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Política Democrática || Ligia Bahia: Saúde no Rio de Janeiro - ascensão, queda e desespero

Reconhecida internacionalmente até os anos 1990, a rede pública de saúde do Rio de Janeiro hoje está sem recursos e enfrenta o caos na atual gestão do prefeito Crivella

A rede pública de saúde no Rio, com seus hospitais de grande porte, centros de saúde e institutos de pesquisa, teve destaque internacional até os anos 1990. A cidade tinha o maior hospital de emergência da América do Sul, realizou a primeira cirurgia de coração e abrigou as iniciativas dos sanitaristas “jovens turcos” (a expressão alude aos oficiais conduzidos ao poder pelo General Ataturke), que propuseram reformas “rápidas e enérgicas”. Durante os governos do médico Pedro Ernesto Baptista (por dois períodos no início dos anos 1930), foram construídos os hospitais Getúlio Vargas, Jesus, Carlos Chagas, Rocha Faria, Paulino Werneck, Miguel Couto e o Hospital Central de Vila Isabel (que recebeu o nome de Pedro Ernesto). Após a II Guerra, os institutos de aposentadorias e pensões edificaram hospitais de grande porte na então capital do país.

Após a II Guerra, mudanças nas práticas clínicas e cirúrgicas impulsionaram investimentos dos Institutos de Aposentadoras e Pensões em hospitais de grande porte, muitos dos quais sediados no Rio de Janeiro. No início dos anos 1960, embaladas pela luta por democratização durante o Estado Novo, as ideias de Mario Magalhães, médico integrante do ISEB, sobre sanitarismo desenvolvimentista, adquirem destaque. A acepção segundo a qual “no Brasil se morre de tuberculose, mas igualmente morre-se de verminose, malária; de falta de assistência médica, por ignorância, e, principalmente, de miséria e fome, em consequência do grande atraso da economia nacional” inspirou um projeto de mudanças estruturantes, sustado pelo golpe de 1964. Com os governos militares e priorização de subsídios e contratos com estabelecimentos privados, termina a época de ouro da saúde pública no Rio.

As acepções reformistas do sistema de saúde só serão retomadas com os movimentos pela redemocratização nos anos 1980, protagonizados por pesquisadores do Rio de Janeiro, como Sérgio Arouca e Hésio Cordeiro. A inscrição do direito à saúde e do SUS na Constituição de 1988 tinha como fundamento a existência de uma rede pública no país e especialmente na cidade do Rio de Janeiro, que seria a base concreta para a garantia de atenção de qualidade para todos. A probabilidade de o SUS “dar certo” seria maior nas regiões com maior densidade de serviços públicos. E o que ocorreu de lá para cá foi uma conjugação de obstáculos à implementação do SUS, exatamente na cidade com a maior rede pública do país. Retração de recursos federais e ziguezagues de políticas de prefeitos e governos estaduais concorreram para o sucateamento dos estabelecimentos públicos de saúde.

A partir dos anos 1990, a cidade de São Paulo, com seus hospitais filantrópicos, privados, luxuosos e equipados, deixa o Rio, até então a cidade vanguarda da medicina e saúde pública, para trás. Houve esforços esparsos para reformar ou expandir a capacidade pública instalada na gestão Cesar Maia, e mais intensos durante o mandato de Eduardo Paes. Mas foram insuficientes para deter tendência estrutural de precarização das instalações físicas e condições de atendimento. Segundo denúncia da Defensoria e do Ministério Público do Rio de Janeiro, a administração municipal deixou de investir R$ 2,2 bilhões na saúde desde o início da gestão de Marcelo Crivella, em 2017, e quase R$ 1 bilhão referente a redução, bloqueio e remanejamento indevido só em 2019, segundo informações da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS. Houve redução de leitos, médicos, agentes comunitários de saúde e procedimentos ambulatoriais. O tempo de espera para consultas eletivas na atenção especializada aumentou de 47 para 88 dias.

Profissionais de saúde, contratados por organizações sociais, passaram a não receber salários em dia e a serem demitidos e reconvocados a trabalhar sob novos contratos. Jovens médicos, expostos diariamente à insatisfação da população com condições de atendimento sempre precárias, estão migrando para cidades nas quais o SUS oferece melhores padrões assistenciais. O desmonte do SUS no Rio de Janeiro atinge atendimentos de ambulância na atenção primária e hospitais de emergência, que são recursos estratégicos para salvar vidas de doentes graves e acidentados. Quem for ferido em um acidente de carro e encaminhado para uma emergência municipal estará no mesmo barco do restante da população. A cidade, que, no passado, teve a melhor rede pública do país, tornou-se exemplo de desmazelo e incúria.

As reiteradas interpelações do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos de controle, como tribunais de contas são imprescindíveis, mas chegam “na ponta”. O desespero prevalece entre pacientes e profissionais de saúde. Os primeiros não sabem se serão atendidos; os segundos não conseguem aplicar seus conhecimentos porque não dispõem de condições adequadas de trabalho.

 


Política Democrática || Henrique Herkenhoff: E quem me protegerá dessas garantias?

O Brasil iniciou 2020 em uma situação inusitada, com um pacote de medidas criminais sancionado na mesma ocasião em que uma nova lei de abuso de autoridade entrou em vigor

Entramos em 2020 com um pacote de medidas criminais sancionado, na mesma ocasião em que uma nova lei de abuso de autoridade entrava em vigor. Resistiremos à tentação de tecer análises jurídicas, mas não à de recorrer a certas frases bastante surradas, inclusive esta que compõe o título (Juvenal, Sátiras, 6, 348).

A matéria de ambas as leis já era tratada nas Ordenações Afonsinas de 1446, passando pelas Manuelinas (1521) e Filipinas (1603), que, por decreto de D. Pedro I, continuaram em vigor no Brasil. A única diferença é que as Ordenações Portuguesas, sem nenhum pudor ou disfarce, diziam que certas garantias eram exclusividade dos fidalgos, ao passo que algumas penas e a tortura eram um privilégio das classes “vis”. Em todo caso, as penas da nobreza eram executadas “sem baraço e sem pregão”, isto é, sem algemas e sem exposição na mídia. Ademais, essas últimas “novidades” no campo do Direito Processual Penal nitidamente se contrabalançam, de maneira que nos parece ouvir aquilo que um personagem de Il Gattopardo (Giuseppe Tomasi di Lampedusa) dizia: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.”

