ataques à democracia

Oscar Vilhena Vieira: Legalizando a devastação ambiental

Presidente e seus auxiliares não poupam esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e proteção ambiental

Oscar Vilhena Vieira / Folha de S. Paulo

Como era esperado, o pronunciamento de Jair Bolsonaro na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, na última terça-feira (21), foi constrangedor. Maquiou dados sobre desmatamento e queimadas, mentiu sobre a corrupção, gabou-se de um inexistente sucesso econômico, além de se auto incriminar pelo apoio ao “tratamento precoce”.

Causaram surpresa, entretanto, os elogios à legislação ambiental brasileira, que “deveria servir de exemplo para outros países”, posto que o presidente e seus auxiliares não têm poupado esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e proteção ambiental. Com a chegada de Arthur Lira à presidência da Câmara dos Deputados, o presidente finalmente parece ter encontrado um braço forte disposto a legalizar o que a “exemplar” legislação brasileira hoje considera ilegal.

Entre os projetos de lei com maior potencial de erosão dos direitos socioambientais destacam-se o PL 2633, que trata da regularização fundiária, e o PL 490, voltado a alterar o processo de demarcação de terras indígenas e a imposição de um marco temporal. Ambos atendem predominantemente a interesses da grilagem, do desmatamento e da mineração ilegais.


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O PL 3729, por sua vez, flexibiliza o licenciamento ambiental, que é uma ferramenta indispensável a um processo sustentável de desenvolvimento, prevenindo desastres ambientais e a transferência às gerações futuras de atividades econômicas presentes. O objetivo original da proposta apresentada em 2004 era unificar a legislação, garantindo maior segurança jurídica, eficiência e agilidade ao licenciamento ambiental.

O texto aprovado pela Câmara e preste a ser analisado pelo Senado Federal vai, no entanto, na direção oposta daquilo que o Brasil precisa. Dispensou o licenciamento ambiental para diversas atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental. Para a maioria das atividades licenciáveis, o projeto criou a Licença por Adesão e Compromisso, mecanismo meramente declaratório que, na prática, esvazia a noção de avaliação ambiental, transformando o auto licenciamento em regra e não mais exceção.

Órgãos públicos ligados à preservação ambiental e patrimonial, como o ICMBio, Funai e Iphan perdem espaço no licenciamento ambiental. Na pior tradição brasileira o projeto premia quem descumpriu a lei, isentando de responsabilidade empreendimentos que já operam sem licença ambiental válida, que deverão apenas solicitar um Licenciamento Ambiental Corretivo. Também isenta de responsabilidade instituições de financiamento, como bancos, pelos eventuais danos socioambientais causados pelos empreendimentos que apoiaram.

A OCDE, em relatório lançado em julho, apontou que a política ambiental brasileira já deixa a desejar: dos 48 requisitos legais analisados pela organização, o Brasil foi considerado como total ou parcialmente desalinhado em 29, ou seja, em 60% do total. Caso o PL 3729 seja aprovado, tal como está, o Brasil perderá ainda mais espaço na luta por investimentos e credibilidade internacional. Também testemunharemos mais desastres ambientais, desmatamento na Amazônia e violações aos direitos humanos.


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Cabe ao Senado Federal evitar que mais esse ataque ao nosso sistema de proteção ambiental se consume, se não por respeito ao bem-estar das futuras gerações, ao menos pelo interesse estratégico do Brasil de se reinserir numa posição de liderança num contexto internacional cada vez mais exigente em termos ambientais e climáticos.​

*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/oscarvilhenavieira/2021/09/legalizando-a-devastacao-ambiental-no-brasil.shtml


Murillo de Aragão: Ninguém manda no Brasil

Somos uma sociedade plural onde atuam diversos polos de poder

Murillo de Aragão / Revista Veja

As turbulências institucionais recentes provocaram temores no país quanto a potenciais rupturas e episódios de violência. No desenrolar dos acontecimentos, o presidente do STF, Luiz Fux, apresentou um cartão amarelo com tons de laranja que precipitou uma série de embaixadas entre atores políticos relevantes. O dito ficou pelo não entendido ou pelo mal-entendido.

Uma reflexão acerca dos episódios de 7 de setembro nos leva a uma questão essencial para entender o Brasil: quem, de fato, manda no país? A resposta não é fácil nem pacífica. Isso porque aqui há setores que mandam, mas não parecem mandar; e outros que pensam mandar, mas não mandam. Além do mais, o próprio conceito de “mando” é frágil.

Começando de trás para a frente e respondendo à indagação, digo que ninguém manda no Brasil. O país, como um organismo vivo, reage e atua com base em dezenas de inputs que levam a decisões que, por sua vez, são influenciadas pelos eventos. Sendo organismo vivo, temos inúmeros atores no jogo político.

E, como sempre, os fatos geram repercussões que se refletem no processo político, numa espécie de moto contínuo. Por exemplo, o acirramento das invasões de fazendas estimulou a organização da União Democrática Ruralista, entidade de proprietários que, por sua vez, foi essencial para a criação da poderosa bancada ruralista. Não há tema relevante aprovado no Congresso Nacional sem as digitais do agro.

“Nossas instituições funcionam com pesos e contrapesos para conter exageros, arroubos e bravatas”

O entrechoque de forças sociais move a política, bem como as idiossincrasias, as crenças, as expectativas e as narrativas que circulam, historicamente, país afora. Para entender por que ninguém manda no Brasil e por que o processo político é resultante do embate com múltiplos atores, devemos seguir um breve roteiro de esclarecimentos.

Somos uma sociedade plural com diversos polos de poder, seja no universo público, seja no privado. Os campos de disputa política não afloram só em período de eleições. Prosseguem cotidianamente no Congresso, na mídia, no Judiciário, no mercado e suas expressões (bolsa, câmbio e juros futuros), no empresariado, nos trabalhadores, nas organizações não governamentais, nas redes sociais e, eventualmente, nas ruas. Apesar do intenso bombardeio ideológico do século XX, a maioria dos polos de disputa política se expandiu em torno de agendas de interesses específicos em uma luta por privilégios e poder.

A quantidade de polos de poder político e de campos de disputa multiplica os lugares de fala e dificulta a construção de narrativas hegemônicas. A própria construção de consensos é dolorosa, tanto para aperfeiçoamentos quanto para retrocessos. Nossas instituições, como nos acontecimentos de 7 de setembro, funcionam com pesos e contrapesos para conter exageros, arroubos e bravatas.

Em 2023, seja lá quem for o presidente eleito, o quadro institucional prosseguirá o mesmo. E ninguém, de forma isolada, mandará no Brasil nem romperá o equilíbrio “desequilibrado” entre as suas instituições. Prosseguiremos como um regime semiparlamentarista com forte influência do Judiciário, descobrindo-se como federação e com múltiplos atores brigando por espaço e influência no processo político.

Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757

Fonte: Veja
https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/ninguem-manda-no-brasil/


Marco Aurélio Nogueira: Crises, transformações, pesadelos

Democratas têm de saber usar a inteligência política para desenhar um caminho unitário

Marco Aurélio Nogueira / O Estado de S. Paulo

Há muito mais coisas no ar além dos tiranos de plantão. Eles perturbam porque são um subproduto delas. Sobrevivem porque manipulam os medos.

A nossa é uma época de transformações rápidas e profundas, que tumultuam o modo como vivemos. As mudanças fazem com que tudo pareça solto no ar, como se faltasse um centro de gravidade. As crises se sucedem, varrendo o que está instituído. É outro capitalismo, outro modo de trabalhar, outros padrões de família, outra escola, e assim por diante.

Os cidadãos, compreensivelmente, ficam atônitos. Carecem de referências e portos seguros onde ancorar. Frustrados por não conseguirem conquistar o que lhes é prometido, afastam-se de governos, partidos e políticos, responsabilizando-os pelo que não recebem, seja como direitos, seja como bens e serviços.

O estado de espírito coletivo passa a desconfiar da democracia, muitas vezes atacando-a como desnecessária ou prejudicial. O povo fica contra a democracia, escreveu Yascha Mounk. As pessoas têm raiva e pressa, o sistema democrático é lento e não inclui as grandes massas. As redes sociais canalizam essa miríade de vozes ressentidas. A democracia representativa entra em estado de sofrimento.

Ao mesmo tempo, crescem as lutas por identidade e reconhecimento, que projetam novos patamares de direitos, mas também criam mais fragmentação e complicam as unificações necessárias. Os partidos políticos não sabem como tratar os impulsos identitários, os novos grupos, temas e expectativas. Abre-se uma rachadura na política, por onde escapam sentimentos e emoções, que ficam disponíveis. Evapora-se a agenda reformadora. Os democratas se desorientam, os autoritários ganham terreno.

Todo este processo transcorre molecularmente, deixando pegadas no chão da vida. Quando menos se espera, produzem-se estrondos que lançam as pessoas às ruas, como a anunciar rupturas iminentes. Foi assim em 2013, no Brasil, quando o estrondo polifônico deixou evidente que nada mais poderia ser pensado como antes. O sistema político, porém, não ouviu as palavras, não decodificou a mensagem.

Aumentaram, então, as atitudes “antissistêmicas” radicalizadas, que dizem o que não aceitam sem saber o que pretendem ou como realizar os desejos. A frustração permanece pulsando e muitos saem em busca de salvadores, que se agigantam quanto mais se apresentam como portadores de uma purificação geral. Entram em cena tiranos e autocratas de um novo tipo, que ora surgem como extremistas, ora como populistas, ora como xamãs prontos para produzir milagres com suas feitiçarias e beberagens.

Há de tudo entre eles. Tecnocratas, militares, empresários, cantores, parlamentares inexpressivos. Apresentam-se como conservadores honestos, tementes a Deus, defensores da família; prometem recriar a democracia de modo “iliberal”, para que o povo tenha mais voz. Muitos são caricatos. No início, são tratados com arrogância e subestimados pelos democratas, que não levam a sério as “narrativas” tecidas para manipular os descontentes.

Numa articulação global, o extremismo de direita sai das catacumbas em que se enfurnava para anunciar uma “nova política”, livre de comunistas, liberais, imigrantes, pobres, refugiados, gente tratada como detrito.

Os “salvadores” se distinguem pelo destempero, pelo negacionismo, pela busca de polarizações artificiais com que procuram manter as sociedades em estado de guerra permanente. Inventam problemas, criam realidades paralelas nas quais a desordem imperaria, o povo estaria acuado, clamando por armas e resgate. São líderes sem estofo, péssimos governantes. Sobrevivem à custa de expedientes bélicos, falseamentos e mentiras, que despejam incessantemente sobre a opinião pública. Vão, assim, ocultando sua incompetência e pescando incautos nas águas sujas que derramam na vida.

No Brasil, em particular, este tipo de líder tem sua hierarquia. Há muitos chefes, chefetes e militantes, mas somente um Mito. O movimento se espalha, incorpora elites sem orgulho próprio, vazias de ambições cívicas. Como um Duce fascista falsificado, o Mito recusa-se a governar: sua essência é o combate, seu desejo é a ditadura, sua intenção é criar confusão. Sustenta-se no espanto social, no amorfismo ideológico da população, na desorientação impulsionada pela desunião dos democratas, no ativismo boçalizado da extrema-direita. Estigmatiza adversários para assustar eleitores e ascender.

A pobreza, as desigualdades, o desemprego, a pandemia, a inflação que retorna complicam sua situação, mas não ajudam a oposição. A imagem do Mito esfarela.

Há resistência nas instituições (STF, TSE), na grande mídia, nos partidos democráticos, em crescentes setores da sociedade civil. A Câmara dos Deputados, sob pressão, atua com excessivo fisiologismo. Os pesadelos se repetem, noite após noite, à espera do raiar de um novo dia, que virá na medida em que os democratas souberem usar a inteligência política para desenharem o caminho unitário que os projetará como construtores do futuro.

*Professor de Teoria Política da Unesp

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,crises-transformacoes-pesadelos,70003849686


Marcus Pestana: Nem golpe, nem impeachment

Governar não é fácil. É fazer escolhas. Na democracia, muitas vezes a política resvala na demagogia

Marcus Pestana / O Tempo

Desde que me entendo por gente, assisti a inúmeros debates e palestras. Sempre me incomodou a figura retórica de certos oradores que começavam com a frase: “O Brasil vive a pior crise da sua história”. Era claramente um artifício para valorizar a fala. O Brasil viveu diversas crises graves. O suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio Quadros, o golpe de 64, as moratórias externas, a hiperinflação, recessões profundas, dois impeachments, entre outras. Fato é, que estamos mergulhados numa crise complexa e multifacetada.

Governar não é fácil. É fazer escolhas. Na democracia, muitas vezes a política resvala na demagogia. Mas, ou se enfrenta os problemas ou a demagogia vai cobrar um alto preço em algum momento futuro. Como disse Montesquieu: “O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso”. A legitimação do poder só é duradoura se os resultados aparecem e a realidade avança. A democracia gera o famoso sistema de freios e contrapesos como antídoto aos abusos de poder. Como afirmou o líder conservador irlandês, Edmond Burke: “Quanto maior é o poder, tanto mais perigoso é o abuso”.

