Astrojildo Pereira
Arlindo Fernandes: Atuação da bancada do PCB na Constituinte
Arlindo Fernandes, consultor legislativo do Senado
Os parlamentares que integravam o Congresso Nacional que resultou das eleições gerais de 1986 eram 559, dos quais apenas 26 eram mulheres. Esses congressistas, ao tempo em que podiam se reunir na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, eram também constituintes, uma vez que integravam, simultaneamente, uma assembleia constituinte, que funcionou desde fevereiro de 1987 até 5 de outubro de 1988, quando a nova Constituição foi promulgada.
Nesse amplo universo, atuava uma bancada integrada formalmente por três parlamentares, os deputados federais Roberto Freire, de Pernambuco; Fernando Sant’Anna, da Bahia; e Augusto Carvalho, do Distrito Federal. Eles compunham a representação do PCB na Constituinte, que tinha Freire como líder.
Essa informação aritmética, de que eram 3 entre 559, não dá conta de informar a qualidade e a expressão da intervenção do PCB nesse processo. As razões são diversas: em primeiro lugar, o Partidão tinha um projeto e uma proposta de Constituição, o que lhe permitia ter sugestões a apresentar nas mais diversas matérias. Em segundo lugar, sua linha política lhe possibilitava amplo diálogo político e o situava no vértice da questão central em que tudo se permeava, a questão democrática. Por último, os três constituintes do PCB eram, na prática, por volta de uma dúzia, vez que a fração, quando reunia, tinha essa participação.
Ao lado disso, as maiores lideranças da Assembleia Constituinte tinham apreço pela qualidade e natureza democrática da intervenção dessa bancada e pelo papel recém desempenhado na luta contra a ditadura e na transição democrática. Nomes como o de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco, Euclides Scalco, Almir Gabriel, José Serra e José Richa estimavam os membros da bancada do PCB, e lhe conferiam tratamento compatível.
E havia o papel desempenhado pelos nomes que integravam a pequena bancada: a liderança trabalhista de Augusto Carvalho, em um Congresso no qual os que tinham origem sindical eram poucos; a figura histórica do nacionalismo brasileiro do baiano Fernando Sant’Anna; e a liderança política de Roberto Freire, já então um “cardeal” da Câmara dos Deputados.
Assim é que vieram os frutos: antes de a ANC iniciar propriamente os seus trabalhos, o então senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), designado relator do futuro regimento interno, concebera (bem) os trabalhos constituintes mediante sua divisão em comissões temáticas, que adiante seriam os títulos da Constituição. Essas comissões, por seu turno, eram repartidas em subcomissões, que se tornariam capítulos e seções daqueles títulos.
A Comissão da Ordem Econômica, por exemplo, tinha, no projeto original de FHC, algumas subcomissões, como a de princípios gerais e da política urbana, e, na proposta original, a da “política agrícola e fundiária”. Fernando Sant’Anna apresentou emenda na qual acrescia à subcomissão de política agrícola o tema “reforma agrária”, o que o conduzia à centralidade dos debates. FHC, relator, acatou a emenda, e a reforma agrária assumiu seu lugar nos debates da ordem econômica na Constituinte. Adiante, uma emenda de Roberto Freire disporia sobre as condições para a desapropriação de terras improdutivas, tema inescapável.
Para ficarmos ainda no campo, durante o processo constituinte, os direitos dos trabalhadores (art. 7º) se referiam aos trabalhadores urbanos, apenas, constando um dispositivo pelo qual alguns deles se aplicavam aos trabalhadores rurais. No final do processo, uma emenda de Augusto Carvalho, em coautoria com o deputado gaúcho Paulo Paim, ampliou para os trabalhadores rurais todos os direitos dos trabalhadores urbanos.
Mas o aspecto central da ação dessa bancada na Constituinte foi no sentido de que a Constituição consagrasse o Estado de Direito Democrático, com todos princípios, direitos e garantias. Nesse propósito, foram concentrados os seus esforços, ao final, vitoriosos. Recordamos a atuação de uma pequena bancada partidária na Assembleia Nacional Constituinte para ressaltar o quanto uma linha política que corresponde ao seu tempo pôde contribuir para potencializar a sua intervenção.
Quem foi Astrojildo Pereira, crítico que viu marxismo em Machado de Assis
Alcir Pécora, professor titular de teoria literária da Unicamp, em texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
[RESUMO] O escritor Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil, tem sua obra relançada com esmero pela Boitempo. Nos dois volumes de crítica literária, ele expressa sua relação visceral e apologética com Machado de Assis, em quem via um símbolo da sociedade brasileira do Segundo Reinado e um "dialético espontâneo" que, embora nunca tenha se referido a Marx, a seu ver operava intuitivamente um método de materialismo dialético em seus romances.
A reedição das obras completas do escritor e líder comunista Astrojildo Pereira (1890-1965) é uma surpresa, dado o esquecimento em que parecia mergulhado o autor, mas coerente com o catálogo de uma editora de esquerda como a Boitempo.
De minha parte, li com gosto os dois volumes mais ligados à literatura, "Machado de Assis: Ensaios e Apontamentos Avulsos" (1959) e "Crítica Impura" (1963), pois evidenciam outro fato quase esquecido: a vida intensa do pensamento marxista no Brasil, muito antes dos anos 1960 ou dos seminários universitários.
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Começo pelo livro sobre Machado, autor com quem Astrojildo manteve sempre uma relação visceral, precocemente assinalada por Euclides da Cunha em famosa crônica, ao vê-lo, ainda rapaz, beijar reverencialmente a mão do escritor moribundo em 1908, gesto que pareceu transfigurar o ambiente da vigília, até então desalentado pela indiferença dos meios culturais.
São sete ensaios e 16 artigos, aos quais Astrojildo se refere como escritos de circunstância, sem "plano prévio de conjunto", publicados em diferentes épocas, situações e veículos da imprensa.
O mais conhecido deles vem logo na abertura: "Machado de Assis, romancista do Segundo Reinado", cuja hipótese é a de que o autor, na vida como na obra, foi uma "conjunção de contrastes": solitário e pessimista, mas vivendo em "sociedade e cenáculos literários"; "tipo sensual", mas "modelo de bons costumes"; "analista rigoroso e frio" e, ao mesmo tempo, "criador empolgante".
Para o crítico, há uma consonância íntima entre a literatura machadiana e a evolução histórica do Segundo Reinado, em cuja base estavam os negros escravizados e a monocultura dos latifúndios, surgindo, depois, uma nova classe dirigente burguesa.
Tal transição explicaria o fato de Machado eleger como núcleo das intrigas a base familiar da vida em sociedade, na qual quase tudo se passava em torno de um "coração contrariado", vencido pela conveniência.
Analogamente, Astrojildo propunha que o romancista dava cunho sentimental à narrativa, submetendo-a então a um "laboratório de análise" que reunia virtuosismo, vigor e crueldade, movido por um "espírito de vingança", explicado basicamente por sua origem de classe, a gerar "sutil devastação" no ambiente em transformação das elites.
No ensaio seguinte, a propósito do célebre "instinto de nacionalidade" machadiano, Astrojildo reitera que o Brasil e o escritor crescem juntos, dado que a década de 1870 apresenta grandes mudanças no país, sintetizadas no movimento abolicionista, e muita agitação no exterior, com várias guerras em curso na Europa e o surgimento de novas correntes do pensamento, como o positivismo, o darwinismo, o naturalismo etc.
Machado, para ele, produzia a sua literatura em momento de transição dialética do que era ainda instinto para o que viria a ser uma real "consciência da nacionalidade", enquanto projeto de unidade e de soberania do país.
O "problema da nacionalidade" seria, para Astrojildo, o mais constante motivo de Machado e aquilo que o faria, em termos literários, um crítico severo da "imitação dos modelos franceses" e, em relação à língua, alguém tão preocupado em estudar os clássicos como em filtrar o "linguajar do povo brasileiro" a fim de incorporá-lo à "nossa língua literária", com base no critério decisivo da sua espontaneidade.
Astrojildo também rebate o lugar-comum a respeito do suposto absenteísmo de Machado em matéria política, cuja acusação mais dura, como a de Mário de Andrade, era de indiferença face à escravidão.
O crítico admite a falta de vocação de Machado para a militância, mas discorda que isso signifique alienação ou desprezo pela política, pois está nítido em seus escritos o empenho com que acompanhava a situação do país, aspecto que fazia da crítica o núcleo do seu engenho.
O seu humorismo tampouco seria apenas divertimento, mas "método de crítica social", o que justificaria chamá-lo de "escritor realista", sem ser da "escola realista". A conclusão de Astrojildo, contrária à suposta alienação de Machado, o propõe como o mais nacional dos escritores brasileiros, porque era o que mais pensava a realidade nacional.
Na mesma linha apologética, dedicada a retirar das costas de Machado as acusações mais pesadas que lhe faziam alguns contemporâneos, Astrojildo nega que ele seja um autor abstratizante, incapaz de paisagem, o que é desmentido, por exemplo, pela poesia de "O Almada", que celebra, com grande cuidado documental, um episódio do Rio seiscentista.
Em outro ensaio, Astrojildo considera as muitas metáforas dos olhos na obra de Machado e defende que elas demonstram o seu viés materialista, com "olhos tocando, apalpando, pegando coisas que viam". O processo seria similar ao pensamento dos "dialéticos gregos", como Heráclito, cujas noções-chave eram discórdia e contradição, que se ajustavam ao seu temperamento "inspirado, isolado e melancólico".
Sobre a questão —e, por vezes, acusação— de Machado nunca haver referido Marx, Astrojildo contrapõe a percepção de que era um "dialético do tipo espontâneo" e mesmo "um materialista a contragosto". É o que o faria anotar que "a contradição é deste mundo" e muitas vezes criar tanto a "transformação gradativa de um sentimento no seu contrário", como a relatividade da opinião segundo a posição social ocupada pelas personagens.
Machado seria a encarnação inata do "homem dialético" e, se não chegou a sê-lo plenamente, a causa estava nas circunstâncias e nas condições do país em que viveu.
Outra larga questão machadiana revista por Astrojildo é a "mudança de qualidade" da sua obra com "Memórias Póstumas". Não a entendia como "ruptura pura e simples", mas sim como "soluções de contradições" que vinham do passado e que representavam um longo enterro do "idealismo romântico", necessário para que Brás Cubas ressuscitasse materialista e galhofeiro, ainda que temperado de melancolia.
Por fim, Astrojildo examina a questão um pouco absurda, mas debatida à época, de saber se Machado era mesmo um homem mau, como alguns o julgavam. Na sua visão, havia uma dualidade demoníaca e angélica em Machado, típica da sua personalidade e do seu pensamento dialético.
Na sua obra, manifestava-se como "demônio da inteligência" e "dissecador de almas e caracteres", interpretado erroneamente como insensível e anticristão. Se no humorismo e na ironia os críticos colhiam provas de sua crueldade, para Astrojildo tratava-se mais de um "latejar de dor", repleto de "simpatia humana".