Mesmo a melhor reforma traz complicações. A delação premiada, por exemplo, revelou-se indispensável, mas, em julgamento recente e acertado, o STF decidiu que, embora na falta de disposição legal expressa, os réus colaboradores devem falar antes dos demais, o que implicou a anulação de processos importantes. Resolver definitivamente as controvérsias de interpretação leva tanto tempo que, invariavelmente, um novo pacote de reformas é editado antes que o primeiro tenha sido digerido.

Auditar os processos licitatórios ou obras públicas é muito mais trabalhoso e demorado do que os realizar, com a agravante de que as piores fraudes não se encontram nos autos. Para se certificar de que as camadas de asfalto têm a espessura e o material contratados, colhem-se amostras de distância em distância, pois conferi-las em cada centímetro da estrada exigiria retirar integralmente a pavimentação... Seja no sistema anterior, seja com o juízo de garantias, apenas os erros mais grotescos podem ser evitados; tudo aquilo que pareça formalmente em ordem permite apenas um exame superficial.

Ao submeter diligências e prisões ao crivo prévio do Judiciário, na maioria das vezes sem que o réu possa ser ouvido, a decisão fica sepultada entre milhares de páginas. É duvidoso que o juiz se sentirá menos constrangido em reconhecer a ilegalidade de uma busca determinada pelo seu colega do que em admitir um erro em suas próprias decisões. Mas, e as instâncias superiores? Estas sempre estarão lá se provocadas, com ou sem juízo de garantias, mas, na prática, essas autorizações raramente são revistas e, de toda sorte, impedem a responsabilização de quem estava apenas “cumprindo ordens judiciais”, ainda que as tenha requerido.

Se alguém obtém liminarmente a posse de meu apartamento e mais tarde perde a ação, terá de me indenizar por todo o tempo em que fiquei fora de casa. No entanto, o réu preso e mais tarde absolvido nada receberá, nem mesmo honorários advocatícios. Nas ações penais e de improbidade administrativa, o Ministério Público, mesmo derrotado, não paga as despesas processuais dos réus e muito menos repara os estragos causados. Não é, portanto, necessário atingir individualmente a autoridade responsável pelo abuso, salvo quando agiu maliciosamente; para que ela fique autocontida, basta que a instituição a que pertence, com seu orçamento, pague a fatura das acusações malsucedidas e dos constrangimentos que os réus sofrerem.

As garantias que a Constituição dá aos réus somente se tornarão realidade para todos quando abandonarmos o controle prévio das atividades de investigação e acusação, fazendo-o só posteriormente e sob provocação da defesa, que já terá selecionado as questões importantes e levantado os elementos de convicção. Ou seja, exatamente o contrário da criação dos juízes de garantia. Atualmente, há registro de todas as interceptações telefônicas e quebras de sigilo bancário ou fiscal, permitindo aos cidadãos questioná-las mesmo que nunca sejam acusados. Que o Ministério Público possa, sem autorização judicial prévia, determinar as diligências que entender necessárias e prender quem haja por bem, desde que ofereça a denúncia imediatamente, mas suporte aquilo que chamamos “ônus da sucumbência” quando vencido. Só isso.

* Professor doutor do Mestrado em Segurança Pública da UVV/ES e presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/ES. Secretário de Segurança do Estado do Espírito Santo (2011/2013), desembargador federal (2007/2010), procurador e procurador regional da República (1996/2007), havendo integrado a Missão Especial de Combate ao Crime Organizado e o Conselho Penitenciário Estadual.


Política Democrática || Alberto Aggio: Bolsonaro, ano 1

O ano de 2019 passou com o presidente Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988, avalia Alberto Aggio

Ele veio como um terremoto, mobilizando as profundezas da sociedade. Assustou, verdadeiramente. E continua a assustar, pois o tremor que se sentiu continua, dia após dia, sob fogo cerrado de um discurso intolerante e de uma linguagem marcada pela confrontação permanente, sem remissão nem acordos. Em meio ao turbilhão que se instalou com a vitória e ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, já é tempo de entender que ele não veio “do nada”. O antipetismo que se formou desde as manifestações de 2013 até o impeachment de Dilma Rousseff foi o que essencialmente o elegeu. Mas há mais do que isso.

É necessário, de saída, reconhecer que Bolsonaro foi eleito dentro dos parâmetros democráticos que nos guiam e, portanto, sua vitória está coberta de legitimidade. Interessa a Bolsonaro ultrapassar a imagem de que seu êxito representou apenas um instante fugaz. Quer conclamar homens e mulheres a segui-lo e refazer o caminho de sua vitória eleitoral, rumo a outra, a de 2022. Mesmo com os olhos mergulhados no passado, busca alterar o tempo histórico. Mais importante do que conquistar posições que lhe garantam trânsito sustentável em direção ao futuro, importa instituir um movimento, em tempo curto, que o leve a mais um mandato.

No já longínquo 2018, o candidato derrotado do PT, Fernando Haddad, balbuciou palavras referentes à “resistência” de uma “outra nação”, mas permaneceu imóvel, como seu partido, esperando a “soltura” de seu guia, que continuaria a vociferar como antes, reiterando que nada mudara em sua visão. Diferentemente de Bolsonaro, Lula movimenta-se no sentido de voltar a ter posições mais favoráveis nas relações de força que compõem o difícil e complexo terreno da política brasileira nos dias que correm. Na linguagem preferida do velho líder: “corre muito, quer o jogo concentrado nele, mas marca poucos gols”!

A consigna de “resistência” a Bolsonaro foi aceita quase que generalizadamente, mas deveria ser traduzida por uma estratégia de construção de uma “oposição democrática” no corpo das instituições, na opinião pública e na sociedade, cuja principal missão deveria ser a de evitar que “as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno” se transformem em “regime político”, como expusemos em Política Democrática Online 2, em novembro de 2018 (pp.18-19). Transcorrido um ano do governo Bolsonaro, não parece que tal objetivo tenha perdido sua validade, muito ao contrário. Atesta-se, por outro lado, a incapacidade do PT em dar corpo e solidez a essa estratégia.

O ano passou com Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988. Fez questão de não evitar e mesmo assegurar suas posições homofóbicas, racistas, antiecológicas, antiparlamentares, anti-institucionais, antidemocratas ou similares. Foi mais corporativo, em defesa dos diversos grupos militares e religiosos que o apoiam, do que reformista. Mesmo quanto à Reforma da Previdência, aprovada em 2019, Bolsonaro não pode proclamar como uma vitória sua, uma vez que pouco ou nada fez para que ela passasse na Câmara e no Senado.

