ataques à democracia
Bolsonaro veta punição para quem divulgar fake news
O presidente sancionou PL que revoga Lei de Segurança Nacional, mas vetou crime para quem praticar "comunicação enganosa em massa"
Thaís Paranhos / Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, com vetos, nessa quarta-feira (1º/9), projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura militar.
Entre os vetos do mandatário da República, está o trecho que prevê punição para quem praticar “comunicação enganosa em massa”. O PL determinava reclusão de 1 a 5 anos mais multa para quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
No veto, o chefe do Executivo diz que “a proposição legislativa contraria o interesse público por não deixar claro qual conduta seria objetivo da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que compartilhou”. O presidente questiona também se “haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico”.
Por fim, o presidente alega que a proposta tem “o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais”.
Inquérito das Fake News
Bolsonaro é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Inquérito das Fake News, que apura a disseminação de notícias falsas. O relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, incluiu o mandatário do país na investigação no último dia 4 de agosto, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O STF vai apurar se o presidente cometeu crimes durante a tradicional live de quinta-feira, na qual afirmou, sem provas, que houve fraude nas eleições presidenciais de 2018.
Outros vetos
O titular do Planalto também vetou trecho do PL que determinava punição para quem impedisse “o livre e pacífico exercício de manifestação” sob o argumento de que haveria dificuldade para definir “o que viria a ser manifestação pacífica”.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-veta-punicao-para-quem-divulgar-fake-news
Por que o ‘PIB nacional’ desistiu de pedir serenidade? Por covardia?
Só num país conflagrado, nervoso, apavorado com a ideia de golpes e guerras, isso pode mobilizar tantos e desaguar no adiamento do manifesto
Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo
Não foi preciso nem um cabo e um soldado para cancelar um manifesto cheio de obviedades, articulado pela poderosa Febraban, encampado pela igualmente poderosa Fiesp e com mais de 200 assinaturas. Realmente, o Brasil não é para amadores. E está se tornando ridículo diante dos brasileiros e do mundo com um presidente da República que ameaça a democracia por palavras e atos e com um “PIB nacional” covarde.
O que há de tão grave e assustador em cinco parágrafos defendendo a “aproximação e a coordenação” entre Executivo, Legislativo e Judiciário? Pedindo “serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional”? Só num país conflagrado, nervoso, apavorado com a ideia de golpes e guerras, isso pode mobilizar tantos e desaguar no adiamento do manifesto.
Isso, aliás, é parte do ridículo. A publicação oficial, que seria paga pela Fiesp, foi adiada “para depois do 7 de Setembro”. Mas a publicação extraoficial, de graça, foi feita nesta segunda-feira, 30, mesmo, com um dia de antecedência, por toda a mídia. Logo, o texto foi suspenso, mas não foi, todo mundo leu.
E mais: se Fiesp e Febraban miaram, o agronegócio rugiu. O texto anódino foi “adiado”, mas o setor rural lançou um outro, por conta própria, defendendo a Constituição, três décadas de democracia, liberdade, pluralismo e – atenção! – “alternância de poder”. Aplausos!
Já no caso de bancos e empresas, bastou um telefonema do presidente da Câmara, Arthur Lira, para Paulo Skaf abortar “monocraticamente” – no jargão do Supremo – a publicação oficial e deixar Fiesp, Febraban e 200 signatários passando vergonha. Já imaginou se fosse com cabo, soldado, general e tanque fumacento?
Presidente da Fiesp só até dezembro, Skaf foi derrotado duas ou três vezes para o governo de São Paulo e é aliado de qualquer governo, do PSDB, PT, MDB ou de Jair Bolsonaro, sem partido. Em e-mail na quinta-feira aos envolvidos no manifesto, ele pediu a confirmação de adesão até o dia seguinte e avisou que a Fiesp assumiria os custos da publicação. Bastou um telefonema para jogar tudo para o alto.
O grande debate nacional, agora, não é mais democracia, instituições, Federação, eleições, impeachment de ministro do Supremo, pandemia, morte, fome, inflação, juros, desemprego e iminência de crise hídrica e elétrica. Que nada! O País discute é se Skaf se saiu bem ou mal desse episódio envolvendo o “PIB nacional”. Ah! E se Arthur Lira tem esse poder todo.
Skaf, porém, é só um detalhe, num ambiente político, econômico e social contaminado e absurdo, que levou o ministro do STF Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, a ironizar: “Tem risco de golpe? Eu gostava de dizer que não, gosto de dizer que não e acho que não. Mas o número de vezes que me perguntam isso começa a me preocupar”.
Como ele, todos nós, todos os dias, toda hora, ouvimos isso de todo mundo: vai ter golpe? É a banalização das ameaças à democracia, às instituições e às eleições que partem do presidente da República, viciado em armas, com delírios de guerra e de inimigos, incutindo na cabeça dos brasileiros que há risco iminente de comunismo no País. Seria cômico, não fosse trágico.
Queiram ou não os banqueiros e empresários, continua necessária a defesa de “um foco em ações e medidas urgentes para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer, a gerar empregos e reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população”.
Se a CEF, o Banco do Brasil e o ministro Paulo Guedes veem nisso um ataque comunista, esquerdista ou sei lá o quê contra Bolsonaro, o problema é deles. O que realmente choca é o tal “PIB nacional” não ter coragem nem de defender algo tão óbvio e tão normal quanto deveriam ser a democracia e as eleições no Brasil. Uma vergonha!
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,por-que-o-pib-nacional-desistiu-de-pedir-serenidade-dialogo-paz-e-estabilidade-por-covardia,70003826299
O que está em jogo no Brasil é ruptura do pacto civilizatório de 1988
Constante deslegitimação das instituições democráticas colocam em xeque a possibilidade de um país menos desigual
Ricardo Machado / IHU Online
O clima de sucessão presidencial no Brasil está posto. Mas a tensão comum desses períodos, apesar de o debate estar bastante adiantado, com mais de um ano de antecedência em relação ao pleito, mostra que a escalada da violência política subiu mais alguns degraus. “Não há dúvida nenhuma de que temos uma combinação bastante perigosa, com uma militância extremista radicalizada e uma liderança disposta a tumultuar e melar o processo. Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política, pior ainda do que aquela ocorrida durante a campanha das eleições de 2018”, pontua o professor e pesquisador Luis Felipe Miguel, em entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Embora em várias pesquisas Lula apareça como líder das intenções de voto, as condições de um possível retorno e de governo do ex-presidente são bastante diferentes de 20 anos atrás. “Lula chegou à presidência nas eleições de 2002 com o compromisso de se manter em um programa de extrema moderação para não assustar a burguesia e a promessa de pacificar o país, por meio da inclusão social, sem afetar os privilégios dos grupos minoritários”, explica.
No entanto, explica o professor, a margem de manobra para que um hipotético governo Lula promova políticas compensatórias de combate à pobreza é bastante adversa. “O estado brasileiro foi severamente atingido pelas medidas de redução da sua capacidade de ação tomadas a partir do governo Michel Temer e porque existiu nesse período um processo de retirada brutal de direitos”. A instabilidade democrática não somente coloca em risco o futuro do Brasil, como compromete o pacto firmado com a Constituição de 1988, que, segundo o entrevistado, “apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil”.
Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília - UnB e graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Leciona no Instituto de Ciência Política da UnB, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). Publicou, entre outros, os livros Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Consenso e conflito na democracia contemporânea (Editora Unesp, 2017) e Dominação e resistência (Boitempo, 2018).
Confira a entrevista.
IHU – Como o senhor avalia o atual cenário político brasileiro, com ameaças de golpe, tentativas de deslegitimação das urnas eletrônicas e um processo constante de questionamento e tensionamento entre as instituições?
Luis Felipe Miguel – Bolsonaro é um político de baixa competência, que não sabe negociar, que não tem capacidade de agregar e não sabe trabalhar coletivamente, como prova, aliás, sua incapacidade de formar um partido. Toda sua estratégia consiste em manter elevado o nível da tensão política. Graças a isso sua base fica mobilizada agressivamente e mantém os adversários na defensiva. No momento em que as chances eleitorais dele estão claramente se reduzindo para 2022, ele está optando por aumentar ainda mais o nível desta tensão que já foi mantida alta durante todo o mandato. Claramente está apostando em uma virada de mesa, ou seja, um novo golpe, a contestação do resultado das eleições de 2022 ou mesmo a tentativa de impedir a realização das próximas eleições. Ou está apostando em garantir que após a sua provável derrota nas urnas ele terá uma base militante minoritária, mas muito aguerrida, capaz de garantir que ele e seus familiares não sejam atingidos pelas medidas punitivas às quais certamente fazem jus, dadas todas as evidências recolhidas até aqui.
Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política – Luis Felipe Miguel Tweet
IHU – Estando a mais de um ano das eleições, o que é possível projetar sobre o próximo pleito, senão do resultado, ao menos de suas condições de realização?