Do conjunto, ressaltam dois aspectos: primeiro, Astrojildo defende Machado em todas as frentes em que o via ser questionado; segundo, esforça-se para insinuar nele um germe de marxismo, dentro da consciência possível do seu tempo, como se o escritor operasse intuitivamente um método de materialismo dialético na análise da história e no desenrolar de suas intrigas.
Nesses termos, não deixa de ser dissonante a insistência no nacionalismo de Machado, assim como a sua aplicação abundante do pronome "nosso" a tudo que fosse do país, cujo resultado gera um híbrido estranho de marxismo patriótico. Parece acertar Carpeaux, quando o chama de "tradicionalista e revolucionário ao mesmo tempo", no qual convivem interpretação social e significação moral.
O segundo livro, "Crítica Impura", de 1963, testemunha o gosto de Astrojildo pela miscelânea, de que confesso participar inteiramente. Reúne um conjunto de "ensaios, artigos, notas de leitura, quase tudo publicado antes em revistas e jornais", sem maior preocupação de unidade, a não ser a do "fio ideológico". As suas três partes —ensaios e resenhas, testemunhos da China revolucionária, notas sobre cultura e sociedade— são todas boas de ler, tanto pela variedade dos assuntos quanto pela linguagem nítida e a crítica direta.
Nos ensaios, nos quais vou me deter aqui, há constantes fáceis de identificar, como a valorização do gênero da crônica, usualmente considerado menor, graças à propriedade de captar a atmosfera dos eventos —o que não se estende à apreciação de cronistas como Rubem Braga ou Fernando Sabino, detonados por ele ("ficam borboleteando na superfície das coisas"; "ajudando a mistificar", manipulando "bobas ironias").
Destaca, porém, as crônicas de Eça de Queirós, cujas "Cartas de Inglaterra" julga rivalizar com os seus romances, e, acima de tudo, as de Lima Barreto, que considerava o "maior cronista de sua geração", seja pelo "agudo poder de observação", seja por sua militância em temas sociais, como a defesa da classe operária, da reforma agrária, dos negros e, enfim, da "força invencível do povo".
Dos escritores estrangeiros destacados, pode-se dizer que Astrojildo tem geralmente olhos benignos para os comunistas, como Howard Fast e Louis Aragon, sem que pretenda negar o "caráter específico da arte" ou o fato de que "a ideia por si só não salva a obra de arte". Para ele, sem "transposição estética do conteúdo ideológico socialista" —isto é, sem "vibração emocional", "conexões com a própria vida" e, enfim, "talento"—, a obra não poderia ser bem-sucedida.
Astrojildo valoriza igualmente os artigos de opinião na imprensa, como os reunidos por José Veríssimo, em "Homens e Coisas Estrangeiras"; as biografias, como a de Monteiro Lobato, por Edgard Cavalheiro, e a de Mario Penaforte, por Onestaldo de Pennafort; os discursos acadêmicos, como o de Álvaro Lins na recepção de Roquete Pinto na ABL; os panfletos políticos, como os do padre Lopes Gama, de Gondin da Fonseca, de Lourival Fontes; as memórias, sobretudo as que valem como depoimento de época e da cidade, como as de Oliveira Lima, Vivaldo Coaracy e Luís Edmundo; os guias, como "No Termo de Cuiabá", de M. Cavalcanti Proença —gêneros pouco prestigiados literariamente, mas que Astrojildo lê gostosamente, elogiando a "comunicabilidade coloquial", o "conhecimento direto, exato e enxuto da realidade vivida" ou o "cheiro muito brasileiro", desde que produzido com "visão realista, sem embelezamentos".
Monografias também o interessam, como "Mutirão", de Clóvis Caldeira, que trata da "variedade das formas que o mutirão assume nas diversas regiões do Brasil"; "O Movimento Sindical no Brasil", de Jover Telles, com uma importante história das greves; "Brasil Século XX", de seu companheiro de partido Rui Facó; assim como relatos de experiência direta como "Minha Experiência em Brasília", de Oscar Niemeyer; enfim, ensaios filosóficos como "Furacão sobre Cuba", de Sartre, que reconhece ser "escritor poderoso", de "extrema sensibilidade", apesar das discordâncias teóricas e políticas.
Pensei até em economizar caracteres nessa multidão de nomes e títulos, mas depois percebi que era a última coisa que deveria fazer. Pois não há nada melhor nos escritos de Astrojildo que essa proliferação de livros e coisas que é, primeiro, o que há de mais próprio em uma miscelânea e, segundo, o que mostra de mais duradouro em sua crítica: não o fio da ideologia, mas a rede distendida de curiosidade e de leitura, o nítido desejo de dar notícias de todas as coisas, o que empresta graça e sociabilidade à erudição.
Não é difícil ver que algumas das questões de Astrojildo permanecem relevantes no cenário brasileiro. A forma de militância que repudiava as desigualdades, como os sectarismos, é uma delas. Outra é o fervor da vida literária, para lembrar o termo de Brito Broca. A paixão revolucionária funde-se com o afã dos livros, a responsabilidade histórica com a bibliomania.
Ainda quando falte fineza teórica ou consistência metodológica em suas análises críticas, tal como apontadas por José Paulo Netto e Leandro Konder, nunca deixa de haver a mais genuína vibração pelo debate cultural.
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Daniel Costa*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Entre as efemérides lembradas em 2022 está a criação do Partido Comunista do Brasil, e no bojo deste acontecimento a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em parceria com a Boitempo, promoveu a reedição da obra do militante, que, animado pelos ecos da Revolução Russa, fundaria em 1922 o PCB. Astrojildo Pereira publicou cinco livros - esgotados há anos -, são eles: Crítica Impura; Formação do PCB; Interpretações; Machado de Assis e URSS Itália Brasil. Ele foi, segundo Dainis Karepovs, "um homem de paixões e convicções inquebrantáveis e duradouras". A reedição de sua obra possibilita às novas gerações desvendar os caminhos trilhados por aquele que pode ser considerado o pioneiro na defesa da construção de uma esquerda democrática.
O professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni classifica Astrojildo como um homem "antidogmático e antissectário por essência”. “Astrojildo bateu-se sempre por uma política radical e ampla para os comunistas", acrescentou. A tarefa a qual se impôs pode ser vista como uma das hipóteses para o apagamento, por parte de setores da esquerda, de sua produção intelectual e relevância para a construção do movimento comunista no país.
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Crítica Impura, o último trabalho publicado por Astrojildo, foi editado em 1963. Como afirma o jornalista Paulo Roberto Pires, a obra "é um livro datado - e nisso está sua qualidade -", reunindo 49 ensaios publicados entre as décadas de 1930 e 1960. Além de trazer questões candentes a seu tempo, oferece ao leitor reflexões acerca da obra de autores como Eça de Queiroz e José Lins do Rego. Dividida em três partes: ensaios e notas de leitura; testemunhos sobre a nova China e cultura e sociedade, a publicação mostra a versatilidade daquele que foi muito além de um dirigente político. A edição conta com o prefácio assinado pela jornalista Josélia Aguiar e ensaio escrito pelo filósofo Leandro Konder, em anexo.
Formação do PCB, lançado originalmente em razão da comemoração dos 40 anos de fundação do partido, foi seu penúltimo livro. Procurando criar uma narrativa histórica das origens do comunismo no país, é o trabalho do autor que mais ganhou reedições. Partindo de artigos e notas publicadas na imprensa, documentos pessoais e a própria memória, Astrojildo aborda as lutas operárias ocorridas nos últimos anos do século XIX e a criação das bases que culminaram na fundação do PCB. Segundo José Antonio Segatto, a reedição do livro, "no momento em que se comemora o centenário de fundação do partido do qual Astrojildo Pereira foi o principal protagonista de sua criação, além de ser uma homenagem mais que justificável, recoloca a questão histórico-política da luta pela emancipação das classes subalternas, num país iníquo ao extremo, com os direitos de cidadania constantemente aviltados e com uma democracia contingente e restrita".
Sem medo de cometer o pecado capital dos historiadores, ou seja, ser anacrônico, podemos constatar que boa parte das batalhas travadas por Astrojildo no alvorecer do século XX seguem atuais. Além do prefácio assinado por Segatto, a edição conta com importante escrito de Astrojildo em anexo, publicado em 1918. O texto A Revolução Russa e a imprensa questiona o tratamento dado pela imprensa aos acontecimentos referentes à Revolução Russa.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
Interpretações, talvez, seja o trabalho menos conhecido de Astrojildo, mesmo com alguns dos textos aparecendo em outras coletâneas ao longo dos anos. Dividido em três partes, Romances brasileiros; História política e social e Guerra e após-guerra, o livro traz, nas palavras de Pedro Meira Monteiro, "a sensibilidade aguda de um crítico que mergulha nos textos, buscando a malha tensa do social, em suas contradições mais fundamentais".
Percorrendo a obra de Machado de Assis, Lima Barreto e Graciliano Ramos, Astrojildo ainda discutirá o papel desempenhado por Rui Barbosa no processo que culminaria na abolição da escravidão. O prefácio da edição é assinado pelo professor Flávio Aguiar, e apresenta, como anexo, o ensaio intitulado "Meu amigo Astrojildo Pereira", escrito por Nelson Werneck Sodré e publicado em 1990, e "As tarefas da inteligência", de Florestan Fernandes, publicado em 1945, ainda sob o calor da publicação da primeira edição do livro.
Machado de Assis, um dos trabalhos mais conhecidos de Astrojildo, teve sua primeira edição em 1959. Desde então, ganhou nova edição em 1990 e outra, em 2008, quando foi comemorado o centenário do bruxo do Cosme Velho. Reunindo estudos publicados em revistas e jornais, o livro pode ser colocado na prateleira dedicada às grandes obras que procuraram discutir a formação da nossa identidade. A riqueza está no pioneirismo de sua análise, pois, por meio da lente do intelectual comunista, Machado de Assis deixou de ser visto como alguém indiferente ao Brasil do século XIX, e sim um escritor que realizou pertinente críticas às desigualdades e contradições da sociedade em sua época. A edição traz prefácio de José Paulo Netto e, como anexos, textos de Euclides da Cunha, Rui Facó e Otto Maria Carpeaux, além de Machado de Assis é nosso, é do povo, de Astrojildo, publicado em 1938, por ocasião dos 30 anos do falecimento de Machado de Assis.
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URSS Itália Brasil, seu livro de estréia, foi lançado em 1935. Reunindo textos publicados entre 1929 e 1934, a obra buscava difundir o ideário comunista pelo país. É dividido em três partes, cada uma dedicada aos países que dão título à publicação. A edição conta com prefácio de Marly Vianna e apresentação de Heitor Ferreira Lima.