Diante das dificuldades de governança e do declínio em sua popularidade, atestado nas pesquisas, o presidente não se furtou a estimular especulações a respeito da sua sucessão. Sem um projeto claro a perseguir como marca de governo, Bolsonaro passou o ano fazendo com que a questão eleitoral de 2022 fosse o terreno oculto a lhe possibilitar uma contraposição retórica com seus possíveis adversários. O presidente da República não teve dúvidas em instrumentalizar antecipadamente sua sucessão para sondar como andam seus apoios, sem necessitar, mais uma vez, ceder à articulação com o mundo político. Parece convencido de que investir suas fichas nas correias de transmissão que lhe deram a vitória eleitoral, com prevalência para as redes sociais, poderá lhe garantir a vitória novamente. Permanecer com o percentual de apoio que lhe assegure um lugar no segundo turno em 2022 é o objetivo almejado. Bolsonaro subiu a rampa do Planalto, mas imediatamente retornou ao palanque: é um presidente-candidato, como o foi Lula, o tempo todo, embora os estilos sejam notavelmente diferentes.

Ideologicamente, Bolsonaro é, sem dúvida, um político reacionário e regressivo que, para chegar a ser conservador, necessitaria de um programa de governo consonante com o desenvolvimento brasileiro e com os avanços civilizacionais do Ocidente, mas que supusesse um “freada de arrumação”, visando a garantir ou conservar parte do padrão histórico alcançado em ambas dimensões. Entretanto, Bolsonaro (e seu entorno, filhos inclusos) não chega a ser um conservador. Quer retroagir a marcha da história. Menos ainda um liberal, em termos políticos. Inúmeras vezes vociferou indiretamente contra a Constituição, a “Carta das liberdades e dos direitos”, como a ela se referia o liberal Ulisses Guimarães. Bolsonaro rejeita os vetores emancipatórios contidos nas transformações valorativas da modernidade. As metamorfoses atuais do mundo lhes são inadmissíveis. Identifica-se essencialmente com o mundo do pentecostalismo e seu cortejo de falaciosas restrições.

No plano internacional, Bolsonaro aposta na sua capacidade de anular a dinâmica e os efeitos da globalização entre nós e, por isso, se posiciona claramente contra o globalismo, sustentando um nacionalismo manchado de anacronismo. Diante do irredutível “conflito econômico mundial”, que se expressa de forma global, Bolsonaro não contempla uma perspectiva de cooperação entre os países, isto é, uma política de interdependência que favoreça a convivência entre diferentes e a busca de um destino comum para a humanidade. Sua postura extremista nos tem levado a uma posição subalterna ao atual governo norte-americano, além de vincular o país ao que há de mais reacionário na política europeia.

O “ano 1” projetou um líder que se recusou a formar uma base política no Parlamento, rifou o partido pelo qual se elegeu e busca construir um “novo partido” (Aliança pelo Brasil), de perfil personalista, seguindo as orientações de Olavo de Carvalho, um ideólogo saturado de nostalgia e extremismo. A construção desse partido seria então a resposta do presidente ao isolar-se do mainstream político e procurar consolidar, na sociedade, um movimento que possa lhe dar sustentação e lhe ser estritamente fiel.

Na dimensão reconhecidamente mais exitosa deste “ano 1”, os parcos resultados alcançados na economia são avaliados em meio a fortes suspeitas sobre sua sustentabilidade. A reforma da Previdência acionou, como afirma Luiz Carlos Mendonça de Barros, “a força de uma recuperação cíclica tradicional, que já existia desde o governo Temer (e que) começou a ganhar tração ao longo dos últimos meses. Mas a lentidão desta recuperação, principalmente na questão do desemprego, criou um ambiente de ceticismo entre os analistas e mesmo junto à sociedade” (Valor, 16.12.2019). Em síntese, a economia deu sinais de que está saindo da recessão provocada pelos disparates efetuados no governo de Dilma Rousseff (PT), mas não tem como avançar senão lentamente, mesmo com o rebaixamento dos juros a um nível jamais visto na história recente.

Em um ambiente político mais apropriado à “guerra de posições”, Bolsonaro preferiu a “guerra de movimento”, como o comandante de um “exército” embrionário identificado no “bolsonarismo”. Entretanto, à diferença dos seus pares internacionais, o iliberalismo de Bolsonaro não demonstrou, neste “ano 1”, força real para impor derrotas à democracia, como sistema político. Embora haja uma sensação de ameaça permanente, não há posições conquistadas no sentido de destruir a democracia da Carta de 1988 em seus fundamentos. As oposições resistem institucionalmente, mas não demonstram capacidade de enfrentar a “guerra de movimento” do bolsonarismo.

O “ano 1” de Bolsonaro está focado no segundo mandato. Ele precisa desesperadamente de sua reeleição. Para isso, quer nos manter estacionados politicamente em 2018.


Política Democrática || Márcia Gomes: Nosso patrimônio imaterial – a manifestação da Folia de Reis

São João del-Rei, em Minas Gerais é um exemplo emblemático da preservação cultural da Folia de Reis. Cidade tem cinco grupos reconhecidos como patrimônio imaterial do município, o que lhes confere maior visibilidade, identidade, reconhecimento e sentimento de pertencimento

Nosso patrimônio é uma construção social que referencia o efeito da ação do homem e permite que ele se sinta pertencente a um mesmo espaço. Considera, também, a representação de um passado, relacionado à memória da sociedade e sua cultura. No dizer de Rita de Cássia Cruz “não há patrimônio, seja ele material ou imaterial, que não seja cultural”, sendo a cultura a formação da sociedade.

O patrimônio imaterial abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua ancestralidade, para as gerações futuras. Desta forma, guarda a memória coletiva e cria um sentimento de identidade, de pertencimento a um grupo – ou seja, uma ideia de continuidade.

São João del-Rei é um exemplo emblemático, uma cidade em que as manifestações culturais – bens culturais de natureza imaterial – sempre estiveram ligadas às devoções religiosas. Elas se entrelaçam e abrigam todas as camadas sociais, as habilidades e ofícios a serviço da beleza e do brilho das cerimônias, da história, da vivência e da memória.

