Austrália
The Economist: Brasil pode ter submarino nuclear antes da Austrália
Submarinos nucleares chamaram a atenção do mundo após acordo entre EUA, Reino Unido e Austrália
The Economist, O Estado de S.Paulo
Submarinos nucleares chamaram a atenção do mundo nas semanas recentes. Em 15 de setembro, Estados Unidos, Austrália e Reino Unido anunciaram o pacto Aukus, destinado a ajudar a Austrália a construir submarinos nucleares, uma tecnologia militar tão potente que os EUA nunca haviam compartilhado com nenhum aliado, exceto pelos britânicos. Ainda assim, do outro lado do mundo em relação a Perth, onde as embarcações australianas poderão um dia ser aportadas, outra potência média tem aprimorado furtivamente a mesma tecnologia - e há muito mais tempo.
No complexo naval de Itaguaí, próximo ao Rio de Janeiro, e em outras instalações espalhadas pelo Brasil, centenas de engenheiros estão cuidadosamente projetando e juntando os componentes do Álvaro Alberto, um submarino que receberá o nome do ex-vice-almirante pioneiro no programa nuclear do País. Se tudo correr conforme os planos, a embarcação poderá ser batizada na Ilha da Madeira, em Itaguaí, no início da década de 2030, antes de a Austrália sentir o cheiro de seus submarinos. Isso faria do Brasil o primeiro país que não possui armas atômicas a operar um submarino nuclear.
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As Forças Armadas Brasileiras começaram a trabalhar seriamente com energia atômica na década de 1970, com o objetivo de um dia conseguir produzir armas nucleares. A Marinha liderou esse esforço, empregando centenas de membros da força em um programa secreto para centrifugar urânio - um processo que enriquece o elemento para uso em reatores (ou bombas) - e construir minirreatores que caberiam nos apertados cascos dos submarinos. Esse trabalho sobreviveu ao fim do regime militar, em 1985. Posteriormente, o programa titubeou por algum tempo, mas recebeu apoio entusiástico de Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o Brasil de 2003 a 2010.
Desde então, o progresso foi lento, apesar de Jair Bolsonaro, o atual presidente do Brasil, ter comparecido à cerimônia que marcou a montagem inicial de um protótipo de reator em Iperó, 120 quilômetros a noroeste de São Paulo, em outubro de 2020. Um mês depois, a Marinha finalizou o projeto básico da embarcação. Grande parte disso se deve ao Naval Group, a empresa de defesa cuja maioria do capital é detida pelo governo francês, rejeitada pela Austrália com o anúncio do Aukus, o que provocou um incidente diplomático. Segundo o acordo que fez com Lula em 2008, o Naval Group assinou um contrato com a Odebrecht, um conglomerado empresarial que passou a ser sinônimo de corrupção, para vender ao Brasil avançados submarinos movidos a diesel e eletricidade.
Muitos consideram a busca do Brasil por submarinos nucleares um capricho quixotesco. Um diplomata estrangeiro afirmou ser uma “condescendência amalucada” com a expansão da era Lula. Autoridades brasileiras justificam o programa citando a “Amazônia Azul”, uma expressão cunhada pela Marinha que se refere à costa marítima de 8 mil quilômetros do País, às riquezas econômicas que jazem nesse mar e à importância de defendê-las. O Brasil afirma que sua plataforma continental lhe dá direito a um território marítimo além da zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas (370 quilômetros) estabelecida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
Ainda assim, uma das máquinas de guerra mais furtivas do mundo pode ser considerada um excesso para proteger pesca, vigiar plataformas petrolíferas e manter afastadas embarcações da Marinha argentina, que deixou de ser hostil faz tempo. Submarinos movidos a diesel e eletricidade, mais silenciosos em águas rasas e muito mais baratos de construir, seriam mais adequados para a defesa costeira. Uma razão para a sobrevivência do programa pode ser que ele tenha amigos poderosos. O ministro de Minas e Energia, por exemplo, é um ex-almirante que comandou a força submarina brasileira e coordenou o trabalho nuclear da Marinha. Bolsonaro, ele mesmo um ex-oficial do Exército, entupiu seu governo de militares e aumentou o orçamento das Forças Armadas este ano (o montante destinado aos submarinos encolheu 31%, em meio à ampla crise fiscal).