Por fim, destaco a reedição da biografia escrita pelo historiador Martin Cezar Feijó, O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural mostra as várias faces de Astrojildo, do militante político ao intelectual amante dos livros e da literatura. Segundo Feijó, sua obra pode ser vista como uma "reflexão sobre um revolucionário que soube ser cordial num contexto de brutalidade".
Com a publicação das obras de Astrojildo Pereira e da biografia escrita por Feijó, o público passa a ter acesso ao pensamento daquele que foi "um revolucionário cordial à frente de seu tempo, tempo este sombrio, pouco dado a cordialidades". No momento em que a sociedade passa a ter esperança na reconstrução da democracia, pensar como e com Astrojildo pavimenta o caminho para a construção de uma esquerda plural e democrática.
Sobre o autor
*Daniel Costa é historiador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e desenvolve pesquisa acerca da corrupção na América portuguesa ao longo do século XVIII.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Coleção Astrojildo tem lançamento no Rio de Janeiro
João Vítor, com edição da coordenadora de Mídias Sociais, Nívia Cerqueira
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, segue a agenda de lançamento para debater a coleção Astrojildo, produzida em parceria com a editora Boitempo.
O próximo evento acontece no Rio de Janeiro, nesta sexta-feira, a partir das 16 horas, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Aberto ao público.
“Me sinto muto honrado em participar deste evento que homenageia Astrojildo Pereira, um dos principais mentores da fundação, neste importantíssimo centenário da PCB”, relata o jornalista e ex-editor de política no Jornal do Brasil, Octávio Costa, convidado a compor a mesa de debate sobre as obras.
FAP realiza debate em lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
O evento contará ainda com a participação do professor emérito da UFRJ e coordenador da coleção Biblioteca Lukács, da Boitempo, José Paulo Netto; o diretor da FAP, o sociólogo Caetano Araújo e o historiador Martin Cezar Feijó, autor do livro O revolucionário cordial - biografia de Astrojildo Pereira.
Araújo comenta a importância do evento para a FAP e o partido. “O Rio de Janeiro tem a ver com o início do PCB e estarão presentes neste lançamento pessoas importantes ligadas ao Cidadania”.
A coleção
Na nova coleção, Astrojildo Pereira (1890-1965) teve seus cinco livros revistos, ampliados e reunidos na nova coleção batizada com o seu nome, lançada em celebração aos 100 anos da história do PCB, do qual ele foi um dos fundadores e primeiro secretário-geral. A obra do historiador Martin Cezar Feijó completa o conjunto de seis títulos.
Astrojildo Pereira é considerado um dos grandes intelectuais e entusiastas de uma política cultural pioneira para o Brasil. Com obras de sua autoria, a coleção chega ao público, com nova padronização editorial e atualização gramatical.
Martin Cezar Feijó faz sessão de autógrafos no 7º Salão do Livro Político
Gilberto Maringoni: entre a análise e a militância
Coleção Astrojildo Pereira é recomendada, ao vivo, para mais de mil internautas
Obras
Confira, abaixo, a relação de seis títulos da Coleção Astrojildo Pereira.
URSS Itália Brasil (1935);
Interpretações (1944);
Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos (1959);
Formação do PCB: 1922-1928 (1962);
Crítica impura (1963);
O revolucionário cordial, de Martin Cezar Feijó
URSS Itália Brasil
“Em suma, a realidade brasileira é a da exploração econômica e da opressão política em que vivem as classes laboriosas, operários da indústria e da lavoura, colonos e pequenos lavradores, artesãos e intelectuais pobres, todos sem exceção jungidos ao capitalismo estrangeiro — ou diretamente nas empresas imperialistas, ou indiretamente por intermédio do capitalismo ‘nacional’. Realidade axiomática, que dispensa demonstração, porque é sentida e sofrida por 99,9% da população brasileira. Realidade-mater, de cujos flancos nascem todas as realidades de um país riquíssimo habitado por uma gente pobríssima”. (Trecho da obra)
Publicada pela primeira vez em 1935, com textos lançados na imprensa de 1929 a 1934, a primeira obra de Astrojildo foi URSS Itália Brasil. O livro é imprescindível para estudiosos dos anos de 1930. Naquela época, o Brasil passava por uma fase de consolidação do Estado centralizado após a chamada Revolução de 30. O comunismo e o fascismo eram poderosas forças que se contrapunham no contexto geopolítico.
Os textos de Astrojildo Pereira registram importantes depoimentos do período e levam ao leitor um rico material de informação e análise sobre a formação do Estado soviético, as condições do fascismo italiano e as contradições intelectuais e políticas do Brasil da primeira metade do século 20.
Interpretações
“Sem dúvida, nem tudo são misérias e desgraças no Nordeste; nem é só no Nordeste que existem misérias e desgraças. Elas existem em todas as regiões do Brasil, de Norte a Sul; existem igualmente em todos os países do mundo, em grau menor ou maior. Já sabemos disso. Mas o de que se trata, nessa questão dos romancistas do Nordeste, é que eles são por vezes acusados de nos seus livros só retratarem a cara feia e dolorosa da miséria nordestina. Demais de injusta, semelhante acusação a meu ver peca pela insensatez e pelo pedantismo”. (Trecho da obra)
A obra Interpretações inclui textos redigidos entre 1929 e 1944, ano em que foi lançada. Com positiva repercussão pela crítica e pelas instituições culturais, o livro foi incluído no Summary of the History of Brazilian Literature, programa de divulgação cultural que colocava Astrojildo ao lado de autores consagrados como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
Interpretações está dividido em três partes: Romances Brasileiros, História política e social e Guerra após Guerra. Obras de diversos romancistas nacionais estão abordadas na primeira parte. Entre eles estão Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Lima Barreto e Graciliano Ramos.
A segunda parte analisa as mudanças históricas da formação brasileira, como o debate sobre a abolição da escravatura, durante o Segundo Reinado. Na terceira e última parte, Astrojildo aborda as questões internacionais, como a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial, além de refletir sobre os deveres do intelectual brasileiro diante do conflito mundial.
Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos
“Assim como o coração tem razões que a razão desconhece, poderíamos talvez dizer que a razão ou o gênio tem sentimentos que o coração desconhece. E nisto reside, ao que suponho, a essência do problema do ‘bom’ e do ‘mau’ Machado de Assis. Era Machado de Assis um homem bom, um homem mau? O ponto preliminar a esclarecer neste caso é o seguinte: o fato de botar a nu a crueldade, a dissimulação, a hipocrisia, as pequenas vaidades e os secretos apetites de homens e mulheres observados na sociedade, e revividos em contos e romances, significa que o psicólogo, que estuda e desnuda o caráter alheio, seja ele próprio portador das taras e defeitos que analisa?” (Trecho da obra)
Lançado pela primeira vez em 1959, o livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos é considerado um dos trabalhos mais importantes e conhecidos de Astrojildo Pereira. Nelas, o intelectual analisa a vida e obra de um dos maiores nomes da literatura brasileira, revelando um escritor perspicaz, crítico atento e sensível e um romancista com forte sentido político e social.
No ano do centenário de fundação do PCB, a obra é relançada, também, com a inclusão de alguns textos. As introduções das edições passadas foram suprimidas, e novos foram incorporadas, com exceção no caso do escrito de José Paulo Netto.
Quase 30 anos depois da redação de Astrojildo: política e cultura, Paulo Netto retomou o seu texto e preparou uma nova versão que abre a presente edição como seu prefácio. O historiador Luccas Eduardo Maldonado assina a orelha. As ilustrações de Claudio de Oliveira utilizadas na terceira edição foram mantidas na atual.
Alguns anexos foram incorporados, como a crônica A última visita, de Euclides da Cunha (1866-1909), na qual relata a visita de Astrojildo Pereira ao leito de morte de Machado de Assis. Outro incremento foi Machado de Assis é nosso, é do povo, do fundador do PCB, publicado em novembro de 1938 na ocasião dos 30 anos do falecimento do Bruxo do Cosme Velho.
O texto apareceu originalmente na Revista Proletária, periódico vinculado ao PCB que tinha uma circulação extremamente restrita devido à ditadura do Estado Novo. Um artigo do militante comunista Rui Facó (1913-1963), intitulado Em memória de Machado de Assis, foi anexado.
Esse texto apareceu originalmente em 27 de setembro de 1958 no Voz Operária, jornal oficial do comitê central do PCB, e fazia uma homenagem ao fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) no cinquentenário de sua morte. Por fim, inclui-se também uma resenha de Machado de Assis de Astrojildo, escrita por Otto Maria Carpeaux, intitulada Tradição e Revolução.
Formação do PCB
“O Congresso de fundação do Partido não foi coisa realizada de improviso, mas resultou de um trabalho de preparação que durou cerca de cinco meses. Por iniciativa e sob a direção do Grupo Comunista instalado no Rio a 7 de novembro de 1821, outros grupos se organizaram, nos centros operários mais importantes do país, com o objetivo precípuo de marchar para a fundação do Partido. Tinha-se em vista estabelecer certos pontos de apoio nas regiões onde havia alguma concentração de massa operária. Compreendia-se, por outro lado, que o Partido devia ter desde o início um caráter definido de partido político de âmbito nacional” (Trecho da obra)
Principal articulador da fundação do PCB em março de 1922, Astrojildo Pereira escreveu, ao longo dos anos, para jornais e revistas, uma série de textos sobre os fatos que marcaram a fundação do partido. Em 1962, quando se comemorava os 40 anos da fundação do partido, reuniu os melhores artigos e notas sobre a história da legenda e os publicou com o título Formação do PCB 1922/1928.
Nesse conjunto de textos, Astrojildo Pereira apresenta as lutas operárias desde os últimos anos do século 19 e a criação das bases que possibilitaram a fundação do partido. Reúne também muitas de suas memórias daqueles anos e uma série de contribuições às revistas Movimento Comunista, A Classe Operária e A Nação, veículos dos quais ele esteve à frente e com que colaborava regularmente.
Crítica impura
“Lima Barreto não era um marxista, longe disso, e nem se pode vislumbrar nos seus escritos nenhum pendor para trabalhos e estudos teóricos que o levassem a uma adesão plena às concepções filosóficas do marxismo. Desde jovem se afizera ao trato dos livros, mas sua formação sofria do mal muito comum do ecletismo, uma certa mistura de materialismo positivista, de liberalismo spenceriano, de anarquismo kropotkiniano e de outros ingredientes semelhantes. Nascido, no entanto, de família pobre, vivendo sempre na pobreza e no meio de gente pobre, fez-se escritor por vocação — escritor honesto e consciente da sua condição”. (Trecho da obra)
Editado originalmente, em 1963, Crítica impura foi o último livro publicado por Astrojildo. É uma das cinco novas edições de obras lançadas em vida pelo fundador do PCB. A obra reúne textos publicados originalmente em diferentes jornais e revistas e selecionados para compor três eixos temáticos.