É por meio das observações e das interpretações dessas manifestações populares que se torna possível descobrir os códigos, as regras e os estatutos que constroem o ensinar e o aprender da diversidade da nossa cultura e, consequentemente, o desenvolvimento da nossa identidade. O patrimônio imaterial contido nessas manifestações é fundamental para manter a identidade local.
Toda manifestação da cultura popular só pode ser entendida se vista dentro de seu ambiente e tempo natural de ocorrência, ou seja, se contextualizada à vida de sua comunidade mantenedora, de sua religiosidade, de suas crenças e costumes.

A manifestação da Folia de Reis foi reconhecida, assim, como patrimônio imaterial do Estado de Minas Gerais, e no município de São João del-Rei cinco grupos de Folia de Reis estão também registrados como patrimônio imaterial, conferindo-lhe maior visibilidade, identidade, reconhecimento e sentimento de pertencimento.

Os sentimentos de pertencimento e identidade, quando fortalecidos dentro das relações humanas valores como respeito, cuidado, ajudam também no ‘estar presente’, no ‘pertencer’. É preciso perceber como ‘vivemos’ nossa cidade, como valorizamos nossa cultura, nossos ambientes, nossas relações, nossas tradições, nossa dedicação com o futuro e a responsabilidade com as nossas memórias e nosso comprometimento com a preservação e a valorização do nosso patrimônio material e imaterial – vale lembrar que ‘patrimônio’ é algo mutável. Não é algo natural, nem eterno, nem estático e, sim, uma construção social dinâmica.

A prática da Folia de Reis foi trazida da Europa e incorporada à cultura brasileira e proporciona convergência de grupo e fortalecimento de laços de solidariedade, uma vez que a simbologia que carrega conduz a uma ‘cristianidade’ e vida de luta em comum. Essa prática tem a capacidade de fortalecer os vínculos, a memória e identidade de grupo, por meio da ‘passada’ da Folia de casa em casa – o ‘giro’, momento do auge em que o simbólico se junta à materialidade.

Ela é folclórica sob a ótica do pesquisador ou do admirador que a vislumbra da assistência. Mas quem a pratica a faz como um gesto natural e funcional, de expressão lúdica ou religiosa. Os folieiros podem ter a consciência de que aquilo é folclórico, mas manifestam como um ato de sua vida. É uma diferença sutil, portanto profunda.

Cantos, danças e estandartes compõem a manifestação. As pessoas envolvidas cantam, dançam e carregam a bandeira da Folia até as casas como forma de devoção aos Santos ou aos Três Reis Magos. Devoção essa que se revela também nas brincadeiras, cantos e símbolos presentes no Éthos deste grupo. Ao mesmo tempo, remete a uma narrativa bíblica que enuncia o nascimento do Salvador do mundo – o Menino Jesus.

Para Jorge Amado, ‘meu materialismo não me limita’ (Jubiabá, 1935), o que equivale dizer que a estética dessa manifestação causa tamanho encantamento que, num instante mágico, se desloca do religioso e agrada nossos sentidos. A história ensina que a beleza tem autonomia em relação às crenças.

A Folia de Reis é uma forma de expressar a fé, de fazer pedidos sagrados, de cumprir a missão, de abençoar a vida e, enfim, de se divertir também, digna e respeitosamente.

“Ó senhor dono da casa,
recebei esta bandeira,
faça favor de entregá-la
a quem tem por companheira”.

*Coordenadora de Patrimônio Imaterial, Setor de Patrimônio Cultural/SMCT. Outubro/2019.


‘Bach fez nosso planeta soar de outra maneira’, escreve Ivan Alves Filho na Política Democrática de dezembro

Historiador diz, em artigo publicado na revista da FAP, que músico alemão era ‘homem de luta’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Johann Sebastian Bach é, para muitos, o maior nome da música em todos os tempos. Mestre do contraponto, o músico alemão fez nosso planeta soar de outra maneira”. A análise é do historiador Ivan Alves Filho, em artigo de sua autoria publicado na revista Política Democrática online de dezembro. Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, gratuitamente, pelo site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

» Acesse aqui a 14ª edição da revista Política Democrática online

De acordo com o historiador, Bach era um fervoroso protestante, originário de uma família de músicos. “Religião e arte faziam parte do seu corpo, como sangue e ossos”, afirma. “A darmos crédito a um depoimento, a tocar órgão, Bach corria sobre os pedais como se seus pés tivessem asas, fazendo o instrumento ressoar de tal maneira que quase se diria ouvir uma tempestade”, acrescenta.

Bach, segundo Ivan, era “um homem de luta”. “O Duque de Weimar chegou a mandar prendê-lo, porque o músico insistia em deixar a cidade em busca de melhores condições de trabalho. Obstinado, Bach não cedeu às pressões do Duque e ainda concebeu, na prisão, o Peque no Livro do Órgão”, lembra.

Ivan diz que, toda vez que ouve algo de Johann Sebastian Bach, firma a convicção de que sua música - de tão tensa, retorcida, obcecada até - não cabe completamente nos limites das notas musicais. “Na verdade, Bach nos remete a um som que extrapola ou atropela tudo”, afirma.

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Política Democrática: Ruy Fabiano fala de Machado como ‘vítima de plágio’

Em artigo de sua autoria publicado em revista da FAP, jornalista lembra relevância do escritor brasileiro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Já se disse quase tudo de Machado de Assis, avalia o jornalista Ruy Fabiano na edição de dezembro da revista Política Democrática. Para ele, pouco, no entanto, se mencionou sobre o Machado vítima de plágio. Não um plágio qualquer, mas um cometido por outro gênio da literatura – ninguém menos que o argentino Jorge Luís Borges.

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A obra de Machado, conforme lembra Ruy Fabiano, começou a ser traduzida para o espanhol exatamente em Buenos Aires, a partir de 1940, quando Borges estava em plena atividade, não só como escritor, mas também como crítico literário e ensaísta. “E o primeiro livro de Machado em castelhano foi, muito a propósito, Memórias Póstumas de Brás Cubas”, afirma o jornalista.

“Carlos Fuentes, no ensaio Machado de LaMancha (Editora Fondo de Cultura, México, 2001), captou essas ‘coincidências’ e registra que o próprio Borges, posto diante delas, as reconheceu, declarando: ‘Por incrível que pareça, acredito que exista (ou tenha existido) outro Aleph’ – a que Fuentes acrescenta: ‘De fato: o de Machado de Assis’, continua o jornalista.