Muita discussão houve sobre a máxima de Bismarck: “A política é a arte do possível”. Será? Ou será a arte de fazer possível o necessário? Ou até mesmo um dos lemas do maio de 68 na França: “Sejamos realistas, peçamos o impossível”? Independente disso, a política é o único instrumento capaz de mudar o mundo e a vida. Para avançar é preciso construir apoios majoritários. Assistimos, no Brasil, a dificuldade imensa de aprovação de reformas tributária e administrativa que mereçam o nome. Também, com 24 partidos representados no Congresso e uma dispersão disfuncional, onde o maior partido tem apenas pouco mais de 50 deputados. Hoje não há maioria e minoria organizadas no Congresso e a política, que avança na relação dialética entre cooperação e conflito, se caracteriza pela predominância quase absoluta do conflito, ditado pelo estilo de governar de Bolsonaro.

No último 7 de setembro pairou um clima de golpe. Especulações, temores, ameaças dominaram a cena. O golpe não veio. O apoio popular à uma virada de mesa alcançaria no máximo 10% da população. Não houve sustentação das Forças Armadas ou das forças policiais. O recuo foi rápido através de nota do Presidente, aconselhado por Michel Temer. A poeira baixou, uma tranquilidade provisória se instalou, e é possível afirmar que não haverá golpe.

Por outro lado, forças oposicionistas apontam o caminho do impedimento do Presidente da República. Embora crimes de responsabilidade tenham sido cometidos, duas outras pré-condições para um afastamento não estão dadas: mobilização social e maioria parlamentar. Lula e o PT não têm interesse no impeachment. Muito menos o chamado “Centrão”, que constituí a base parlamentar do governo e se instalou no coração do poder. Um terceiro impeachment seria traumático. Portanto, é possível vislumbrar que não haverá impeachment.

Daqui a dez meses, a sucessão presidencial estará nas ruas, com os candidatos escolhidos pelas convenções partidárias. Tudo indica que teremos escaramuças, novas tensões, instabilidade permanente e a crise permanecerá irresolvida. A solução virá do pronunciamento soberano do cidadão brasileiro nas urnas, eletrônicas. Felizmente, a democracia será o caminho de superação da presente crise.     

*Presidente do Conselho Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)

Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/opiniao/marcus-pestana/nem-golpe-nem-impeachment-1.2546633


Luiz Werneck Vianna: Desventuras e promessas do liberalismo brasileiro

Envergadura do golpe que se tramava não pode ser subestimada, que não deve ser tratado como um pesadelo fortuito de uma noite mal dormida

Luiz Werneck Vianna / Democracia e Novo Reformismo

Não foi a primeira vez e nem será a última em que se tentou nos infaustos acontecimentos deste 7 de setembro fazer a roda da história retroagir a fim de repor o país nos trilhos do malsinado regime do AI-5, obsessão manifesta do governo que aí está. A intentona, preparada como um plano de estado-maior a que não faltaram recursos oficiais e de setores reacionários das elites econômicas, em particular do agronegócio, tinha em mira jogar por terra a Carta de 88 cujas instituições obstam os arreganhos absolutistas no exercício do poder presidencial. O sistema de controle do poder contemplado no texto constitucional, orientado para a defesa dos direitos políticos e sociais consagrados por ele, demonizado pela clique no poder como entraves às suas ações liberticidas, deveria ser derrogado. Ferindo de morte o constitucionalismo democrático, ao Judiciário caberia apenas agir nos litígios privados na contramão dos processos civilizatórios emergentes desde a derrota do nazi-fascismo na segunda guerra mundial.

Foi por pouco. E ainda são obscuras as razões por que apenas em um dia a formidável arma de propaganda golpista que se abateu sobre o país fosse recolhida aos coldres, com o país estupefato tomando ciência de uma declaração presidencial reverente às instituições. Para tal resultado, os   pronunciamentos fortes e tempestivos de presidentes das altas cortes do Poder Judiciário, a que se seguiram manifestações dos dirigentes do Senado e da Câmara dos Deputados em defesa das instituições democráticas, decerto importaram, mas pode ter havido nos céus mais do que o movimento dos aviões de carreira embora ainda não registrados no radar. Enfim, por fas ou nefas, as trevosas nuvens que pairavam sobre a sociedade se dissiparam como num passe de mágica, ficando o dito pelo não dito enquanto se sussurra na sociedade até quando?

A envergadura do golpe que se tramava não pode ser subestimada, que não deve ser tratado como um pesadelo fortuito de uma noite mal dormida. Foi real a parada militar em Brasília – os militares sabiam o que se seguiria? –, como reais as concentrações de massas da avenida Paulista e na praia de Copacabana e noutras capitais, como também reais as vociferações do presidente Bolsonaro em todas elas, cruzando o país a bordo de aviões oficiais, dardejando ofensas a autoridades judiciárias com o ímpeto de Donald Trump no frustrado golpe ao Capitólio de 6 de janeiro do ano passado. Real igualmente o suporte financeiro com que setores das elites econômicas deram à mobilização de milhares de pessoas que acorreram às ruas em apoio a Bolsonaro naquela jornada equívoca de 7 de setembro.

Só não vê quem não quer, o governo que aí está não caiu sobre nós como um raio num dia de céu azul, suas raízes têm causas remotas a começar da nossa formação como sociedade e estado-nação. Padecemos dos males da herança maldita do latifúndio e da escravidão, livramo-nos tardiamente da primeira e ainda coexistimos com a primeira, a essa altura reciclada em agronegócio com seus personagens elevados a posições destacadas na economia e na política. O desenlace do nosso processo de independência política se operou na forma clássica de uma revolução passiva – seu condutor era o príncipe herdeiro da dinastia reinante na metrópole – abortando a revolução nacional-libertadora que tomava forma em movimentos como a Inconfidência Mineira, no de 1817 em Pernambuco e se disseminava pelo Nordeste, especialmente na Bahia, sob a inspiração de ideais liberais influentes na revolução americana.

Os efeitos dessa solução política “por cima” comprometeram no Império a sorte dos liberais com a recusa do imperador do texto da constituição elaborada pela assembleia constituinte, de caráter liberal em política, vindo a promulgar de modo autocrático a Carta de 1824, que outorgava a ele um poder moderador com o qual limitava o papel da representação e se punha à margem da soberania popular.

Wanderley Guilherme dos Santos, em um ensaio de 1974 “A práxis liberal no Brasil: propostas para reflexão e pesquisa”, procede a um inventário crítico do destino desse conceito entre nós. Descontado o que há de datado nesse estudo, ele captou com precisão as razões do malogro do nosso liberalismo político a partir de dois momentos de importância capital na formação do Brasil moderno, o da Abolição e o da República.

Ambos movimentos são analisados a partir dos manifestos com que elites políticas da época desencadearam suas campanhas, o Radical Liberal, de 1869, e o Republicano do ano seguinte. Persuasivamente, Wanderley sugere que os rumos futuros da sociedade teriam sido demarcados pelo tipo de orientação neles predominante, enquanto os liberais radicais, defensores de uma monarquia constitucional postulavam em favor de reformas de clara adesão ao liberalismo político, inclusive com a abolição do trabalho escravo, os republicanos, que desejavam o apoio das classes proprietárias a fim de atingir seus objetivos, se fixaram no tema da mudança de regime. Tais divergências entre as elites modernizadoras de então teriam comprometido em boa parte o destino dos ideais liberais debilitando o impulso original que o animava.