Luis Felipe Miguel – Sobre as eleições do próximo ano, creio que a única coisa que se pode dizer com algum grau de certeza é que, infelizmente, serão realizadas em um contexto de muita tensão. O bolsonarismo tem trabalhado para que não tenhamos uma campanha eleitoral com o mínimo de civilidade, de discussão sobre as alternativas para o país, sobre o significado das candidaturas. O que ele está fazendo é, deliberadamente, produzir suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral, ao mesmo tempo que insufla sua base – composta por uma parte importante de homens armados – contra as candidaturas alternativas à dele, em particular aquela que é favorita neste momento, a do ex-presidente Lula.
Não há dúvida nenhuma de que temos uma combinação bastante perigosa, com uma militância extremista radicalizada e uma liderança disposta a tumultuar e melar o processo. Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política, pior ainda do que aquela ocorrida durante a campanha das eleições de 2018.
Sobre as eleições do próximo ano, creio que a única coisa que se pode dizer com algum grau de certeza é que, infelizmente, serão realizadas em um contexto de muita tensão – Luis Felipe Miguel. Tweet
IHU – A pesquisa da XP/Ipespe divulgada no dia 17/8 indica que, no primeiro turno, Lula tem vantagem sobre todos candidatos e que, no segundo turno, tanto Lula quanto Ciro são capazes de vencer Bolsonaro. O que essa pesquisa sugere sobre o atual contexto político?
Luis Felipe Miguel – Este cenário tem reaparecido em todas as pesquisas mais recentes. Não há dúvidas de que há hoje um claro favoritismo do ex-presidente Lula, não apenas pontuando com larga vantagem sobre os adversários, particularmente sobre Bolsonaro no primeiro turno, ganhando com larga vantagem no segundo turno, como também existe uma tendência de queda da rejeição ao nome do ex-presidente Lula. Parece que o fantasma do antipetismo, que foi muito importante para garantir a vitória da extrema direita em 2018, e que ainda é apresentado por alguns candidatos que tentam se viabilizar como sendo um fator determinante na eleição, começa a ser superado.
Creio que vários fatores contribuíram para isso e gostaria de citar três em particular.
1) O primeiro, claro, é o desastre absoluto do governo resultante da campanha antipetista, que é o governo Bolsonaro. Um governo que trouxe ao país um rastro de destruição e demolição do Estado brasileiro, das instituições democráticas, além, é claro, da nossa contagem de centenas de milhares de mortos, em grande medida resultado da condução absolutamente irresponsável da pandemia.
2) O outro fator é a desmoralização da Operação Lava Jato. Desde sempre pesavam suspeitas mais do que sérias sobre a condução da Lava Jato por Sergio Moro e Deltan Dallagnol, além de outros participantes da força-tarefa. A partir sobretudo das revelações feitas pelo The Intercept Brasil, ficou mais do que evidente que a operação foi uma conspiração contra a democracia brasileira, e o ex-presidente Lula foi o principal alvo desta conspiração. Isso claramente pode reverter uma parte da antipatia construída contra ele.
3) O terceiro motivo se liga a quando Lula é finalmente solto de sua prisão política e arbitrária e, depois de recuperar os seus direitos políticos, consegue, rapidamente, se colocar diante do país como sendo a grande esperança de superação da situação em que nos encontramos. Naquele momento o Brasil testemunhava o pior momento da pandemia, e isso em uma situação em que as outras lideranças da oposição, particularmente as de direita, que o governador (João) Doria buscou encarnar em primeiro lugar, mostraram-se pouco capazes de conter o desastre que o bolsonarismo representava. Naquele momento Lula se tornou capaz de ser, tal como havia sido nas eleições de 2002, uma esperança de salvação para o país. Isso está se refletindo nas pesquisas de opinião.
Claramente é impossível fazer previsões faltando mais de um ano para o pleito de 2022, mas Lula entra na campanha eleitoral com essa bagagem de simpatia, novamente portador da esperança popular e isso, sem dúvida nenhuma, faz com que o favoritismo dele tenha um certo grau de solidez.
Acredito ser improvável que um terceiro nome alce voo, exceto na hipótese, infelizmente remota, do impedimento de Bolsonaro
Luis Felipe Miguel
IHU – Aliás, como o senhor avalia a possibilidade de uma terceira via? Quais são as condições hoje e quais as possibilidades de mudança até as eleições?
Luis Felipe Miguel – Acredito ser improvável que um terceiro nome alce voo, exceto na hipótese, infelizmente remota, do impedimento de Bolsonaro. Ou seja, de que ele não possa apresentar sua candidatura, quando, aí sim, há a possibilidade de um outro nome à direita se colocar. Mas, mantida a candidatura de Bolsonaro, parece pouco provável que a direita tradicional consiga colocar outro nome forte na disputa. Existem nomes que têm estrutura, que estão há muito tempo presentes e têm ativos a seu favor, como é o caso do governador Doria, que dirige o estado mais rico do Brasil, se projetou como o pai da vacina brasileira e tem a simpatia da mídia corporativa e de parte do empresariado, mas, apesar disso, continua patinando em torno dos 5% das intenções de voto. É muito improvável que um candidato como Doria aumente sua aceitação, pois mesmo com todos esses recursos não consegue ultrapassar a linha em que está.
Por outro lado, a tentativa de lançar um outsider como foi tentado com Luciano Huck, que acabou retirando sua candidatura da disputa – e, às vezes, aparecem nomes de outros apresentadores de televisão –, é um caminho muito mais difícil quando o país vive a ressaca da antipolítica. Quando os candidatos que procuravam representar um rechaço à classe política foram testados, deu no que deu. Desse ponto de vista, a possibilidade de que surja um nome surpresa me parece bem pouco auspiciosa.
Sobra o caso do candidato Ciro Gomes, que tenta se colocar como o nome da terceira via, inclusive se colocando de uma maneira bastante agressiva e buscando se distanciar da esquerda representada pelo PT e por Lula. A questão é que Ciro, além das dificuldades já conhecidas por quem acompanhou todas suas outras tentativas de chegar à presidência da República, enfrenta hoje o fato de que se descredenciou da esquerda, exatamente por não ter se engajado no segundo turno contra Jair Bolsonaro, como todos nós sabemos, e preferiu ir a Paris. Ao mesmo tempo a direita mantém uma desconfiança de que ele, embora tenha tido sua origem política na Arena, há muito tempo buscou se colocar como um político com perfil à esquerda. As pesquisas não indicam somente um movimento momentâneo, mas algo que está se cristalizando no cenário político eleitoral. Isso tudo nos leva a crer que a tendência é Ciro ficar abaixo do seu teto histórico que é de 12% dos votos, o que é insuficiente, portanto, para ele chegar ao segundo turno.
A questão é que Ciro, além das dificuldades já conhecidas por quem acompanhou todas suas outras tentativas de chegar à presidência da República, enfrenta hoje o fato de que se descredenciou da esquerda
Luis Felipe Miguel
IHU – Quais são as diferenças entre as atuais condições político-eleitorais de Lula para o pleito de 2022 em comparação com 2002? Em suma, qual o clima político que vivemos em relação a Lula?
Luis Felipe Miguel – Lula chegou à presidência nas eleições de 2002 com o compromisso de se manter em um programa de extrema moderação para não assustar a burguesia e a promessa de pacificar o país, por meio da inclusão social, sem afetar os privilégios dos grupos minoritários. Foi o que ele tentou fazer. Foi esse o grande programa do lulismo no poder. No entanto, apesar de toda essa prudência, com reformas tímidas, controladas, autolimitadas, que Lula e depois a Dilma introduziram, acabaram se desencadeando processos na sociedade brasileira que incomodaram os grupos dominantes.
A redução da vulnerabilidade dos mais pobres, dos trabalhadores, necessariamente aumenta a sua capacidade de barganha diante dos grupos sociais dominantes. Foi contra isso que foi desferido o golpe de 2016, que teve o claro sentido de devolver o país às condições ainda mais gritantes de desigualdade social que vigoravam antes dos governos petistas. No momento o presidente Lula recupera a interlocução com vários dos grupos que foram responsáveis pelo golpe que retirou o PT do poder. Ele parece querer reconstruir as condições de governabilidade que lhe permitiram exercer o mandato após a vitória em 2002.
