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Ascânio Seleme: O cisma de Bolsonaro

O desagregador do Planalto consegue provocar cismas até mesmo entre instituições sólidas como a Igreja Católica

O desagregador do Planalto consegue provocar cismas até mesmo entre instituições sólidas como a Igreja Católica. Na quarta-feira, enquanto o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o progressista Dom Walmor Oliveira, criticava Jair Bolsonaro por desinformar o país e “provocar um itinerário para a morte”, católicos da ala conservadora foram para a porta do Alvorada rezar pelo “enviado por Deus para salvar o Brasil do comunismo”.

Verdade que as duas alas da Igreja não se bicam há anos, mas com a chegada de Bolsonaro a separação entre elas voltou a ganhar conotação política. Lembra a guerra de 24 anos entre a CNBB e os religiosos que apoiaram a ditadura de 1964, como se fosse possível homens que acreditam em Deus aceitarem governo que censura, tortura e mata. Esta turma não se envergonhava antes e não se envergonha agora em defender intervenção militar se essa for a forma de evitar a volta da esquerda ao poder.

A ala conservadora da igreja no Brasil vê comunistas em todos os lugares. Até mesmo na Santa Sé, já que muitos chamam o Papa Francisco de comunista e enxergam em alguns de seus atos manobras para sabotar o governo de Bolsonaro. Trata-se de uma bobagem sem tamanho, mas os cristãos da Renovação Carismática Católica que louvaram o presidente na porta do Alvorada disseram que mensagens de Francisco nesse sentido seriam ouvidas durante as pregações da Semana Santa. São tolos, como Bolsonaro.

O grave é que por serem tolos são também perigosos. Defendem as mesmas teses do presidente e concordam com a cruzada pelo fim do isolamento, permitindo que as pessoas “voltem a trabalhar, produzir e salvar vidas”. E, por mais absurdo que pareça, na vigília do Alvorada disseram fazer parte de uma certa “milícia celeste” de apoio ao presidente. Estes fundamentalistas carismáticos brincaram com fogo, fizeram trocadilho com a morte, já que se conhece a proximidade de Bolsonaro com a violenta milícia do Rio.

A CNBB, por sua vez, sempre esteve ao lado da democracia, dos mais fracos, dos excluídos, dos esquecidos. Foi assim durante todo o regime militar, continuou assim ao longo do período democrático inaugurado com a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney, em 1985, e segue da mesma forma sob Bolsonaro. Sempre, sob qualquer governo, foi crítica e contundente. Em 2004, atacou o governo Lula por se distanciar dos movimentos sociais. Não é preciso ser muito sabido para dizer quem está com a razão.

Esta divisão alcança também as igrejas evangélicas. Coloca de um lado os que o ex-deputado Chico Alencar (PSOL) chama de “bolsocrentes” e do outro as igrejas evangélicas históricas. Os primeiros acham que o coronavírus é jogada política, acreditam que conseguem exorcizar a praga e vão ao Alvorada pregar ao “escolhido por Deus”. Em 5 de março, um pastor, que tomou meia hora do presidente e o fez ajoelhar no asfalto em frente ao Alvorada, disse a seguinte barbaridade: “Em nome de Jesus declaro que no Brasil não haverá mais mortes pelo coronavírus”.

As igrejas históricas entendem que o presidente precisa ser freado. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil repudiou em nota oficial o pronunciamento em que Bolsonaro disse que se fosse acometido pelo coronavírus teria apenas uma gripezinha em razão de seu passado de atleta. Na internet, alguns grupos afirmaram que Bolsonaro “segue o delírio de poder e vaidade” e defenderam a renúncia.

O cisma religioso de Bolsonaro lembra a metáfora que Frei Betto construiu no seu mais novo livro, “O diabo na corte - Leitura crítica do Brasil atual”. Ele descreve um reino em que o diabo dissemina “a confusão semântica”, onde as palavras perdem os seus significados ou os têm trocados. E cita uma princesa que diz ser uma pessoa “terrivelmente religiosa”. Certamente a palavra “terrível”, que é aquilo que causa ou infunde terror, não deveria combinar com “religiosa”. Mas naquele reino combina, graças ao diabo. E nesse aqui parece que também.

A OMS precisa se explicar
Trump não tem razão ao ameaçar cortar fundos da Organização Mundial da Saúde por causa do alegado centralismo chinês da entidade. Mas a OMS, que é maior que questões regionais, tem que explicar por que recomendou que não se fechassem fronteiras nem se proibissem viagens quando mais de cem países já haviam detectado o coronavírus e por que demorou tanto para declarar a pandemia. Pode não ter sido uma decisão política, mas ela com certeza agradou a China que, àquela altura, tentava evitar perdas econômicas com possíveis embargos de natureza sanitária. A OMS só foi reconhecer que o contágio se dava entre humanos em janeiro, mesmo sabendo desde dezembro que havia casos fora de Wuhan. A China fez tudo o que pôde para esconder o vírus, e a OMS aparentemente fez pouco para contestar a informação falsa. Um excelente documentário do Spotniks no ar no YouTube mostra cronologicamente como o mundo perdeu tempo por essa negligência.

Super-homem
Máscara não é capa. Ela pode proteger, mas não transforma ninguém em super-herói. Preste atenção, você não vai voar. O fato é que até os motoristas das Kombis de ferro-velho, que voltaram a circular, estão usando máscara. Cada dia tem mais mascarados andando nas ruas do Rio. Mas, pior, a cada dia há mais gente nas ruas do Rio, com e sem máscaras. Melhor mesmo é ficar em casa, não façam como Bolsonaro.

Macondo é aqui
Jair Bolsonaro parecia Aureliano Buendía, ainda menino, quando foi levado pelo pai para conhecer o gelo num acampamento de ciganos em Macondo. No seu último pronunciamento na TV, ele se referiu à cloroquina com o mesmo assombro de Aureliano ao se deparar com o gelo ou com o imã. A diferença é que em “Cem anos de solidão” “o mundo era tão recente que as coisas ainda careciam de nome”. Agora, não.

Rodízio contra o corona
O governo de Honduras inovou. Vai relaxar o isolamento social a partir da semana que vem produzindo um rodízio de pessoas. Os titulares de identidades com finais 1 e 2 poderão sair nas segundas, 3 e 4, nas terças, e assim sucessivamente até sexta. Fim de semana, todos em casa. Interessante, mas tem que ver como se fiscaliza isso.

Dr. Cloroquina
Pode dar certo? Pode. Todo mundo está torcendo para que dê, afinal ainda não existe remédio para combater a Covid-19. Se a cloroquina funcionar mesmo, será um êxito inesperado e muito mais do que bem-vindo. Por isso, o irresponsável do Palácio do Planalto pode se agarrar nela como se fosse invenção sua. Mas o que não pode é um médico infectado pelo vírus afirmar que dela fez uso e melhorou. E por que não pode? Porque esse médico tomou também antibióticos, analgésicos e antitérmicos contra a Covid-19. Ele poderia dizer que o analgésico o curou? Não. E certamente não diria. Mas para agradar um grandão do Planalto Central, dr. Cloroquina diz qualquer coisa.

Live dá dinheiro
Sensacional essa onda de artistas fazendo lives com pequenos shows para alegrar a quarentena de seus fãs. Mas tem uma turma que está ganhando dinheiro com a iniciativa. Os sertanejos Jorge e Mateus, por exemplo, estão faturando US$ 200 mil por uma série de shows patrocinados pela Ambev. São distribuídos pelo YouTube e servem como alavancas para doações de alimentos, EPIs e álcool em gel. O primeiro deles, com 23 milhões de visualizações, levantou 172 toneladas de alimentos e 10 mil frascos de gel, segundo site dos artistas. Beleza. Agora, nada contra ganhar dinheiro, cada um se defende como pode, mas tem colegas da dupla caipira sugerindo que Jorge e Mateus doem seu cachê para a mesma causa sanitária e social.

Jornalista em perigo
O prefeito da pequena Sacramento (MG), Wesley de Santi de Melo (o Baguá), declarou ao IR crescimento patrimonial de 350% entre os dois mandatos que exerceu. Detalhe que passou despercebido até a chegada na cidade de Antonio Ribeiro, ex-correspondente da “Veja” em Paris e ex-editor de Fotografia do GLOBO. Ribeiro foi passar um ano sabático na cidade em que nasceu e se deparou com o que ele chamou de “um mar de irregularidades”, como a compra de gasolina em quantidade tão grande que nem com a frota da prefeitura rodando 24 horas por dia seria possível consumir tudo. O jornalista, que publica o que descobre no Sacramento Notícias, um jornal digital local, já recebeu três ameaças de morte e as denunciou ao Ministério Público.


Ascânio Seleme: Malditas redes

Avalanche de mentiras é tão grande que elas acabaram desmoralizadas

Além de facilitar de maneira extraordinária as comunicações planetárias, as redes sociais deram voz a quem não as tinha, ou que não conseguiam expandi-la de maneira a alcançar mais do que seu círculo íntimo. Foi uma extraordinária revolução que mudou a forma das pessoas pensarem e agirem e transformou a indústria. Mais diretamente as indústrias das comunicações e das telecomunicações, mas todas as outras sofreram consequências, muitas de maneira positiva. No Brasil, apesar de reveses por abusos contra a livre concorrência e pela disseminação de mentiras, tudo ia relativamente bem, até chegarem Jair Bolsonaro, seus filhos e o gabinete do ódio.

A onda global de fake news que causa forte impacto sobre as redes, sobretudo na Europa, produzindo um enorme dano às suas imagens, não pode ser comparada ao que se viu no Brasil destes últimos dias. Em todo o mundo as pessoas passaram a buscar informações sobre o coronavírus em fontes confiáveis, nos veículos profissionais de notícia, com medo de se contaminarem pelas fakes disseminadas. Aqui, a avalanche de mentiras é tão grande e contínua que as redes acabaram sendo desmoralizadas. O efeito dessa onda é de tal maneira devastador que até mesmo um post do presidente da República foi retirado do ar pelo Facebook por ser mentiroso, mas apenas depois de causar enorme estrago.