A revolução de 1930 abre um novo ciclo na política brasileira dominado pela paixão da modernização econômica e de um Estado dotado de meios eficientes na sua aceleração. É o tempo da fórmula corporativa e do predomínio da ação estatal como reguladora de todas as instâncias da vida social, culminando com a criação do Estado Novo e da Constituição outorgada de 1937. O capitalismo brasileiro deveria seguir um curso iliberal em clara ruptura com suas tradições em que o liberalismo mal ou bem ocupava um papel de fermento nas lutas democráticas. O empreendimento bem-sucedido tanto em economia como no controle social do mundo do trabalho e da sociedade em geral concedeu permanência, afora os ajustes que se fizeram necessários ao longo do tempo, às instituições e ao estilo de mando autocrático do Estado Novo, exemplar no caso do regime militar de 1964 a 1985, especialmente sob o AI-5, redigido pelo mesmo Francisco Campos, autor do texto da Carta de 1937.

O Brasil que aí está é fruto desse processo de modernização autoritária, contra o qual, na esteira de massivas manifestações populares em articulação com amplas alianças políticas, soube triunfar com a promulgação da Carta democrática de 1988. Tal como se constata, esse triunfo não foi pleno, na medida em que uma má política criou condições para uma inesperada vitória eleitoral dos refratários às mudanças democráticas que nosso texto constitucional ampara e viabiliza.

 A modelagem do governo Bolsonaro é com todas as letras a do capitalismo iliberal. Nesse sentido, há um fio vermelho entre ele e a história do nosso autoritarismo político, remota ou contemporânea, como o Estado Novo e o AI-5, que se opuseram à passagem do liberalismo político. Derrotá-lo, mais do que abrir caminho para as forças vivas da sociedade atual, significa passar a limpo as trevas do nosso passado.

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio  

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/luiz-werneck-vianna-desventuras-e.html


Cristovam Buarque: SOS Fome

Passados 130 anos da Abolição e da República, os estrangeiros se espantam, mas os brasileiros não, quando a TV mostra famílias sem comida

Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles

No século XIX, os estrangeiros que nos visitavam não entendiam como era possível o Brasil tolerar a escravidão, ao ponto de sequer perceber sua maldade. Ao chamar atenção de um brasileiro para o absurdo de um escravo sendo chicoteado na rua, o estrangeiro ouve: “Mas ele é negro”. Até hoje, se um estrangeiro se surpreende e comenta sobre as precárias condições de escolas públicas, certamente ouviria: “Mas estes alunos são pobres”.

Passados 130 anos da Abolição e da República, os estrangeiros se espantam, mas os brasileiros não, quando a televisão mostra famílias sem comida em casa, ao lado da notícia de que somos o maior exportador de alimento do mundo, programas para escolher e premiar o melhor chef de cozinha, além de propagandas sobre redes de “fast food”, com jovens em êxtase ao comer suculentos sanduíches. O visitante estrangeiro deve comparar isto com as chicotadas que escravos recebiam em plena rua: chicotadas virtuais sobre as famílias que têm acesso à televisão e não têm acesso à comida.

Os governos progressistas entre 1992 e 2018 mentem ao dizer que tiraram o Brasil do mapa da fome com Bolsa Escola de FHC e Bolsa Família de Lula: apenas suspenderam, mas não aboliram estruturalmente a fome. Bastaria uma crise econômica, inflação ou epidemia de covid, agravada por erros e insensibilidade do atual governo, e a fome voltaria, porque ela não estava abolida, apenas suspensa.

E não teria sido difícil superá-la. A fome tem baixa escolaridade, como diz o pesquisador sobre o assunto Renato Carvalheira Nascimento. As análises mostram que apenas 4% dos que passam fome chegaram ao Ensino Médio. Se a educação de base tivesse sido oferecida antes, a fome não estaria maltratando agora, porque a economia teria aumentado e distribuído a renda, e o Brasil tem terra e tecnologia para produzir comida. Este teria sido o caminho para abolir a fome no futuro, mas neste momento, é necessária uma campanha que reúna e distribua comida. Solidariedade como o Betinho, Itamar Franco e Dom Mauro Morelli lideraram em 1992.

Da mesma maneira que as vítimas de violência doméstica pintam uma cruz na palma da mão para pedir socorro e proteção contra a violência, os famintos poderiam mostrar a palma da mão com um círculo desenhado para pedir socorro e proteção contra a violência da fome. Ao lado deste encontro direto entre os que passam fome e quem tem algum dinheiro, é possível criar centros SOS Fome para quem precisa de comida telefonar pedindo socorro. O espanto brasileiro mostra que há celular mesmo em famílias com a geladeira vazia, e se não tiver celular próprio, sempre haverá algum vizinho que possa fazer a ligação.

Estes centros SOS Fome poderiam ser financiados com a contribuição da sociedade. Seria preciso pouco da renda da parcela rica, especialmente os setores mais eficientes da economia. O que espanta na fome brasileira é que temos uma das maiores extensões da terra arável do mundo, temos as melhores tecnologias agrícolas, somos o celeiro do mundo e temos campos de concentração, incinerando as pessoas por dentro delas, pela fome. O setor do agronegócio, cuja competência fez do Brasil o celeiro do mundo, precisaria contribuir com pouco para o Brasil deixar de ser o campo de concentração, com fornos crematórios dentro de cada pessoa.

Poderíamos espantar pelo lado positivo: o Brasil unido em um SOS Fome.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/sos-fome-por-cristovam-buarque


Eliane Catanhede: No Dia da Democracia, Bolsonaro é alvo de juristas, CPI, ONG

Os fatos que se sucederam contra ele são igualmente impressionantes e mais perigosos que as fotos do 7 de Setembro

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro prefere as fotos das manifestações de apoio a ele no Sete de Setembro, realmente impressionantes (por diferentes motivos), mas os fatos que se sucederam contra ele, aglutinando poderosos agentes políticos de dentro e de fora do País, são igualmente impressionantes (neste caso, por motivos óbvios). E mais perigosos.

Vejamos a quarta-feira, 15 de setembro, justamente o dia internacional da velha, boa e tão atacada democracia: Bolsonaro sofreu uma enxurrada de más notícias, confirmando que há várias frentes políticas, econômicas, jurídicas e internacionais fechando o cerco não apenas contra o que ele diz e faz, mas ao que representa.

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CPI da Covid lavou as mãos sobre os planos de saúde na pandemia

A notícia de maior alcance partiu da comissão de juristas que entregou à CPI da Covid 200 páginas tipificando os crimes que teriam sido praticados pelo presidente da República durante a pandemia. Todas aquelas coisas que a gente sabe, viu e ouviu, mas sempre chocam, irritam e, agora, vêm acompanhadas dos respectivos artigos de códigos, leis e da Constituição.