A redução da vulnerabilidade dos mais pobres, dos trabalhadores, necessariamente aumenta a sua capacidade de barganha diante dos grupos sociais dominantes. Foi contra isso que foi desferido o golpe de 2016 – Luis Felipe Miguel Tweet
No entanto, a margem de manobra para que ele promova políticas compensatórias de combate à pobreza extrema está muito diminuída. O estado brasileiro foi severamente atingido pelas medidas de redução da sua capacidade de ação tomadas a partir do governo Michel Temer e também porque existiu nesse período um processo de retirada brutal de direitos. Em suma, o pacto que Lula fez em 2002, caso seja refeito agora, precisará ser feito em condições muito mais precárias. A estratégia de nenhum enfrentamento que o PT adotou nos governos Lula e Dilma parece, neste momento, estar fadada ao fracasso. As classes dominantes brasileiras mostraram que estão dispostas a aproveitar a correlação de forças favorável a elas e romper com os acordos que foram feitos com os representantes das classes dominadas. Tendo a acreditar que se um novo governo de centro-esquerda no Brasil não investir mais na mobilização de suas bases para garantir melhor correlação de forças para o progresso social, nós teremos uma reedição muito aviltada do lulismo que imperou a partir da vitória nas eleições de 2002.
IHU - Em seu texto publicado na FSP – Favorito em 2022, Lula pode normalizar desmonte do país se ceder demais – o senhor afirma que “Lula é a melhor promessa de pacificação do país”. Por quê?
Luis Felipe Miguel – Creio que são dois os motivos. Primeiro, por causa do perfil de Lula, que é um político voltado à negociação, à produção de consensos, um político que faz questão de manter abertas as portas do diálogo com todas as forças. Essa é uma característica que Lula traz desde o sindicalismo e que faz dele a pessoa, certamente, com as maiores condições e com a maior habilidade para conduzir o país a um cenário de disputa política mais civilizado. Mas, também, pelo fato de que Lula, como líder do PT e líder popular, que foi e é, foi o principal alvo dos retrocessos que o Brasil sofreu nos últimos tempos. Quer dizer, se quisermos simbolizar em uma pessoa a destruição da ordem regida pela Constituição de 88, essa pessoa é o Lula: foi ele quem se tornou um preso político por mais de um ano; ele foi o principal alvo da conspiração contra a democracia, representada pela Lava Jato; ele que foi impedido de disputar as eleições de 2018. Então, simbolicamente, Lula representa uma tentativa de retomada do caminho de construção democrática que foi interrompido com o golpe de 2016.
O pacto que permitiu os governos do PT, o pacto que Lula firmou ao longo de 2002, era um pacto de buscar um caminho de enfrentamento das premências dos mais pobres, mas que evitasse tocar nas vantagens dos privilegiados
Luis Felipe Miguel
IHU - Em contrapartida, o senhor adverte sobre os perigos de a esquerda ceder em nome da “governabilidade”. Quais são os riscos principais?
Luis Felipe Miguel – Creio que este é o risco principal embutido num eventual retorno de Lula à presidência. O pacto que permitiu os governos do PT, o pacto que Lula firmou ao longo de 2002, cujo maior emblema, certamente, é a Carta ao Povo Brasileiro, era um pacto de buscar um caminho de enfrentamento das premências dos mais pobres, mas que, ao mesmo tempo, evitasse tocar nas vantagens dos grupos privilegiados na sociedade. Nós vimos que, mesmo com toda essa prudência, esses mesmos grupos privilegiados se viram atingidos por mudanças que a melhoria das condições dos mais pobres gerou na dinâmica social, a tal ponto que optaram por romper com a ordem democrática, que ocorreu com o golpe de 2016, e esse rompimento foi aprofundado com as sucessivas manobras de exceção e apoio ao bolsonarismo.
No entanto, o pacto que foi feito no início do século não tem como ser recuperado agora; as condições mudaram. O espaço de manobra para um governo democrático, com manifestação popular, está muito reduzido porque o Estado brasileiro tem sido demolido. Todos os nossos instrumentos de intervenção no social, a fim de minorar as desigualdades, foram agredidos pelo subfinanciamento e pela campanha agressiva contra essas políticas, porque a Constituição está funcionando de uma maneira muito precária e porque muitos dos direitos conquistados pelo povo brasileiro foram retirados. Então, nessas circunstâncias, a possibilidade de um governo, por mais bem-intencionado que venha a ser, produzir políticas compensatórias se torna muito menor.
Se não for adotado algum tipo de estratégia que permita o enfrentamento das negociações políticas no Brasil, ou seja, que trabalhe para mudar a correlação de forças e permita que o campo popular se robusteça para os enfrentamentos que serão necessários, o caminho da retomada da democracia no Brasil será um caminho de acomodação a situações ainda piores de desigualdade social. A governabilidade pensada na maneira tradicional se limita à aceitação das barganhas impostas seja pela burguesia, seja pela elite política tradicional. É necessário buscar uma nova forma de ação que combine a busca da negociação nos espaços institucionais com a mobilização das forças sociais que estão interessadas na produção de um país menos desigual, menos injusto e menos violento.
O espaço de manobra para um governo democrático, com manifestação popular, está muito reduzido porque o Estado brasileiro tem sido demolido
Luis Felipe Miguel
IHU - Qual tipo de pacto civilizatório é possível fazer com as elites brasileiras que, sem cerimônias, romperam com o horizonte normativo estabelecido pela Constituição de 1988?
Luis Felipe Miguel – Qualquer pacto com as elites brasileiras tem que estar respaldado na capacidade de mobilização do campo popular. Se não houver capacidade de pressão, se não houver forças organizadas em defesa da igualdade, da democracia, qualquer avanço sempre será frágil e revogável a qualquer momento. É bom lembrar que a democracia não é simplesmente um sistema de regras que resume o sistema político a determinados espaços; é próprio da democracia que as diferentes forças sociais se mobilizem em defesa de seus projetos. A classe dominante nunca deixou de se mobilizar e utilizar recursos extrainstitucionais para fazer valer seus interesses. Ela usa o financiamento privado de campanha, a sua capacidade de definir o investimento. Acontece que o tipo de barganha que foi feito para permitir os governos de centro-esquerda a partir de 2003 contava com o silenciamento da pressão do campo popular. Ficou claro que não é possível aceitar esse silenciamento, porque os grupos dominantes no Brasil não têm nenhum tipo de compromisso com a ordem democrática, não têm nenhum tipo de projeto nacional de desenvolvimento, não têm nenhum tipo de solidariedade com as classes populares. Então, é um pacto que tem de ser baseado numa correlação de forças que seja, desta vez, ao menos, um pouco mais favorável ao campo popular.
Qualquer pacto com as elites brasileiras tem que estar respaldado na capacidade de mobilização do campo popular – Luis Felipe Miguel Tweet
IHU - Aliás, uma eventual vitória de Lula poderia levar o país a um estado de convulsão social? O que é possível vislumbrar sobre uma possível reação dos setores armados da sociedade (polícias, forças armadas e sociedade civil)?
Luis Felipe Miguel – Até o momento, creio que os grupos armados operam muito mais no caminho da ameaça do que, de fato, na busca de um enfrentamento. As Forças Armadas, sobretudo, não têm liderança, não têm unidade para desferir o golpe que vem sendo anunciado ou insinuado há tanto tempo. São Forças Armadas que, por erros na condução da questão militar ao longo de todo o processo de democratização, continuam profundamente antidemocráticas e antipovo, mas elas não têm essa capacidade de ação coordenada, inclusive porque estão divididas em muitos grupos internos e também porque hoje são, em grande medida, motivadas pela vontade de ocupar espaços do Estado brasileiro e se apropriar de vantagens e benesses que a presença nesses cargos proporciona.
Não acredito, no momento, que uma eventual vitória eleitoral de Lula vá levar a esse tipo de reação. Isso é muito mais um fantasma que é utilizado com o objetivo de obter concessões, moderação e uma autocensura das forças populares na elaboração de seu programa, do que propriamente um risco efetivo. O que não quer dizer que as condições para essa ação golpista aberta não possam ser construídas. Então, é necessário, neste momento, muita inteligência por parte dos operadores políticos do campo popular, dos partidos políticos da esquerda e da centro-esquerda, porque é necessário não aceitar as chantagens que essas ameaças colocam e, ao mesmo tempo, não dar gás para que elas, de fato, se tornem uma operação golpista efetiva. A resposta está em organizar na sociedade mobilização suficiente e eficiente para que uma intentona golpista tenha custos elevados para aqueles que tentem deflagrá-la.
As Forças Armadas, sobretudo, não têm liderança, não têm unidade para desferir o golpe que vem sendo anunciado ou insinuado há tanto tempo
Luis Felipe Miguel
IHU - Por fim, de que ordem é o desafio de reverter os desmontes social e de políticas públicas – incluindo o teto de gastos – empreendidos nos últimos anos, desde o governo Temer, no Brasil?