Membros de grupos de WhatsApp raramente recebem alguma coisa de primeira mão. Quando não é uma mensagem pessoal, quase tudo chega por redirecionamento. Fora as piadas, as orações e as sacanagens, o que mais se vê hoje em dia são campanhas contra o confinamento. Mesmo não se conseguindo identificar o autor material da obra, sabe-se perfeitamente quem teve a ideia e a quem ela serve. Os objetos da sua ira são quase sempre os mesmos, com destaque para a mídia. Geralmente são ataques rasos e burros, mas ainda assim há militantes cegos que os distribuem.

Além da imprensa e de partidos de oposição a Bolsonaro, esse ódio alcança também os poderes Legislativo e Judiciário. A mais nova peça distribuída é a que indaga por que deputados e senadores não abrem mão de seus salários e suas vantagens por exercício de função e redirecionam esse dinheiro para o combate ao vírus. É ridículo, mas tem gente que acredita, sem fazer os devidos cálculos, que o volume de recursos (de alguns milhões de reais) que seria alcançado com a medida exótica poderia resolver a guerra (de muitos bilhões de reais) contra o flagelo.

Mais uma vez, não precisa ser gênio para saber quem produziu essa pérola e quais os instrumentos usados para a sua distribuição. São os de sempre, os que culpam Congresso, Supremo e imprensa pelo fracasso extraordinário de um dos piores e mais absurdos presidentes da História do Brasil. Como todo o material é distribuído por uma rede eficientíssima de robôs, mais cedo ou mais tarde essas barbaridades vão acabar em seu celular, encaminhados por membro desatento de um de seus grupos.

É verdade que de um lado as redes têm altíssimo valor nessa pandemia, sendo usadas pelos entes oficiais da saúde para se comunicar e por empresas para se conectar e atender aos seus clientes. Por outro lado, elas têm sido instrumento para difundir contrainformações que podem resultar até em mortes. O fato é que por isso as pessoas começam a se desligar. Pode ser difícil, para alguns será como mergulhar no mar numa noite escura. Mas um pouco mais de cuidado com o que se lê e com o que se compartilha não fará mal a ninguém. Em alguns casos, é melhor cair fora mesmo.

Post Scriptum
Talvez não explique por que os Estados Unidos são líderes de casos e mortes por coronavírus, mas uma visita a qualquer aplicativo de voos em tempo real, como o “Aviões ao Vivo”, pode dar uma boa pista. No Brasil, ontem, às 12h34m, havia 18 aviões voando. Na Índia, quatro aviões ocupavam o espaço aéreo. Na Itália, havia dois, na França, sete. E nove sobrevoavam a Inglaterra. Nos Estados Unidos, era impossível contar, porque somavam centenas.


Ascânio Seleme: Uma geração traumatizada

Minhas duas filhas mais novas nasceram em 1995 e 1998 e cresceram numa casa mais ou menos tranquila de classe média. Mas, desde que começaram a entender a vida, o mundo e o Brasil, se depararam com uma série de crises de diversas naturezas que deve moldar seus caráteres por toda a vida. Clara tinha três anos e Laura seis quando o maior atentado terrorista da História colocou no chão os dois prédios do World Trade Center, em Nova York, atingiu outros alvos nos Estados Unidos e mudou a História do planeta.

O que se seguiu foram anos de guerra transmitida ao vivo pela televisão. As meninas acompanharam, mesmo que a certa distância emocional, os bombardeios e invasão americana ao Afeganistão e ao Iraque. Mas logo começaram a ver as explosões e as fuzilarias que transformaram cidades em alvos de ataques sangrentos do terror. Abismadas como todo mundo, assistiram aos atentados em Londres e Paris e passaram a ter medo de viajar.

Ainda na primeira década dos anos 2000, um abalo sísmico na credibilidade da economia americana produziu a maior crise econômica global desde o “Crack da Bolsa” de 1929. Embora à época as duas não tenham entendido direito a extensão do terremoto, por serem muito jovens, com tempo e estudo passaram a internalizar também aquela mega crise e seus desdobramentos sobre todos os países e todos os setores da economia.

Enquanto o mundo se debatia com seus superproblemas, no Brasil as jovens viam se desenrolar sob os seus olhos um escândalo de corrupção que alcançava uma figura icônica da política nacional. O mensalão do primeiro governo Lula não permitiu que crescesse em muitos meninos daqueles dias a esperança numa alternativa de esquerda. Logo neles, que por natureza devem nascer contestadores. Porque, você sabe, as pessoas nascem revolucionárias e envelhecem conservadoras.

Logo em seguida, as duas garotas viram que o mensalão não foi apenas um desvio momentâneo. Desvendou-se então o maior escândalo de corrupção da História do país: o petrolão, que nasceu sob Lula e cresceu sob Dilma. Foi uma avalanche. O caso era tão sério que alcançou todas as esferas da política nacional. Foi para a cadeia todo tipo de gente. Um ex-presidente, governadores, prefeitos, senadores, deputados e empresários. Elas ouviram e gritaram “Fora, Cunha!”, e viram o ex-presidente da Câmara ser cassado e depois preso. E mais adiante viram um impeachment de presidente.

Não bastasse isso, acompanharam a um outro grande escândalo no governo Temer e, em seguida, viram a eleição de um presidente de extrema direita, reconhecido no mundo inteiro como racista, homofóbico e misógino. Sob Bolsonaro, elas e todos os jovens de 20 e poucos anos assistem apavorados ao festival diário das bobagens produzidas pelo presidente. Muitas delas apenas tolas, outras graves, e algumas gravíssimas.

Depois de ultrapassar todas essas etapas, elas se deparam agora com a crise mundial do coronavírus. Se o pai delas, com mais de 60 anos, está angustiado e inseguro, imaginem o que se passa no coração dessas duas jovens de 21 e 25 anos. O fato é que elas estão metidas num turbilhão que parece não ter fim. E que vem sempre aumentando em escala e densidade. Jovens como Laura e Clara passaram a vida inteira convivendo com ansiedade, às vezes mais, outras um pouco menos.

A questão a ser respondida agora é como essa geração vai superar a sucessão de eventos iniciada com o ataque às Torres Gêmeas. A carga traumática que a garotada carrega é pesada demais. Com alguns poucos intervalos de paz e tranquilidade, a vida emocional desta turma não tem sido fácil. Há quem diga que jovens criados na adversidade são mais fortes. Pode ser. Mas, no caso dessa geração, parece ter havido um certo exagero.

Crise de ciúmes
Mandetta tem mesmo muita paciência para aturar Bolsonaro. Não bastassem as declarações absurdas contra o isolamento social, ele passou a atacar o seu ministro em entrevistas e em lives para rede social. Mandetta já sabia que o seu chefe é um homem inseguro e meio abobado, mas descobriu agora os ciúmes doentios que o capitão tem pelo sucesso alheio. Por ser raso intelectualmente, Bolsonaro não aceita quem pensa direito e se expressa bem. Diante disso, o presidente produziu a frase mais ridícula desde o início da crise sanitária: “Mandetta quer fazer valer a vontade dele...”. Esqueceu que a vontade do ministro da Saúde é a vontade da OMS, dos médicos, dos sanitaristas e dos infectologistas. É a vontade da ciência. Por isso, Mandetta tem o apoio de 76% dos brasileiros, contra 33% de Bolsonaro, segundo a pesquisa Datafolha divulgada ontem.

Os fanáticos
Eles formam um grupo cada vez menor, mas muito barulhento, até mesmo pela sua natureza. São os fanáticos, aqueles que não conseguem enxergar, não entendem o que ouvem e repetem de maneira mecânica, agressiva e extravagante as barbaridades que seus líderes transmitem pelas redes sociais. O caso mais visível de fanático idiotizado foi visto esta semana no Alvorada. Trata-se da mulher que se disse professora e que pediu a Bolsonaro uma intervenção militar para permitir que as pessoas voltassem a trabalhar. Pior que isso, muito pior, foi o presidente distribuir a fala da mulher em rede social. Tudo bem ela não entender como funciona a República e desconhecer os ritos da democracia, ela é uma fanática. Mas o presidente cometeu um crime ao referendar sua fala.

O comandante diz não
Tentando trazer pelo menos um governador para o seu lado na campanha contra o isolamento, Bolsonaro tem pressionado o governador de Santa Catarina, o comandante Moisés, ex-bombeiro. Já mandou recado pelos filhos, por lideranças políticas locais e por empresários do estado, como o dono da Havan. Ele mesmo ligou exortando Moisés a suspender o isolamento usando o velho argumento “você se elegeu graças a mim”. Mas não colou. Até aqui o comandante tem dito não.

O pior quadro
Não há quadro na Praça dos Três Poderes ou na Esplanada dos Ministérios mais fraco do que Jair Bolsonaro. Todos os problemas que são levados ao seu gabinete saem de lá maiores do que entraram. O presidente raramente acerta, e quando o faz, cuida para, em menos de 24 horas, destruir o acerto. Nem Weintraub, Damares ou Araújo se comparam a ele. São gênios diante de sua excelência.

Façam o que eu digo
Apenas Jair Bolsonaro deseduca mais do que o formato das entrevistas organizadas no Palácio do Planalto para divulgar os dados do combate ao coronavírus. Os ministros que falam estão sempre colados uns nos outros, não há nunca o distanciamento de dois metros que a OMS recomenda. Não bastasse a proximidade social, uns cochicham com outros e se tocam desnecessariamente. E os garçons se debruçam pelas laterais dos ministros para trocar os copos de água gelada. Uma festa.

A China recolhe os seus
A embaixada da China em Brasília está recolhendo para dentro do prédio da chancelaria todos os funcionários chineses sediados na capital. Vão morar dentro das instalações oficiais até que os ânimos melhorem na cidade. O chineses estão sendo objeto de ofensas e agressões verbais nas ruas. Funcionários brasileiros da embaixada dizem que o rancor com a China deve-se aos ataques feitos por Eduardo Bolsonaro, o Bananinha.