Ruy Fabiano escreve que, como todo artista de gênio, Machado é um ser poliédrico, que pode ser lido e compreendido sob ângulos diversos, que aparentemente se contradizem, mas, ao final, formam uma unidade. “Já se falou das influências francesas, inglesas, portuguesas, alemãs, espanholas, greco-romanas e judaicas na obra de Machado de Assis”, diz o jornalista.

De acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática online, já se falou do Machado cético, ateu, irônico, humorista. “Machado apolítico e, inversamente, político; Machado alienado, habitante de uma torre de marfim ou, muito pelo contrário, engajado a seu modo nas questões políticas e sociais do Segundo Reinado, como constatou o crítico e ensaísta Astrojildo Pereira”, completa.

 

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Lilia Lustosa analisa obra de um dos maiores cineastas do país na revista Política Democrática de dezembro

Crítica de cinema aborda longametragem Terra em Trase, do diretor baiano Glauber Rocha

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Terra em Transe é o terceiro longa metragem de Glauber Rocha (1939-1981), um dos maiores cineastas que o Brasil já teve, considerado louco por muitos, gênio ou visionário por outros, e até ‘profeta alado’ pelo grande historiador e crítico de cinema Paulo Emilio Sales Gomes”. A análise é da doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL) Lilia Lustosa, em artigo que ela produziu para a revista Política Democrática online de dezembro.

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Realizado em 1967, o filme gerou enorme polêmica à época de seu lançamento, desagradando em cheio a gregos e troianos, conforme escreve Lilia. “Em um contexto de guerra fria, a direita acusava-o de fazer ‘propaganda subliminar marxista’, incitando a luta de classes; a esquerda o considerava ‘fascista’, já que se via representada na tela como populista e demagoga”, afirma ela.

De acordo com a especialista em crítica de cinema, a única unanimidade em torno do filme era a de que se tratava de uma obra confusa, hermética, praticamente impossível de se entender, um “texto chinês de cabeça para baixo”, como escreveu o direitista Nelson Rodrigues no Correio da Manhã. “Mas o que não se sabia na época é que toda essa confusão havia sido planejada - ou, ao menos almejada - por Glauber, que queria, de fato, que seu filme tivesse o efeito de uma bomba, atirando faíscas para todos os lados”, diz Lilia.

Não por acaso, segundo a análise publicada na revista Política Democrática online, o formato escolhido por ele foi o da alegoria, figura de linguagem/retórica que permite múltiplas interpretações. “Em Terra em Transe, ele já não falava mais de Brasil, não precisando, portanto, temer nem a censura nem os militares. O Golpe acontece em Eldorado, ‘país interno atlântico’, que poderia ser qualquer país da América Latina, até o Brasil!

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‘País vive em tempos sombrios’, alerta Martin Cezar Feijó à Política Democrática de dezembro

Revista online da FAP publica artigo do historiador afirma que teorias como a da Terra Plana estão na cabeça de alguns brasileiros

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O historiador Martin Cezar Feijó, doutor em comunicação pela USP (Universidade de São Paulo) e professor de comunicação comparada na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), afirma que o Brasil vive em tempos sombrios. Em artigo de sua autoria publicado na revista Política Democrática online de dezembro, ele diz que teorias sobre a Terra plana, bruxas e conspirações são alguns dos temas que permeiam a mente de alguns brasileiros em pleno século XXI.

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“Quem poderia imaginar que, em pleno século XXI, em um país moderno e democrático há mais de trinta anos, como o Brasil, com todos seus problemas de desigualdade ainda existentes, se acreditasse em Terra Plana, em bruxas e conspirações satânicas?”, questiona. “E não por pessoas comuns, que não tivessem nenhuma educação formal e responsabilidade social, mas por pessoas que ocupam cargos públicos importantes na esfera federal.”, afirma ele, na publicação produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

No artigo exclusivo produzido para a edição de dezembro da revista Política Democrática online, ele também afirma que a cultura é cheia de contradições. “Principalmente riscos. Mas o maior risco é o de sua instrumentalização. Seja satanizando o rock como causador de aborto e adorador do diabo, ou questionando a escolha de uma poeta para uma homenagem em um encontro literário em Parati, como o caso de Elisabeth Bishop”, observa Feijó.

Na avaliação o historiador, ambos padecem de um mal anunciado, o da confusão entre conhecimento e estética e política no sentido de partidarização e ideologia. “Claro que um caso se insere na questão de liberdade de opinião, mas o primeiro se trata de um claro posicionamento, com implicações práticas, como imposição de uma política que abre caminho para cerceamentos e censuras. O pior dos cenários, portanto”, assevera.

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'A fiscalização do uso dos agrotóxicos no Brasil é inexpressiva', critica Randolfe Rodrigues à revista Política Democrática

Senador alerta para a crescente contaminação da água no país; publicação pode ser acessada de graça no site da FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“A fiscalização do uso dos agrotóxicos no Brasil é inexpressiva”, afirma o senador Randolfe Rodrigues (Rede), em artigo de sua autoria publicado na revista Política Democrática online de dezembro. A publicação tem acesso gratuito no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. “Governo Bolsonaro envenena o Brasil”, diz o parlamentar.

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De acordo com Randolfe, os critérios usados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para liberação de agrotóxicos, produzidos em uma escala nunca antes vista, são, no mínimo, questionáveis. “Essa situação pode ser bem ilustrada com o caso da reavaliação, em fevereiro deste ano, do agrotóxico glifosato, na qual o órgão concluiu que a substância não apresenta perigo para a saúde”, afirma ele. “No entanto, essa conclusão colide com estudos desenvolvidos em diversas instituições brasileiras e internacionais, como o Instituto Nacional do Câncer e a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer, ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde)”, critica.

O senador da Rede cita, no artigo publicado pela revista Política Democrática online, que a contaminação da água está crescendo rapidamente. Em 2014, segundo ele, 75% dos testes realizados pelas empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 agrotóxicos que são obrigados, por lei, a testar. Destes 27 produtos, conforme acrescenta, 21 estão proibidos na Europa. Esse percentual subiu para 84% em 2015, para 88% em 2016, chegando a 92%, em 2017.