Luis Felipe Miguel – Medidas como o teto de gastos foram uma tentativa dos golpistas vitoriosos de inibir qualquer ação de um eventual novo governo democrático no país. É absolutamente impossível que um governo no Brasil cumpra seus compromissos com a população se ele tem sua ação tão severamente contida por medidas arbitrárias como a Emenda Constitucional que liquidou a possibilidade do investimento público e que, na verdade, reduziu a quase zero a margem para a implementação de políticas sociais. Da mesma maneira, a destruição da estrutura do Estado brasileiro e a privatização irresponsável de muitos órgãos absolutamente estratégicos apresentam o mesmo resultado. Quer dizer, se inviabiliza a possibilidade de que um novo governo aja em favor de prioridades diferentes daquelas do golpismo triunfante que foram, como sabemos, a garantia dos ganhos dos especuladores financeiros em primeiro lugar. A chamada autonomia do Banco Central, a autonomia em relação à vontade popular, com uma submissão explícita ao sistema financeiro, é outra medida. E, por fim, a retirada dos direitos trabalhistas, que torna muito mais difícil para o Estado regular as relações capital-trabalho de uma maneira que proteja, minimamente, a classe trabalhadora. Então, é absolutamente imperativo desfazer esse conjunto de medidas a fim de retomar o caminho de construção de um Brasil mais democrático e menos injusto. Quando eu falo em retomada do pacto constitucional de 88, isso tudo está incluído, porque o pacto apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil.
Quando eu falo em retomada do pacto constitucional de 88, isso tudo está incluído, porque o pacto apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil – Luis Felipe Miguel Tweet
Agora, vemos, claramente, uma tentativa de blindar essas políticas, de retirar do debate público a necessidade de desfazê-las; elas são apresentadas sistematicamente como artigos da lei, quer dizer, algo que é um pecado até mesmo questionar. Vemos isso claramente em muitos formadores de opinião, nos editoriais e colunistas da imprensa burguesa: tudo bem ser oposição ao governo Bolsonaro, porque é difícil não ser oposição quando se tem o mínimo de racionalidade, mas essa oposição não pode ir ao ponto de questionar o desmonte do Estado, das políticas sociais, dos direitos. Então, a primeira coisa que tem de ser feita é recolocar no debate público essa questão e mostrar que existe uma relação necessária entre os ataques à democracia e os ataques aos direitos, que existe uma linha de continuidade entre impedir a expressão da vontade popular e impedir que os interesses populares sejam levados em conta no processo de tomada de decisão. É claro que não é uma tarefa fácil, mas um governo que chegue ao poder legitimado pela necessidade de superar o desastre do bolsonarismo, legitimado por uma vitória eleitoral, tem força para colocar isso na pauta, para exigir que esses malfeitos sejam revertidos.
É por isso que eu digo: neste momento, a centro-esquerda e, particularmente, o ex-presidente Lula, têm condições de negociar numa posição que é também uma posição de força, porque eles são necessários a fim de pacificar o país, retomar uma convivência minimamente civilizada no Brasil. No caminho que estamos indo, estamos vendo o colapso do Brasil como nação. É para isso que o projeto de Bolsonaro e Guedes aponta. Então, todos aqueles que não apostam no colapso, incluindo setores das classes dominantes e da elite política tradicional, têm interesse numa recomposição. Essa recomposição passa, necessariamente, pelo PT e por Lula. O que o PT e Lula podem exigir? O compromisso com a revogação da agenda de desmonte do Estado social que foi colocada em prática nos últimos cinco anos.
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Imagens do povo nas ruas marcarão novo ponto de inflexão no país
Nabil Bonduki / Folha de S. Paulo
Para comemorar os dois anos do Manifesto Integralista, versão brasileira do fascismo italiano que se espalhava pelo mundo nos anos 1930, a Aliança Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado, marcou uma manifestação na praça da Sé no dia 7 de outubro de 1934.
O ato objetivava mostrar a força dos integralistas, agremiação de extrema direita que queria influenciar o governo Vargas e se fortalecer para disputar diretamente o poder. Os tempos eram outros, mas nem tanto...
Informados do ato, diferentes agrupamentos políticos “antifascistas” se organizaram e mobilizaram seus militantes para impedir que o coração da cidade fosse ocupado pelos seguidores de Salgado. O confronto ficou conhecido como a Batalha da Sé.
Quando a praça começou a ser ocupada pelos “galinhas verdes”, uniformizados e com suas bandeiras com o sigma (Σ), símbolo dos integralistas, os antifascistas, militantes socialistas, anarquistas e comunistas, entraram na praça dispostos a ocupá-la e melar a manifestação fascista.
Impulsionado pela intervenção policial, que atacou os esquerdistas, o conflito tomou grandes proporções, pois ambos os lados estavam armados, gerando uma batalha campal que deixou sete mortos e 30 feridos a bala.
Naquela época, como agora e em muitos outros momentos da história, a ocupação política dos espaços públicos, em datas e lugares simbólicos das cidades, é muito importante nas disputas entre as tendências autoritárias e democráticas.
O fenômeno se repete na atual conjuntura, por enquanto com um pouco mais de civilidade, embora o crescente apelo armamentista dos apoiadores do presidente, inclusive com a convocação de policiais para participarem de seus atos, gere muita preocupação.
É ao que estamos assistindo na guerra de lugares para as manifestações do 7 de setembro de 2021. Em São Paulo, a avenida Paulista e o Dia da Independência tornaram-se o foco dessa guerra simbólica entre os bolsonaristas, com sua pauta antidemocrática (voto impresso, ataque ao STF), e a Campanha Fora Bolsonaro, com uma agenda democrática e social.
Ocupar a avenida Paulista, demonstrando força e capacidade de mobilização, tornou-se objeto de desejo das organizações políticas.
Desde os atos contra a presidenta Dilma, em 2015 e 2016, a avenida se transformou em palco de competição no estilo “quem leva mais gente”, “quem ocupa mais quarteirões”. De certa forma, isso se tornou uma versão “civilizada e democrática” da Batalha da Sé.
Tradicionalmente, as organizações populares promovem no 7 de Setembro na avenida Paulista, o Grito dos Excluídos, que neste ano se juntou ao 4º ato da Campanha Fora Bolsonaro. Mas os apoiadores do presidente também marcaram uma manifestação no mesmo dia e local, que assumiu um ar golpista, sobretudo após a divulgação do vídeo protagonizado pelo cantor Sérgio Reis.
É quase consensual (exceto para quem quer levar a atual disputa política para um conflito armado) que é extremamente imprudente ocorrerem as duas manifestações com pautas opostas no mesmo dia e local. O Ministério Público, em 2020, já havia determinado essa cautela.
A questão é quem tem direito ao privilégio de ocupar a Paulista no Dia da Independência e que critério deve ser utilizado para resolver a disputa. O convívio democrático e o direito à manifestação e à cidade requerem que isso seja regulamentado que forma equilibrada e justa.
Talvez um sorteio fosse a saída mais democrática. Mas o governador Doria resolveu a questão da pior maneira possível. Decidiu que a Paulista seria concedida para a manifestação pró-Bolsonaro e proibiu que o ato da oposição fosse realizado em qualquer lugar da cidade no simbólico 7 de Setembro.
A preocupação com conflitos é real, mas a questão não pode ser resolvida dessa maneira. Sob protesto, as organizações de oposição ao presidente resolveram transferir o ato para o Vale do Anhangabaú, o que também foi negado pelo governador.
Como se ele fosse o tutor das manifestações populares, determinou que o ato Fora Bolsonaro deveria ser realizado no dia 12 de setembro, quando está programada uma outra manifestação contra o presidente, organizada por seus ex-apoiadores, que têm uma agenda diferente da Campanha Fora Bolsonaro.
O imbróglio foi resolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que, em liminar, determinou que ambos os protestos podem acontecer simultaneamente desde que ocorram em pontos diferentes da cidade e que não se cruzem.
Essa disputa mostra que o espaço público continua a ter um papel essencial nas disputas políticas. Apesar da crescente importância das redes sociais, a pólis, palavra em grego que significa cidade mas também o exercício político no espaço público, continua a exercer um imenso fascínio.
Ao longo da história, a cidade tem sido palco de manifestações que derrubam ou fortalecem governos, geram revoluções ou fornecem pretextos para os governos darem autogolpes contra as instituições democráticas, sofrem repressão das forças policiais, mas também resistem aos governos totalitários.
A história recente do Brasil mostra que todas as principais inflexões políticas foram acompanhadas de grande manifestações urbanas.
Ao Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, de apoio a Jango, se seguiu a Marcha Por Deus, pela Família e pela Liberdade, que pavimentou o caminho civil para o golpe militar. As manifestações de ruas foram a essência das Diretas Já, que enterrou a ditadura militar.
Collor pediu apoio em verde-amarelo, mas população saiu às ruas de preto e surgiram os caras-pintadas, essenciais para o impeachment do presidente. As espetaculares e ainda mal entendidas Jornadas de Junho” foram o início do retrocesso conservador, consolidado nas colossais ocupações Pato Amarelo da Paulista, que culminaram no impeachment de Dilma.