Respirador artificial
Se a indústria não consegue dar conta da demanda, se a China ignora e não atende os pedidos do Brasil, por que não usar a criatividade? Um grupo de profissionais e professores de Medicina, Engenharia e Informática da Universidade Federal de Itajubá desmontou um velho respirador mecânico, fabricado no Brasil nos anos 1950, e copiou digitalmente todos os seus componentes. Agora, sua transcrição digital pode ser lida por impressoras 3D e reproduzidas em escala. Aplausos.

Claustrofobia global
Meu amigo Evaristo não gosta de elevador. Ele os evita sempre que pode e vai de escada quando o andar é mais baixo. Até o oitavo ele sobe de escada numa boa. Uma vez subiu a pé 22 andares para chegar a um escritório em um prédio velho, com elevador de porta sanfonada, no Centro. Evaristo tem claustrofobia. Esse sentimento é o que assalta o mundo inteiro nesses dias de coronavírus. Além de manter a maioria isolada em casa, a doença ataca as vias respiratórias do paciente e o deixa sem ar. O pavor do claustrofóbico, dono de um sintoma que causa medo mórbido de espaços fechados, não é tanto de ficar em casa, mas sim de perder o ar.


Ascânio Seleme: Só faltava chorar

Se fossem honestas, lágrimas de Bolsonaro seriam de arrependimento

Não foi a primeira vez nessa crise sanitária que o presidente Bolsonaro deu sinais de que iria voltar atrás para logo em seguida destruir o esforço conciliatório. A primeira foi quando recuou da convocação para a manifestação contra Supremo e Congresso e depois correu para os braços dos manifestantes. A segunda aconteceu quando ele disse estar havendo uma histeria no país para em seguida recuar e adiante anunciar que faria uma festinha para comemorar seu aniversário e o da mulher. E, finalmente, diz num pronunciamento que a Covid-19 não passa de uma gripezinha e culpa os governadores por futura crise econômica.

Depois, em novo pronunciamento fala em entendimento e trabalho conjunto com as autoridades estaduais e, no dia seguinte, compartilha vídeo fake com críticas aos governadores.

Não dá para levar este homem a sério. Os jornais de ontem apontaram a mudança de tom do presidente. Foi uma benevolência arriscada. Embora a afirmativa fosse correta, Bolsonaro de fato mudara o tom, era óbvio que a nova abordagem sobre o tema não duraria muito. Pois durou menos de 12 horas. O depoimento pregando a conciliação foi ao ar às 20h30m de terça. O vídeo com ataque aos governadores foi compartilhado às 7h57m de ontem. Já escrevi aqui, há muito pouco tempo, que não podemos passar a mão na cabeça de Bolsonaro como se fosse um menino travesso que pede desculpas depois de fazer uma arte. Ele não merece mais a confiança dos brasileiros.

O presidente está muito mal cercado. Os únicos assessores que ouve são os filhos e os terraplanistas de sempre. Gente séria, que aparentemente só deseja o melhor para o país, como os ministros Braga Netto, Tereza Cristina, Tarcísio de Freitas, Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro e Paulo Guedes não conseguem romper o círculo de ferro e ódio armado em torno de Bolsonaro. Os que chegam a se aproximar um pouco mais são logo sabotados por Zero Um, Zero Dois e Bananinha. O Zero Dois agora sentou praça dentro do Palácio do Planalto. Pode? Acho que não, mas no estilo de governar desta turma muito não pode e ela ainda assim segue fazendo.

A novidade desses dias é que o presidente tem chorado. Só faltava essa. Matéria de Igor Gielow, na “Folha”, revela que Bolsonaro chorou numa reunião com gente que nem era de seu círculo mais próximo. Depois, no domingo, ao voltar do passeio pelas cidades-satélites do Distrito Federal, ele falou com jornalistas e deu para ver na TV seus olhos brilhando. Uma imagem do fotógrafo Orlando Brito da mesma cena não deixa dúvidas, ele quase chorou. Essas lágrimas significam duas coisas, uma delas identificada pelo repórter da “Folha”. Bolsonaro está fragilizado emocionalmente. Eu acrescento que essa emoção, se verdadeira, deveria ser atribuída às inúmeras bobagens que ele comete. Se fossem honestas, seriam lágrimas de arrependimento.

Mas não são honestas. O choro presidencial lembra outras lágrimas da história nacional. Me refiro a um episódio envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula chorou publicamente inúmeras vezes antes, depois e ao longo do seu mandato. Mas um deles, o que ocorreu no discurso após ter sido conduzido coercitivamente para depor em São Paulo, foi de puro oportunismo político. Não havia por que chorar, e um homem como Lula não se quebra facilmente. Tanto que não derramou uma lágrima sequer quando foi preso. Mas naquele discurso, lágrimas cairiam bem, dramatizariam um ato jurídico legal, embora desnecessário.

O presidente e o ex-presidente são de matizes absolutamente diferentes, mas as lágrimas de Bolsonaro agora não diferem em nada das de Lula de março de 2016. Na reunião com gente pouco conhecida, talvez quisesse que vazasse sua emoção fingida. No domingo passado, Bolsonaro tentou chorar quando falava dos brasileiros que precisam trabalhar para levar comida para casa. Francamente, um homem que não se importa que pessoas morram com a Covid-19 e que atrasou em uma semana a distribuição de recursos emergenciais aos mais pobres não vai chorar depois de passear no mercado da Ceilândia. Por isso aqueles olhos estavam apenas rasos d’água.


Ascânio Seleme: Pecado mortal

Somente uma pessoa que deliberadamente trabalha contra o interesse da maioria agiria como o presidente Jair Bolsonaro agiu em diversos momentos dessa crise sanitária. Já disse outro dia que ele é um homem mesquinho e egoísta. Mas é pouco. Bolsonaro não gosta do ser humano, se lixa para o próximo e só se preocupa com sua família e sua corriola. Mexeu com a família ou com os parças, mexeu com ele. Fora isso, danem-se. Somente um homem assim baixaria um decreto autorizando a realização de cultos religiosos em meio a uma pandemia de coronavírus.

O que isso significa? Significa que Bolsonaro deu oficialmente argumento para que pastores e bispos de diversas igrejas evangélicas exijam a presença dos seus fiéis e das carteiras dos seus fiéis nos cultos. Os pobres e explorados filhos de Deus que podiam ficar em casa, orando solitariamente, sem pagar dízimos aos devoradores de poupanças, agora não têm mais essa desculpa. O presidente do Brasil baixou decreto estabelecendo que culto religioso é uma atividade essencial e como tal pode ser realizado mesmo em meio ao caos sanitário que o planeta vive. Nenhum problema se a aglomeração facilita o contágio. Deus protege, acredita o devoto capitão.

Os bispos da Universal e das suas igrejas-satélites já estavam tendo pane de criatividade para seguir sugando o suado dinheirinho dos fiéis que, por orientação do Ministério da Saúde, permaneciam em casa. Um deles, o televangelista R.R. Soares, cunhado de Edir Macedo, passa os dias na TV pedindo que os seus crentes depositem dinheiro na conta da sua igreja. Como Ancelmo Gois mostrou aqui na quarta-feira, R.R. mandou os fiéis que não entendem de internet ou não têm conta bancária pedir auxílio a parentes ou amigos para fazer a remessa. Mais do que uma exploração vergonhosa, trata-se de um pecado. Mortal.

Essa exploração de gente fiel, simples e ingênua, que nunca foi combatida pelos governantes brasileiros, mereceu agora espaço num decreto presidencial que além de ignorá-la ainda a estimula. Por que, em nome de Deus, o capitão faria uma sandice dessa? Como só age com a cabeça eleitoral, por puro medo de que as suas bobagens o tornem no primeiro presidente a não conseguir se reeleger no Brasil, é óbvio que ele quer agradar os chefes evangélicos para obter suas simpatias e merecer seus apoios em campanhas eleitorais.

Será que Bolsonaro ignora que estes mesmos pobres fiéis que estão sendo explorados pelas igrejas mesmo em meio a esta pandemia são, afinal, os eleitores de quem ele quer ganhar o voto? Claro que não. Ele aposta na ignorância dessa turma e na ascendência que os pastores têm sobre ela. O pior é que ele tem razão. Os cultos de algumas igrejas hipnotizam muitos fiéis de tal forma que eles ficam sem ação ou não conseguem encontrar alternativas. O infundado medo da mão pesada de Deus limpa suas carteiras e os torna em rebanhos de eleitores cegos.

Foi sobre esse caldo que Bolsonaro mergulhou ainda mais fundo sua colher ao decretar a essencialidade de cultos religiosos. Saúde a gente vê depois.

Não entendeu
Só Bolsonaro não entendeu que o confinamento não é uma medida para salvar as pessoas do contágio pelo coronavírus, mas para atenuar sua curva de maneira a que os hospitais não entrem em colapso por falta de leitos, ventiladores e outros equipamentos necessários para o combate à Covid-19, como máscaras e luvas. Você já imaginou o que aconteceria se a contaminação explodisse e pessoas passassem a morrer como moscas? Ou alguém aqui acha que os brasileiros cordiais entenderiam tranquilamente quando seus parentes começassem a morrer sem conseguir sequer dar entrada no hospital?

Caçador de saídas
São tantas as encrencas em que Bolsonaro se mete que daqui a pouco criarão um cargo no Planalto, o de “caçador de saídas”. Se não couber na estrutura palaciana, quem sabe o partido arruma um desses para o chefe. Ah, mas Bolsonaro não tem partido. Então deixa para a família e os amigos. Mas aí também não dá. O trabalho de Bananinha & Cia é justamente encontrar problemas, não saídas.

Missionários
Interessante nessa crise é conhecer um pouco mais a intimidade de entrevistados e entrevistadores das TVs, entrando com eles em suas casas. Por óbvio, cada vez mais entrevistas são feitas através de aplicativos do que presencialmente. Também analistas falam de casa para evitar as ruas. Dá até para saber o que eles leem. Apenas os profissionais que são indispensáveis nas emissoras e os missionários, como a pneumologista Margareth Dalcolmo, estão sempre presentes. Correm riscos para informar corretamente os brasileiros. Aplausos.

