auge da crise da Covid-19
Com pandemia, PIB despenca 4,1% em 2020, maior queda desde o confisco de Collor
Resultado vem em linha com a expectativa de mercado e faz país encerrar dezembro com a pior década em 120 anos. No último trimestre, economia avança 3,2%
Carolina Nalin e João Sorima Neto, O Globo
RIO — A pandemia derrubou o Produto Interno Brasileiro (PIB) em 2020, levando o país a enfrentar a mais profunda recessão em décadas. A economia encolheu 4,1%, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pelo IBGE, a maior queda desde 1990, quando houve o confisco do presidente Fernando Collor de Mello.
Naquele ano, o PIB brasileiro desabou 4,35%. O desempenho do ano passado veio em linha com as expectativas de mercado, que projetava queda de 4,20%.
O resultado de 2020 também leva o país a um desastre econômico mais grave que o vivenciado na década de 1980, a chamada década perdida, quando estagnação e hiperinflação faziam parte do cotidiano dos brasileiros.
Segundo estimativas do Ibre-FGV, a economia cresceu 0,3% ao ano na década encerrada em 2020, desempenho pior que o registrado nos anos 1980, quando avançou 1,6% anualmente. Com isso, a última década terá sido a pior em 120 anos.
A série histórica do IBGE, pela atual metodologia do instituto, teve início em 1996. Mas estatísticas do Ipea e da FGV trazem dados para o PIB desde 1901.
Com tamanho tombo da economia e elevado desemprego, a renda per capita foi a menor da História em 2020. Ficou em R$ 35.172, baixa de 4,8% em relação a 2019.
Serviços e indústria puxam queda
Segundo o IBGE, o setor de serviços encolheu 4,5% e a indústria, 3,5% no ano passado. Somados, esses dois setores representam 95% da economia nacional. Por outro lado, a agropecuária cresceu 2%, puxada pelas safras recordes se soja e café.
O fechamento de hotéis, academias e restaurantes foi o segmento dentro da área de serviços que teve o pior desempenho, pois foram muito afetados pelas medidas de distanciamento social.
“O resultado (do PIB em 2020) é efeito da pandemia, quando diversas atividades econômicas foram parcial ou totalmente paralisadas para controle da disseminação do vírus”, analisa a coordenadora de Contas Nacionais, Rebeca Palis.
Ela continua:
"Mesmo quando começou a flexibilização do distanciamento social, muitas pessoas permaneceram receosas de consumir, principalmente os serviços que podem provocar aglomeração".
Construção civil despenca
Na indústria, o segmento de construção civil foi o mais fortemente afetado. Apesar do recorde de financiamento com recursos da poupança para compra da casa própria no ano passado, a construção civil desabou 7% em 2020.
A indústria da transformação recuou 4,3%, principalmente devido à queda na produção de veículos. Já a chamada indústria extrativa avançou 1,3%, com alta na produção de petróleo e gás, que compensou a queda da extração de minério de ferro.
Pelo lado da demanda, todos os componentes recuaram em 2020, na comparação com o ano anterior. O consumo das famílias caiu 5,5%, o pior resultado da série histórica do IBGE, iniciada em 1996.
Consumo das famílias tem queda histórica
Isso pode ser explicado, segundo a coordenadora de Contas Nacionais, principalmente pela piora no mercado de trabalho e a necessidade de distanciamento social.
A queda no consumo do governo também foi histórica (-4,7%),com o fechamento de escolas, universidades, museus e parques ao longo do ano.
Já os investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) caíram 0,8%, encerrando uma sequência de dois anos positivos.
Perda de fôlego no 4º trimestre
Ao longo do ano, o PIB despencou no segundo trimestre, quando as restrições à circulação foram mais rígidas. Os três meses seguintes apontaram para uma recuperação, ainda que lenta.
No quarto trimestre, porém, a economia voltou a perder fôlego. O PIB cresceu 3,2% entre outubro e dezembro. A mediana das expectativas do mercado era de alta de 2,8%.
O país até teve certo dinamismo no último trimestre, fruto do arrefecimento da Covid-19 a partir de setembro, o que permitiu o afrouxamento das medidas de distanciamento social.
No entanto, o recrudescimento da doença nos meses seguintes e a redução do valor do auxílio emergencial fizeram a atividade econômica perder força e o ritmo de recuperação desacelerar.
Projeção de queda no 1º trimestre
O ritmo lento de vacinação por conta da falta de vacinas, o fim do auxílio emergencial a partir de janeiro e sem a definição de um novo programa, além da preocupação com o endividamento público têm levado analistas a estimarem uma queda no PIB no primeiro trimestre de 2021.