Embora o Congresso, o STF e demais instituições democráticas sejam essenciais, é nas ruas que se travará uma das principais disputas pela preservação da democracia. As imagens aéreas da avenida Paulista e do Vale do Anhangabaú no 7 de Setembro serão vitrines de uma luta que poderá marcar mais uma inflexão política no país.
*Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nabil-bonduki/2021/08/a-cidade-como-arena-da-guerra-politica-no-7-de-setembro.shtml
Ministro Edson Fachin extingue ações contra inquérito das fake news
Ajuizadas por Bolsonaro e pelo PTB, elas questionavam a norma do STF que possibilitou a abertura dos Inquéritos 4781 e 4828
SCO/STF
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a extinção de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) que questionavam o dispositivo do Regimento Interno da Corte (RISTF) que fundamentou a abertura Inquérito (INQ) 4781, que apura notícias fraudulentas, ameaças e outros ataques à Corte. Segundo o ministro, não cabe ADPF contra controvérsias já definidas pelo STF.
As ações foram ajuizadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, (ADPF 877), e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (ADPF 704) contra o artigo 43 do Regimento do STF, que determina que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”. O argumento era o de violação aos princípios constitucionais do juiz natural, da segurança jurídica, da vedação a juízo de exceção, do devido processo legal, do contraditório, da taxatividade das competências originárias do STF e da titularidade exclusiva da ação penal pública pelo Ministério Público.
Fachin também determinou a extinção das ADPFs 719 e 721, em que o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) contestava decisões do ministro Alexandre de Moraes nos Inquéritos INQ 4781 e 4828.
Leia também:
20/8/2021 - Bolsonaro questiona dispositivo do Regimento Interno do STF que embasou abertura do inquérito das fake news
Meio jurídico eficaz
Nas decisões, o ministro salientou que a ADPF tem por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público. Mas, entre os requisitos para sua admissão, está o de que não haja outro meio jurídico eficaz para sanar eventuais lesividades (princípio da subsidiariedade), conforme previsto na Lei 9.882/1999 (artigo 4º, parágrafo 1º).
Ao determinar a extinção das ações, o relator observou que é incabível a impetração de ADPF em matérias já definidas recentemente pelo próprio Supremo e que eventuais lesões individuais e concretas devem ser objeto de impugnação pela via recursal pertinente. No caso, como a controvérsia constitucional sobre a questão já foi resolvida na ADPF 572, em que o Plenário declarou a legalidade e a constitucionalidade do INQ 4781, uma nova ação semelhante não é o meio necessário e eficaz para sanar a lesividade alegada.
O ministro destacou que, em parecer na ADPF 704, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) apontaram essa impossibilidade, especialmente quando for utilizada com o intuito de desconstituir decisão proferida antes do seu ajuizamento e quando não há modificação relevante ou pertinente do estado de fato que justifiquem a revisão do precedente.
Embora a controvérsia a respeito do artigo 43 do RISTF não fosse o objeto expresso do pedido formulado na ADPF 572, Fachin assinalou que, naquela ocasião o Tribunal reconheceu a constitucionalidade das normas regimentais que regulamentam o exercício do poder de polícia previsto nos artigos 42, 43, 44 e 45.
Leia a íntegra da decisão na ADPF 877
Leia a íntegra da decisão na ADPF 704
Leia a íntegra da decisão na ADPF 719
Leia a íntegra da decisão na ADPF 721
Maria Cristina Fernandes: O suor dos deixa-disso
Da turma do deixa-disso, o mais bem sucedido foi o comandante do Exército, o general Paulo Sérgio de Oliveira
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
Foi o dia do deixa disso. A começar pelo discurso conciliador do comandante do Exército no dia do soldado, cerimônia na qual o presidente da República ficou calado como um poeta. O general Paulo Sérgio de Oliveira valeu-se da saudação a Duque de Caxias para mostrar por que é considerado o mais legalista dos três comandantes. Lembrou que o patrono do Exército foi senador e presidente do Conselho de Ministros e resolveu enaltecê-lo pelas qualidades que faltam ao comandante supremo: “Conciliação, superação de posições antagônicas e, sobretudo, pela prevalência da legalidade, da justiça e do respeito a todos”.
A risca de giz foi traçada no mesmo dia em que a decantada unidade do Judiciário foi trincada por João Otávio de Noronha, o ministro do STJ que transmite aos filhos o legado de sua proximidade com o presidente Jair Bolsonaro. Cinco dias depois de a Corte ter autorizado a retomada do inquérito das rachadinhas, que envolve o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Noronha voltou a suspendê-lo. A decisão afasta, temporariamente, o senador da linha de tiro, o que não acontece com seu irmão do meio, Carlos Bolsonaro.
O vereador continua na mira do inquérito das “fake news” no Supremo Tribunal Federal, relatado por Alexandre de Moraes. Sem vocação para bombeiro, o ministro ontem deixou em aberto seu voto sobre a autonomia do Banco Central, a ser confirmado hoje. Na Corte, a turma do deixa-disso, definitivamente, sua mais. Hoje há maioria para derrubar o marco temporal da demarcação de terras indígenas, mas há pressões no sentido de adiar a decisão para depois do ato do dia da pátria. No agronegócio, o apoio ao atual marco temporal da demarcação, que só a assegura aos indígenas assentados até 1988, é maior do que a adesão ao golpismo presidencial. Ao derrubar o marco, porém, o Supremo correria o risco de colocar mais ruralistas na Esplanada dos Ministérios no 7 de setembro do que os indígenas que baixaram acampamento por lá durante toda a semana. A decisão do ministro Luís Roberto Barroso de autorizar a permanência dos indígenas na Esplanada sugere que prefere pagar pra ver.
O terceiro movimento dos deixa-disso acontece fora dos tribunais mas passa pela sua anuência. Depois da resistência oferecida pelo Congresso e pelo mercado ao calote proposto na PEC dos Precatórios, o Ministério da Economia passou a negociar uma saída. Trata-se da correção, pelo IPCA, do valor destinado à quitação de dívidas judiciais em 2016, ano do estabelecimento do teto de gastos. A precatórios reconhecidos e para os quais já deveria haver previsão no caixa, aplica-se o conceito de congelamento das despesas primárias vigente no teto. Com calote ou congelamento todo caminho dá na venda.
A saída ofereceria ao governo a possibilidade de limitar em R$ 60 bilhões o pagamento de precatórios em 2022, em vez dos R$ 89 bi previstos. A folga acomodaria o Auxílio Brasil, programa social que permitiria ao presidente Jair Bolsonaro tentar uma vaga no segundo turno. Como se sabe que o Congresso não engolirá seis por meia dúzia no tema, a ideia é contorná-lo, delegando a decisão, via resolução do Senado, ao Conselho Nacional de Justiça. As regras para o pagamento de precatório estão definidas na Constituição, e o CNJ, presidido pelo ministro Luiz Fux, não se inclui entre as instâncias que as modificam ou as interpretam.
Com o Congresso, o diálogo ficou mais fluido desde que Bolsonaro recuou no veto às emendas de relator, mas no Supremo o sarrafo é mais alto. O Senado arbitrou em favor do Supremo no arquivamento do impeachment de Moraes, mas a turma do deixa disso não terá folga. A capacidade de mobilização do presidente para o 7 de setembro depende exatamente do grau de radicalismo que o presidente imprime às suas provocações.
Entre a cópia e o original
De tanto espalhar aos quatro ventos seu favoritismo nas prévias, o governador João Doria acabou por convencer o empresariado mais mobilizado por uma terceira via de que ele é o nome mais viável. Convencimento não é o melhor termo, o empresariado estaria resignado, diz um lídimo representante. A avaliação neste meio é a de que Doria se sai melhor como governador do que o faria como candidato.
Seu mérito como gestor está na delegação - ao vice, Rodrigo Garcia, e aos secretários Patrícia Ellen (Desenvolvimento Econômico), Henrique Meirelles (Fazenda), e Rossieli Soares (Educação). Como candidato, não há o que delegar. É aí que mora o perigo, como mostrou o governador no “Roda Viva”.
Doria foi vitorioso ao desafiar a lei da gravidade duas vezes. Primeiro ao conseguir o apoio do ex-governador Geraldo Alckmin para disputar e ganhar a Prefeitura de São Paulo, contrariando cardeais do tucanato, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra. E depois ao trair seu próprio padrinho, arrebanhar a legenda e se eleger para o governo. As vitórias lhe deram a certeza de que seria capaz de tomar o partido pela terceira vez e lapidaram o estilo “cão que passa da caça”. Os modos o prejudicam até no protagonismo que todos reconhecem na vacina. A insistência no autoelogio acaba por inibir que outros o façam, diz um governador.