Fatores geopolíticos também operam. Os submarinos justificam a necessidade de dominar o ciclo completo de seu combustível - o processo de mineração, fragmentação e enriquecimento do combustível nuclear - e assim colocaram o Brasil “no limite entre ser ou não ser um Estado nuclear”, afirma Carlo Patti, autor de Brazil in the Global Nuclear Order (O Brasil na ordem nuclear global). Isso significa que o País seria capaz de enriquecer urânio a níveis bélicos caso escolhesse fazê-lo. Ambas as capacidades são fontes de “prestígio político e tecnológico”, afirma Patti.
Em grande parte pela mesma razão, essas capacidades inquietam os defensores da não proliferação nuclear. O Brasil já teve um programa secreto de armamentos. Em 2019, um filho de Bolsonaro, que é deputado federal (Eduardo), afirmou que o Brasil seria “levado mais a sério” se tivesse bombas nucleares. Enquanto a maioria dos países assinou o chamado Protocolo Adicional com a Agência Internacional de Energia Atômica, uma organização autônoma de vigilância nuclear, que permite inspeções mais rígidas nos países signatários, o Brasil há muito se recusa a firmar o acordo, alegando que Estados com armas nucleares não fizeram o suficiente para se desarmar.
Na prática, os submarinos não são grande causa de preocupação. O material nuclear brasileiro é monitorado por um pacto bilateral específico com a Argentina, firmado em 1991. E, ao contrário dos submarinos americanos e britânicos, que usam urânio enriquecido a porcentagens altas, como as usadas em bombas, o reator projetado pelo Brasil usará material enriquecido a níveis baixos, que precisaria ser mais centrifugado para objetivos nefastos. Oficiais da Marinha Brasileira estão dispostos a mostrar que seu programa nuclear é feito às claras e não gostariam de ser colocados no grupo dos párias nucleares, como o Irã. “Não estou preocupado”, afirma Togzhan Kassenova, especialista em não proliferação nuclear da Universidade Estadual de Nova York, em Albany.
O submarino nuclear é uma das mais sofisticadas e complexas máquinas de guerra que um país pode construir. O programa brasileiro já sobreviveu a governos militares e civis e a presidentes de esquerda e de direita. Sua sobrevivência deve muito a Lula, que pretende disputar as eleições presidenciais do próximo ano e aparece em pesquisas de intenção de voto 18 pontos porcentuais à frente de Bolsonaro.
“Esse projeto parece irreversível”, notou Kassenova e dois outros especialistas que visitaram o estaleiro de Itaguaí em 2018. Nenhum país abaixo da linha do Equador jamais possuiu nem operou um submarino nuclear. Brasil e Austrália agora competem para ser o primeiro. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,the-economist-brasil-pode-ter-submarino-nuclear-antes-da-australia,70003866675
El País: Na briga entre Eduardo Bolsonaro e a China, Planalto deveria temer destino da Austrália
Igor Patrick e Lucas Wosgrau para o El País
Presidente vê o Brasil como intocável, mas deveria olhar com atenção para as reprimendas comerciais que Pequim impôs ao gigante da Oceania
“Não temos problema nenhum com a China (...), nós precisamos da China e a China precisa muito mais de nós”. A mais recente declaração do presidente Jair Bolsonaro em relação ao maior parceiro econômico do Brasil é menos um reconhecimento da importância estratégica da relação bilateral que a tentativa de deixar claro que seu governo não vê —ou, pelo menos, evita anunciar— a China como um inimigo.
O presidente assumiu um papel pelo qual seu vice, o general Hamilton Mourão, se tornou conhecido na China: o de bombeiro de posicionamentos incendiários do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A confusão patrimonial entre o que é governo e o que é família —marca da atuação dos Bolsonaro na política doméstica— revelou finalmente seu potencial de minar a relação estratégica entre Brasil e China.
A fala em dia eleitoral conclui uma semana marcada por tweets pró-Estados Unidos, e anti-China, assinados pelo deputado federal e membro da família presidencial. Provocativas, ameaçadoras e filosóficas, as mensagens trocadas na rede social favorita dos Bolsonaro (e dos diplomatas chineses) esticaram a corda na já tensionada relação Brasil-China.