A primeira parte é dedicada à literatura, com estudos sobre a vida e obra de autores como Machado de Assis, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, José Veríssimo e outros. Nesse momento, pode-se ver a produção que colocou Astrojildo Pereira entre os principais críticos literários brasileiros.
A segunda parte aborda a China comunista. Nela, Astrojildo Pereira analisa uma série de relatos de viagens sobre o país asiático feitos durante os anos 1950 e 1960. Apresenta-se, então, um militante comunista atento ao processo revolucionário chinês que havia ocorrido há pouco. O último eixo aborda as vinculações entre política e cultura, contextos de intervenção pública que marcaram a trajetória política do intelectual em diversos debates centrais do Brasil na metade do século 20.
O revolucionário cordial
“Astrojildo, aos 37 anos de idade, atravessou de trem o centro do país até a cidade de Corumbá, no Mato Grosso, para depois então, de automóvel, se encontrar nas proximidades da fronteira com o líder tenentista – na verdade capitão que havia em pouco tempo se transformado em general – Luís Carlos Prestes, também conhecido como o ‘Cavaleiro da Esperança’. Astrojildo foi bem recebido pelo revolucionário, que queria notícias do Brasil, e deu uma entrevista para o jornal tenentista que promoveu o encontro. Prestes também ficou com os livros sobre teorias revolucionárias que o líder trazia em suas bagagens. O revolucionário exilado, após ter atravessado o país com uma coluna de soldados dispostos a transformarem o quadro de miséria e atraso do Brasil, leu com atenção aqueles livros todos, e considerou aquele visitante um mensageiro que trazia uma nova possibilidade para seu anseio de transformar o mundo e não apenas derrubar um governo. E este encontro levou Astrojildo a receber uma das maiores e mais fortes críticas dentro do partido, de ser “prestista”. Esta foi uma das justificativas de sua expulsão do PCB, depois de ter sido destituído do cargo de secretário-geral, em 1931”. (Trecho da obra)
A obra O revolucionário cordial é uma tentativa de interpretação da trajetória do intelectual Astrojildo Pereira por meio de seus escritos e sua comunicação, principalmente aquela impressa em livros. O trabalho do historiador Martin Cezar Feijó busca apresentar os escritos militantes do fundador do PCB, marcados por profunda tensão entre a revolução e a modernidade, no período que compreende a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e o fim da Segunda Guerra (1939-1945).
O livro analisa a proposta de construção de uma política cultural levantada por Astrojildo Pereira. O projeto de alfabetização proposto por ele levava em conta a cultura popular e preferia chamar à luta um setor da sociedade civil rebelde às imposições do Estado: os intelectuais. Investimento na formação intelectual, moral e estética de todas as pessoas, em condições iguais e democráticas. É a origem de um projeto de política cultural de um revolucionário que leva em conta a memória dos afetos e das dores do país, apontando para um futuro melhor, apesar das adversidades.
Serviço
Lançamento da Coleção Astrojildo Pereira no Rio de Janeiro
Dia: 8/7/2022
Horário: 16h
Onde: ABI Associação Brasileira de Imprensa. Rua Araújo Porto Alegre, 71, auditório do 7º andar ( sala Belisário de Souza), Centro - RJ
Realização: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão de Nívia Cerqueira
Editora resgata extensa obra literária de Astrojildo Pereira
A editora Boitempo e a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) lançam amanhã, às 16h, na Biblioteca Salomão Malina, no Conic, a Coleção Astrojildo Pereira, com as obras completas do jornalista, ensaísta e fundador do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1922, do qual seria expulso em 1930, por ordens de Moscou, no período stalinista marcado pelo chamado “obreirismo”. Na programação, haverá um debate seguido de sessão de autógrafos.
Astrojildo somente seria reintegrado ao partido em 1946. Dedicou-se ao jornalismo, com destaque para a atuação como diretor da revista Estudos Sociais, que circulou de 1958 a 1964. Foi um dos intérpretes do processo de urbanização e industrialização do Brasil e revelou-se excepcional crítico literário. Destacou-se também como biógrafo de Machado de Assis, de quem foi admirador desde a adolescência e personagem de sua despedida, no leito de morte, testemunhada por Coelho Neto, Graça Aranha, Mário de Alencar, José
Veríssimo, Raimundo Correia e Rodrigo Otávio, grandes intelectuais da época.
Conheça a história da visita de Astrojildo Pereira a Machado de Assis
FAP realiza debate em lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
Conheça a trajetória do Partido Comunista do Brasil, fundado há 100 anos
Evento em Niterói (RJ) celebra os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Euclides da Cunha descreveu, no Jornal do Commercio de 30 de setembro de 1908, o encontro do jovem e ainda anônimo intelectual com o escritor já moribundo. “Qualquer que seja o destino desta criança, ela nunca mais subirá tanto na vida. Naquele momento, o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo — no meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra.”
Somente em 1936, o nome do adolescente foi revelado pela escritora Lúcia Miguel Pereira. O episódio serviu de roteiro para um curta-metragem de Zelito Vianna, com Marcos Palmeira no papel do autor de Os Sertões.
Livros raros
Os livros Crítica Impura, Formação do PCB, Interpretações, Machado de Assis e URSS Itália Brasil compõem a coleção, além da biografia Um revolucionário cordial, de autoria do professor e historiador Martim Cézar Feijó, que participará do encontro, ao lado do jornalista Carlos Marchi, biógrafo de Carlos Castello Branco
e Teotônio Vilela. O debate será aberto ao público, na auditório da biblioteca, mediado pelo sociólogo Caetano Araújo, diretor geral da FAP, e transmitido pelas redes sociais.
O lançamento torna acessível ao grande público e aos pesquisadores da história das ideias políticas no Brasil e da literatura brasileira a matriz de uma vertente de pensamento que influenciaria a esquerda brasileira até os dias de hoje e, também, toda uma geração de romancistas que protagonizou a crítica social na nossa literatura, inclusive Jorge Amado. Dentre as obras agora reeditadas, destaca-se Interpretações, publicada pela Casa do Estudante do Brasil, em 1944.
Com prefácio de Flávio Aguiar, professor de Letras aposentado da Universidade de São Paulo, Interpretações analisa as obras de Machado de Assis, Lima Barreto, Manoel Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Almeida, Gastão Cruls e Graciliano Ramos, além de Populações meridionais do Brasil, de Oliveira Viana.
Confira debate sobre Astrojildo Pereira no 7º Salão do Livro Político
Veja vídeo de lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
Paz e democracia
Surpreendem, ao final da obra, dois textos sobre a II Guerra Mundial. No primeiro, Astrojildo faz uma interessante leitura das referências bíblicas às guerras, com claro objetivo de confrontar as atitudes de Hitler e o antissemitismo nazista; no segundo, escrito quando a Força Expedicionária Brasileira (FEB) já lutava nos campos da Itália e a ditadura de Getúlio Vargas estava com os dias contados, debate o papel dos intelectuais na luta contra as ideias fascistas e a importância da consolidação da democracia no pós-guerra.
Textos de Florestan Fernandes dialogando com Astrojildo sobre o papel dos intelectuais, e de Nelson Werneck Sodré, sobre a trajetória política e intelectual de seu amigo, completam a nova edição de Interpretações, que também pode ser adquirida separadamente.
*Texto publicado originalmente em Correio Braziliense
FAP realiza debate em lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) iniciará, na terça-feira (28/6), a série de três lançamentos presenciais da Coleção Astrojildo Pereira, que leva o nome de um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e que morreu aos 75 anos, no Rio de Janeiro, em 1965. O primeiro evento será realizado no Espaço Arildo Dória, auditório da Biblioteca Salomão Malina, em Brasília, a partir das 16 horas, com transmissão ao vivo pela TV FAP e redes sociais da entidade. A entrada é gratuita.
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A coleção foi lançada recentemente pela FAP e Boitempo, que comercializa, em seu site, os seis títulos em uma caixa especial ou avulsos. Confirmaram presença no primeiro evento de lançamento da coleção o diretor-geral da fundação, o sociólogo e consultor do Senado Caetano Araújo; o jornalista e escritor Carlos Marchi e o historiador Martin Cezar Feijó, autor do livro O revolucionário cordial, que é a biografia de Astrojildo Pereira.
Aberto ao público em geral, o primeiro evento da FAP de lançamento da coleção será realizado no auditório, com espaço climatizado, dentro da Biblioteca Salomão Malina. O endereço é SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). Interessados podem buscar informações por meio do WhatsApp (61 984015561).
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Outros lançamentos estão previstos para serem realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos meses de julho e agosto, com participação de intelectuais e admiradores da história de Astrojildo Pereira. Os eventos serão realizados pela FAP, em parceria com a Boitempo.
A coleção
Na nova coleção, Astrojildo Pereira (1890-1965) teve seus cinco livros revistos, ampliados e reunidos na nova coleção batizada com o seu nome, lançada em celebração aos 100 anos da história do PCB, do qual ele foi um dos fundadores e primeiro secretário-geral. A obra do historiador Martin Cezar Feijó completa o conjunto de seis títulos.
Astrojildo Pereira é considerado um dos grandes intelectuais e entusiastas de uma política cultural pioneira para o Brasil. Com obras de sua autoria, a coleção chega ao público, com nova padronização editorial e atualização gramatical.
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Obras
Confira, abaixo, a relação de seis títulos da Coleção Astrojildo Pereira.
URSS Itália Brasil (1935);
Interpretações (1944);
Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos (1959);
Formação do PCB: 1922-1928 (1962);
Crítica impura (1963);
O revolucionário cordial, de Martin Cezar Feijó
URSS Itália Brasil
“Em suma, a realidade brasileira é a da exploração econômica e da opressão política em que vivem as classes laboriosas, operários da indústria e da lavoura, colonos e pequenos lavradores, artesãos e intelectuais pobres, todos sem exceção jungidos ao capitalismo estrangeiro — ou diretamente nas empresas imperialistas, ou indiretamente por intermédio do capitalismo ‘nacional’. Realidade axiomática, que dispensa demonstração, porque é sentida e sofrida por 99,9% da população brasileira. Realidade-mater, de cujos flancos nascem todas as realidades de um país riquíssimo habitado por uma gente pobríssima”. (Trecho da obra)
Publicada pela primeira vez em 1935, com textos lançados na imprensa de 1929 a 1934, a primeira obra de Astrojildo foi URSS Itália Brasil. O livro é imprescindível para estudiosos dos anos de 1930. Naquela época, o Brasil passava por uma fase de consolidação do Estado centralizado após a chamada Revolução de 30. O comunismo e o fascismo eram poderosas forças que se contrapunham no contexto geopolítico.
Os textos de Astrojildo Pereira registram importantes depoimentos do período e levam ao leitor um rico material de informação e análise sobre a formação do Estado soviético, as condições do fascismo italiano e as contradições intelectuais e políticas do Brasil da primeira metade do século 20.