O parecer, como o próprio relatório final da CPI, que está no forno, pode ter efeitos drásticos para Bolsonaro, porque será usado para pedido de impeachment na Câmara, de abertura de processos de crime comum na PGR e de crime contra a humanidade no Tribunal de Haia. Uma das juristas, aliás, é Sylvia Steiner, ex-juíza dessa corte.

“As acusações contra Bolsonaro são mais graves do que aquelas contra Collor e Dilma Rousseff. E suas consequências são terríveis”, disse à Rádio Eldorado o coordenador dos juristas, Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça, autor do pedido de impeachment dos dois ex-presidentes. Ele sabe das coisas...

Ainda na CPI, o depoente foi Marconny Albernaz Faria, lobista da Precisa Medicamentos, que só não vendeu vacina Covaxin para o governo por causa da própria CPI. Mas o importante são suas ligações, bem próximas, com o filho 04 do presidente, Jair Renan, a ex-mulher do presidente Ana Cristina Vale e a advogada do presidente, Karina Kufa. Isso vale ouro.

Enquanto isso, a Human Rights Watch citava os ataques ao Supremo e às eleições para acusar o presidente do Brasil de ameaçar a democracia. “O presidente Bolsonaro, um apologista da ditadura militar no Brasil, está cada vez mais hostil ao sistema democrático”, segundo José Miguel Vivanco, diretor de Américas da ONG.

Uma semana após o manifesto de Bolsonaro, pró-moderação, a ministra do Supremo Rosa Weber destacou os “mares revoltos em que temos navegado” e o presidente do TSELuís Roberto Barroso, alertou que a democracia está sob ataque no mundo, “por populismo, extremismo e autoritarismo”. Nunca um Dia da Democracia foi tão animado.

E foi também na quarta-feira que saiu a lista dos cem líderes mais influentes do mundo da revista Time. Do Brasil, o único nome foi de Luiza Trajano, do Magazine Luiza, candidata a vice de nove entre dez presidenciáveis e sonho de alguns para a própria Presidência. Jair Bolsonaro, que constou da lista de 2020, ficou de fora.

Se o 7 de Setembro pró-Bolsonaro foi um sucesso de presença e um desastre de discurso, o 12 de Setembro anti-Bolsonaro foi um fiasco em número e grau. As oposições, porém, começam a se aprumar. Nove partidos pretendem financiar a convocação dos próximos protestos, no início de outubro e em 15 de novembro, já embalados pelo relatório da CPI.

Nesses quase três anos, Bolsonaro esteve tão ocupado em manter e atrair aquela gente toda que foi à rua que não teve tempo para governar e, assim como não viu a economia desandando, as queimadas na Amazônia e a crise hídrica chegando, ele também foi incapaz de reagir devidamente à única tempestade que realmente lhe interessa: o cerco se fechando.

COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,no-dia-da-democracia-bolsonaro-e-alvo-de-juristas-stf-cpi-ong-e-partidos,70003842494


Presidente do Senado diz que “democracia é inegociável"

Rodrigo Pacheco defende “união nacional”

Pedro Peduzzi / Agência Brasil

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse hoje (16), em Brasília, que tanto os poderes Legislativo e Judiciário como as Forças Armadas têm, na democracia, “ambiente único” para o desenvolvimento do país. Acrescentou que os problemas de relações entre poderes são “solucionáveis” e que a situação tem melhorado a cada semana. 

As afirmações foram feitas durante a abertura de audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. “A democracia do Brasil é muito jovem, e como toda juventude, comete erros, acertos e tem seus arroubos”, disse. “Mas a democracia é algo inegociável e não retrocederá”, afirmou. 

“Tanto o Congresso Nacional quanto Judiciário e Forças Armadas têm absoluta compreensão da importância e prevalência da democracia como ambiente único de desenvolvimento. Esses problemas que temos nas relações entre os poderes são solucionáveis e já temos essa semana uma semana muito melhor do que a passada, de boa relação entre os poderes constituídos”, acrescentou, ao defender uma “união nacional” para resolver os reais problemas do país.

Conciliação

Rodrigo Pacheco frisou que união nacional não significa, necessariamente, conciliação absoluta, e que divergências sempre existem. Acrescentou que essas divergências, no entanto, não podem atrapalhar o enfrentamento de problemas, o que, segundo ele, tem sido feito pelos debates e tramitações de projetos no Legislativo, sobre questões como precatórios e a definição do nosso sistema político-eleitoral. “As eleições acontecerão em 2022, e não há nenhuma dúvida quanto a isso”, disse.

O senador disse, ainda, que o sucesso nessa empreitada passa pelo respeito entre os poderes e entre as instituições, o que, para ele, acaba sendo prejudicado pelo mau uso das redes sociais. 

“É importante também a responsabilidade de cumprir os deveres, cada qual em seu quadrado. E, por último, são também importantes o otimismo e o entusiasmo com o Brasil para preenchermos espaços e resolver problemas”, finalizou.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-09/presidente-do-senado-diz-que-e-democracia-e-inegociavel


Um futuro na sombra: democracias na era digital

A transparência na era digital não é prioridade para os governos latino-americanos

fabrizzio Scrollini / El País

As promessas de reformas estruturais em prol da transparência que vários países latino-americanos —inclusive o Brasil— fizeram em fóruns internacionais parecem ter ficado muito longe. Em 2012, exercendo uma clara liderança internacional, o Brasil cofundou a Open Government Partnership—um grupo de Governos e organizações sociais dedicados a promover uma maior transparência. O Brasil prometeu uma série de reformas significativas e inovadoras na área de transparência e combate à corrupção. Entre suas primeiras conquistas está a aprovação de uma lei de acesso à informação pública e de uma política de dados abertos, permitindo a qualquer pessoa solicitar informações ao Estado e exigindo publicar informações fundamentais sobre sua gestão. A implementação deixou muito a desejar, mas nos últimos tempos contou com a oposição expressa do presidente do Brasil, que chegou a demitir funcionários por defenderem a veracidade dos dados sobre o desmatamento na floresta amazônica. O Brasil não está sozinho. No México, o presidente tem afirmado sistematicamente que não vê a necessidade de um órgão dedicado à promoção da transparência, sendo considerado caro e ineficiente. Em El Salvador, o Governo tem procurado limitar a lei de acesso como no Uruguai. A América Latina é uma região diversa, e nem todas as situações são comparáveis. Mesmo assim, as evidências do último Barômetro de Dados Abertos indicam que a transparência na era digital está, na melhor das hipóteses, pausada e, em muitos casos, diminuindo.