A Tendências projeta um pequeno crescimento do PIB no primeiro trimestre, seguido de uma leve queda no segundo. Mas a consultoria não descarta a possibilidade de um cenário com duas quedas consecutivas do PIB no ano, levando o país de volta à chamada recessão técnica:
— Viemos de dois trimestres positivos. Então, a base de comparação é mais elevada, e a ressaca do fim dos auxílios e a piora da pandemia sugerem um contexto de acomodação da atividade, o que pode acabar resultando em dois trimestres de pequena perda do PIB. É um risco bastante presente que está no radar — aponta Silvio Campos Neto, economista da consultoria.
Alon Feuerwerker: Na balbúrdia, ordens ao vento
Em nenhum momento antes nesta pandemia viu-se uma descoordenação de tais dimensões. Um exemplo? Enquanto secretários de Saúde por todo o país pressionam por lockdowns (leia), secretários de Educação manifestam-se contra a suspensão das aulas presenciais (leia).
Sendo que em cada estado, ambos, o titular da Saúde e o da Educação, têm o mesmo chefe.
Entrementes, autoridades vão cedendo aos lobbies para afrouxar o isolamento social no mesmo momento em que os números são unânimes ao apontar o extremo stress do sistema hospitalar. E enquanto essas mesmas autoridades dão entrevistas para alertar sobre a gravidade do quadro.
As notícias correm em trilhos paralelos. Num, as péssimas estatísticas. Noutro, a disfuncionalidade do sistema político. Agora crescentemente invadido e apropriado pelo sistema judicial. Ele próprio crescentemente disfuncional.
O potencial destrutivo da descoordenação já vinha diagnosticado desde um ano atrás (leia este texto de março de 2020). Não chega a ser atenuante, mas precisa ser constatado. Com um agravante: em meio à balbúrdia, parte da população decide simplesmente não seguir ordem nenhuma, se puder.
Sobre o stress hospitalar, aparentemente a força da segunda onda pegou o sistema político-sanitário no contrapé. Mas esse fenômeno não chega a ser original. Na Gripe Espanhola, a onda mais mortífera das três foi exatamente a segunda (leia).
De volta à política, o foco das autoridades do momento é que os adversários levem a culpa pelo problema.
Esse é o estado da guerra.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Igor Gielow: Levante de governadores pressiona Bolsonaro no auge da crise da Covid-19
Mundo político acorda para a tragédia em curso no país, mas Congresso ainda não embarcou
O apocalipse sanitário à espreita do Brasil provocou um levante de governadores contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Tal clima de indignação pela falta de rumo e sabotagem intencional de ações coordenadas por parte do Planalto já havia sido registrado em abril do ano passado, mas agora a situação é muito mais grave.
Quase um ano se passou e, sem o devido preparo, o país se depara com variantes novas do Sars-CoV-2 mais transmissíveis e talvez mais letais para pessoas mais jovens, segundo a observação empírica nos hospitais.
As cenas de revolta se repetem. Aliados de Bolsonaro, como Ratinho Jr. (PSD-PR) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), coassinam carta de 19 mandatários estaduais rebatendo a campanha de desinformação promovida por Bolsonaro.
O presidente, acentuando o que já havia feito em outros momentos, resolveu culpar os governadores pela a ameaça de o Brasil virar uma grande Manaus, do ponto de vista epidemiológico. Em vez de dizer que "o Supremo me tirou o poder", agora questiona "onde está o dinheiro que enviei?" a estados e municípios.
Pegou mal. A aliados, Ratinho Jr. se disse inconformado com o tratamento dispensado pelo presidente, que mentiu ao listar repasses federais obrigatórios como parte de um "pacote contra a pandemia", além de ignorar os R$ 1,48 trilhão de impostos recolhidos nos estados que param na mão da União.
O governador baiano, Rui Costa (PT), chorou ao comentar a dificuldade de implementar medidas de restrição de circulação de pessoas em seu estado. Ações que são bombardeadas dia sim, dia sim por Bolsonaro e por seu entorno em redes sociais.
Candidato a maior protagonismo no cenário nacional, o gaúcho Eduardo Leite (PSDB) disse que Bolsonaro "despreza sua gente" e a está "matando".
Algo bem diferente do que há menos de um mês, quando ele ponderava em entrevista que seu partido não teria como fazer oposição sistemática a Bolsonaro porque buscava diferenciar-se de João Doria, o tucano paulista que é o maior antagonista do presidente na crise.