Interpretações
“Sem dúvida, nem tudo são misérias e desgraças no Nordeste; nem é só no Nordeste que existem misérias e desgraças. Elas existem em todas as regiões do Brasil, de Norte a Sul; existem igualmente em todos os países do mundo, em grau menor ou maior. Já sabemos disso. Mas o de que se trata, nessa questão dos romancistas do Nordeste, é que eles são por vezes acusados de nos seus livros só retratarem a cara feia e dolorosa da miséria nordestina. Demais de injusta, semelhante acusação a meu ver peca pela insensatez e pelo pedantismo”. (Trecho da obra)
A obra Interpretações inclui textos redigidos entre 1929 e 1944, ano em que foi lançada. Com positiva repercussão pela crítica e pelas instituições culturais, o livro foi incluído no Summary of the History of Brazilian Literature, programa de divulgação cultural que colocava Astrojildo ao lado de autores consagrados como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
Interpretações está dividido em três partes: Romances Brasileiros, História política e social e Guerra após Guerra. Obras de diversos romancistas nacionais estão abordadas na primeira parte. Entre eles estão Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Lima Barreto e Graciliano Ramos.
A segunda parte analisa as mudanças históricas da formação brasileira, como o debate sobre a abolição da escravatura, durante o Segundo Reinado. Na terceira e última parte, Astrojildo aborda as questões internacionais, como a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial, além de refletir sobre os deveres do intelectual brasileiro diante do conflito mundial.
Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos
“Assim como o coração tem razões que a razão desconhece, poderíamos talvez dizer que a razão ou o gênio tem sentimentos que o coração desconhece. E nisto reside, ao que suponho, a essência do problema do ‘bom’ e do ‘mau’ Machado de Assis. Era Machado de Assis um homem bom, um homem mau? O ponto preliminar a esclarecer neste caso é o seguinte: o fato de botar a nu a crueldade, a dissimulação, a hipocrisia, as pequenas vaidades e os secretos apetites de homens e mulheres observados na sociedade, e revividos em contos e romances, significa que o psicólogo, que estuda e desnuda o caráter alheio, seja ele próprio portador das taras e defeitos que analisa?” (Trecho da obra)
Lançado pela primeira vez em 1959, o livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos é considerado um dos trabalhos mais importantes e conhecidos de Astrojildo Pereira. Nelas, o intelectual analisa a vida e obra de um dos maiores nomes da literatura brasileira, revelando um escritor perspicaz, crítico atento e sensível e um romancista com forte sentido político e social.
No ano do centenário de fundação do PCB, a obra é relançada, também, com a inclusão de alguns textos. As introduções das edições passadas foram suprimidas, e novos foram incorporadas, com exceção no caso do escrito de José Paulo Netto.
Quase 30 anos depois da redação de Astrojildo: política e cultura, Paulo Netto retomou o seu texto e preparou uma nova versão que abre a presente edição como seu prefácio. O historiador Luccas Eduardo Maldonado assina a orelha. As ilustrações de Claudio de Oliveira utilizadas na terceira edição foram mantidas na atual.
Alguns anexos foram incorporados, como a crônica A última visita, de Euclides da Cunha (1866-1909), na qual relata a visita de Astrojildo Pereira ao leito de morte de Machado de Assis. Outro incremento foi Machado de Assis é nosso, é do povo, do fundador do PCB, publicado em novembro de 1938 na ocasião dos 30 anos do falecimento do Bruxo do Cosme Velho.
O texto apareceu originalmente na Revista Proletária, periódico vinculado ao PCB que tinha uma circulação extremamente restrita devido à ditadura do Estado Novo. Um artigo do militante comunista Rui Facó (1913-1963), intitulado Em memória de Machado de Assis, foi anexado.
Esse texto apareceu originalmente em 27 de setembro de 1958 no Voz Operária, jornal oficial do comitê central do PCB, e fazia uma homenagem ao fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) no cinquentenário de sua morte. Por fim, inclui-se também uma resenha de Machado de Assis de Astrojildo, escrita por Otto Maria Carpeaux, intitulada Tradição e Revolução.
Formação do PCB
“O Congresso de fundação do Partido não foi coisa realizada de improviso, mas resultou de um trabalho de preparação que durou cerca de cinco meses. Por iniciativa e sob a direção do Grupo Comunista instalado no Rio a 7 de novembro de 1821, outros grupos se organizaram, nos centros operários mais importantes do país, com o objetivo precípuo de marchar para a fundação do Partido. Tinha-se em vista estabelecer certos pontos de apoio nas regiões onde havia alguma concentração de massa operária. Compreendia-se, por outro lado, que o Partido devia ter desde o início um caráter definido de partido político de âmbito nacional” (Trecho da obra)
Principal articulador da fundação do PCB em março de 1922, Astrojildo Pereira escreveu, ao longo dos anos, para jornais e revistas, uma série de textos sobre os fatos que marcaram a fundação do partido. Em 1962, quando se comemorava os 40 anos da fundação do partido, reuniu os melhores artigos e notas sobre a história da legenda e os publicou com o título Formação do PCB 1922/1928.
Nesse conjunto de textos, Astrojildo Pereira apresenta as lutas operárias desde os últimos anos do século 19 e a criação das bases que possibilitaram a fundação do partido. Reúne também muitas de suas memórias daqueles anos e uma série de contribuições às revistas Movimento Comunista, A Classe Operária e A Nação, veículos dos quais ele esteve à frente e com que colaborava regularmente.
Crítica impura
“Lima Barreto não era um marxista, longe disso, e nem se pode vislumbrar nos seus escritos nenhum pendor para trabalhos e estudos teóricos que o levassem a uma adesão plena às concepções filosóficas do marxismo. Desde jovem se afizera ao trato dos livros, mas sua formação sofria do mal muito comum do ecletismo, uma certa mistura de materialismo positivista, de liberalismo spenceriano, de anarquismo kropotkiniano e de outros ingredientes semelhantes. Nascido, no entanto, de família pobre, vivendo sempre na pobreza e no meio de gente pobre, fez-se escritor por vocação — escritor honesto e consciente da sua condição”. (Trecho da obra)
Editado originalmente, em 1963, Crítica impura foi o último livro publicado por Astrojildo. É uma das cinco novas edições de obras lançadas em vida pelo fundador do PCB. A obra reúne textos publicados originalmente em diferentes jornais e revistas e selecionados para compor três eixos temáticos.
A primeira parte é dedicada à literatura, com estudos sobre a vida e obra de autores como Machado de Assis, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, José Veríssimo e outros. Nesse momento, pode-se ver a produção que colocou Astrojildo Pereira entre os principais críticos literários brasileiros.
A segunda parte aborda a China comunista. Nela, Astrojildo Pereira analisa uma série de relatos de viagens sobre o país asiático feitos durante os anos 1950 e 1960. Apresenta-se, então, um militante comunista atento ao processo revolucionário chinês que havia ocorrido há pouco. O último eixo aborda as vinculações entre política e cultura, contextos de intervenção pública que marcaram a trajetória política do intelectual em diversos debates centrais do Brasil na metade do século 20.
O revolucionário cordial
“Astrojildo, aos 37 anos de idade, atravessou de trem o centro do país até a cidade de Corumbá, no Mato Grosso, para depois então, de automóvel, se encontrar nas proximidades da fronteira com o líder tenentista – na verdade capitão que havia em pouco tempo se transformado em general – Luís Carlos Prestes, também conhecido como o ‘Cavaleiro da Esperança’. Astrojildo foi bem recebido pelo revolucionário, que queria notícias do Brasil, e deu uma entrevista para o jornal tenentista que promoveu o encontro. Prestes também ficou com os livros sobre teorias revolucionárias que o líder trazia em suas bagagens. O revolucionário exilado, após ter atravessado o país com uma coluna de soldados dispostos a transformarem o quadro de miséria e atraso do Brasil, leu com atenção aqueles livros todos, e considerou aquele visitante um mensageiro que trazia uma nova possibilidade para seu anseio de transformar o mundo e não apenas derrubar um governo. E este encontro levou Astrojildo a receber uma das maiores e mais fortes críticas dentro do partido, de ser “prestista”. Esta foi uma das justificativas de sua expulsão do PCB, depois de ter sido destituído do cargo de secretário-geral, em 1931”. (Trecho da obra)
A obra O revolucionário cordial é uma tentativa de interpretação da trajetória do intelectual Astrojildo Pereira por meio de seus escritos e sua comunicação, principalmente aquela impressa em livros. O trabalho do historiador Martin Cezar Feijó busca apresentar os escritos militantes do fundador do PCB, marcados por profunda tensão entre a revolução e a modernidade, no período que compreende a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e o fim da Segunda Guerra (1939-1945).
O livro analisa a proposta de construção de uma política cultural levantada por Astrojildo Pereira. O projeto de alfabetização proposto por ele levava em conta a cultura popular e preferia chamar à luta um setor da sociedade civil rebelde às imposições do Estado: os intelectuais. Investimento na formação intelectual, moral e estética de todas as pessoas, em condições iguais e democráticas. É a origem de um projeto de política cultural de um revolucionário que leva em conta a memória dos afetos e das dores do país, apontando para um futuro melhor, apesar das adversidades.
Gilberto Maringoni: entre a análise e a militância
Gilberto Maringoni, Carta Capital*
Os cem anos de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) mereceram comemorações públicas abaixo de sua importância histórica. No mundo editorial há, no entanto, uma celebração maiúscula: a reedição das obras completas de Astrojildo Pereira (1890-1965), um dos fundadores e um dos primeiros teóricos da agremiação.
Lançados esparsamente entre 1935 e 1963 por pequenas e heroicas editoras, os cinco volumes vêm agora numa caixa, acrescidos de um sexto. Trata-se de O revolucionário cordial, perfil político de autoria de Martin Cezar Feijó. Estamos diante de um de nossos raros intelectuais orgânicos a serviço de uma causa transformadora, para usar a definição de Gramsci.
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Em Astrojildo, biografia e bibliografia são inseparáveis. Da obra, pode-se dizer que “é como Portugal e os jumentos: é pequena, mas tem uma história grande”. A definição bem-humorada é dele mesmo, ao classificar seu primeiro livro URSS, Itália e Brasil, lançado numa magérrima tiragem de 180 exemplares, em 1935.
A vida política do personagem, ao contrário, foi longa e rocambolesca. Como líder anarquista na juventude, percebeu as limitações de uma ação pública sem organicidade definida e teoricamente frágil. Influenciado pelos ventos da Revolução Russa, logo transitou para o marxismo e o comunismo.
Esse carioca de Rio Bonito foi o único brasileiro a presenciar os funerais de Lenin, em 1924, “sob um frio de 30 graus abaixo de zero”, em Moscou. Em sua folha corrida consta o feito de levar os primeiros livros marxistas ao capitão do Exército que liderara uma marcha pelo interior do Brasil entre 1925 e 1927. Por suas mãos, Luís Carlos Prestes começou a trajetória de dirigente comunista, num encontro na Bolívia, em 1929.