A situação da transparência nas sociedades latino-americanas apresenta vários desafios. Um primeiro aspecto básico é defender a relação íntima entre transparência e democracia. A democracia —por definição— implica o controle pelos cidadãos da execução dos recursos públicos, bem como limites ao poder do Estado. Graças à disponibilidade de dados, Ojo Público —meio digital no Peru— conseguiu criar um algoritmo para monitorar o risco de corrupção em mais de 200.000 contratos. No México, Poder e Serendipia monitoram os gastos do Governo na pandemia. No Paraguai, um simpático bot feito pela CED, uma empresa, tuíta sempre que vê uma irregularidade em um contrato. E no Brasil, a Fundação para o Conhecimento Aberto (uma ONG) monitora os gastos dos congressistas de forma automática. Esses tipos de projetos —criatividade, dados e tecnologia digital intermediários— aumentam a capacidade dos cidadãos de controlar o poder, e têm o potencial de gerar debates informados em nossas democracias. Em qualquer caso, Governos, empresas e mídia devem fazer um trabalho melhor no combate à desinformação. Os dados abertos são uma condição necessária, mas não suficiente, para democracias fortes na era digital.

Um segundo problema são as condições de desigualdade estrutural e complexidade social na América Latina. Os dados disponíveis não representam necessariamente a totalidade da sociedade nem tornam visíveis todos os problemas, como é o caso notório da violência de gênero. Na América Latina ainda é difícil saber a quantidade de feminicídios que ocorrem, e esta é apenas a ponta do iceberg desse fenômeno. A sub-representação em nossos dados de grupos indígenas, afro e outros grupos marginalizados significa que muitas vezes as decisões são tomadas às cegas. Por outro lado, a sua identificação em alguns casos, como o de pessoas LGTBQIA+, os coloca em claro risco de discriminação. É hora de levar a geração de dados mais a sério, quem você inclui e quem você exclui. E levar em consideração as consequências políticas dessas decisões.

Por fim, existe um desafio maior que requer a compreensão da complexidade para as democracias na era digital. Por um lado, a abertura de dados permite a criação de valor público, econômico e social. Mas nem todos os dados podem ser abertos e, à medida que a lacuna no acesso à internet diminui, uma geração inteira entra na era digital com seus direitos desprotegidos. A maioria dos países da América Latina não possui legislação adequada para proteger os dados das pessoas. As empresas —principalmente com sede no norte do mundo— coletam uma grande quantidade de dados e valores originários da região, sem que parte desse valor retorne para eles. A segurança dos dados de indivíduos, Governos e empresas ainda é um grande problema, abordada geralmente de uma perspectiva muito técnica. Muitos de nós investigamos novas maneiras de medir a aparência da governança democrática de dados no século 21. Esses desafios abrem uma oportunidade para que as democracias se reorganizem a partir de uma nova agenda baseada na geração de direitos, acordos institucionais e formas de participação cidadã. Um pacto renovado que considera novos desafios e aproveita a desestruturação social em benefício da maioria das pessoas. Em qualquer cenário futuro, a transparência deve continuar sendo uma marca registrada das democracias e daqueles que a defendem em tempos de incerteza.

Fabrizio Scrollini é diretor executivo da Iniciativa Latinoamericana por los Datos Abiertos (ILDA).

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-13/um-futuro-na-sombra-democracias-na-era-digital.html


Próximas derrotas de Bolsonaro no STF já estão desenhadas

PGR se manifesta contra medida que limita remoção de ‘fake news’ das redes e ministros alvos dos bolsonaristas julgam decreto de armas

Afonso Benites / El País

“Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro em sua famigerada Declaração à nação, dois dias após incitar seus apoiadores contra o Supremo Tribunal Federal (STF). O recente republicanismo do presidente será testado nas próximas semanas, pois, na avaliação dos ministros do STF, dois dos seus movimentos institucionais mais recentes não respeitaram a Constituição. Bolsonaro caminha para sua primeira derrota judicial no tribunal após atacar a corte em uma manifestação antidemocrática em 7 de setembro —e recuar depois. Nos próximos dias, a ministra Rosa Weber deve se decidir sobre seis ações que pedem a declaração de inconstitucionalidade de uma medida provisória assinada pelo presidente. Ela tem como objetivo dificultar a remoção de fake news e conteúdos com discursos de ódio em redes sociais. Além disso, seu decreto de armas, que permitiu uma ampliação do porte de armamento pelos cidadãos, começa a ser julgado em plenário virtual nesta semana, e também não tem vida fácil na corte

A alteração no Marco Civil da Internet foi publicada no dia 6 de setembro, na véspera do ato radical promovido pelo presidente que pedia o fechamento do STF. Naquela ocasião, em meio a um embate com o Judiciário, Bolsonaro pretendia beneficiar seus apoiadores radicais que costumam divulgar desinformação na internet. A sinalização da iminente derrota nesse caso ficou nítida quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, deu parecer contrário à MP, nesta segunda-feira.

Aras costuma se alinhar às pautas do presidente no Supremo. Neste caso, segundo fontes da Procuradoria Geral da República, o procurador-geral identificou uma batalha perdida e resolveu agir em sentido distinto do habitual, numa tentativa de demonstrar isenção aos pares, que têm lhe cobrado com certa frequência uma atuação mais incisiva na fiscalização dos atos do Governo. No parecer enviado à ministra Weber, o procurador alegou que havia um prazo reduzido para que as empresas que administram as redes sociais se adequassem às novas regras, o que poderia causar insegurança jurídica.

Aras defendeu que fosse concedida uma medida liminar para suspender a validade da MP até que o plenário da corte se manifeste sobre o tema. “Parece justificável, ao menos cautelarmente e enquanto não debatidas as inovações em ambiente legislativo, manterem-se as disposições que possibilitam a moderação dos provedores do modo como estabelecido na Lei do Marco Civil da Internet, sem as alterações promovidas pela MP 1.068/2021, prestigiando-se, dessa forma, a segurança jurídica, a fim de não se causar inadvertida perturbação nesse ambiente de intensa interação social”, disse o procurador no documento.

A MP de Bolsonaro veta, sob pena de multa, que empresas como Facebook, Twitter e Youtube retirem do ar conteúdos e perfis que violem seus termos de serviço, exceto por “justa causa”. O critério para remoção de conteúdo poderia estar relacionado com pedofilia, pornografia, incentivo ao terrorismo e ao tráfico de drogas, entre outros. O que a medida não prevê é a retirada de conteúdos falsos, discurso de ódio, incitação à violência ou assédio virtual. Na prática seria uma espécie de blindagem ao próprio Bolsonaro, que já teve vídeos removidos por disseminar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da covid-19. A medida evitaria, por exemplo, uma punição como dada a que recebeu seu aliado Donald Trump, que acabou banido do Facebook e do Twitter em janeiro deste ano, por incitar a invasão do Capitólio.

