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Rogério L. Furquim Werneck: Precariedade e popularidade
Atrasos inexplicáveis na vacinação tenderão a ser integralmente debitados à incompetência do governo
O terceiro ano do governo Bolsonaro continuará marcado pela persistência de um quadro de alarmante precariedade em áreas absolutamente cruciais para o país. Do combate à segunda onda da pandemia à vacinação tardia e desorganizada da população. Da condução improvisada da política fiscal a novas e reiteradas evidências de falta de compromisso efetivo do governo com a preservação do teto de gastos.
Tudo isso contribuirá para manter a economia em interminável clima de suspense, que dificultará a redução de risco que se faz necessária para uma recuperação vigorosa do nível de atividade, bem fundada na retomada dos investimentos. O país continuará restrito por um horizonte bem mais limitado do que seria possível e desejável.
Que planos tem Bolsonaro para a segunda metade do seu mandato? O que lhe sobra é 2021, ainda com pandemia e tudo, e o ano eleitoral de 2022. Sejam quais forem seus planos, sobram evidências de que já não há no Planalto qualquer disposição de levar adiante reformas fiscais necessárias. Todas as medidas de ajuste fiscal de mais fôlego vagamente aventadas pela equipe econômica no ano passado foram sistematicamente solapadas pelo Planalto no nascedouro (gatilhos, reforma administrativa, privatização).
O esforço de ajuste fiscal de 2020 redundou em nada. O Ministério da Economia alega que não ter havido prorrogação do auxílio emergencial ou criação de programa substituto (Renda Cidadã/Brasil) foi um sinal importante de compromisso com a consolidação fiscal. Mas a verdade é que é muito cedo para cantar vitória.
É preciso aguardar o que fará o Congresso. “Tudo isso será motivo de reflexão a partir de fevereiro”, advertiu, em dezembro, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado. E ainda falta ver qual será a reação de Bolsonaro, se a suspensão do auxílio emergencial, em meio à segunda onda da pandemia e com desemprego em alta, acabar se refletindo em queda expressiva de sua popularidade.
Como evoluirá a popularidade de Bolsonaro nos próximos meses, na esteira do agravamento da pandemia e da impaciência com a demora da vacinação? É bem possível que se observe fenômeno similar ao que, ao analisar determinantes da intolerância política com a desigualdade, há quase meio século, Albert Hirschman rotulou de efeito túnel. A analogia era com o comportamento de motoristas dentro de um túnel em que o trânsito foi subitamente interrompido.
De início, todos se mostram compreensivos com a situação. E, quando, afinal, uma das faixas começa a andar, isso é visto de forma positiva pelos que continuam parados. Um prenúncio de que veículos de todas as faixas estão prestes a também voltar a andar. Se, no entanto, a desobstrução das demais faixas não ocorrer, a postura compreensiva dos que continuam parados logo dará lugar a um clima generalizado de revolta com a situação.
É fácil perceber quão elucidativa pode ser a aplicação da ideia de efeito túnel à análise da reação popular à pandemia no Brasil. A postura surpreendentemente compreensiva da população em face da Covid-19 pode estar fadada a dar lugar a um sentimento inequívoco de revolta, à medida que se disseminar a percepção de que, enquanto dezenas de países avançam céleres na vacinação de suas populações, o Brasil continua incapaz de articular um programa minimamente eficaz e abrangente de vacinação.
É fácil ver que, no que tange a vacinas, o governo já não terá espaço para explorar narrativas ilusionistas como tanto fez durante a epidemia. Atrasos e deficiências inexplicáveis do programa de vacinação tenderão a ser integralmente debitados à incompetência e à irresponsabilidade do governo, no cumprimento de uma de suas obrigações mais fundamentais.
É difícil que a suposta resiliência da popularidade do presidente atravesse incólume esse teste de fogo. A reação de Bolsonaro, caso depare com súbita queda de popularidade, promete ser mais um fator crucial de incerteza a deixar a economia sobressaltada nos próximos meses.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.