“Toda essa grave situação piorou muito com o novo governo”, afirma Randolfe. Em outro trecho, o senador diz que “controle de agrotóxicos é assunto de grande complexidade e envolve poderosos interesses”. “Uma coisa é certa: não se pode mais admitir que, sob o pretexto de produzir alimentos baratos, a população brasileira seja obrigada a comer alimentos contaminados com substâncias cancerígenas e ter os recursos hídricos, o solo e o ar poluídos por tantas substâncias perigosas”, assevera o parlamentar.

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Revista Política Democrática || Randolfe Rodrigues: Governo Bolsonaro envenena o Brasil

O Brasil ocupa, desde 2008, a posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. Entre 2000 e 2010, o consumo indiscriminado de pesticidas aumentou 200% no Brasil, enquanto no restante do mundo foi de 100%. Só nos primeiros 11 meses de governo Bolsonaro foram autorizados 467 novos agrotóxicos

A agricultura desempenha papel importante na economia brasileira, garantindo alimento barato e superávit na balança comercial pela sua competitividade internacional. No entanto, o País precisa prestar mais atenção ao controle do uso de agrotóxicos, pois estamos diante de uma permanente exposição crônica a esses produtos. Não só trabalhadores rurais e camponeses estão vulneráveis, mas a população urbana de qualquer idade e classe social.

Entre 2000 e 2010, a utilização de pesticidas no mundo aumentou em 100%. No Brasil, o crescimento foi o dobro: 200%. Hoje, 20% dos agrotóxicos comercializados no mundo são vendidos no Brasil. O país ocupa, desde 2008, a preocupante posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. Em 2017, cerca de 540 mil toneladas de substâncias tóxicas foram usadas nas lavouras do país, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

Se considerarmos o volume de agrotóxicos usados por hectare, o Brasil ficaria na sétima posição em 2017. No entanto, esse indicador não é muito confiável, pois existe forte suspeita de que, nessa conta, estão incluídas as extensas áreas de pastagens degradadas, onde não se aplicam agrotóxicos. Esse artifício matemático subestimaria o uso por hectare e não refletiria a realidade do consumo médio das lavouras brasileiras.

Outro grave problema vem do sistema brasileiro de registro, gestão e controle de agrotóxicos, que é extremamente precário. Há grande permissividade no registro de defensivos agrícolas de altíssimo grau de toxicidade para a saúde humana e o meio ambiente. Cerca de 30% das substâncias tóxicas usadas no Brasil foram banidas em outros países, principalmente Estados Unidos e Europa, por causarem gravíssimos problemas de saúde como o câncer, deformações em fetos, mutações genéticas, distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor, bem como provocarem severos impactos no meio ambiente, como a contaminação da água e a morte de abelhas e outros polinizadores.

O nível de resíduos permitidos nos alimentos e na água potável é escandalosamente mais alto no Brasil do que na União Europeia, por exemplo. No caso do cancerígeno inseticida Malationa, usado na produção do feijão, componente essencial da nossa dieta, o limite é 400 vezes maior do que na União Europeia. No caso do glifosato, considerado como cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o limite aceito na água potável que ingerimos é cinco mil vezes maior, e o nível aceito na soja é 200 vezes maior.

A fiscalização do uso dos agrotóxicos no Brasil é inexpressiva. Diferentemente dos Estados Unidos e União Europeia, que contam com forte estrutura fiscalizatória, aqui no Brasil o trabalho de inspeção do Ministério da Agricultura, Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além de ser insuficiente, está praticamente paralisado no atual governo.

Como resultado de sua defesa ardorosa por uma grande bancada parlamentar e por diversas autoridades de governo, as empresas fabricantes de agrotóxicos pagam poucos impostos. Os Estados reduziram em 60% a base de cálculo do ICMS para agrotóxicos, e o Governo Federal concede isenção total do IPI.

Os critérios usados pela Anvisa para liberação de agrotóxicos, produzidos em uma escala nunca antes vista, são, no mínimo, questionáveis. Essa situação pode ser bem ilustrada com o caso da reavaliação, em fevereiro deste ano, do agrotóxico glifosato, na qual o órgão concluiu que a substância não apresenta perigo para a saúde. No entanto, essa conclusão colide com estudos desenvolvidos em diversas instituições brasileiras e internacionais, como o Instituto Nacional do Câncer e a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS). A Agência publicou relatório no qual confirma que o agrotóxico RoundUp (glifosato), produto fabricado pela multinacional Monsanto, é um agente potencialmente causador de câncer, mais precisamente do linfoma não-Hodgkin.

Importante salientar que o glifosato é o agrotóxico mais vendido no Brasil. Seu consumo em 2017 alcançou 173 mil toneladas. O volume corresponde a 22% das estimativas de vendas para esse químico em todo o mundo no mesmo ano. Isso dá uma dimensão da pressão exercida sobre a Anvisa e demais órgãos de registro, para mantê-lo no mercado.

Pesquisa da Universidade Federal do Piauí constatou contaminação pela substância em 83,4% das amostras de leite humano obtidas na maternidade do município de Uruçuí. O município é o maior produtor de soja do Estado. Igual contaminação foi encontrada em amostras coletadas entre lactantes do município de Oeiras, 340 km distante, onde a produção agrícola é inexpressiva.

Entre as mães que participaram do estudo cedendo amostras de leite, 23,1% tiveram a gravidez interrompida de uma a quatro vezes e estão sujeitas a outros fatores de risco como a prematuridade, baixo peso do bebê ao nascer, peso reduzido para a idade gestacional e microcefalia.

Pesquisa recente realizada pelo Laboratório de Mutagênese da Universidade Federal de Goiás constatou que trabalhadores rurais que atuam na aplicação de agrotóxicos em lavouras do Sudeste e Sudoeste de Goiás apresentam 4,5 vezes mais lesões no DNA que pessoas que não exercem essa atividade. Esses resultados foram obtidos a partir da análise de sangue e mucosa oral de 200 trabalhadores.

Os números revelam que a contaminação da água está crescendo rapidamente. Em 2014, 75% dos testes realizados pelas empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 agrotóxicos que são obrigados, por lei, a testar. Destes 27 produtos, 21 estão proibidos na Europa. Esse percentual subiu para 84% em 2015, para 88% em 2016, chegando a 92%, em 2017. Nesse ritmo, em alguns anos pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país.