A postura da embaixada da China, porém, denota uma subida de tom. Desta vez, a diplomacia não foi velada quanto a ameaças ao Brasil. Pelo Twitter, reagiu alertando para “consequências negativas” ao relacionamento bilateral e acusou o parlamentar de “solapar a relação amistosa” entre os países. É um sinal inequívoco de que, mais do que relegar ao quase-embaixador em Washington o papel de um simples parlamentar com viés sinofóbico, Pequim começa a dar ao “03” a importância de um oficial do Governo.
É óbvio —aqui e na China— que Eduardo Bolsonaro não é um deputado abusando de sua liberdade de expressão. Mourão, em março, deixou clara a mensagem que o pai do deputado, e presidente da República, não poderia dizer: “Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha, não era problema nenhum (...), ele não representa o Governo”.
O vice —personagem frequente na imprensa chinesa pela sua defesa da evolução das relações comerciais e culturais entre os dois países— tentava superar a verborragia do filho do presidente, que dias antes comparava a pandemia de covid-19 ao encobrimento da catástrofe nuclear em Chernobyl e acusava diretamente a China pelo espalhamento do vírus.
Se havia alguma dúvida sobre a origem e o respaldo aos comentários dentro do Palácio do Planalto, foi o chanceler Ernesto Araújo, o responsável por corroborar a impressão. A despeito dos apelos da embaixada chinesa por uma intervenção do Itamaraty na contenção de danos, o ministro criticou as declarações irritadas do embaixador Yang Wanming e negou que o deputado tivesse ofendido o Estado chinês.
À época, coube ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) colocar panos quentes. O recado veio por meio de uma reprimenda pública a Eduardo, cuja “atitude não condiz com a importância da parceria estratégica Brasil-China e com os ritos da diplomacia”, nas palavras de Maia. Em parte, também era uma tentativa de blindar o Congresso: pelo menos por enquanto, Eduardo segue como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e, se não fala pelo Planalto, em alguma medida representa seus colegas congressistas.
Entre política de Estado e estratégia eleitoreira
Os tweets de Eduardo Bolsonaro foram percebidos em março como perigosa provocação e depois como tomada de posição. A China vem denunciando mundialmente o que considera “antagonismo à moda da Guerra Fria” e os danos dessa mentalidade ao multilateralismo, ao direito internacional e à possibilidade de avanço do desenvolvimento global percebido desde sua entrada na Organização Mundial do Comércio em 2001.
Em um país democrático, a representação oficial chinesa no Brasil deveria esperar opiniões críticas e expressões de parlamentares que buscam representar um eleitorado tradicionalista —mais que conservador— insensível a qualquer argumento econômico. A disputa se justifica, no entanto, porque o sentimento vocalizado por Eduardo ecoa na opinião pública brasileira, normalizando a antítese do pragmatismo ganha-ganha que marcou a construção da relação bilateral desde Geisel até Dilma.
A política doméstica chinesa e a legitimidade do governo Partido Comunista da China se tornaram assunto nos salões do Itamaraty e do Alvorada. A chancelaria de Ernesto Araújo reservou à Fundação Alexandre Gusmão (a histórica FUNAG) o espaço de crítica intelectual —por falta de melhor adjetivo— ao comunismo, globalismo e materialismo anti-ocidental.
Essa ideologia esquerdista teria encontrado na China —após a queda do muro de Berlim— uma campeã irresistível apoiada por elites liberais, Hollywood, Wall Street e o Vaticano do papa Francisco. Os aliados ideológicos da China, por serem modernos, são os inimigos íntimos do tradicionalismo defendido por Olavo de Carvalho e Araújo. É compreensível que os chineses critiquem a convivência de pragmatas —capitaneados por Mourão e os ministros Teresa Cristina (Agricultura) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura)— e cruzados dedicados à metapolítica.
Há, portanto, pouca margem de questionamento sobre por que a China deixou de ver Eduardo como um parlamentar sem filtros, com pouca influência na política externa brasileira para alguém que legitimamente fala em nome do governo. A resposta está em seu entorno, quando o líder da chancelaria, os membros da ala ideológica e, em alguma medida, até o presidente endossam seu discurso (mesmo que de forma mais sutil e, por vezes, normalizando embaraçosamente ideias pouco convencionais no debate público).
Esta abordagem caótica é, em parte, o reflexo direto de um problema nunca superado na cultura política brasileira e aprofundado consideravelmente nesta gestão bolsonarista: o patrimonialismo do presidente e sua família desconhece (ou ignora) a personalidade jurídica simbolizada na figura do Estado. Jogam para a claque porque o eleitorado fiel ou compra de bom grado a narrativa ou não se importa com as consequências dela. O bolsonarismo instrumentalizou o Itamaraty como braço da campanha de 2022.