Para especialistas, a mudança legislativa neste momento é inapropriada, além de ser inconstitucional, porque medidas provisórias precisam respeitar os critérios de urgência e relevância, o que não ocorreu neste caso. O advogado Omar Kaminski, especialista em direito digital e gestor do Observatório do Marco Civil da Internet, diz que o ideal é que temas como esse sejam alvo de um amplo debate, seguindo os ritos normais de uma proposta legislativa, passando por audiências públicas e sendo analisados por comissões especializadas da Câmara e do Senado. “A MP mais parece um salvo-conduto para uma liberdade de expressão desmedida, sem freios e sem limites, inclusive para transmitir fake news ou criar realidades paralelas ou bolsões de novas correntes, de entendimentos jurídicos diversos dos atualmente vigentes, objetivando no mínimo uma desestruturação ou desconstrução normativa”, disse ao EL PAÍS.

A Coalizão Direitos na Rede, coletivo que reúne cerca de 50 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, também manifestou-se contrária à MP, por entender que ela dificulta o combate à desinformação e fere o princípio da livre iniciativa do setor privado. “Jair Bolsonaro frequentemente viola as políticas de conteúdo desses provedores de aplicações e conta com muita complacência das empresas, que permanecem inertes e praticamente não adotam medidas de moderação em relação aos seus conteúdos. Mesmo assim, decidiu intervir unilateralmente no funcionamento das redes sociais, atacando os princípios do Marco Civil da Internet”, ponderou a Coalizão em nota.

Sem debate com a sociedade

Até mesmo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) demonstrou ser contrário à mudança na legislação da maneira que foi proposta por Bolsonaro. O órgão é um um comitê multissetorial, criado por decreto presidencial e estabelece diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no país. Em nota, o colegiado, que é formado por 21 pessoas, sendo nove representantes do Governo e 12 da sociedade civil, alertou que há um risco de se criar insegurança jurídica sobre o tema e de se congestionar o Judiciário com novas ações.

“Limitações excessivas à atuação dos provedores poderão ocasionar efeitos indesejados para a usabilidade geral da rede e para a proteção de usuários, além da inevitável sobrecarga ao já congestionado Poder Judiciário, que hoje já conta com mais de 80 milhões de ações em tramitação”, disse. O CGI.br defendeu o atual Marco Civil por entender que seu artigo 19 “tem por objetivo principal garantir o equilíbrio entre a atuação e responsabilização de usuários e provedores”. A nota do comitê foi elaborada nesta segunda-feira após uma reunião extraordinária do conselho. Nenhum dos 21 conselheiros, nem mesmo os com cargos no Governo federal, votou contra o documento.

A nota do CGI.br começou a ser gestada em maio, quando um grupo de trabalho foi montado para acompanhar potenciais mudanças no Marco Civil da Internet que já vinham sendo debatidas às escuras pelo Governo Bolsonaro. Desde então, o comitê tentou, sem sucesso, se reunir com representantes da secretaria de Direitos Autorais, a área responsável por este tema. “Por três meses houve esforços de nossa parte para dialogar, mas o Governo não quis e publicou essa MP sem interlocução prévia com o CGI”, disse a conselheira do órgão Bia Barbosa, que é representante do Terceiro Setor.

Internamente, de acordo com Barbosa, não há uma rejeição para que se mude o Marco Civil da Internet, desde que haja um amplo debate em que todos os setores sejam ouvidos. A construção dessa lei levou três anos só no Congresso Nacional. A da Lei Geral de Proteção de Dados, outra referência, foi discutida por dois anos dentro do Executivo e mais dois no Legislativo, sendo aprovada apenas em 2018. “Um tema como esse não pode ser atropelado por uma MP”, afirmou a conselheira.

O que tem ficado claro é que, na atual guerra contra a desinformação, o presidente está do lado das inverdades. Além dessa mudança no Marco Civil da Internet, Bolsonaro vetou no mês passado a punição à disseminação de fake news, prevista na lei que tipifica os crimes contra o Estado Democrático de Direito que foi aprovada pelo Congresso Nacional. ele argumenta defender a liberdade de expressão. O veto ainda será analisado pelos deputados e senadores. Não há uma data agendada para essa votação dos parlamentares.

Armas

Outro tema caro ao bolsonarismo que passa por análise no Supremo é o decreto de armas, que facilitou o comércio de armamentos e afrouxou a fiscalização. A tendência no tribunal é de que essa ordem presidencial também seja derrubada. Há sete ações sobre o tema e elas começam a ser julgadas no plenário virtual a partir do dia 17.

O indício, até o momento, é de que as reações dos poderes contra o presidente virão a galope. Além do Supremo, está cada vez mais claro no Congresso que suas pautas radicais não passarão. O que deve ser aprovado, ainda que com certa dificuldade, são suas pautas econômicas, como a reforma administrativa e alguns trechos da reforma tributária.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-14/as-proximas-derrotas-de-bolsonaro-no-stf-ja-estao-desenhadas.html


Cristovam Buarque: Espantos brasileiros, abismos históricos

Aos estrangeiros causa espanto que, 132 anos depois, temos 12 milhões de adultos que não sabem ler a própria bandeira

Cristovam Buarque / Correio Braziliense

Durante 350 anos, os estrangeiros se espantaram com a escravidão e com o fato de os brasileiros não se espantarem com o tratamento dado aos escravos. Se um visitante comentasse o assunto, o brasileiro branco diria: “São negros”. Passados 133 anos da Abolição, se algum estrangeiro comenta a má educação recebida por alunos das escolas públicas, ouve como resposta: “São pobres”.

Espanta os turistas como em nossas praias convivem banhistas ao lado de trabalhadores servindo sob o sol e sobre a areia, vendendo o que a moderna indústria oferece. Se o visitante estrangeiro disser “vocês ainda mantém privilégios do tempo da escravidão”, os brasileiros respondem: “Mas precisam desse trabalho para sobreviver”. Os escravos também. Ao voltar do século XIX ao século XXI, o visitante pensaria que a escravidão continua como se as algemas fossem invisíveis.

A ideia de que a escola deve ter a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança, espanta tanto quanto no século XIX espantava a ideia de negros e brancos terem os mesmos direitos. Espantaria quem dissesse que os resquícios da escravidão decorrem da desigualdade no acesso à educação.

Nós brasileiros não nos espantamos que os republicanos tenham escrito lema, na bandeira que desenharam, sabendo que naquela época 6,5 milhões de adultos, 65% da população, não sabiam ler, nem mesmo o “Ordem e Progresso”. Aos estrangeiros causa espanto que, 132 anos depois, temos 12 milhões de adultos que não sabem ler a própria bandeira. O espanto só chega para quem tem olhos para vê-lo e percepção para senti-lo como algo estranho.