Irresponsabilidade contagiante
Os servidores do Palácio do Planalto mudam de lado no corredor quando passam em frente ao gabinete do general Heleno, ministro da Segurança Institucional. Do seu pessoal de apoio direto, apenas os mais próximos entram na sua sala. Os da cozinha, fazem um sorteio (ou “azareio”?) para ver quem vai levar café e água para o ministro. O homem voltou ao trabalho uma semana depois de testar positivo, desobedecendo a mais trivial recomendação médica, afastamento e isolamento por duas semanas do portador do coronavírus para não contaminar outros.

Silêncio revelador
O ministro Braga Neto tem o poder mas não tem a palavra. Ou o general tem dificuldades de oratória ou limitação de respostas. Só assim se entende porque o chefe da força-tarefa de combate ao coronavírus nunca responde a perguntas de jornalistas, entregando a terceiros a tarefa de enfrentar o quebra-queixo. Foi por isso que ocorreu aquele silêncio constrangedor da segunda passada no Palácio do Planalto. O repórter Gustavo Maia perguntou aos ministros que ficaram após a saída de Braga Neto por que não estavam usando máscaras como na véspera? Mudou o protocolo? Ninguém respondeu. Onyx Lorenzoni deu de ombros, como se estivesse dizendo “isso não é comigo”.

Aliás
A pergunta ainda vale, por que o presidente e toda a turma do governo parou de usar máscaras nas entrevistas? Ontem, no anúncio do pacote de empréstimos dos bancos oficiais, além de não estar mascarado, Bolsonaro ainda chamou para bem perto de si os presidente das instituições enquanto um deles falava. Antes era só hipocrisia?

Bangu também quer
Os presos em Bangu com mais de 60 anos querem cumprir o resto das penas que lhes cabem em prisão domiciliar, como Eduardo Cunha. Dos nove mil presos na carceragem do Rio, pelo menos 800 estão nessa faixa etária. O número sobe se analisadas as condições de saúde dos detentos. No Brasil, a população carcerária é de cerca de 600 mil pessoas. Se a média de Bangu valer para o resto do país, uns 50 mil presidiários têm de ser colocados nas ruas por medida de isonomia com o ex-presidente da Câmara dos Deputados.

Tadinho do Cabral
Quem perdeu mais uma vez foi Sérgio Cabral. Menino ainda, tem apenas 57 anos, não pode ser alcançado pelo benefício concedido a Cunha.

Refugiados paraguaios
Na fronteira entre Brasil e Paraguai está surgindo uma nova categoria de refugiados, os agora chamados “refugiados sanitários”. São paraguaios que querem retornar a seu país, mas ainda não conseguiram porque o governo do presidente Mario Abdo Benítez fechou totalmentea fronteira, até mesmo para seus compatriotas. Estima-se que quase 200 pessoas estão nessas condições. A repatriação deve começar hoje.


Ascânio Seleme: Um egoísta isolado

A responsabilidade por essa solidão é inteiramente sua

Jair Bolsonaro é um homem só. Abandonado por aliados de primeira hora, esquecido pelos que se aproximaram por oportunidade, diminuído pelo Congresso, afastado por governadores e cada vez mais execrado pela maioria dos brasileiros. Com mais de 60 anos, ele deveria estar isolado socialmente para não se contaminar com o coronavírus. Mas o presidente conseguiu construir para si próprio uma ilha política que antes só foi vista durante os meses que antecederam o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Nem Dilma, nos seus piores dias, esteve tão solitária quanto Bolsonaro hoje.

A responsabilidade por essa solidão é inteiramente sua. Bolsonaro não pode culpar o Supremo, o Congresso ou a imprensa, embora tente sempre. Foi ele que se colocou nessa situação. Sua descida para o fundo do poço foi acontecendo aos poucos, mas desde o começo deu para perceber que era uma descida inexorável. Agora, no auge da maior crise sanitária dos últimos cem anos, estamos encrencados com um presidente isolado, agitado, que produz barulho e se afasta cada vez mais da lucidez.

O pronunciamento absurdo da terça-feira, a entrevista tresloucada na porta do Alvorada e a gritaria ofensiva na reunião com os governadores de ontem mostram um homem desequilibrado, que já não consegue raciocinar livre dos preconceitos que constroem o seu caráter. Bolsonaro é um egoísta. Ele claramente não está interessado na saúde dos brasileiros. Seu negócio é confundir as pessoas, tentando colocar no colo de outros os problemas econômicos e políticos que vão resultar da pandemia que assalta também o Brasil.

Nada como um dia depois do outro
Na hora do aperto é que se conhece o coração das pessoas. Foi o que se viu com a pesquisa Datafolha que trata da confiabilidade das informações sobre coronavírus publicadas pelos meios de comunicação e pelas redes sociais. Foi um banho. Apenas 12% confiam no Facebook e no WhatsApp, contra 56% que confiam nos jornais impressos e 61% nos programas jornalísticos das TVs. Não significa que as redes sociais não são úteis nessa hora. São. Para divulgar conteúdo bem apurado e checado pelos veículos profissionais.

Não foram apenas Jair Bolsonaro e seus seguidores que atacaram a imprensa de maneira feroz e sem trégua nos últimos tempos (a Federação Nacional dos Jornalistas contabilizou mais de cem ataques do presidente no ano passado). Lula e os petistas, que negaram o mensalão e se recusaram a fazer uma autocrítica do maior escândalo de corrupção da história da Petrobras, também sonharam em calar os jornais e os jornalistas. Foi na usina de ideias retrógradas do PT que se imaginou um certo controle externo da mídia, apelido carinhoso que inventaram para censura à imprensa. Antes da revolução digital, houve até quem sugerisse proibir a importação de papel jornal.

O mesmo pode-se dizer sobre o tratamento dispensado ao Legislativo e ao Judiciário, que até outro dia eram vilipendiados pelos bolsonaristas, sobretudo os que foram às ruas pedir a volta da ditadura e o fechamento do Congresso e do Supremo. Num passado muito recente, os petistas também tomaram ruas e praças para acusar o Congresso de aplicar um golpe contra Dilma, e o Supremo, por não deter a Lava-Jato. E o que vão dizer agora ao ver os dois poderes corrigindo erros do governo Bolsonaro?

Milhares de bolsonaristas e petistas, entre outros, estariam desalentados amanhã ou depois se não fosse o grito de Rodrigo Maia e Dias Toffoli contra a MP que permitia a suspensão de contratos de trabalho e salários por quatro meses. Imaginem se não houvesse Congresso ou Supremo numa hora dessa. A MP de Bolsonaro e Guedes seria ainda mais dura. Ou alguém acha mesmo que foi um erro de digitação ou um esquecimento bobo a ausência de previsão de compensação financeira aos que tiverem seus contratos de trabalho e salários suspensos?

A atenção permanente do Legislativo, do Judiciário e da imprensa é vital para impedir as investidas antidemocráticas, autoritárias ou apenas economicistas dos governantes. Parece que a maioria agora enxerga isso.


Ascânio Seleme: Saúde e política

Não há dúvida de que a pandemia de coronavírus vai ser usada politicamente no Brasil e em todo lugar

Nenhuma dúvida de que a maior crise sanitária global desde a gripe espanhola vai ser usada politicamente aqui e em todo lugar. Nos Estados Unidos já virou matéria central da recém-iniciada campanha para a eleição presidencial de novembro. Os sinais são evidentes. Donald Trump, que menosprezou o coronavírus dizendo que não era nada, que iria passar etc., acabou tomando uma medida tão sem precedentes que guarda uma conotação política evidente. Ao anunciar a suspensão de voos da Europa para os EUA, Trump disse “nosso time é o melhor do mundo (...) tomamos intensas ações e temos muito menos casos do que a Europa (...) a União Europeia falhou”.

Papo furado. Os EUA foram pegos de calça curta e só começaram efetivamente a se mobilizar nesta semana. Ninguém irá se surpreender se em alguns dias houver mais casos lá do que na Europa, Itália inclusive. O que Trump quis dizer na sua fala é que não lhe cabe qualquer responsabilidade, que ele fez o dever de casa. Não é verdade. As ações do seu governo foram tímidas desde o começo e eram endereçadas apenas para a China. Ainda agora, fora o cancelamento dos voos da Europa, todas as iniciativas estão sendo tomadas por prefeitos e governadores ou por instituições privadas como universidades, museus e ligas esportivas.

Na terça-feira passada, Trump chegou a acusar a Organização Mundial de Saúde (OMS) de mentir sobre a taxa de mortalidade do vírus, de 3,4%. Além de minimizar a transmissão do vírus, dizendo que “isso vai passar”, o presidente se mostrou surpreso com o dado quando a ele foi apresentado numa entrevista para a Fox News. “Eu acho que o número 3,4 por cento é um número realmente falso”. Ele disse esta barbaridade um dia antes de a OMS oficializar a pandemia de coronavírus. E só então sua ficha caiu.

A mobilização em curso nos EUA ocorre também em razão do esforço das grandes emissoras de TV, abertas ou por cabo, que dedicam 70% a 80% de seus espaços noticiosos para esclarecer as pessoas, ouvir médicos, infectologistas, especialistas que trazem informações de como proceder. Nenhuma autoridade sanitária se manifestou oficialmente até aqui, apenas em entrevistas. Quem fala aos americanos são os líderes políticos. A discussão sobre o coronavírus ganhou contorno político e será o principal tema do debate entre os pré-candidatos democratas Joe Biden e Bernie Sanders, domingo.

Em Nova York, o protagonismo foi assumido pelo governador Andrew Cuomo e pelo prefeito de NYC, Bill de Blasio, ambos democratas. Foram eles que arregaçaram as mangas, colocaram seus coletes e bonés e ganharam as ruas. Em Washington, a presidente da Câmara, a também democrata Nancy Pelosi, saiu na frente e convocou a imprensa ontem para dizer num solene pronunciamento que os democratas estavam aprovando um pacote contra o coronavírus e a favor das famílias americanas. Poucas horas depois, Trump anunciou um plano de emergência liberando US$ 50 bilhões para atender pacientes e hospitais.