Em reviravolta marcada por acusações de desvios pequeno-burgueses e sectarismos variados, foi expulso, no ano seguinte, do Partido, ao qual voltaria apenas em 1945. Seguiu a partir daí trajetória inusitada, de vendedor de frutas a refinado crítico literário.
Os primórdios do comunismo no Brasil geraram dois intelectuais que viviam às turras entre si, Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, autor de Agrarismo e industrialismo (1927), tentativa de se fazer um levantamento da economia brasileira sob a ótica socialista. Lido hoje, o livro mostra-se primário e maniqueísta, mas foi uma ousadia em tempos de escassez de dados oficiais e reduzido acesso à literatura marxista. O que Brandão exibia de dogmatismo, Astrojildo escancarava em criatividade e aplicação flexível do materialismo dialético.
Seu segundo livro, Interpretações (1944), é uma espécie de portfólio pessoal. Nos anos finais do Estado Novo, o autor revela maturidade intelectual em análises literárias e históricas, em pelo menos dois ensaios longos e inovadores. O primeiro é “Machado de Assis, romancista do segundo Reinado”, no qual aponta “uma consonância íntima e profunda entre o labor literário (…) e o sentido da evolução política e social do Brasil”, com destaque para a escravidão. O segundo é “Confissões de Lima Barreto”, sobre o autor que pertencia “à categoria dos romancistas que (…) menos se escondem e se dissimulam” em suas obras.
É pouco provável que Astrojildo tivesse contato com as formulações pioneiras do marxismo no terreno da estética, em especial as de György Lukács, lançadas no Brasil no início do século XXI. A esse respeito, José Paulo Netto assinala, no prefácio de Machado de Assis (1959), terceiro volume da coleção, que seu “quadro teórico (…) era pobre” no âmbito da crítica literária. É, porém, inegável que o fundador do PCB incide com competência nas relações entre literatura e ideologia.
Nessa obra, ele dá seguimento ao caminho aberto por José Veríssimo, em História da literatura brasileira (1912), que arrisca estabelecer correspondências entre a literatura e a ideia de nação. A partir de uma crônica de 1873, Astrojildo especifica: “O problema da literatura como representação e interpretação da nacionalidade foi, com efeito, uma constante inalterável em toda a obra de Machado de Assis”. O conceito de nação, um dos mais controversos nas Ciências Sociais, é enfrentado sem escorregões pelo autor.
Astrojildo jamais colocou suas memórias no papel. Apenas um fragmento foi produzido, com Formação do PCB (1962), lançado para as comemorações dos 40 anos do Partido. Uma observação feita no prefácio dá a noção do país em que o ativista se formou: “Não nos esqueçamos que o PCB, em 40 anos de vida, passou ao menos 35 na ilegalidade”. Se estendermos a observação para os dias atuais, podemos dizer que a agremiação enfrentou seis décadas e meia de proscrição institucional.
Há, no livro, uma permanente tensão entre o analista e o militante, o que o leva a delimitar seu período de análise do Partido entre 1922 e 1929, ou seja entre os antecedentes da fundação da legenda e a data de seu III Congresso. Nada há sobre o abalo político representado por sua expulsão.
Crítica impura (1963) é seu último e mais alentado trabalho, e único publicado por uma grande editora, a Civilização Brasileira. Nele, Astrojildo alarga seu radar reflexivo para autores como Eça de Queiroz, José Lins do Rego, Monteiro Lobato, Aníbal Machado, José Veríssimo e Howard Fast, e faz ensaios sobre Cuba, China, sindicalismo, escravidão etc.
Preso aos 74 anos, após o golpe, Astrojildo Pereira morreria em 1965, de ataque cardíaco. A reedição de seus textos deve ser saudada em tempos nos quais o país se debate entre um obscurantismo tacanho e a possibilidade da retomada de tradições democráticas e libertárias no terreno cultural.
*Texto publicado originalmente no Carta Capital
Merval Pereira: Machadiano
Merval Pereira, O Globo
À falta de coisa melhor na política, num momento em que a radicalização leva a situações surreais no país, dedico este espaço a um encontro acontecido no leito de morte de Machado de Assis em sua casa no Cosme Velho, que não existe mais pela incúria de nossa política cultural. Um encontro entre um jovem estudante, que se tornaria importante figura da política nacional, e o maior escritor brasileiro.
Foi assim que Euclides da Cunha descreveu o encontro, no Jornal do Commercio de 30 de setembro de 1908:
“Neste momento, precisamente ao anunciar-se esse juízo desalentado, ouviram-se umas tímidas pancadas na porta principal da entrada. Abriram-na. Apareceu um desconhecido: um adolescente, de 16 ou 18 anos, no máximo.
Perguntaram-lhe o nome. Declarou ser desnecessário dizê-lo: ninguém ali o conhecia; não conhecia por sua vez ninguém; não conhecia o próprio dono da casa, a não ser pela leitura de seus livros, que o encantavam. Por isso, ao ler nos jornais da tarde que o escritor se achava em estado gravíssimo, tivera o pensamento de visitálo. Relutara contra essa ideia, não tendo quem o apresentasse: mas não lograva vencê-la. Que o desculpassem, portanto. Se lhe não era dado ver o enfermo, dessem-lhe ao menos notícias certas de seu estado.
E o anônimo juvenil — vindo da noite — foi conduzido ao quarto do doente. Chegou. Não disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão do mestre, beijou-a num belo gesto de carinho filial. Aconchegou-o depois por algum tempo ao peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu.
À porta, José Veríssimo perguntou-lhe o nome. Disse-lho.
Mas deve ficar anônimo. Qualquer que seja o destino desta criança, ela nunca mais subirá tanto na vida.
Naquele momento o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo — no meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra.
Ele saiu — e houve na sala, há pouco invadida de desalentos, uma transfiguração.”
Estavam reunidos na casa, relata Euclides, grandes intelectuais como Coelho Neto, Graça Aranha, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo Correia e Rodrigo Otávio. O nome ficou guardado durante muitos anos, até que a escritora Lúcia Miguel Pereira revelou, em 1936, ser Astrojildo Pereira, que viria a se tornar escritor, jornalista, crítico literário e entraria na História do Brasil como fundador do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que completa 100 anos.
Para comemorar a data, a editora Boitempo, em colaboração com a Fundação Astrojildo Pereira, ligada ao partido político Cidadania, comandado por Roberto Freire, o antigo PCB que, depois de um aggiornamento necessário, está, em companhia de PSDB e MDB, em busca de uma saída que supere a polarização entre Lula e Bolsonaro, editou sua obra, que pode ser comprada em uma caixa de seis livros ou separados.
O único dos livros que não é obra dele chama-se “O revolucionário cordial”, em que o historiador Martin Cezar Feijó descreve Astrojildo Pereira como um “revolucionário cordial, à frente de seu tempo, tempo este sombrio, pouco dado a cordialidades, entendida como subserviência ou oportunismo”. Os outros contêm textos sobre a criação do PCB, suas críticas, literárias e políticas, que levaram Francisco de Assis Barbosa a classificá-lo como “um dos nossos mais completos homens de letras, tais a seriedade de sua cultura e a clareza de seu estilo”.
Em sua faceta de crítico literário, Astrojildo Pereira, com outros intelectuais como Nelson Werneck Sodré, liderou o movimento para analisar as obras de escritores brasileiros não apenas nos aspectos formais, mas também sociais na construção dos textos, como salienta o professor de História Luccas Eduardo Maldonado na orelha do livro “Machado de Assis”, que reúne ensaios e artigos publicados esparsamente.
Pois o mesmo José Veríssimo, jornalista, escritor, crítico de literatura brasileira, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que o recebeu à porta da casa de Machado de Assis naquele dia fatídico, foi um dos mais criticados por Astrojildo, por não contextualizar, na análise dos livros, a situação do país em que as tramas se passam. Em Machado de Assis, Astrojildo via um escritor crítico das diversas desigualdades e contradições da sociedade da época.
No texto “Machado de Assis, romancista do Segundo Reinado”, ressalta Maldonado, o futuro fundador do PCB via “na sutileza e ironia” a característica do texto machadiano, “uma série de ácidas críticas à sociedade brasileira do Segundo Império”.
*Texto publicado originalmente em O Globo
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP
Um dos grandes intelectuais e entusiastas de uma política cultural pioneira para o Brasil, Astrojildo Pereira (1890-1965) teve seus cinco livros revistos, ampliados e reunidos na nova coleção batizada com o seu nome, lançada neste mês em celebração aos 100 anos da história do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual ele foi fundador e primeiro secretário-geral. Outra obra do historiador Martin Cezar Feijó completa o conjunto de seis títulos.
A coleção foi lançada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e editora Boitempo, com nova padronização editorial e atualização gramatical. As obras são: URSS Itália Brasil (1935), Interpretações (1944), Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos (1959), Formação do PCB: 1922-1928 (1962) e Crítica impura (1963). A biografia O revolucionário cordial, de Martin Cezar Feijó, completa o conjunto de obras.
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URSS Itália Brasil
“Em suma, a realidade brasileira é a da exploração econômica e da opressão política em que vivem as classes laboriosas, operários da indústria e da lavoura, colonos e pequenos lavradores, artesãos e intelectuais pobres, todos sem exceção jungidos ao capitalismo estrangeiro — ou diretamente nas empresas imperialistas, ou indiretamente por intermédio do capitalismo ‘nacional’. Realidade axiomática, que dispensa demonstração, porque é sentida e sofrida por 99,9% da população brasileira. Realidade-mater, de cujos flancos nascem todas as realidades de um país riquíssimo habitado por uma gente pobríssima”. (Trecho da obra)
Publicada pela primeira vez em 1935, com textos lançados na imprensa de 1929 a 1934, a primeira obra de Astrojildo foi URSS Itália Brasil. O livro é imprescindível para estudiosos dos anos de 1930. Naquela época, o Brasil passava por uma fase de consolidação do Estado centralizado após a chamada Revolução de 30. O comunismo e o fascismo eram poderosas forças que se contrapunham no contexto geopolítico.
Os textos de Astrojildo Pereira registram importantes depoimentos do período e levam ao leitor um rico material de informação e análise sobre a formação do Estado soviético, as condições do fascismo italiano e as contradições intelectuais e políticas do Brasil da primeira metade do século 20.
Interpretações
“Sem dúvida, nem tudo são misérias e desgraças no Nordeste; nem é só no Nordeste que existem misérias e desgraças. Elas existem em todas as regiões do Brasil, de Norte a Sul; existem igualmente em todos os países do mundo, em grau menor ou maior. Já sabemos disso. Mas o de que se trata, nessa questão dos romancistas do Nordeste, é que eles são por vezes acusados de nos seus livros só retratarem a cara feia e dolorosa da miséria nordestina. Demais de injusta, semelhante acusação a meu ver peca pela insensatez e pelo pedantismo”. (Trecho da obra)
A obra Interpretações inclui textos redigidos entre 1929 e 1944, ano em que foi lançada. Com positiva repercussão pela crítica e pelas instituições culturais, o livro foi incluído no Summary of the History of Brazilian Literature, programa de divulgação cultural que colocava Astrojildo ao lado de autores consagrados como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
Interpretações está dividido em três partes: Romances Brasileiros, História política e social e Guerra após Guerra. Obras de diversos romancistas nacionais estão abordadas na primeira parte. Entre eles estão Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Lima Barreto e Graciliano Ramos.