Só isso explica o atropelo com o qual desconsiderou a pré-candidatura do senador Tasso Jereissati (CE) às prévias do partido em novembro e agrediu o deputado Aécio Neves, que tem contas a prestar à justiça e à democracia mas derrotou Doria na sua tentativa de expulsá-lo da legenda. Se Tasso, em algum momento, refletiu sobre a conveniência de confirmar a postulação, a atropelada deu ao senador a certeza de que seu PSDB não é o mesmo de Doria.
O ódio exibido pelo governador contra Lula colide não apenas com a disposição de Tasso em encontrá-lo em nome da retaguarda democrática como sua própria postura ao longo do governo petista, quando jantou duas vezes com o ex-presidente no Alvorada e manteve diálogo frequente com seus ministros.
A ofensiva é fruto de outro atropelo. Avalia-se, no PSDB, que Doria tem condição de tomar o eleitorado de Bolsonaro em São Paulo, visto que sua aprovação no Estado está dez pontos percentuais à frente da do presidente e a desaprovação, 20 pontos atrás. Por isso, a avidez em encampar, pelo antilulismo, o bolsonarismo sem Bolsonaro. Antes, porém, tem as prévias. E o PSDB hoje se divide entre os que privilegiam a democracia e aqueles que, entre Bolsonaro e uma cópia, preferem o original.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/o-suor-dos-deixa-disso.ghtml
Dez partidos se manifestam contra impeachment de Moraes
Em duas cartas abertas, siglas de centro e de esquerda pedem rejeição do pedido de Bolsonaro, e indicam que o processo terá dificuldade para passar no Congresso
Felipe Frazão, O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – Dez partidos de centro e de esquerda se manifestaram neste domingo, dia 22, contra o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, alvo de uma inédita tentativa de destituição por parte do presidente Jair Bolsonaro. Em duas notas separadas, os presidentes nacionais de DEM, MDB e PSDB, de um lado, e PT, PDT, PSB, Cidadania, PV, Rede Sustentabilidade e PCdoB, de outro, saíram em defesa do ministro e cobraram respeito à independência dos poderes.
A manifestação dos dez partidos, todos com representantes no Congresso Nacional, reforça a tese de que o processo terá dificuldade de prosperar, como preveem lideranças parlamentares. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já disse que não antevê fundamentos na denúncia. Somadas, as bancadas reúnem 43 senadores.
Para os presidentes do DEM, MDB e PSDB, o ministro Alexandre de Moraes foi alvo de um "injustificado pedido de impeachment, claramente revestido de caráter político". "É lamentável que em momento de tão grave crise socioeconômica, o Brasil ainda tenha que lidar com a instabilidade política e com o fantasma do autoritarismo", afirmam.
A nota dos partidos de esquerda classifica a denúncia de Bolsonaro como inepta e infundada. Para eles, Bolsonaro faz uso de "violência institucional". As siglas também citam que, além de Moraes, o ministro Luís Roberto Barroso, é vítima de campanha difamatória. Os partidos pedem que ambos sejam "protegidos".
Nos últimos dias, Bolsonaro tem reiterado ofensas e ameaçado protocolar um pedido de impeachment contra Barroso. "A República se sustenta em três Poderes independentes e harmônicos entre si. É preciso respeitar cada um deles em sua independência, sem intromissão, arroubos autoritários ou antidemocráticos. Há remédios constitucionais para todos os males da democracia", dizem PT, PDT, PSB, Cidadania, PV, Rede Sustentabilidade e PCdoB.
Leia a íntegra das notas:
A democracia é o único caminho a ser seguido
Mais uma vez, reafirmamos o nosso compromisso com a democracia, a independência e a harmonia entre os Poderes, e o nosso total respeito à Constituição Federal.
Diante dos últimos acontecimentos, manifestamos nossa solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes, alvo de injustificado pedido de impeachment - claramente revestido de caráter político - por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro.
É lamentável que em momento de tão grave crise socioeconômica, o Brasil ainda tenha que lidar com a instabilidade política e com o fantasma do autoritarismo. O momento exige sensibilidade, compromisso e entendimento entre as lideranças políticas, as instituições e os Poderes.
A pandemia causada pelo coronavírus trouxe reflexões preocupantes para o dia a dia do país, onde as incertezas geradas pela atuação do governo federal contribuem para o aumento dos índices de desemprego, com a alta da inflação, e com o crescimento da fome.
Acreditamos que apenas o diálogo será capaz de guiar esse percurso em busca de soluções para as crises econômica, de saúde, e social que assolam o país. E para isso, é imprescindível que as instituições tenham capacidade de exercer suas funções com total liberdade e isenção.
Essa é a garantia que o país precisa para seguir fortalecendo sua democracia e os anseios da nação.
ACM Neto (DEM), Baleia Rossi (MDB) e Bruno Araújo (PSDB).
Nota pública dos partidos políticos em solidariedade ao STF
Os partidos abaixo assinados reafirmam seu compromisso com a garantia da ordem democrática, a defesa das instituições republicanas e o respeito às leis e à Constituição Federal de 1988, que tem o Supremo Tribunal Federal (STF) como guardião.
E se solidarizam com os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, alvos de uma campanha difamatória que chegou às raias da violência institucional com um inepto e infundado pedido de impeachment contra Moraes por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro.
São os ministros que lá estão os responsáveis por garantir os direitos e as liberdades fundamentais sem os quais nenhuma democracia representativa é possível. E eles devem ser protegidos em sua integridade física e moral.
Não é com ações como essas que Bolsonaro se fará respeitar. No Estado de Direito, cabe recurso de decisões judiciais das quais se discorda, como bem destacou o próprio STF em nota cujos termos subscrevemos. Esgotadas as possibilidades recursais, as únicas atitudes possíveis são acatar e respeitar. Qualquer tentativa de escalada autoritária encontrará pronta resposta desses partidos.
Não por outra razão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já deixou claro que não antevê “fundamentos técnicos, jurídicos e políticos” para impeachment de ministros do STF e alertou que não se renderá “a nenhum tipo de investida para desunir o Brasil”. Como registra Pacheco, os atores políticos devem concorrer para a pacificação nacional.
A República se sustenta em três Poderes independentes e harmônicos entre si. É preciso respeitar cada um deles em sua independência, sem intromissão, arroubos autoritários ou antidemocráticos. Há remédios constitucionais para todos os males da democracia.
O Brasil vive um momento de grave crise econômica e sanitária. Em meio à tragédia da Covid, que já conta o maior número de mortos da história recente, a população enfrenta o desemprego, a inflação galopante e a fome, sob risco de um apagão energético e crescente desconfiança dos agentes econômicos.
São esses os verdadeiros problemas que devem estar no foco de todos os homens públicos. E a eles só será possível responder dentro das regras democráticas, com diálogo institucional e convergência de propósitos. É o que a sociedade espera de nós.
Assinam esta nota,
Carlos Lupi - PDT
Carlos Siqueira - PSB
Roberto Freire - Cidadania
Luciana Santos - PCdoB
Luiz Penna - PV
Heloísa Helena e Wesley Diógenes - REDE Sustentabilidade
Gleisi Hoffmann - PT
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dez-partidos-se-manifestam-contra-impeachment-de-alexandre-de-moraes,70003818413
Cristovam Buarque: A Via Brasil
O risco de um deputado chamado Jair Bolsonaro que quase ninguém escutou
Blog do Noblat / Metrópoles
O blog do Noblat lembrou esta semana os dez anos de uma curta fala do jornalista Bob Fernandes alertando para o risco de um deputado chamado Jair Bolsonaro. A fala não parecia ter relação com a realidade, mas se transformou em uma triste previsão. Pena que não foi escutada na época.
Se o alerta do Bob Fernandes tivesse sido escutado, as forças democráticas não teriam cometido tantos erros que levaram à eleição de um governo tão desastroso, irresponsável e ameaçador. Mas dez anos atrás era impossível dar crédito à possibilidade de um maluco defensor de tortura ganhar eleição, embora fosse perfeitamente previsível que os democratas estavam esgotando seu crédito de esperanças e credibilidade eleitoral. E por isto deveriam perder em algum momento no futuro, para forças radicalmente contrárias ao discurso democrático e progressista.
Era óbvio o descontentamento do eleitorado diante da corrupção, da falta de reformas estruturais para enfrentar os grandes problemas do país e de uma mensagem empolgante para um futuro diferente. Apesar disto, os partidos democráticos se consideravam mais adversários entre eles do que dos problemas brasileiros. Não tinham mensagem para o futuro, não acreditavam em volta ao passado e passavam o presente disputando quem seria o próximo prefeito de São Paulo. PSDB e PT se consideravam os donos da história que lhes parecia satisfatória com a democracia, a estabilidade monetária, a bolsa escola/família e o crescimento econômico induzido pela China. Os outros eram apenas auxiliares, puxadinhos de um ou outro. Como continuam sendo. Sem uma mensagem para futuro e desprezo aos alertas, se dedicavam a brigar entre eles para ver quem tinha o melhor marqueteiro para convencer aos eleitores. Eram os marqueteiros que tentavam mostrar as diferenças inexistentes nos vazios de propostas que eles tinham.