Claro que a culpa pelo coronavírus não é de Trump ou de sua administração. Mas é claro também que a demora em dar uma resposta forte pode resultar em rápida perda de capital político. E o eleitor americano sabe disso. Uma pesquisa da Reuters mostrou que apenas dois republicanos em cada dez diziam acreditar que o coronavírus seria uma ameaça iminente. Entre os democratas, quatro em dez enxergavam o perigo batendo à porta. Estas respostas carregam uma implícita vontade política. Que alívio seria para Trump e sua turma se tudo não passasse de uma marolinha.

No Brasil, o impacto sobre Bolsonaro não será sentido logo. Mas talvez alcance as eleições municipais.

Aprendeu e gostou
O Congresso aprendeu a exercer o poder e gostou da experiência. Até a entrada em vigor do método Bolsonaro de governar, deputados e senadores se satisfaziam com suas emendas paroquiais, e um bom número de partidos era “comprado” pelo Executivo. E não foi só Lula com o mensalão, todos os presidentes sempre abusaram do poder de barganhar com o Congresso. Com a recusa do capitão de ceder a demandas parlamentares em troca de apoio político, até mesmo estimulando que o Congresso exercesse o seu poder, a história mudou. E agora Bolsonaro e sua turma reagem como se fosse o fim do mundo. Não há razão para pânico, o Parlamento não fez mais do que cumprir a Constituição, ocupando legitimamente espaço político aberto por Bolsonaro.

O perigo da quarentena
O Brasil respira aliviado, seu presidente não pegou coronavírus. Imaginem se Bolsonaro estivesse de fato infectado e fosse obrigado a se submeter uma quarentena de 15 dias. O país iria à loucura com o capitão em casa, tendo nada para fazer, dedicando tempo integral ao Twitter.

Home office
Trabalhar em casa, aliás, tem algumas vantagens. Em tempos de coronavírus, empresas tendem a aumentar significativamente o trabalho remoto para muitos dos seus postos que não exigem presença física do empregado. Parece muito bom: trabalhar em sossego, sem distração, fazendo refeições saudáveis, sem se estressar no caminho do escritório. Pedro Doria publicou ontem uma boa coluna sobre o assunto. Mas há quem pense de modo distinto. O colunista de tecnologia do jornal “The New York Times”, Kevin Roose, fez uma pesquisa para um livro e concluiu que pessoas que trabalham em casa perdem em criatividade e pensamento inovador. E os que trabalham em conjunto chegam mais rapidamente a soluções de problemas do que os que trabalham remotamente.

Recado de Rothschild
Se deu bem quem seguiu o conselho de um do mais importantes banqueiros da História financeira global, o Barão de Rothschild. “Compre bens quando há sangue nas ruas”, disse o barão, com a experiência de quem atravessou guerras e delas saiu ainda mais rico. O sangue de hoje atende pelo nome de coronavírus e jogou as bolsas de todo mundo no chão. Quem comprou ações na baixa, se deu bem.

Já não se faz mais capitalista…
Falta álcool gel (hand sanitizer) em Nova York. Desde o início da semana não se encontra o produto em farmácias e lojas de conveniência. E o incrível é que até ontem não houve reabastecimento. Fabricantes e comerciantes estão perdendo a oportunidade de produzirem mais e venderem mais. No Rio, durante a crise da geosmina da Cedae, não faltou água mineral para quem quisesse e pudesse comprar. Estavam empilhadas em supermercados, padarias e postos de gasolina. Essa é a regra número 1 do capitalismo, não perder oportunidades e sempre atender as necessidades do mercado.

Enquanto isso
Uma rede de cafés dos EUA lançou uma inusitada maneira de fidelizar clientes. Criou uma espécie de assinatura onde o consumidor paga US$ 8,99 (R$ 42,79) por mês e toma quantos cafés quiser ao longo dos 30 dias. Outra: uma rede de academias de ginástica inovou apresentando um programa em que o cliente paga US$ 22 (R$ 104) por mês e pode sempre levar um convidado para malhar consigo. Vai ver o preço do cafezinho no Rio. E nas academias daqui o cliente tem que pagar mensalidade até para o seu personal trainer.

O México é aqui
Dezenas de milhões de mulheres não saíram às ruas no México na segunda-feira passada, dia 8. Não se tratou de precaução contra o coronavírus, mas sim um protesto no Dia Internacional da Mulher contra a escalada de violência a que mexicanas são submetidas sem serem efetivamente defendidas pelas autoridades judiciárias e policiais do país.

Choko popsicle
Tudo aponta para que Joe Biden seja mesmo o candidato democrata na eleição presidencial deste ano. O problema é que Biden é uma espécie de picolé de chuchu americano, meio sem graça, fala mais ou menos mansa, um pouco tímido. Mas talvez seja isso o que os EUA precisem depois dos ruidosos quatro anos de Trump.


Ascânio Seleme: Mudar o futuro olhando o passado

Dois livros que serão lançados este mês ajudam a entender como chegamos até aqui

Serão lançados ainda este mês dois livros importantes para se entender melhor o capitalismo e o imperialismo modernos. Para o brasileiro, cujo governo bajula descaradamente os Estados Unidos de Donald Trump, sua leitura pode ser saudável. Trata-se de “Capital e Ideologia”, de Thomas Piketty, e “Tempos Difíceis”, de Mario Vargas Llosa. O primeiro, do economista francês cujo livro de estreia (“Capitalismo no Século XXI”) vendeu 2,5 milhões de exemplares, é um mergulho na história das nações que aponta para as desigualdades que a exploração de umas sobre outras geraram. O segundo, do prêmio Nobel de Literatura de 2010, conta a história da participação americana num golpe de estado na Guatemala, em 1954.

Com o livro de Piketty se compreende a construção do hipercapitalismo de hoje através do relato de experiências históricas. A posse desse conhecimento pode ser útil no processo de “superação do capitalismo por uma economia mais justa e descentralizada”, disse o economista numa entrevista à “Economist”. “Se nos negarmos a buscar esse caminho”, explicou, “corremos o risco de continuar fortalecendo o avanço identitário e xenófobo”. Com exemplos contundentes, o livro tenta encontrar soluções igualitárias para a reorganização do sistema econômico.

Três exemplos que merecem ser mencionados ocorreram nos Estados Unidos e em colônias francesas e britânicas no continente americano. Piketty explica que a proporção enorme de escravos na população do Haiti, entre 80% e 90%, gerou inúmeras revoltas até a emancipação em 1794, bem mais cedo do que nos demais países da região e quase cem anos antes da Lei Áurea, por exemplo. O Haiti se declarou independente em 1804, mas a França só reconheceu este status em 1825, obrigando o novo país a ressarci-la pelos escravos emancipados.

A Inglaterra, que até hoje mantém 15 colônias no Caribe, na América do Sul, na Oceania, na África e na Ásia, ressarciu todos os proprietários de escravos nas suas ilhas caribenhas e na Guiana quando decidiu interromper o tráfico, em 1807. Nenhum centavo destinou aos escravos libertados. A França também indenizou proprietários e deu nada aos ex-escravos. Nos Estados Unidos, durante a Guerra Civil, o presidente Abraham Lincoln prometeu dar a cada escravo 40 hectares de terra e uma mula. Era uma forma de incentivá-los a lutar ao seu lado. A guerra foi ganha, mas a indenização nunca foi paga.

Em “Tiempos Recios”, ou “Tempos Difíceis”, Vargas Llosa conta uma outra forma cruel de se defender interesses econômicos contra a soberania de uma nação e a emancipação de seu povo. O escritor relata como o governo americano, com o apoio da CIA, fomentou, instrumentalizou e ajudou a executar um golpe de estado contra o presidente Jacobo Arbenz, da Guatemala, em 1954. Arbenz fazia um governo de reformas para transferir rendas e terras a 90% da população, quase toda indígena, que vivia à margem do sistema econômico do país.

O golpe foi patrocinado pela então famosa e poderosa United Fruit, que produzia banana em quase todos os países da América Central. Na Guatemala, a empresa americana explorava mão de obra baratíssima, era dona de vastos territórios e não pagava sequer um centavo de imposto aos cofres públicos. O ultraje de Arbenz à United Fruit foi exigir que ela passasse a recolher impostos, como todo mundo.

Os dois livros ajudam a entender como chegamos até aqui. A Guatemala só fez uma eleição limpa depois de 30 anos. Durante todo esse tempo a vasta maioria do seu povo permaneceu alienada do processo político e econômico do país. O Haiti só conseguiu quitar sua dívida de 150 milhões de francos-ouro com a França em 1950. Piketty sugere caminhos. Vargas Llosa revolve o estômago do leitor com os abusos que relata e, se não aponta alternativas, pelo menos se vinga de um dos piores personagens da história. O violento Abbes García, chefe do Serviço de Inteligência Militar da República Dominicana, é apresentado como um homem quase impotente e que tem ejaculação precoce.

Huck não sai da moita
Algumas pessoas muito próximas de Luciano Huck acham que ele não vai ser candidato a presidente em 2022. Embora seu interesse em participar do jogo político e sua vontade de colaborar com o Brasil sejam genuínos, a decisão de não concorrer se dará em favor da família. O problema é que o anúncio da desistência pode demorar e atrapalhar o surgimento de candidaturas de fato. Huck não se mexe e fica ocupando um espaço político importante. É necessário que ele anuncie logo sua decisão para que o centro político possa buscar outro candidato. Se demorar muito, pode ser tarde demais.