A segunda parte analisa as mudanças históricas da formação brasileira, como o debate sobre a abolição da escravatura, durante o Segundo Reinado. Na terceira e última parte, Astrojildo aborda as questões internacionais, como a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial, além de refletir sobre os deveres do intelectual brasileiro diante do conflito mundial.
Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos
“Assim como o coração tem razões que a razão desconhece, poderíamos talvez dizer que a razão ou o gênio tem sentimentos que o coração desconhece. E nisto reside, ao que suponho, a essência do problema do ‘bom’ e do ‘mau’ Machado de Assis. Era Machado de Assis um homem bom, um homem mau? O ponto preliminar a esclarecer neste caso é o seguinte: o fato de botar a nu a crueldade, a dissimulação, a hipocrisia, as pequenas vaidades e os secretos apetites de homens e mulheres observados na sociedade, e revividos em contos e romances, significa que o psicólogo, que estuda e desnuda o caráter alheio, seja ele próprio portador das taras e defeitos que analisa?” (Trecho da obra)
Lançado pela primeira vez em 1959, o livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos é considerado um dos trabalhos mais importantes e conhecidos de Astrojildo Pereira. Nelas, o intelectual analisa a vida e obra de um dos maiores nomes da literatura brasileira, revelando um escritor perspicaz, crítico atento e sensível e um romancista com forte sentido político e social.
No ano do centenário de fundação do PCB, a obra é relançada, também, com a inclusão de alguns textos. As introduções das edições passadas foram suprimidas, e novos foram incorporadas, com exceção no caso do escrito de José Paulo Netto.
Quase 30 anos depois da redação de Astrojildo: política e cultura, Paulo Netto retomou o seu texto e preparou uma nova versão que abre a presente edição como seu prefácio. O historiador Luccas Eduardo Maldonado assina a orelha. As ilustrações de Claudio de Oliveira utilizadas na terceira edição foram mantidas na atual.
Alguns anexos foram incorporados, como a crônica A última visita, de Euclides da Cunha (1866-1909), na qual relata a visita de Astrojildo Pereira ao leito de morte de Machado de Assis. Outro incremento foi Machado de Assis é nosso, é do povo, do fundador do PCB, publicado em novembro de 1938 na ocasião dos 30 anos do falecimento do Bruxo do Cosme Velho.
O texto apareceu originalmente na Revista Proletária, periódico vinculado ao PCB que tinha uma circulação extremamente restrita devido à ditadura do Estado Novo. Um artigo do militante comunista Rui Facó (1913-1963), intitulado Em memória de Machado de Assis, foi anexado.
Esse texto apareceu originalmente em 27 de setembro de 1958 no Voz Operária, jornal oficial do comitê central do PCB, e fazia uma homenagem ao fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) no cinquentenário de sua morte. Por fim, inclui-se também uma resenha de Machado de Assis de Astrojildo, escrita por Otto Maria Carpeaux, intitulada Tradição e Revolução.
Formação do PCB
“O Congresso de fundação do Partido não foi coisa realizada de improviso, mas resultou de um trabalho de preparação que durou cerca de cinco meses. Por iniciativa e sob a direção do Grupo Comunista instalado no Rio a 7 de novembro de 1821, outros grupos se organizaram, nos centros operários mais importantes do país, com o objetivo precípuo de marchar para a fundação do Partido. Tinha-se em vista estabelecer certos pontos de apoio nas regiões onde havia alguma concentração de massa operária. Compreendia-se, por outro lado, que o Partido devia ter desde o início um caráter definido de partido político de âmbito nacional” (Trecho da obra)
Principal articulador da fundação do PCB em março de 1922, Astrojildo Pereira escreveu, ao longo dos anos, para jornais e revistas, uma série de textos sobre os fatos que marcaram a fundação do partido. Em 1962, quando se comemorava os 40 anos da fundação do partido, reuniu os melhores artigos e notas sobre a história da legenda e os publicou com o título Formação do PCB 1922/1928.
Nesse conjunto de textos, Astrojildo Pereira apresenta as lutas operárias desde os últimos anos do século 19 e a criação das bases que possibilitaram a fundação do partido. Reúne também muitas de suas memórias daqueles anos e uma série de contribuições às revistas Movimento Comunista, A Classe Operária e A Nação, veículos dos quais ele esteve à frente e com que colaborava regularmente.
Crítica impura
“Lima Barreto não era um marxista, longe disso, e nem se pode vislumbrar nos seus escritos nenhum pendor para trabalhos e estudos teóricos que o levassem a uma adesão plena às concepções filosóficas do marxismo. Desde jovem se afizera ao trato dos livros, mas sua formação sofria do mal muito comum do ecletismo, uma certa mistura de materialismo positivista, de liberalismo spenceriano, de anarquismo kropotkiniano e de outros ingredientes semelhantes. Nascido, no entanto, de família pobre, vivendo sempre na pobreza e no meio de gente pobre, fez-se escritor por vocação — escritor honesto e consciente da sua condição”. (Trecho da obra)
Editado originalmente, em 1963, Crítica impura foi o último livro publicado por Astrojildo. É uma das cinco novas edições de obras lançadas em vida pelo fundador do PCB. A obra reúne textos publicados originalmente em diferentes jornais e revistas e selecionados para compor três eixos temáticos.
A primeira parte é dedicada à literatura, com estudos sobre a vida e obra de autores como Machado de Assis, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, José Veríssimo e outros. Nesse momento, pode-se ver a produção que colocou Astrojildo Pereira entre os principais críticos literários brasileiros.
A segunda parte aborda a China comunista. Nela, Astrojildo Pereira analisa uma série de relatos de viagens sobre o país asiático feitos durante os anos 1950 e 1960. Apresenta-se, então, um militante comunista atento ao processo revolucionário chinês que havia ocorrido há pouco. O último eixo aborda as vinculações entre política e cultura, contextos de intervenção pública que marcaram a trajetória política do intelectual em diversos debates centrais do Brasil na metade do século 20.
O revolucionário cordial
“Astrojildo, aos 37 anos de idade, atravessou de trem o centro do país até a cidade de Corumbá, no Mato Grosso, para depois então, de automóvel, se encontrar nas proximidades da fronteira com o líder tenentista – na verdade capitão que havia em pouco tempo se transformado em general – Luís Carlos Prestes, também conhecido como o ‘Cavaleiro da Esperança’. Astrojildo foi bem recebido pelo revolucionário, que queria notícias do Brasil, e deu uma entrevista para o jornal tenentista que promoveu o encontro. Prestes também ficou com os livros sobre teorias revolucionárias que o líder trazia em suas bagagens. O revolucionário exilado, após ter atravessado o país com uma coluna de soldados dispostos a transformarem o quadro de miséria e atraso do Brasil, leu com atenção aqueles livros todos, e considerou aquele visitante um mensageiro que trazia uma nova possibilidade para seu anseio de transformar o mundo e não apenas derrubar um governo. E este encontro levou Astrojildo a receber uma das maiores e mais fortes críticas dentro do partido, de ser “prestista”. Esta foi uma das justificativas de sua expulsão do PCB, depois de ter sido destituído do cargo de secretário-geral, em 1931”. (Trecho da obra)
A obra O revolucionário cordial é uma tentativa de interpretação da trajetória do intelectual Astrojildo Pereira por meio de seus escritos e sua comunicação, principalmente aquela impressa em livros. O trabalho do historiador Martin Cezar Feijó busca apresentar os escritos militantes do fundador do PCB, marcados por profunda tensão entre a revolução e a modernidade, no período que compreende a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e o fim da Segunda Guerra (1939-1945).
O livro analisa a proposta de construção de uma política cultural levantada por Astrojildo Pereira. O projeto de alfabetização proposto por ele levava em conta a cultura popular e preferia chamar à luta um setor da sociedade civil rebelde às imposições do Estado: os intelectuais. Investimento na formação intelectual, moral e estética de todas as pessoas, em condições iguais e democráticas. É a origem de um projeto de política cultural de um revolucionário que leva em conta a memória dos afetos e das dores do país, apontando para um futuro melhor, apesar das adversidades.
Conheça a história da visita de Astrojildo Pereira a Machado de Assis
João Rodrigues, da equipe da FAP
No mês do centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB), publicamos a história do breve encontro entre Astrojildo Pereira e Machado de Assis, um dia antes de morrer. O momento foi descrito por Euclides da Cunha, numa homenagem ao escritor publicado em 30 de setembro de 1908, no Jornal do Commercio.
"Chegou, não disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão do mestre, beijou-a num belo gesto de carinho filial. Aconchegou-a depois de algum tempo ao peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu", escreveu Euclides da Cunha sobre a visita de Astrojildo Pereira a Machado de Assis.
Confira abaixo o vídeo.
Astrojildo Pereira e Luiz Carlos Prestes: admiração e respeito mútuos
*Anita Leocadia Prestes, Blog da Boi Tempo
A nova edição de toda a obra de Astrojildo Pereira, revista e ampliada, e a reedição da sua biografia, escrita por Martin Cezar Feijó, pela editora Boitempo em comemoração aos 100 anos do PCB,1 constituem um ensejo propício ao resgate de alguns momentos do relacionamento estabelecido entre este fundador do partido, reconhecido intelectual brasileiro, e Luiz Carlos Prestes, conhecido como o “Cavaleiro da Esperança” e secretário-geral do Partido Comunista por cerca de 40 anos.
O primeiro contato entre Astrojildo e Prestes aconteceu na cidade boliviana de Puerto Suarez, na segunda quinzena de dezembro de 1927. Desde fevereiro desse ano, Prestes encontrava-se na Bolívia trabalhando numa empresa inglesa de terraplenagem junto com os combatentes da Marcha da Coluna, que haviam se exilado nesse país. Astrojildo, secretário-geral do PCB, viajara com a tarefa de tentar uma aproximação política com o líder dos “tenentes” – vistos pelos comunistas como a representação da “pequena burguesia revolucionária” – e, ao mesmo tempo, levava uma certa quantidade de livros de autores marxistas para lhe oferecer. Nas palavras do próprio Astrojildo:
Entreguei-os a Prestes dizendo-lhe que era nosso desejo que ele estudasse por si mesmo a teoria e a prática da política pelas quais buscávamos orientar o Partido Comunista, inteirando-se assim, não só dos princípios e fins da nossa atividade prática, mas também das soluções que a ciência marxista apresentava para os problemas sociais do nosso tempo. Devo hoje acrescentar que, ao dizer-lhe estas coisas, eu guardava a esperança de que Prestes, ao tomar conhecimento direto das ideias marxistas, não demoraria em compreender que elas exprimiam a verdade do presente e do futuro. Sua inteligência, sua honradez, sua experiência pessoal no contato com a gente e as coisas brasileiras fariam o resto. Os fatos demonstraram que eu não me enganava.2
Palavras estas que foram escritas 35 anos depois do encontro com Prestes; reveladoras, portanto, da permanência da admiração e do respeito de Astrojildo pelo seu interlocutor de então. No início de 1928, de volta ao Rio de Janeiro, o dirigente comunista publicou longa entrevista com Prestes, em três números consecutivos do jornal tenentista A Esquerda, dirigido por Pedro Mota Lima.