Para os chineses —onde os limites entre Partido e Estado também são nebulosos—, os ruídos de comunicação são mais barulhentos que as vozes sensatas espalhadas em outras esferas políticas ou mesmo dentro da administração. Ainda que o Ministério das Relações Exteriores evite liderar acusações à China em matérias polêmicas, como as causas da pandemia da covid-19 e o leilão do 5G, o dano midiático já está feito.
Perdida, culturalmente ignorante sobre a história, a cultura e a política chinesa, a imprensa pouco faz para contestar o discurso xenofóbico e ignorante que escorre dos esgotos de Brasília. Sem repertório e com pouca tradição na cobertura de eventos internacionais, se fia pelos exemplos de outros países do hemisfério Norte na tentativa de encontrar alguma pista do que o futuro nos reserva nessa briga sem sentido. Mas as respostas não estão nos Estados Unidos: estão em um país da Oceania.
“Australização” das relações é ameaça real
No espectro de trocas bilaterais, poucos governos ocupam um espaço tão destacado para a política externa chinesa quanto o australiano. Não obstante ser o lar da maior comunidade chinesa fora da China em todo mundo, Camberra mantém fortes laços educacionais e comerciais com Pequim, essenciais ao seu crescimento. É a Austrália —não o Brasil— a principal fornecedora de carne bovina, vinhos e minério de ferro ao gigante asiático. Sua matriz exportadora é muito semelhante à nossa, guardadas as proporções em volume: a balança comercial deles com a China chegou a 103 bilhões de dólares (cerca de 600 bilhões de reais) em 2019, número maior que o Brasil registrou no mesmo período (pouco mais de 98 bilhões de dólares, ou 560 bilhões de reais).
Nada disso evitou as duras reprimendas comerciais chinesas aos australianos. Com o acirramento de relações e acusações que vão desde espionagem até crimes de guerra, passando pela insistência do premiê Scott Morrison em comandar uma investigação independente sobre as origens da covid-19, as trocas comerciais foram duramente afetadas.
Em agosto, a alfândega da China já tinha banido a importação de cinco tradicionais frigoríficos australianos, justificando a decisão por motivos sanitários (de acordo com os chineses, amostras indicavam o uso de cloranfenicol, um antibiótico veterinário para combate à febre tifóide). Coincidência ou não, a ordem foi anunciada dias após Morrison apresentar uma legislação dando ao governo federal o poder de veto a acordos com potências estrangeiras, uma clara tentativa de barrar cooperação comercial do Estado de Vitória com a iniciativa chinesa Um Cinturão, Uma Rota.
A mais recente investida de Pequim? A decisão de impor tarifas de até 212% ao vinho australiano, uma decisão que contrária ao próprio posicionamento chinês na Organização Mundial do Comércio, mas com potencial para efetivamente falir a indústria australiana.
Números e retórica tão dura assim ainda deixam margem para pensar que a China depende mais do Brasil que nós deles? Se ainda restar dúvidas, basta ver os movimentos recentes dos chineses. Em agosto, a Rússia anunciou que pretende ampliar o volume de suprimentos de soja para os chineses em 3,7 milhões de toneladas até 2024. Dois meses depois, Pequim fechou acordo para importar 103 milhões de toneladas de soja anualmente da Tanzânia, país com ambiente político muito mais favorável aos chineses. São iniciativas tímidas e incapazes de substituir o peso de Brasil e Estados Unidos para suprir a demanda do grão, mas funcionam como mensagem cifrada. Há alternativas.
A conta pelo isolacionismo promovido por Bolsonaro vem chegando aos poucos. Sem o apoio do “amigão” Donald Trump na cadeira da Casa Branca, os apelos de socorro podem encontrar uma comunidade internacional conscientemente surda e ansiosa por um escolha melhor e minimamente civilizada nas urnas de 2022.
Igor Patrick é um jornalista especializado na cobertura da China e mestrando em Política e Relações Internacionais na Yenching Academy da Universidade de Pequim. É diretor de comunicação da Observa China.
Lucas Wosgrau Padilha é advogado especializado em Direito Econômico e Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). É mestrando em Direito e Sociedade na Yenching Academy da Universidade de Pequim e diretor de estratégia da Observa China.