Exemplos não faltam
Bernardinho já ocupou espaço político inutilmente em duas ocasiões, nas eleições para prefeito e governador do Rio de 2016 e 2018. Saiu tarde demais de ambas e atrapalhou outras candidaturas do Novo. Crivella e Witzel ganharam aquelas eleições. Na Bahia, ACM Neto, prefeito de Salvador, era pré-candidato a governador do estado até a véspera da data em que deveria se desincompatibilizar para concorrer, quando avisou aos partidos que o apoiavam que ficaria na prefeitura. O governador Rui Costa, do PT, foi reeleito.

Incompatibilidade
Como o ministro Paulo Guedes poderá implementar uma abertura na economia quando ao mesmo tempo o presidente Bolsonaro faz um acordo político com Paulo Skaf, o presidente da Fiesp?

Aliás
Participo de um grupo de WhatsApp composto principalmente por empresários e executivos paulistas. A maioria apoia o governo Bolsonaro, alguns até com bastante entusiasmo. Embora seja muito ativa, a turma não fez nenhuma menção ao Pibinho anunciado na quarta-feira.

PIB, coronavírus, eleição
Alguém tem dúvida de que o Pibinho do ano passado vai causar impacto na eleição municipal deste ano? O resultado ruim do primeiro ano de Bolsonaro e Guedes tem tudo para se repetir agora em 2020. Além de termos um presidente que mais atrapalha do que ajuda na construção da confiança que o investidor precisa para colocar seu dinheiro no Brasil, o efeito do coronavírus na economia global já se sente por aqui.

O presidente e o palhaço
Ao tentar se confundir com um palhaço na porta do Alvorada outro dia, Bolsonaro certamente estava homenageando sua ministra da Cultura. No extraordinário discurso de posse, Regina Duarte produziu a pérola vistosa que circula na internet e que termina assim: “E aquele pum produzido com talco espirrando do traseiro do palhaço e fazendo a risadaria feliz da criançada. Cultura é assim, é feita de palhaçada”. No caso do governo do Brasil, ministra, muito mais do que cultura é feito de palhaçada.

E o radical sou eu…
Sigmund Freud fumava 20 charutos por dia. Ernest Hemingway tomava 30 daiquiris por dia. Honoré de Balzac bebia 50 cafés por dia. E as pessoas ficam falando mal do Bolsonaro que diz apenas uma, duas, no máximo três bobagens por dia.

Pior bobagem que pedido de vista
Quem promulga emendas constitucionais são os presidentes do Senado e da Câmara em sessão conjunta do Congresso Nacional. A promulgação de uma emenda é o instrumento que declara a existência da lei e ordena a sua execução. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, segundo O GLOBO, está sentado em cima da emenda que muda a tramitação das Medidas Provisórias desde o ano passado. A emenda foi aprovada nas duas casas e deveria seguir para promulgação, mas Alcolumbre resolveu engavetá-la. Significa que a vontade da maioria absoluta dos parlamentares (emendas só são aprovadas com dois terços dos votos), representantes legítimos dos eleitores brasileiros, não está sendo atendida por sua excelência.

Moradores de rua
Não é oficial, mas é visível a olho nu. O número de moradores de rua do Rio subiu mais uma vez neste verão, e chegou a um volume assustador durante as duas (sic) semanas de carnaval. Além dos desabrigados pelas chuvas, estão nas ruas pobres do interior e de outros estados que vêm para o Rio esmolar, tentar arrumar algum dinheiro com turistas. Acabam as férias, muitos desses moradores vão embora também.


Ascânio Seleme: A quem o Congresso assusta

Brasil superaria muito mais rapidamente suas crises sob regime parlamentarista

Um grande número de brasileiros odeia o Congresso Nacional ou dele tem pavor. Estas pessoas enxergam no Parlamento um poço por onde escorrem todas as economias nacionais ou boa parte delas. Olham para deputados e senadores e só conseguem ver larápios, usurpadores das riquezas nacionais. Dizem sem se constranger que são eles que destroem o Brasil impedindo que gente digna e honesta, como Jair Bolsonaro, trabalhe. As convocações para o ato do dia 15 de março carregam esse vício de nascença, já que todos os problemas do Brasil têm origem no Congresso. Por esta ótica, enfrentar, atacar, desonrar o Congresso significa dar uma chance ao Brasil.

Vejo exatamente o contrário. Pelo ritmo alucinado com que se escala a intolerância política no Brasil, onde até a primeira-dama do país é vilipendiada pelo radicalismo, o Parlamento pode ser a única saída. Já testamos uma vez a alternativa parlamentarista. Funcionou provisoriamente para que João Goulart pudesse assumir o cargo aberto pela renúncia de Jânio Quadros. Como os militares não aceitavam Jango, achou-se a opção parlamentar.

Fabricada às pressas para resolver um impasse, não durou. Como também não durou o governo de Jango, derrubado pelo golpe de 1964, menos de dois anos depois.

O parlamentarismo é discutido nas redes sociais como uma armação que está sendo tramada no Congresso para tirar poder de Bolsonaro. Um golpe contra o presidente eleito democraticamente, denunciam. Bobagem. O tema não está na pauta da Câmara ou do Senado. Depois, para se fazer uma mudança de sistema de governo é obrigatório que todo o país participe do debate. Além disso, para aprovar uma emenda constitucional nesse sentido seriam necessários dois terços dos votos do Congresso, impossível de se alcançar nas circunstâncias atuais.

Claro que o modo beligerante de governar de Bolsonaro, o tumultuador da República, acaba gerando especulações. Certamente o Brasil superaria muito mais rapidamente suas crises sob um regime parlamentarista. E sem os traumas que geram no país, como o que resultou do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Se fosse primeira-ministra, Dilma deixaria o palácio mais cedo, e o país seguiria tranquilamente sua rotina com novo governo formado pelo Parlamento. Poderia ser até com o PT.

Se Bolsonaro fosse primeiro-ministro, com certeza não causaria esses tormentos quase diários que angustiam até mesmo os seus mais fiéis seguidores. Seria mais cauteloso. Ou cairia antes de completar a obra para a qual foi eleito. Nenhum problema em mudar de governo. Nos regimes parlamentaristas muitas vezes se muda a administração sem que se altere a orientação política ou mesmo o partido ou a coalizão que a sustenta. Mudanças passam a ser naturais e viram regra para se manter a estabilidade do país e a própria governabilidade.

Outra vantagem do parlamentarismo é que o servidor público passa a ser mais exigido, porque permanece na função enquanto as lideranças se alternam no governo. As políticas em andamento e a memória dessas políticas não mudam ou desaparecem a cada quatro ou oito anos. Isso dá sentido de seguimento e continuidade a diretrizes que são nacionais, suprapartidárias e não pertencem a um setor ou outro do espectro político. E é bom também porque governar fica mais fácil e barato.

Alguém pode dizer que com este Congresso que está aí não dá para contar. Meia verdade. Primeiro, porque há excelentes deputados e senadores trabalhando seriamente pelo Brasil. Depois, não tenham dúvida, a qualidade da representação parlamentar brasileira melhoraria muito. Os eleitores saberiam que o seu voto teria novo significado. Os parlamentares eleitos seriam os responsáveis pela formação do governo.

Pena que a discussão sobre a mudança de sistema só prospere em tempos de crise, quando um presidente vai mal. Ocorreu na gestão de Michel Temer, depois do escândalo da JBS. E pode vir à tona agora, com temem os bolsonaristas, em contraponto ao permanente embate do chefe do Executivo contra o Congresso, o Judiciário, a imprensa e quem quer que se mova em direção contrária à sua.


Ascânio Seleme: Um país que precisa de memória

No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas

Não basta ter ódio e nojo da ditadura, como expressou Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição, em 1988. É preciso ter presente na memória coletiva os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas, nas famílias, nas coletividades, nos bairros, nas cidades e nas nações. É preciso que os mais jovens, os que não viveram sob a ditadura, tenham por ela o mesmo ódio e o mesmo nojo. É preciso que a memória seja viva e tangível. Que se possa tocar nas feridas para saber como elas doem.

No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar o passado porque é pequena a exposição de quem foram e o que fizeram os facínoras que, em nome dos ditadores, perseguiam, prendiam ilegalmente, sequestravam, torturavam, matavam e faziam desaparecer pessoas. Sem isso na cabeça, manifestantes pró-Bolsonaro vão para as ruas e pedem a volta da ditadura. Como farão no próximo dia 15. Desprezam os Poderes Legislativo e Judiciário e acreditam que a mão armada de fuzil e porrete é capaz de colocar ordem na casa.

A História prova o contrário. Além das barbaridades que cometem, e no Brasil não foi diferente, regimes autoritários erram muito mais justamente por não admitirem o contraditório, não se abrirem para o pluralismo de ideias e inovações que verdadeiramente mudam as coisas para melhor. Fora alguns bons livros e documentos históricos importantes como o “Brasil: Nunca Mais”, organizado por Dom Paulo Evaristo Arns, pouco resta para escancarar para as pessoas o que foi a ditadura brasileira.

O Memorial da Resistência de São Paulo, inaugurado em janeiro de 2009, é o único museu brasileiro que mostra como se operava a violência do Estado contra seus cidadãos. Ele está instalado numa parte do prédio em que funcionou o antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), principal centro de tortura do estado, e que hoje também abriga a Pinacoteca. Situado no Parque da Luz, em pleno coração de São Paulo, o temido e famigerado Dops operou barbaridades desde a instalação da ditadura brasileira, em abril de 1964, até a sua extinção, em março de 1983.

Em 2015, a Argentina abriu um museu para expor de maneira organizada e de modo permanente como foi brutal e sanguinária a sua ditadura militar. O Museu Sítio de Memória foi montado no Casino de Oficiales de la Escuela de Mecánica de la Armada (Esma), mesmo local onde funcionou por anos o maior centro clandestino de detenção, tortura e extermínio de inimigos políticos do regime. Naquele conjunto militar plantado dentro de Buenos Aires, a 20 minutos de Palermo, mais de 5 mil argentinos foram brutalizados. A maioria morreu ou desapareceu.