Toda essa grave situação piorou muito com o novo governo. O Ministério da Agricultura está liberando agrotóxicos em uma escala inédita no Brasil. Nos primeiros 11 meses de governo Bolsonaro, foram autorizados 467 novos produtos, o que representa 20% de todos os agrotóxicos liberados no país nesta década. Entre 2010 e 2018, foi liberada uma média de 16 agrotóxicos por mês. Esse número aumentou 261% em 2019, chegando a 42 agrotóxicos. É a prova inconteste de que o governo Bolsonaro está inundando com venenos, não só a mesa dos brasileiros, mas também todo o meio ambiente.

Levantamento do jornal Folha de S. Paulo, publicado em 19/09/2019, informa que grande parte dos 96 ingredientes ativos que compõem os agrotóxicos liberados no Brasil até aquela data não é registrada em outros importantes produtores agrícolas. Na União Europeia, essa proporção chega a 29%; Austrália, 38%; Índia, 31%; e 19%, no Canadá.

Controle de agrotóxicos é assunto de grande complexidade e envolve poderosos interesses. Mas uma coisa é certa: não se pode mais admitir que, sob o pretexto de produzir alimentos baratos, a população brasileira seja obrigada a comer alimentos contaminados com substâncias cancerígenas e ter os recursos hídricos, o solo e o ar poluídos por tantas substâncias perigosas. Existem tecnologias, métodos e práticas agrícolas que permitem reduzir significativamente o uso de agrotóxicos e banir completamente as substâncias extremamente perigosas, que inclusive já são proibidas em outros países.

Não há argumento ético que justifique que esses agrotóxicos continuem sendo usados e estimulados no Brasil. O povo brasileiro não é mais resistente a esses venenos do que os habitantes dos países que os proibiram. Nem são pessoas menos dignas do que as de lá para que sejam obrigadas a consumir esses produtos.

O debate está aberto e deverei apresentar, na volta da COP 25, um Projeto de Lei para estabelecer um sistema mais rigoroso de controle de agrotóxicos, mantendo as condições para que a agricultura possa se desenvolver de forma economicamente próspera, mas sem abrir mão das medidas necessárias para tornar cada vez mais seguros os químicos usados na agricultura, através do melhor controle da contaminação do ambiente e da saúde de homens, mulheres, crianças e idosos e das próximas gerações.

 

 

 


Revista Política Democrática || Martin Cezar Feijó: AOS QUE VÃO NASCER - Uma política cultural para o século XXI

Brasil vive em tempos sombrios, obscuros, avalia Martin Cezar Feijó. Terra plana, bruxas e conspirações são alguns dos temas que permeiam a mente de alguns brasileiros em pleno século XXI, em um país moderno e democrático há mais de trinta anos, escreve o articulista

Vivemos em tempos sombrios, lembrando Brecht. Na verdade, obscuros. Quem poderia imaginar que, em pleno século XXI, em um país moderno e democrático há mais de trinta anos, como o Brasil, com todos seus problemas de desigualdade ainda existentes, se acreditasse em Terra Plana, em bruxas e conspirações satânicas? E não por pessoas comuns, que não tivessem nenhuma educação formal e responsabilidade social, mas por pessoas que ocupam cargos públicos importantes na esfera federal. E, mais ainda, com poder em áreas como a Cultura e a Educação?

Claro que, como dizia o jornalista Paulo Francis, pessoas “que despontam para o anonimato”... Até porque eles passam, todos passarão, e nós, talvez, passarinhos.

E o Brasil é bem maior que qualquer abismo, já dizia o filósofo português Agostinho da Silva, que inspirou o último trabalho poético-musical-filosófico de Jorge Mautner:  Não há abismo que caiba. Mas o quadro é grave, até assustador. Lembra até o período de uma narrativa que marcou os anos 1930-1940: o nazismo. Havia um dirigente alemão nazista que citava um dramaturgo também alemão, também nazista, que dizia o seguinte:

- “Quando ouço a palavra cultura, logo carrego meu revólver”.

Eram tempos sombrios, como definiu uma filósofa alemã judia refugiada, Hannah Arendt. Quando acabou a guerra, um milionário norte-americano, Nelson Rockefeller, tripudiou sobre a fala do nazista:

- “Quando ouço a palavra cultura, logo pego um talão de cheques”.

A cultura é assim, plena de contradições. Principalmente riscos. Mas o maior risco é o de sua instrumentalização. Seja satanizando o rock como causador de aborto e adorador do Diabo, ou questionando a escolha de uma poeta para uma homenagem em um encontro literário em Parati, como o caso de Elisabeth Bishop. Ambos padecem de um mal anunciado, o da confusão entre conhecimento e estética e política no sentido de partidarização e ideologia. Claro que um caso se insere na questão de liberdade de opinião, mas o primeiro se trata de um claro posicionamento, com implicações práticas, como imposição de uma política que abre caminho para cerceamentos e censuras. O pior dos cenários, portanto.

E é disso que se fala aqui, de bases para uma política cultural em um sentido específico. Como pensar uma política cultural para os que vão nascer, ou que nasceram neste século, e vão vivenciar todas as transformações em curso. Uma verdadeira revolução, nunca antes imaginada, ou prevista.

Quem se debruçou sobre este cenário foi o historiador israelense, Yuval Noah Harari, autor dos best-sellers mundiais, Homo Sapiens e Homo Deus, em seu livro 21 Lições para o Século 21, chama a atenção para o fracasso das três narrativas que predominaram no século XX -  fascista, comunista e liberal – e que acabaram por gerar profunda desilusão. E que a revolução em curso, no âmbito da biotecnologia e Big Data, pode comprometer uma das maiores conquistas da narrativa liberal: o regime democrático, sem o qual não há solução possível, independente do lado que se esteja. E nesse aspecto, a cultura tem papel decisivo, seja no âmbito dos empregos, da civilização e do meio-ambiente.

Por isso, a destruição da cultura é o principal aspecto que marca uma emergência do que podemos chamar de neofascista, mesmo que nascida das democráticas urnas. E isto vem ocorrendo em grande parte do mundo, apesar dos alertas de uma imprensa livre, por isso perseguida e atacada pelos fakenews através de milícias digitais; assim como a arte de modo geral, seja no teatro, no cinema, na literatura, nas artes plásticas. Nesse sentido, a cultura passa a ser não apenas um apêndice da política, mas um eixo central na sobrevivência da própria espécie.