Qualquer pessoa, salvo os próprios brasileiros, se espantaria ao ver a notícia que o Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo, seguida da informação de que dezenas de milhões passam fome todos os dias. Ainda mais ao ver, no mesmo noticiário da televisão, ao lado de famílias com fome, publicidade de competições entre candidatos a chefes de cozinha. Espanta que, apesar de milhões de desempregados sem salários, os empregados e patrões com altos salários recebem vales para pagar alimentação nos mais caros restaurantes, com dinheiro de impostos que os desempregados também pagam. Os estrangeiros se espantam quando sabem que os encarregados de zelar pelos interesses do povo – parlamentares, governantes, juízes, inclusive servidores da rede pública  – usam seguro de saúde privada pago pelo setor público, como forma de proteger-se da má qualidade dos serviços que oferecem ao público .

Percebemos a injustiça de jovens que fazem ENEM em condições precárias por falta de aulas durante a pandemia, mas espanta a falta de espanto diante de pelo menos 80 milhões de brasileiros impedidos de se inscrever, porque ficaram para trás, sem um ensino médio minimamente satisfatório. Espanta a preocupação maior para entrar na universidade do que para abolir o analfabetismo. O Brasil que espantava por não se espantar com a escravidão, agora espanta por não se espantar com a imensa maioria de sua população analfabeta para o mundo contemporâneo: sem falar um idioma estrangeiro, sem saber as bases da ciência, da matemática, sem conhecer os problemas do mundo contemporâneo, e sem um ofício que lhe permita emprego e renda.

Os estrangeiros se espantam que o Brasil seja capaz de contabilizar 100 milhões de votos em poucas horas, e esses votos elejam presidente contrário à democracia que o elegeu. Espanta que o espetáculo tecnológico da contagem eletrônica dos votos não garanta a posse do eleito, se militares e milícias não estiverem de acordo com o resultado; também que o pagamento de contas pelo sistema pix fique prejudicado pelo clima de violência e criminalidade.

Parece que é permanente e ilimitada a capacidade brasileira de espantar ao mundo, sem se espantar aqui dentro.

Nesta semana, os brasileiros comemoraram o último 7 de setembro de seu segundo centenário, espantando o mundo pelas realizações de nosso desenvolvimento, e por nossa negação em distribuir os resultados do que realizamos, caindo em um abismo histórico. Por falta de espanto com a concentração e privilégios, não fazemos a distribuição necessária para construir um futuro com coesão e rumo, vitalidade nacional e inclusão social.

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4948055-cristovam-buarque-espantos-brasileiros.html


Luiz Carlos Azedo: Onde perdemos o rumo?

Um governo bonapartista em choque com a Constituição de 1988 tornou-se uma ameaçam ao Estado democrático. Estamos vivendo uma espécie de “apagão liberal”

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Desde a redemocratização, com a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985, o Brasil avançou com políticas democráticas e progressistas, de governos que implementaram a agenda da redemocratização. Houve, nesse processo, dois traumas: os impeachments de Collor de Mello e de Dilma Rousseff. Mesmo desastrosos, não podemos dizer que os dois governos passaram batidos, também deixaram seus legados. Mesmo aos trancos e barrancos, o Brasil avançou.

Um resumo brevíssimo: José Sarney legou-nos a Constituição de 1988; Collor de Mello, a abertura da economia; Itamar Franco, a estabilização econômica; Fernando Henrique Cardoso, a consolidação do Real e as privatizações; Luiz Inácio Lula da Silva, transferência de renda e combate à pobreza; Dilma Rousseff, os programas de infraestrutura e energia; Michel Temer, a blindagem das empresas públicas e a reforma trabalhista; Jair Bolsonaro, a reforma da Previdência, mas perdeu o rumo e namora o caos. Agora, estamos num impasse.

O progressismo mudou de endereço, nosso desenvolvimentismo não dá respostas para os novos problemas da economia e da sociedade. Herdeiro de educadores do naipe de Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro, para o ex-senador Cristovam Buarque, por exemplo, o eixo do desenvolvimento do país deve ser a educação de qualidade para todos. Entretanto, não existe a menor possibilidade de revolucionar a educação no Brasil sem crescimento econômico e redistribuição de renda. Muito menos, sem democracia, a ameaça que agora nos ronda.

Alguns problemas são mais importantes do que outros. Assim como a inflação inercial precisava ser superada para a retomada do crescimento, é evidente que a crise fiscal é o atual gargalo da economia. Ou seja, o Estado não tem como financiar suas atividades. Até para o sucesso de uma reforma tributária, precisa modernizar a máquina pública. Sair dessa sinuca fiscal é o desafio para a atual geração de economistas.

Outro problema é a concentração de renda absurda que existe no Brasil. A erradicação da miséria e a redução da pobreza são prioridades, mas como resolver? Esse é o velho conflito distributivo da renda nacional, porém, não encontramos o caminho do crescimento sustentável, que pressupõe reverter a perda de complexidade industrial e apostar na economia de baixo carbono. A chave não está no velho nacional-desenvolvimentismo nem no agrarismo reacionário.

Exceção e inimigo

E a crise ética? Sua origem era o velho modelo de financiamento da política, o caixa dois eleitoral. O que distinguia o político honesto do desonesto era a formação de patrimônio. Esse modelo estava esgotado desde a Constituição de 1988, mas permaneceu sendo praticado, até implodir com a Operação Lava-Jato, que desmoralizou todo o sistema político. O fim do financiamento dos partidos por empresas, porém, não acabou com o estigma da corrupção na política, que continua forte no imaginário popular.

A guerra fria acabou, mas não as influências da política mundial. Após os atentados terroristas às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, o ultraconservadorismo norte-americano resgatou as ideias do jurista e filósofo alemão Carl Schmitt (1888-1985), que se disseminaram pelo mundo novamente. Crítico do liberalismo e teórico do “Estado de exceção” (Ernstfail), fundamento jurídico tanto do Estado nazista quanto do nosso regime militar, segundo Schmitt, o Estado liberal foi concebido para lidar com situações normais, não com as mudanças inesperadas na História. Nas crises, um presidente serviria melhor para guardar a Constituição de um país do que a sua Suprema Corte. É dele a tese de que, nas excepcionalidades, o presidente se torna um soberano acima das leis, apto a legislar e mobilizar a população contra o “inimigo”. Tiremos nossas conclusões.

São ideias alimentadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que deixam o país à beira da ruptura institucional, como aconteceu no Sete de Setembro. A existência de um governo bonapartista em choque com a Constituição de 1988 tornou-se uma ameaça ao Estado democrático. Boa parte do fracasso do governo Bolsonaro decorre do corporativismo, do desmonte de políticas públicas e, sobretudo, de ideias prisioneiras de um passado imaginário. Não da oposição, nem das instituições. Estamos vivendo uma espécie de “apagão liberal”, como aconteceu após a Revolução de 1930 e o golpe de Estado de 1964, com a diferença de que isso até agora não se consumou num regime autoritário, como no Estado Novo e após o AI-5, respectivamente.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-onde-perdemos-o-rumo