Não ouviram então e continuam sem escutar, apesar de que hoje o risco ser mais visível e muito mais grave. Bolsonaro já não é um desconhecido e a eleição será um plebiscito a seu estilo e propósitos de governar. Na outra os outros perderam, na próxima receberá respaldo para seu tipo maldito de governo.
Não é preciso ter a percepção profética do Bob Fernandes para prever o risco que o Brasil corre em 2022. Desta vez, a eleição daquele deputado será mais do que recusa aos outros, será um aval ao seu comportamento genocida, desastroso na administração do país, devastador de nossos recursos nacionais e de nosso prestígio internacional.
Desta vez a culpa será dos estão se colocando como candidatos e colocam seus nomes e seus partidos na frente dos interesses do Brasil. A culpa será da incapacidade destes cinco a dez nomes que não conseguem oferecer um nome de unidade contra a continuação da barbárie que leva o país na sua marcha à decadência.
A culpa será da insensatez do divisionismo simbolizado no lema nem nem, no lugar de um sonoro e unido NÃO. O PT diz nem Bolsonaro nem os outros, os outros dizem nem Bolsonaro nem o PT.
Lamentável que não tenham escutado a voz do Bob Fernandes, há dez anos, agora é imperdoável que não estejam atentos ao risco de um segundo turno depois das acusações mútuas no primeiro das urnas, nem do risco maior de um terceiro turno pelas armas, como vem sendo espalhafatosamente preparado.
Vocês, candidatos, percebam a responsabilidade que têm e escolham aquele que melhor poderá barrar a marcha ao abismo e sigam juntos em uma única via. A divisão de vocês está criando as condições para a reeleição, no segundo ou terceiro turno, se provocada por uma derrota dele por diferença pequena. A democracia precisa de uma vitória ampla no plebiscito do Brasil contra as insanidades perversas e antipatriotas do Bolsonaro. Uma vitória nas urnas que cale todos que pensam usar as armas. O Brasil precisa que vocês sentem e encontrem um nome que unifique todas as forças democráticas caminhando juntas em uma via única: da sensatez, do futuro, do Brasil.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
José Renato Nalini: Vamos inverter essa chave
José Renato Nalini / O Estado de S. Paulo
Adepto fervoroso das novas tecnologias, procuro acompanhar o que surge no mundo digital para acertar o passo com esta era. Acompanho o que se noticia como tendência irreversível da Quarta Revolução Industrial, na qual estamos imersos. Um dos pensadores que sigo é Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, portador de novas nessa área. Surpreendeu-me seu artigo “A brasilianização do mundo” (FSP, 19.8.21), que merece atenta reflexão.
O título é emprestado do artigo publicado na revista American Affairs pelo escritor Alex Hochuli. Em que consistiria a “brasilianização do mundo”? Longe está de sufragar o ufanismo da “cordialidade” de Sérgio Buarque de Holanda ou qualquer outro motivo de orgulho tupiniquim.
Hochuli chama de “brasilianização do mundo” a contaminação do planeta com os problemas estruturais que aprofundam, de forma irreconciliável, o fosso entre ricos e pobres. É recorrente a constatação de que a pandemia acelerou o processo de concentração da riqueza. 47% do PIB brasileiro está nas mãos de 1% da população. O sistema político privilegia os abonados e sufoca ainda mais os espoliados.
Aquilo que a parte lúcida e civilizada do planeta vê acontecer no Brasil – o desmanche das estruturas tutelares da natureza, o menosprezo à educação, o sepultamento da cultura, a disseminação da mentira, baseada no obscurantismo e no negacionismo – vai se espalhando por outras plagas.
Hochuli é bom observador. Além de residir aqui, ele já escreveu “O fim do fim da História”, contraponto à afirmação de Francis Fukuyama. Nesse livro, publicado pela Zero Books, ele inicia com a citação de Mark Fisher: “a periferia é onde o futuro se revela”. Não por acaso, nossa terra é considerada “país periférico”. As coisas boas demoram a chegar.
Quanto ao verbete “brasilianização”, o autor recorda que ele surgiu no seminal romance “Geração X”, de Douglas Coupland. Seu significado: “o abismo crescente entre ricos e pobres”. Também foi utilizado por Ulrich Beck, o célebre elaborador do conceito icônico “sociedade de risco”, ao mencionar o desaparecimento dos empregos e a ascensão da informalidade.
A partir da obra clássica de Stefan Zweig, “Brasil: o país do futuro”, o pensador Eduardo Viveiros de Castro faz uma análise para afirmar que não é o desabrochar de uma nação paradigmática. A expressão serviria para a constatação de que o mundo gradualmente perderia qualidade e se tornaria um imenso “Brasil”: campeão da iniquidade, dos extremos entre a opulência mais escandalosa e a miséria mais abjeta.
“Tudo será Brasil”, não aquela Canaã dos sonhos, mas uma espécie camuflada do inferno dantesco. A pandemia escancarou o quadro da exclusão: os invisíveis, os desempregados, os semi-empregados, os informais, os sem teto, os sem saneamento básico, os sem educação, os sem saúde, os sem perspectiva.
Por isso o termo “brasilianização” foi adquirindo inúmeros outros significados, todos negativos. Para Ronaldo Lemos, “nesse contexto, a expressão seria’nosso encontro com um futuro negado, no qual a frustração torna-se constitutiva da realidade social”.
Enquanto isso, países como a China – tão hostilizada recentemente pelos neo-xenófobos – e o Vietnã parecem contraponto. Não só em virtude de um enfrentamento inteligente da peste, mas também porque os 10% piores alunos vietnamitas na avaliação Pisa correspondem aos 10% melhores alunos do Brasil.
É preciso inverter essa chave e mostrar que o Brasil tem condições de sair do charco da mediocridade em que atolou nos últimos anos, para que a sociedade civil – essa ficção que sustenta a paquidérmica, burocrática e ineficiente máquina estatal – tem condições de assumir as rédeas da Nação. Afinal, a sociedade civil é o conjunto do povo, único titular da soberania ou do que restou dela, na manifesta relativização do conceito.
Sociedade civil que exige seriedade dos representantes eleitos, servos que devem ser da população e que pode liderar a revolução do ensino, para que a infância e juventude brasileiras não sejam obrigadas a emigrar para a civilização, mas possam neste solo desenvolver suas potencialidades e atingir a plenitude possível.
Só a recuperação de uma educação de verdade, com investimento nas competências computacionais, de empreendedorismo e comportamentais é que fará inverter essa chave ignominiosa.
Afinal, o constituinte de 1988 acenou com Democracia Participativa. Onde foi que ela se escondeu?
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022
Fonte: Blog do Fausto Macedo / O Estado de S, Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/vamos-inverter-essa-chave/
Alon Feuerwerker: Enfim, a crise
Alon Feuerwerker / Análise Política
A palavra “crise” vem sendo vulgarizada há décadas entre nós, a ponto de a psique nacional ter normalizado a sensação de estarmos sempre em crise. O que costuma ser exagero retórico. Mas desta vez parece que vamos para uma crise mesmo, pois esboça-se um cenário inédito nos últimos quase sessenta anos: não há consenso sobre o método e as circunstâncias que vão decidir a luta pelo Planalto.
A aceitação consensual das normas que orientam e regulamentam a alternância no governo é talvez o pilar fundamental da paz política em regimes como o nosso. Ou seja, se os jogadores e os times não estão de acordo sobre as regras, ou sobre quem pode jogar ou não, é difícil o jogo acabar bem. Não é obrigatório que acabe mal, mas a chance é grande. Exatamente a situação agora do processo político brasileiro, a caminho da desestabilização.
A existência desse consenso fez o edifício resistir com certa estabilidade ao impeachment de Fernando Collor. Aí vieram Itamar Franco, que não podia se candidatar à reeleição, e em seguida dois nomes do “mainstream”, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Que resistiram às turbulências também por aceitar um fato: o poder não é um espaço vazio à espera do vencedor da eleição, é um prédio ocupado que troca de zelador.
Essa realidade não havia sido respeitada por Collor, nem foi em boa medida por Dilma Rousseff. Nem na largada por Jair Bolsonaro. Não significa que ele vá ter o destino dos dois, pois fez ajustes a tempo e conta, até o momento, com proteções que certa hora faltaram a ambos. Por exemplo a presidência e a maioria da Câmara dos Deputados (onde começam os impeachments), e apoio militar. E a crise agora escalou quando falta pouco para a eleição.
Este último aspecto deveria, teoricamente, oferecer a possibilidade de uma desanuviada no ambiente, e fazer os políticos voltarem-se para a preparação da disputa eleitoral. Costuma funcionar como válvula de escape. E por que não está funcionando agora? Precisamente porque falta o acordo essencial de que todos disputarão, e com as regras de agora, e quem tiver mais votos assume a cadeira no Palácio do Planalto em janeiro de 2023.