E cultura em seu sentido amplo, que envolve não só uma radical liberdade de expressão que garanta uma diversidade plena, mas também um investimento na educação em todos os níveis. Em uma atualização constante, e respeito às nossas crianças, que merecem um mundo melhor, como demonstram os ativismos de jovens como a paquistanesa Malala e a sueca Greta; uma chamada de “pirralha” por um pretenso ditador, e outra levando um tiro no rosto só porque querida estudar. Uma reconhecida com um Nobel, e outra, como Personalidade do Ano pela revista Time. Aí está a promessa de futuro contra as reações que ocorrem!

Uma política cultural para o século XXI deve levar em conta a complexidade do quadro, as ameaças do emprego, as restrições às liberdades e um descrédito do conhecimento científico e filosófico como marca de uma direita agressiva e ativa. Recorrendo mais uma vez aos alertas do historiador israelense:

“O...surgimento da inteligência artificial pode expulsar muitos humanos do mercado de trabalho – inclusive motoristas e guardas de trânsito (quando humanos arruaceiros forem substituídos por algoritmos, guardas de trânsito serão supérfluos). No entanto, poderá haver algumas novas aberturas para os filósofos, haverá subitamente grande demanda por suas qualificações – até agora destituídas de quase todo valor de mercado. Assim, se você for estudar algo que lhe assegure um bom emprego no futuro, talvez a filosofia não se seja uma aposta tão ruim.”

Em outras palavras, seja no âmbito das novas tecnologias, seja no âmbito dos riscos políticos, o conhecimento e a cultura serão decisivos.  E uma política cultural que leve isso em conta será fundamental.

 


Revista Política Democrática || Lilia Lustosa: Uma plateia em transe

Terceiro longa metragem de Glauber Rocha (1939-1981), filme gerou enorme polêmica à época de seu lançamento. Em um contexto de guerra fria, a direita acusava-o de fazer “propaganda subliminar marxista” enquanto a esquerda o considerava “fascista", por se vê representada na tela como populista e demagoga

Estive há pouco em Genebra para falar sobre Terra em Transe (1967) no Festival FILMAR en América Latina, um festival de cinema que acontece nesta cidade desde 1997extremamente politizado e de fundamental importância para a divulgação do cinema latino-americanoO convite veio da Maison de l’Histoire, da Universidade de Genebra, instituição que elegeu o filme brasileiro em função de seu status de filme cult e, ao mesmo tempo, de sua incrível atualidade.

Terra em Transe é o terceiro longa metragem de Glauber Rocha (1939-1981), um dos maiores cineastas que o Brasil já teve, considerado louco por muitos, gênio ou visionário por outros, e até “profeta alado” pelo grande historiador e crítico de cinema Paulo Emilio Sales Gomes.

Realizado em 1967, o filme gerou enorme polêmica à época de seu lançamento, desagradando em cheio a gregos e troianos. Em um contexto de guerra fria, a direita acusava-o de fazer “propaganda subliminar marxista”, incitando a luta de classes; a esquerda o considerava “fascista”, já que se via representada na tela como populista e demagoga. A única unanimidade em torno do filme era a de que se tratava de uma obra confusa, hermética, praticamente impossível de se entender, um “texto chinês de cabeça para baixo”, como escreveu o direitista Nelson Rodrigues no Correio da Manhã.

Mas o que não se sabia na época é que toda essa confusão havia sido planejada - ou, ao menos almejada - por Glauber, que queria, de fato, que seu filme tivesse o efeito de uma bomba, atirando faíscas para todos os lados. Não por acaso o formato escolhido por ele foi o da alegoria, figura de linguagem/retórica que permite múltiplas interpretações. Em Terra em Transe, ele já não falava mais de Brasil, não precisando, portanto, temer nem a censura nem os militares. O Golpe acontece em Eldorado, “país interno atlântico”, que poderia ser qualquer país da América Latina, até o Brasil!

Assim, o diretor baiano acabou criando uma obra que serviu, e serve até hoje, como disparador de discussões e reflexões sobre a situação política de nosso país e de nosso continente. Não é difícil traçar paralelos entre o Eldorado de 1967 e o Brasil de 2019. O jogo político é o mesmo, tramado a portas fechadas, como nos grandes dramas barrocos, bem longe dos olhos e ouvidos do povo. Terra em Transe mostra uma esquerda populista, que convence o povo de que vai realizar as mudanças necessárias para transformar o país em um lugar mais justo, e uma direita sem escrúpulos, que não aceita perder o poder, dando o bote quando percebe o avanço do inimigo. A esquerda acaba se deixando dominar, porque também tem ali seus interesses…

Ainda que ciente de que de lá pra cá demos largos passos rumo à democracia, me peguei várias vezes conjecturando sobre que tipo de filme Glauber faria hoje… Que tipo de alegoria escolheria para retratar seu país e sua América Latina neste final de 2019? E resolvi terminar minha fala justamente lançando essa pergunta no ar.

Como era de se esperar, com essa escolha, afastei toda e qualquer possibilidade de discussão cinematográfica. As perguntas que se seguiram foram quase todas sobre a atual situação da América Latina. Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela, Argentina… todas estiveram na boca (e nos corações) do público ali presente. E eu querendo falar de Terra em Transe, querendo apresentar Glauber Rocha, querendo falar de sua genialidade, de sua poética, de sua importância para a cinematografia brasileira. Ora, não sou cientista política e só poderia dar ali uma opinião de leiga, da cidadã brasileira e latino-americana que sou. Confesso que fiquei um pouco frustrada com o rumo que tomava o debate, mas, à medida que as discussões avançavam, fui entendendo que estava sendo ali um instrumento para o que Glauber havia idealizado. Sua obra não fora concebida para ser apenas arte ou objeto estético. Sua obra sempre quis ser (e foi), acima de tudo, um manifesto. Cada um de seus filmes foi construído para gerar discussão, para fazer pensar, para colocar o espectador em situação incômoda, para fazer-lhe refletir sobre o que estava acontecendo a seu redor. Fui-me acalmando e senti que, apesar de não ter conseguido falar muito de Terra em Transe, havia feito valer o papel que Glauber sonhara para seu filme.

E concluí, com ajuda daquela plateia em transe, que infelizmente a alegoria de hoje seguiria sendo uma “alegoria do desencanto”, como é Terra em Transe, chamada assim por Ismail Xavier, maior autoridade em Glauber Rocha.