Esses museus são mobilizadores e deveriam ser abertos em todas as cidades, em todos os quartéis e delegacias onde cidadãos foram detidos ilegalmente pelo aparelho do Estado, torturados e assassinados. Apalpar a História, tê-la sempre próxima, este é o melhor caminho para não se esquecer das atrocidades que nossos irmãos mais velhos sofreram enquanto a Justiça e o Legislativo permaneciam amordaçados ou fechados. Se você conhecer alguém que está pensando em vestir a camisa da seleção e ir a Copacabana no dia 15, tente fazê-lo antes imaginar como estarão seus filhos e seus netos no futuro se de fato sua mobilização conseguir fechar os parlamentos e os tribunais brasileiros.

Entre sem bater
No Palácio de Bolsonaro, apenas o general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, não bate na porta do presidente antes de entrar. Outro oficial tem trânsito livre e acesso permanente ao terceiro andar. É o general Ramos, chefe da Casa Civil, mas esse precisa ser anunciado. O primeiro mandou um “foda-se” ao Congresso por mexer no Orçamento da União. O segundo negocia com parlamentares as emendas que atendem demandas das suas bases eleitorais. Faz todo sentido.

Faltou dizer
Os que vão se manifestar no dia 15 contra o Legislativo dizem que Câmara e Senado gastam muito e que os parlamentares têm assessores demais. Esta razão é vazia. Primeiro, porque mesmo que custe caro, o Legislativo é fundamental para a vida democrática. Depois, os assessores parlamentares teoricamente têm que trabalhar, produzir ideias e projetos para os seus chefes. E é o que a maioria de fato faz. Vai ver como operam os técnicos do gabinete do senador José Serra (PSDB-SP). Os que não fazem isso são os “aspones” de deputados e senadores do baixo clero. Aqueles que se prestam a esquemas de rachadinha porque não trabalham mesmo. A família do presidente conhece muito bem esse esquema.

De quem é a culpa?
Dez em cada dez brasileiros que defendem o fechamento do Congresso dizem que é hora “de acabar com a roubalheira dos políticos profissionais”. Resultado da desilusão causada pelos governos petistas. A esperança que um dia a nação depositou em Lula e sua turma deu sinais de fogo com o mensalão e virou fumaça com a Lava-Jato. E, até hoje, nenhum sinal de arrependimento, nenhuma autocrítica.

Ministro sem comando
Ao dizer que o dólar pularia para R$ 7 se deixasse o governo, o ministro Paulo Guedes revelou o que todos já sabiam, ele não confia em Bolsonaro. Numa democracia com o governo no controle da situação, o lastro é o presidente, não o seu ministro da Fazenda. Mas Guedes sabe que o Tumultuador da República só faz isso mesmo, atrapalhar e tumultuar o ambiente político e econômico. Mas a frase do ministro acabou revelando também que nem ele tem o comando da economia. Se tivesse, sua ausência seria bem assimilada pelo mercado, já que os fundamentos estariam sob controle.

Cheiro de Couro
Márcia, filha do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, lembrava sempre do cheiro gostoso que sentia quando entrava na biblioteca do Palácio do Planalto.

Tinha um aroma que emanava das capas de couro que revestiam os livros e que seduzia o olfato da menina.

Márcia, que foi deputada e vice-governadora do Distrito Federal, morreu no ano 2000. Não viu, portanto, o desmonte da biblioteca que vai abrigar um gabinete para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

A maldição do Cocar
Diante da polêmica do uso de fantasias de índio no carnaval, o ex-ministro do Planejamento do governo Itamar Franco, Alexis Stepanenko, escreveu para esta coluna.

Contou que foi do ex-presidente José Sarney que ouviu pela primeira vez a história da maldição do cocar.

Supersticioso como poucos, Sarney explicou a Stepanenko por que o cocar poderia trazer azar a quem o usasse.

“Ministro, o senhor já imaginou a dor dos pássaros ao arrancarem suas penas? Esta dor se transforma numa danação a quem colocar o cocar na cabeça, ainda mais se for branco”.

Jacaré no Paranoá
Por se tratar de José Sarney, um bom contador de casos, Stepanenko aproveitou e emendou com mais uma do velho maranhense.

Sarney um dia descobriu que o senador Jarbas Passarinho, morador do mesmo prédio funcional em Brasília, mantinha um jacaré empalhado em seu apartamento.

“Bicho empalhado dá azar”, explicou Sarney. “Por isso tanto baixo astral no prédio”, acrescentou sem entrar em detalhes.

Daí ele bolou um plano. Com a ajuda de outros dois senadores roubou o jacaré de Jarbas Passarinho numa hora em que o colega estava fora do apartamento, e jogou o animal empalhado no Lago Paranoá.

Sarney jura que a paz voltou ao prédio. Dois dias depois, os jornais de Brasília informaram que moradores em pânico viram jacarés nadando no Lago.


Ascânio Seleme: Morte à vista do pedido de vista

Iniciativa do TCU estabelece prazo máximo de 30 dias para a devolução de um processo ao plenário

Uma excelente iniciativa do Tribunal de Contas da União pode mudar o absurdo protelatório que atende pelo nome de “pedido de vista”. Comum em todos os tribunais, a vista de um processo tem o poder de adiar o seu julgamento pelo tempo que bem entender o juiz que fez o pedido. Houve casos de vistas que duraram anos no Supremo Tribunal Federal. A iniciativa do TCU, apoiada pelo atual e pelo próximo presidente, além de ter a simpatia da maioria dos ministros da Casa, estabelece prazo máximo de 30 dias para a devolução de um processo ao plenário com o voto do ministro que pediu a vista. Se o magistrado não votar, mesmo assim o processo volta para a apreciação e vence o que determinar a maioria.

Uma vista é concedida quando o juiz que fez o pedido alega não ter se inteirado completamente do teor do processo. Eventualmente esta pode ser a verdade, mas rotineiramente não é. Os desembargadores ou ministros pedem vista que interrompe o andamento do processo por diversas razões, inclusive para tentar pacificar um plenário dividido. O fato é que são raras as vezes que um pedido de vista serve para o solicitante se debruçar com mais cuidado sobre o caso. Quando chega ao plenário para sentença, um processo já tramitou por alguns anos, ou por muitos anos naquela instância e nas instâncias inferiores. Tempo suficiente para que todos os ângulos do processo sejam mais do que conhecidos por todos. Além disso, os processos que tramitam em tribunais estão disponíveis digitalmente.

Se acabar cristalizada, a iniciativa do TCU criará uma nova regra que os demais tribunais poderão ser compelidos a seguir. Quem ganha com isso é a Justiça. Quem perde é a famosa lentidão da Justiça. Com o auxílio do pedido de vista, que pode ser acionado nos tribunais regionais, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, um processo demora de 15 a 20 anos para ser julgado, a ponto de permitir a prescrição de eventual crime antes dele conhecer sua sentença final. O pedido de vista acabou virando instrumento protelador de decisões judiciais.

Há inúmeros casos em todos os tribunais, inclusive no STF, de pedidos de vista feitos depois de um processo ter alcançado maioria. O que isso significa? Significa que a decisão já tomada a favor de um dos lados da causa em questão ficará sem execução até que o ministro que pediu a vista devolva o processo ao plenário para que o acórdão seja enfim proferido. Trata-se de uma vergonhosa manipulação do processo penal que os ministros de todas as cortes tomam sem o menor constrangimento. Uma descarada protelação de uma decisão colegiada que um juiz solitário toma por ter sua posição contrariada. Ou por outras razões ainda menos nobres.

A proposta do TCU é terminativa. Depois de 30 dias o processo em vista por um ministro é devolvido automaticamente ao plenário e entra na pauta. O regimento do Supremo também estabelece um prazo de 20 dias para que um processo com pedido de vista seja devolvido para a pauta. Mas trata-se de um dispositivo ridículo, já que o prazo estabelecido não é obrigatório. Os ministros da Corte ignoram solenemente este prazo, e o instrumento acabou virando chacota de advogados, que o apelidaram de “perdidos de vista”.

A frase correta
Ao contrário da barbaridade que pronunciou, Guedes poderia ter dito o seguinte: “Com o dólar muito baixo, os brasileiros deixavam US$ 2 bi por ano na Flórida, a maior parte em Orlando. A então candidata Hillary Clinton chegou a dizer, na campanha de 2016, que poderia dar atenção especial ao brasileiro. A nossa é a segunda nacionalidade a mais frequentar a Disney, perdemos apenas para os americanos”. Mas, em se tratando de câmbio, com certeza ficar calado seria a melhor opção.

Dez dias ou 12 anos
Enquanto na China um hospital de emergência foi construído e entregue em dez dias para atender ao surto do coronavírus, no Brasil há inúmeras obras de hospitais abandonadas, apodrecendo. Em Minas Gerais, estão paradas as obras de quatro hospitais regionais licitados ainda no governo de Aécio Neves. Um deles, na cidade de Teófilo Otoni, teria 430 leitos. Outro, em Governador Valadares, tem 23 mil metros quadrados já erguidos. Também estão paradas obras de hospitais em Juiz de Fora e Sete Lagoas, em rápida deterioração e com peças metálicas e fiações sendo roubadas. Estima-se prejuízo de R$ 1 bilhão. Além de Aécio, passaram pelo governo de Minas nesse período Antonio Anastasia (quatro anos), Fernando Pimentel (quatro anos) e Romeu Zema.

O bom pai
Nenhuma dúvida de que Jair Bolsonaro sabe educar seus filhos. Todos seguem estritamente a cartilha e os ensinamentos paternos. Comuns são famílias cujos filhos alteram trajetórias, contrariam ideias e até torcem por times diferentes dos times de seus pais. No caso de Bolsonaro, não. Todos pensam da mesma forma, seguem na mesma direção e fazem a mesma política. É aí que reside o problema. Flávio faz rachadinha e agride mulheres, como o pai. Carlos escreve barbaridades na internet, como o pai. E Eduardo desrespeita a democracia, como o pai. Fora o resto. Se houvesse apenas um com cacoete diferente, a história poderia ser diferente.