Daí que a política esteja enredada num novelo de difícil desembaraço. Hoje, Bolsonaro iria ao segundo turno e perderia de Lula. E a chamada terceira via teria os cerca de 20% que Marina Silva teve em 2010 e 2014, exatamente por ser a única “terceira via”. Num país mais próximo da normalidade, os insatisfeitos com esse cenário estariam cuidando de buscar alianças e de fixar imagens programáticas favoráveis. Não no Brasil de 2021.
Um novo impedimento de Lula tornou-se possibilidade remotíssima, após as decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito. Resta, portanto, hoje, uma vaga na decisão. Bolsonaro, enfraquecido pelos erros na condução da pandemia, mas ainda apoiado por um terço, resiste ao cerco, alimentando, por convicção ou conveniência, dúvidas sobre a higidez do processo eleitoral. Se perder mesmo a eleição, parece visualizar aí uma trincheira de resistência.
Entre os adversários, o PT e Lula começam a se movimentar, nos périplos e nas alianças. Na esquerda, o grande problema é que falta muito tempo para as urnas, mas se até lá nada mudar estará tudo bem. O difícil é nada mudar até lá, pois todos estão vendo o mesmo jogo.
Já para a terceira via é imperioso criar um fato novo, que lipoaspire ou impeça um dos dois favoritos. E quem está agora na situação mais vulnerável é Bolsonaro. Que, como se sabe, talvez tenha cometido um equívoco complicado, na política e na guerra: errar na identificação do inimigo principal, e também no diagnóstico de onde vai vir o ataque mais perigoso.
Pois ele está vindo, como era previsível e foi previsto, exatamente dos companheiros de viagem no auge da glória da Lava Jato, das jornadas de rua pela derrubada de Dilma e das decisões estratégicas na eleição de 2018.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/enfim-crise.html
Embaixadores estrangeiros relatam ameaças de ruptura no Brasil
Investidas de Bolsonaro mobilizam diplomatas de democracias; governo Biden ressalta importância de não desacreditar eleições
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Seis de agosto. O presidente Jair Bolsonaro chamou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de “filho da p...”. Seis de maio. Bolsonaro disse que sem voto impresso, não tem eleição. As investidas autoritárias do brasileiro contra as eleições de 2022, ameaças à Constituição, a tentativa de destituir ministros do Supremo Tribunal Federal e exibições bélicas mobilizaram diplomatas de grandes democracias para relatar e monitorar o risco de ruptura no Brasil.
Com foco desde o início do governo na política antiambiental de Bolsonaro e no entrave ao acordo comercial com o Mercosul, as análises e informes diários sobre o Brasil enviadas por delegações da União Europeia e dos Estados Unidos aos seus países passaram a dar espaço à agenda da “política doméstica”. Telegramas enviados a suas capitais citam os ataques cada vez mais frequentes de Bolsonaro às regras do jogo democrático. Somente em julho, foram sete ameaças golpistas.
Nos últimos dias, o Estadão ouviu diplomatas das principais embaixadas estrangeiras no País. A avaliação é que, apesar das ameaças do presidente e do respaldo que ele encontra no Ministério da Defesa e da ala militar do seu governo, as instituições são sólidas e o risco de uma ruptura democrática no País é considerado zero. O que não significa desprezar os fatos.
É certo que as eleições de 2022 vão provocar o acirramento da crise política, mantido o atual cenário de polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva e Bolsonaro. Entre embaixadores ouvidos não se descarta que se repita aqui uma “invasão do Capitólio”, caso o presidente saia derrotado.
Os sinais mais claros de abalo na confiança da estabilidade no Brasil vieram de Washington. O presidente Joe Biden despachou a Brasília uma missão liderada por Jake Sullivan, assessor para Segurança Nacional da Casa Branca, tendo a defesa da democracia como tema-chave. “Em reunião com o presidente Bolsonaro, argumentamos que não temos preocupação com a realização de eleições livres e justas”, declarou à imprensa Juan González, diretor sênior no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. “E ressaltamos a importância de não desacreditar o processo eleitoral, porque não há indícios de fraude em eleições anteriores.”
Américas
A viagem do conselheiro de Biden, que também foi a Buenos Aires, na Argentina, ocorreu na esteira de turbulências e mudanças na América Latina: a repressão na Nicarágua, o assassinato do presidente no Haiti, protestos históricos contra governos de esquerda e de direita, como os registrados em Cuba e na Colômbia; alternância de poder com retorno da esquerda em países andinos como Peru e Bolívia, além de reforma constitucional no Chile.
O risco de rupturas levou a Casa Branca a convocar uma Cúpula para a Democracia, a ser realizada de forma virtual em dezembro e com uma segunda edição, presencial, em 2022. A pauta principal foca na defesa contra o autoritarismo; o combate à corrupção; e a promoção do respeito aos direitos humanos – três temas em que Bolsonaro coleciona retrocessos. Até agora, não houve convite formal ao presidente brasileiro.
Desde que Biden foi eleito, ele e Bolsonaro nunca se falaram, nem mesmo por telefone. Só trocaram cartas. Um contraponto à relação do brasileiro com Donald Trump.
A percepção de integrantes do corpo diplomático internacional em Brasília coincide com a de funcionários experientes do Itamaraty. Um diplomata brasileiro com anos de atuação na Europa e Nova York afirma que a repercussão está “negativíssima”.
‘República de Bananas’
Ele cita o fato de o jornal inglês The Guardian ter comparado a exibição de blindados promovida na Praça dos Três Poderes a uma parada militar de “República de Bananas”. “Isso só se equipara à alegação daquele diplomata israelense que, anos atrás, chamou o Brasil de ‘anão diplomático’, sem razão. Agora há fatos que corroboram; o Guardian não fez isso a toa”, opina o embaixador.
A reportagem ouviu considerações de um representante da Índia, país asiático que é a maior democracia do mundo e usa urnas eletrônicas em pleitos com 900 milhões de eleitores. Para ele, a escalada de embates internos não é boa. Esse diplomata, com trânsito no Planalto, pondera que países usam a pauta das ameaças à democracia como instrumento de pressão, mas se esquivam de discutir algo que ocorre em todo o globo – a ascensão da extrema-direita. O governo do primeiro-ministro indiano Narendra Modi é alinhado a Bolsonaro.
À frente de uma tentativa de reposicionar o Brasil, o chanceler Carlos França não considera haver motivo para receios, conforme disse ao Estadão. Para o embaixador, o funcionamento pleno das instituições nacionais é facilmente constatável pelos diplomatas estrangeiros.
“As coisas se mostram a si mesmas. Você olha o céu hoje e pensa ‘acho que vou sair sem guarda-chuva’. Não precisa muito explicar”, afirmou ele. O ministro não quis comentar o impacto das declarações do presidente, mas disse que “não acredita” que abalem a imagem democrática do País.
“O Brasil é uma democracia vibrante, que dá lição ao mundo no hemisfério sul, com as instituições funcionando, passando reformas estruturantes, Judiciário funcionando, Ministério Público livre e uma liberdade de imprensa que vejo em poucos lugares”, afirmou o ministro, que aposta na participação de Bolsonaro na cúpula de Biden. “Não há por que duvidar que, numa cúpula sobre democracia, o Brasil não seja convidado.”
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,embaixadores-estrangeiros-relatam-ameacas-de-ruptura-no-brasil,70003817849
Tensão sobre o 7 de setembro gera troca frenética de telefonemas
Braga Netto, PGR e ministros do Supremo trocaram uma série de telefonemas para garantir que o Dia da Independência do Brasil transcorra dentro da normalidade
Bela Megale / O Globo
Após a operação da PF que mirou o cantor Sérgio Reis, além do caminhoneiro Zé Trovão e outros oito alvos, autoridades de Brasília trocaram uma série de telefonemas preocupados sobre como será o dia 7 de setembro. Na tarde de sexta-feira, horas depois de a operação ser deflagrada, o ministro da Defesa, Braga Netto telefonou duas vezes para membros da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) para externar sua preocupação. O general também procurou integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). O tema das conversas era o mesmo: garantir que o Dia da Independência do Brasil transcorra dentro da normalidade. As convocações para a data aumentaram após a deflagração da operação.
Ligações ainda foram feitas entre os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e a PGR, além de integrantes do governo. Foi Moraes quem acatou o pedido da PGR para realizar buscas em endereços de pessoas que articulavam manifestações antidemocráticas para o dia 7 de setembro.
As conversas sobre medidas para garantir alguma estabilidade sobre as manifestações ainda aconteciam, quando Bolsonaro fez questão em jogar mais lenha na fogueira. O presidente apresentou o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes.