Fed é independente. Na Argentina, o BC era independente, mas em 2010 a presidente Cristina Kirchner conseguiu demitir Martín Redrado. Jair Bolsonaro tenta dominar todas as instituições e fez isso até com a Procuradoria-Geral da República. Esse projeto conterá seus ímpetos. Tem, portanto, valor, mas não era nem de longe a prioridade do momento.