Consequência da virada na política da Internacional Comunista com a realização em 1928 do seu VI Congresso e da sua repercussão no PCB, Astrojildo Pereira foi expulso das fileiras comunistas em 1930.3 Afastado do partido, ao qual até então dedicara todos seus esforços, nunca o criticou de público, mantendo-se fiel às ideias marxistas e aos ideais revolucionários que abraçara ainda na juventude; dedicou-se especialmente à atividade literária e à manutenção de sua própria sobrevivência.
Ao final do período do Estado Novo, nos anos 1944/45, Astrojildo se uniria às forças democráticas que se mobilizavam na luta contra o nazifascismo e pela democratização do país. Foi um participante ativo e destacado do I Congresso Nacional de Escritores realizado no início de 1945, que desempenhou papel importante nesse processo.
Sob a influência do ambiente reinante nos meios intelectuais daquele momento, empolgados com o lançamento da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República, considerado herói dos “18 do Forte” de Copacabana e das revoltas tenentistas dos anos 1920, Astrojildo – nas palavras de Nelson Werneck Sodré – “acompanhou, de início, esta candidatura. E não foi ele, somente, mas muitos democratas sinceros e até pessoas de formação política de esquerda.”4
Astrojildo foi dos primeiros a visitar Prestes na prisão, quando isso lhe foi permitido, em março de 1945. Nessa ocasião comunicou a Prestes que acabara de assinar manifesto de apoio à candidatura do Brigadeiro. Advertido por Prestes ser esse o candidato do imperialismo e dos setores de direita empenhados na preparação de um golpe para deter o avanço das medidas de democratização do país que estavam sendo realizadas com a permanência de Getúlio Vargas no poder, Astrojildo imediatamente retirou sua assinatura do manifesto, revelando respeito e admiração pelo líder comunista, que se mostrara atencioso e compreensivo com ele.5
Com a legalização do PCB no final de 1945, Astrojildo solicitou sua reintegração no partido, cujo secretário-geral, eleito em 1943 na Conferência da Mantiqueira, era Luiz Carlos Prestes, dirigente comunista que nutria consideração e admiração pelo fundador do PCB. O velho militante dispôs-se a realizar uma autocrítica de suas atividades políticas, de acordo com a prática então em vigor entre os comunistas. Voltou a militar nas fileiras partidárias, concentrando seus esforços principais no trabalho intelectual na redação de revistas ligadas ao PCB, passando a dirigir, por exemplo, a revista Literatura, cujo conselho de redação revelava o caráter amplo que lhe foi atribuído, contando com a participação de intelectuais como Álvaro Moreyra, Aníbal Machado, Artur Ramos, Graciliano Ramos, Orígenes Lessa e Manuel Bandeira.6
Poucos meses depois, em julho de 1946, por ocasião da Terceira Conferência Nacional do PCB, foi eleito um Comitê Central, renovado e ampliado, sendo Astrojildo incluído entre seus novos suplentes,7 o que confirmava sua aceitação por parte de Prestes e do novo núcleo dirigente do partido.
No IV Congresso do PCB, realizado na clandestinidade em novembro de 1954, Astrojildo foi escolhido para fazer o discurso de abertura do conclave, honraria especial prestada ao fundador do partido.8 Posteriormente, no V Congresso, em 1960, Astrojildo foi eleito membro efetivo do Comitê Central,9 posição em que seria mantido após o golpe civil-militar de 1964, segundo dados apresentados por Ronald H. Chilcote, tendo por base fontes aparentemente confiáveis.10
Na condição de membro da direção do PCB, Astrojildo dirigiu várias revistas do PCB ou próximas ao partido. Foi diretor e redator-chefe de Problemas da Paz e do Socialismo, revista dedicada aos temas do movimento comunista internacional. Em 1958, fundou e dirigiu Estudos Sociais, revista teórica vinculada ao PCB, que circulou até 1964. Colaborou nos jornais do PCB, Imprensa Popular (1948-1958) e Novos Rumos (1958-1964).
Em 1962, a editora Vitória, pertencente ao PCB publicou o livro Formação do PCB (1922/1928): notas e documentos de autoria de Astrojildo Pereira.11 Seu lançamento oficial, durante as comemorações do 40° aniversário da fundação do PCB, teve caráter festivo com a presença de Luiz Carlos Prestes e de vários dirigentes do partido. Nesses anos, de 1958 a 1964, durante os quais, embora o PCB não tivesse a legalidade reconhecida, sua atuação na prática era quase legal, Prestes, então seu secretário-geral, procurou prestigiar a figura do fundador do partido. Apoiou a publicação do seu livro sobre a história da formação do PCB e, sempre que possível, comparecia às homenagens que lhe eram prestadas.
Nas fotos abaixo estão registrados momentos do banquete oferecido a Astrojildo por um número expressivo de representantes da intelectualidade carioca, em 12 de maio de 1962, por ocasião dos 50 anos de sua atividade jornalística. Em lugar de honra, à sua esquerda, encontro-me eu, filha de Luiz Carlos Prestes, que me pedira para representá-lo, uma vez que, devido às suas atividades partidárias, estava fora do Rio; Novos Rumos, o jornal legal do PCB, publicou uma página inteira dedicada à efeméride,12 revelando a admiração e o respeito que Prestes e a direção do PCB tinham pela personalidade de Astrojildo Pereira.13
No início de 1965, com a saúde seriamente abalada, Astrojildo, por força de um habeas corpus, saiu da prisão, em que estivera detido pelos militares que governavam o Brasil naquele período de ditadura militar. A pedido de Prestes, forçado a viver clandestino devido à intensa repressão policial, eu e minha tia Lygia Prestes visitamos Astrojildo em sua modesta residência situada na Rua do Bispo, na cidade do Rio de Janeiro. Muito debilitado devido a problemas cardíacos, agravados durante os meses de prisão, Astrojildo faleceu aos 75 anos em 20 de novembro daquele ano. Novamente, a pedido do meu pai, eu e a tia Lygia o representamos no enterro, realizado em cemitério de Niterói, no Rio de Janeiro.
Ao destacar a atitude de admiração e respeito de Luiz Carlos Prestes por Astrojildo Pereira, vale a pena lembrar o empenho do então secretário-geral do PCB, durante seu exílio na União Soviética nos anos 1970, pela preservação do arquivo do fundador do partido, que corria o risco de ser apreendido pela polícia no Brasil. José Luiz Del Roio, escritor e então militante do PCB, ex-senador na Itália, conta em vídeo-entrevista que Prestes, preocupado, se dirigiu a ele, em busca de uma instituição na Europa para onde a documentação reunida por Astrojildo – uma coletânea valiosa de documentos e jornais do movimento operário brasileiro – pudesse ser transferida e abrigada com segurança.14 Segundo Del Roio, Prestes não desejava que o referido arquivo fosse encaminhado para um país socialista, pois dizia que, uma vez entregue, não sairia mais desse local. Del Roio conseguiu a guarda dessa documentação pela Fundação Feltrinelli, situada em Milão (Itália), de onde mais tarde foi transferida para a Universidade Estadual Paulista (Unesp), na cidade de São Paulo.
Em outro depoimento, José Luiz Del Roio afirma:
Apesar da repressão tinha gente muito interessada em estudar o movimento operário, todo mundo falava deste misterioso e fundamental arquivo. Isso tudo passou por uma discussão e eu perguntei ao Luiz Carlos Prestes se ele sabia onde estava, como estava e se era possível retirá-lo do Brasil. Ele pessoalmente apoiou a ideia e nos incentivou muito, nos deu muito apoio.15
Ao concluir estas notas despretensiosas sobre Astrojildo Pereira, na ocasião da reedição de todos os seus livros pela Editora Boitempo, no ano do centenário do PCB, tentei revelar aspectos até hoje pouco conhecidos ou inéditos das relações que efetivamente existiram entre Luiz Carlos Prestes e o fundador do PCB, relações por vezes ignoradas, subestimadas ou deturpadas por diversos intérpretes da história do movimento operário e dos comunistas brasileiros.
*Texto publicado originalmente em Blog da Boi Tempo
Fome mata mais que covid, aponta reportagem da RPD Online
Reportagem especial da revista mensal da FAP cita dados de estudo da Oxfam divulgado neste mês
A fome, no país e no restante do mundo, pode matar 11 pessoas a cada minuto, até o final deste ano, no planeta, caso nada seja feito, segundo relatório da organização internacional Oxfam, publicado na reportagem especial da revista mensal Política Democrática online de julho (33ª edição).
Veja a versão flip da 33ª edição da revista Política Democrática online (julho/2021)
Para exemplificar o drama, a reportagem mostra a vida de pessoas como a idosa Maria Amélia da Conceição de Fátima, de 72 anos, e sua família, que vivem entre catadores de lixo no Setor de Clubes Sul, na capital federal, e comumente se alimentam de restos e migalhas. A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no portal da entidade.
O Brasil está entre os focos emergentes da fome, ao lado da Índia e da África do Sul, conforme lembra a reportagem, baseada no estudo. A taxa de mortalidade de quem não tem o que comer é maior que a da Covid-19, que é de sete pessoas por minuto.
Desde o início da pandemia, as mortes por Covid-19, no país, ficaram em terceiro lugar no mundo, enquanto o percentual de brasileiros em extrema pobreza quase triplicou – de 4,5% para 12,8%, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A reportagem também cita dados da pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), segundo a qual, no final de 2020, mais da metade da população – 116 milhões de pessoas – enfrentava algum nível de insegurança alimentar, das quais quase 20 milhões passavam fome.
A publicação da FAP cita, ainda, o dado de que, no ano passado, 11% das famílias chefiadas por mulheres conviviam com a fome, enquanto mais de 10% das famílias negras enfrentavam o problema, em comparação com mais de 7% das famílias brancas.
Confira todos os autores da 33ª edição da revista Política Democrática Online
Na revista Política Democrática online de julho, os internautas também podem conferir entrevista exclusiva com a jurista Eliana Calmon. Também há artigos sobre políticas nacional e externa, economia, meio ambiente e cinema.
Além do diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista.
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