Segurança hídrica
Tente navegar em águas da Marinha. Você vai ser convidado a sair dali por marinheiros armados de fuzis. Tente pescar em águas da milícia. Você vai levar tiro de fuzil no minuto que for avistado. Agora, jogue esgoto no Guandu, bem no local onde a Cedae capta água para tratar e abastecer oito milhões de pessoas. Não vai acontecer nada. Ninguém vai pedir para você parar. Não vai ter ameaça armada de fuzil, nem multa, nem nada.

Queijo e Maconha
Marília Andrade, mãe da cineasta Petra Costa, participou da grande festa que a construtora da sua família deu em Brasília em comemoração pela primeira eleição de Dilma Rousseff. A Andrade Gutierrez convidou todo o grande mundo da política da era petista. Além de Lula, presidente no final do seu segundo mandato, e Dilma, estavam presentes todos os barões e todos os duques do PT e dos partidos aliados. A certa altura, já no fim da noite, Marília dirigiu-se a Lula e disse que tinha um pedido a fazer. O presidente respondeu que, claro, que fizesse o pedido. Além de ser da família anfitriã, Marília abrigava Lurian, a filha do ex-presidente, em sua casa de Paris. A mãe de Petra pediu então que Lula legalizasse o queijo Canastra e a maconha. O queijo era proibido fora de Minas por ser feito com leite cru. Lula olhou meio espantado para a sua amiga e respondeu assim: “Pode deixar, Marília, o queijo eu legalizo, a maconha a gente deixa pra Dilma”.

Queijo 2
Lula não legalizou o Canastra, nem Dilma a maconha. O tradicional queijo mineiro só ganhou selo de qualidade e lei para comercialização e consumo em junho do ano passado.

Os ‘novos’ ceos
Matéria da revista “Economist” mostra que as grandes empresas estão buscando executivos cada vez mais velhos para tocar seus negócios. De 2005 para 2019, a idade média dos CEOs subiu de 46 para 58 anos. Um envelhecimento e tanto. Mas um detalhe importante é sempre levado em conta pelos headhunters quando caçam executivos no mercado. Os coroas têm que ser magros e malhados. Precisam ter vigor para aguentar a rotina de trabalho. O bom CEO não trabalha menos de 14 horas por dia.

PSOL não Votou com PT
O PSOL não votou a favor do deputado Wilson Santiago (PTB-PB), que se apropriou de R$ 1,2 milhão dos cofres públicos e foi mantido na função pela Câmara, apesar de seu afastamento ter sido determinado pelo ministro do STF Celso de Mello. Ao contrário, toda a bancada do PSOL votou pelo afastamento do parlamentar. PT, PCdoB, MDB e DEM votaram a favor de Santiago, que segue aprovando as leis do país.


Ascânio Seleme: Coronavírus no Planalto

Cresce o número de pessoas que querem distância de Bolsonaro

Jair Bolsonaro pode até agradar e ser paparicado por aquela parcela de eleitores que o apoia até mesmo quando ele ataca homossexuais e enaltece torturadores. Mas cresce de modo contínuo uma outra parte que prefere dele não se aproximar. Primeiro foram os policiais que, irritados com a reforma da Previdência, o chamaram de traidor. Depois, a turma do agronegócio começou a se afastar para não ser contaminada pela pauta contra-ambiental do presidente. Inúmeros parlamentares e governadores, que foram eleitos na sua onda, hoje não querem aparecer ao seu lado em razão de seu estado de permanente beligerância.

Na semana passada, Bolsonaro recebeu no Planalto alguns músicos sertanejos, e sua assessoria divulgou uma lista acrescida de 22 nomes que não estiveram presentes. Foi uma gritaria. Justamente os mais importantes, como Bruno e Marrone e César Menotti e Fabiano, mandaram avisar que não foram ao beija-mão. Muitos não estão mais dispostos a associar suas imagens à errática política cultural do presidente. Pode parecer bobagem, mas não é. Os sertanejos se associaram a Bolsonaro desde cedo, ainda na campanha, em razão de sua raiz no interior do país e pela proximidade com o agronegócio.

Mesmo entre os músicos dos grandes centros sem viés ideológico há um contingente de profissionais cada vez incomodado com o governo que se lixa para a cadeia produtiva da música. São milhares de pessoas que vivem, alimentam suas famílias, colocam seus filhos nas escolas, pagam impostos, contribuem com a Previdência e que têm suas pautas ignoradas pelo governo. Um grupo do Rio fracassou quando tentou organizar uma comitiva para ir a Bolsonaro fazer lobby contra a Medida Provisória que isenta hotéis de recolher direitos autorais em seus quartos.

Ancestralmente próximos do capitão, os garimpeiros também ameaçam pular fora. Dizem que estão sendo perseguidos pelo governo que lhes prometeu apoio. Nem o projeto que autoriza mineração e geração de energia em terra indígena os anima. Segundo líderes garimpeiros, em algumas reservas a mineração se dá em acordo com líderes tribais há quase meio século. O projeto apresentado na terça-feira, segundo eles, vai ser bombardeado e pode atrapalhar os garimpos que hoje funcionam com o aval e a participação de comunidades indígenas.

Os garimpeiros dizem que os índios mundurucus, do Amazonas, convivem com eles há quatro décadas e participam da mineração com dragas próprias. As maiores reservas de diamante no Brasil ficam nas terras dos índios cinta largas, entre Rondônia e Mato Grosso, que as exploram. Os caiapós-xicrins, de Tocantins, estão no garimpo há 30 anos e têm aviões e maquinário próprio, além de gado e área de pastagem. Eles citam também garimpos tucanos, na fronteira com Colômbia e Venezuela, e macuxis, da reserva Raposa Serra do Sol. O que eles queriam era a regularização dessas reservas, mas a fiscalização do governo ignora os entendimentos e parte para cima deles “com virulência”, reclamam os garimpeiros.

A proposta de Bolsonaro incomoda os três lados da questão. Irrita ambientalistas, que enxergam no projeto carta branca para a degradação das reservas; aos índios, que perdem a autonomia sobre seu território; e aos garimpeiros, que temem que a chancela de Bolsonaro crie mais dificuldades do que resultados positivos. Na apresentação do projeto, Bolsonaro reconheceu que o texto vai ser objeto de ataques de ambientalistas. E disse: “Se puder, confino os ambientalistas na Amazônia”. Dá para entender por que tanta gente quer distância.

Expo de armas
A Tabacaria Africana, uma das mais tradicionais charutarias do Centro do Rio, permitiu que se realizasse nos seus salões uma reunião, aparentemente ilegal, de donos de armas. Um frequentador chegou ao local, num sábado à tarde, há cerca de um mês, e se deparou com um grupo de cerca de 20 homens que expunham suas armas sobre as mesas da tabacaria. Esses homens manipulavam as armas, comparavam umas com outras, parecia que negociavam entre eles. O charuteiro de fim de semana que viu a cena não pôde garantir se eles comercializavam ou apenas exibiam suas armas, porque, assustado, se mandou do lugar rapidinho.

Política Tributária
Já se viu de tudo na formulação do emaranhado de impostos que assombra o Brasil, mas fazer política tributária na porta do Palácio da Alvorada, empurrado por um grupo de adoradores que vai lá apenas para bater continência ao presidente, foi a primeira vez.

Privatizar a Cedae
São inúmeras as razões que pode-se listar em favor da privatização da Cedae, mas uma delas é imbatível e ficou cristalina (ao contrário da água que a empresa fornece) com a crise de abastecimento atual. Se associações de moradores do Rio se reunissem e movessem uma ação contra a Cedae, e a Justiça obrigasse a empresa a indenizar os usuários pela péssima qualidade do serviço prestado, quem iria pagar a conta? Pois é, seríamos você, eu e todos os nossos vizinhos. A conta seria paga pelo contribuinte fluminense. Pagaríamos para nós mesmos. Agora, se a Cedae pertencesse a um desses megaempresários chineses ou a uma grande empresa privada brasileira, a conta da indenização pelo desastre não seria de nossa responsabilidade. Embora os cidadãos do Rio nada tenham a ver com a má gestão da empresa, a responsabilidade pecuniária pelo desastre hoje é deles. É nossa.

Boa medida
Não era necessário esperar tanto, mas, enfim, parece estar saindo do papel projeto que acaba com a reserva de mercado para empreiteiras brasileiras sobre as obras públicas de infraestrutura. Em março, o megaescândalo que expôs a rede de corrupção das empreiteiras brasileiras completa seis anos, e a Odebrecht e companhia ainda hoje têm exclusividade sobre obras nacionais. As estrangeiras só podem operar no Brasil se tiverem filiais nacionais.

Prerrogativas
As prerrogativas de foro foram criadas ainda na Grécia antiga para proteger a função pública e garantir a punição em instância superior de crime praticado pela pessoa que a ocupe. Aos poucos o foro especial virou foro privilegiado e no Brasil é sinônimo de impunidade. Por aqui, onde já vimos quase tudo, surgiu um novo caso, o do deputado Wilson Santiago (PTB-PB). O parlamentar, que se apropriou de R$ 1,2 milhão dos cofres públicos, foi mantido na função pelos seus pares na Câmara, apesar de seu afastamento ter sido determinado pelo ministro Celso de Mello. PT, PCdoB, PSOL, MDB e DEM votaram a favor de Santiago. Pois é.

Hospital em Dez dias
Na China, o governo chinês ergueu um hospital em dez dias para atender as vítimas do coronavírus, que já matou mais de 500 pessoas. No Brasil, onde 754 pessoas morreram por dengue no ano passado, os hospitais estão sendo destruídos há dezenas de anos.

Vampiro, fora
Não foram necessários crucifixos, dentes de alho e estacas de madeira. Bastou um peteleco de um senador para que o deputado Luiz Vampiro (MDB-SC) desistisse da cadeira de líder do governo na Assembleia de Santa Catarina. O que está por trás disso é uma guerra entre o governador-bombeiro Carlos Moisés e os filhos do presidente Bolsonaro (eles outra vez). O fato é que Vampiro estava fechando com o governador desafeto dos meninos quando lhe cortaram as asinhas.