A questão do controle da transmissão do vírus é cultural, alguns alegam, mas quem enalteceu a revolta de brasilienses na frente da casa do governador Ibaneis Rocha (MDB) devido ao seu ensaio de lockdown no domingo (28) foi o presidente da República.
O questionamento do uso de máscaras e a empáfia ao dizer que "não errou nenhuma" acerca da pandemia, quando a realidade está à sua volta, causaram revolta no grupo de WhatsApp do Fórum dos Governadores.
Cientes de que a fatura sempre cai no colo de quem está na ponta primeiro, especialmente no momento em que há um crescimento de demanda por vacinas ainda inexistentes, os governadores se reorganizaram.
Estados voltaram a pressionar pela compra avulsa de vacinas, como a russa Sputnik V, de forma a não contar com os cronogramas fantasmas do Ministério da Saúde. E houve o embate das verbas, provocado por Bolsonaro.
Leite teve papel de protagonismo na elaboração da nota, com apoio de outros chefes estaduais que querem moderar o destaque de Doria.
As nuances do embate político subjacente à tragédia em curso no país se mostraram também na dura carta do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde na segunda, na qual era pregado o toque de recolher e eventual lockdown em locais mais afetados do país
Jean Gorinchteyn, o secretário de Doria, não apoiou o texto por considerar lockdown inviável agora —em entrevista à rádio CBN, falou que pessoas irão "morrer de fome" caso a medida ocorra sem contrapartidas de natureza financeira.
Em São Paulo, Doria está sob ataque de bolsonaristas a cada movimento que faz para tentar controlar o vírus, e busca consenso com prefeitos. Há pressão interna, também. O Centro de Contingência da Covid-19, montado por Doria como um marco na transparência e no cientificismo no trato da pandemia, costuma sugerir medidas mais duras.
Mas ele é uma instância sem poder decisório, e as recomendações são filtradas em inúmeras reuniões com integrantes de outras áreas do governo, onde a palavra lockdown é um palavrão, para ficar num exemplo.
Saindo de São Paulo e das pretensões presidenciais de Doria e, como gostariam alguns tucanos, de Leite, a questão é que atores do mundo político parecem ter acordado para o tamanho do problema.
Dois presidentes de partidos do centrão que celebravam há pouco tempo o apoio de Bolsonaro à eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara disseram, sob reserva, que Bolsonaro "está maluco" na condução da crise.
Para eles, o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) deveria ser substituído já. Noves fora o interesse específico do grupo em retomar as polpudas verbas da pasta, é um termômetro da fervura em Brasília.
Lira, que passou as duas últimas semanas preocupado cozinhando medidas para aumentar a impunidade de parlamentares, também teve seu momento de lucidez e buscou pegar carona no levante dos governadores, convocando um almoço nesta terça para discutir medidas contra o caos.
Não foi exatamente um embarque, mas uma sinalização.
Não se vê tal disposição ainda no pacato Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que assumiu o Senado neste ano. Enquanto alguns membros da Casa pedem uma CPI sobre a crise, ele não conseguiu fazer críticas objetivas a Bolsonaro nas entrevistas que concedeu ao desfilar por São Paulo na segunda.
Mas um correligionário dele afirma que é uma questão de tempo, lembrando que até Romeu Zema (Novo-MG), um dos governadores mais amigáveis em relação ao Planalto, foi a Brasília discutir a crise com Lira.
Confira o vídeo do webinar Impacto da pandemia no sistema internacional
Evento online contou com participação de Eduardo Viola, Vinícius Müller e Cezar Vasquez
Cleomar Almeida (assessoria de comunicação da FAP)
Especialistas debateram, nesta sexta-feira (5/3), o impacto da pandemia no sistema internacional, durante webinar realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e que foi transmitido ao vivo no site e na página da entidade no Facebook. O evento teve início às 19 horas.
Confira o vídeo!
O assunto foi debatido pelos professores Eduardo Viola e Vinícius Müller, com mediação de Cezar Vasquez. O público também pôde enviar perguntas por meio das redes sociais diretamente aos debatedores.
Viola é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador associado sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo).
Müller, por sua vez, é doutor em história econômica, mestre em economia e bacharel em história. Além disso, é professor do Insper (Instituto de Ensino Superior), da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) e do CLP.
Já Vasquez é engenheiro de produção pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e mestre em engenharia de produção pela mesma instituição de ensino. Tem, ainda, MBA em finanças, liderança e gestão pública e experiência no setor público como dirigente do Sebrae.
O conteúdo da videoconferência ficará disponível no site da FAP e, também, no canal da entidade no youtube, para o público ver, gratuitamente, sempre que tiver interesse.