artigo
Alta do dólar é ponta de iceberg, afirma Luiz Paulo Vellozo Lucas
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, analista diz que Trump é líder que surfa
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Num mundo em que existe liquidez mais de dez vezes maior que ativos reais medidos pela métrica do PIB e o valor destes flutua de acordo com a confiança da população, o pânico da bolsa e a alta do dólar são apenas a ponta do iceberg. A avaliação é do engenheiro e mestrando em Desenvolvimento Sustentável pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) Luiz Paulo Vellozo Lucas, em artigo que produziu para a 17ª edição da revista Política Democrática Online. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site.
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“A crise deflagrada pela pandemia do coronavírus está apenas começando e pode evoluir na direção de um colapso das instituições internacionais de tal proporção que exija novo Bretton Woods’, afirma Lucas. Ele também é ex-prefeito de Vitória e ex-deputado federal pelo Espírito Santo.
De acordo com o artigo publicado na revista Política Democrática Online, não é certo que a ação coordenada dos principais bancos centrais do mundo, liderados pelo Fed, possa conter o pânico dos mercados, como ocorreu com a crise de 2008, detonada pelo mercado imobiliário subprime americano. “Até porque Trump é um líder que surfa, se elege e governa na onda de desconfiança nas instituições causada pela interferência das fake news na política e na economia, que também atingiu o Brasil na eleição de Bolsonaro”, observa o engenheiro.
Segundo o analista, todos achavam que viria uma recuperação cíclica até porque a agenda das reformas liberais possui apoio e uma torcida ativa bem mais ampla que os fanáticos seguidores do presidente. “Em meados do ano passado, algumas vozes já se ouviam alertando para a crença excessiva no ímpeto dinâmico do setor privado, que haveria de investir pesado, confiante na solvência fiscal do país, empurrado por juros baixos e o compromisso fiscalista do governo e da equipe econômica de Paulo Guedes”, disse ele, no artigo.
A crise do orçamento impositivo, de acordo com Lucas, mostra como o debate sobre a reforma do Estado está interditado. “A disputa política se resume a uma briga de rua pela captura de espaços de poder na máquina pública, cargos e controle de órgãos e, principalmente, pelo dinheiro do orçamento”, afirma, para acrescentar. “A agenda das reformas, sempre apresentada setorialmente em ‘caixinhas’, fica como uma fraca luz no fim do túnel selvagem da operação no dia a dia da economia e da política, sem projeto nacional”.
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Futuro vai esclarecer ‘casamento’ de Regina com Bolsonaro, diz Martin Cezar Feijó
Doutor em Comunicação mostra histórico da atriz e desafios à frente da Secretaria Nacional de Cultura
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Era uma vez no Planalto. A namoradinha do Brasil resolveu se casar. Pensava ser a Bela que transformaria a Fera através do Amor e da Pacificação, mas descobriu, logo depois do casamento, que havia se casado com Gastón, o bonitão que se transforma em um implacável vilão; o que havia prometido ‘carta branca’, mas que preferia mesmo eram ‘porteiras fechadas’. O Mito mostrava a face bruta da realidade, e o afeto parecia se encerrar, deixando a então princesa deprimida.”
O trecho é o início da análise do doutor em comunicação pela ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP (Universidade de São Paulo) Martin Cezar Feijo, que ele produziu para a 17ª edição da revista Política Democrática Online. A publicação editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos em seu dia, gratuitamente.
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A atriz Regina Duarte é conhecida como a “namoradinha do Brasil” desde o ano de 1971, quando interpretou na rede Globo de Televisão Minha Doce Namorada, com pouco mais de 20 anos. Mas, conforme lembra Feijó, a carreira da atriz começou bem antes, aos 18 anos, na TV Excelsior, em 1965, na trama escrita por Ivani Ribeiro A Deusa Vencida, como demonstra Patrícia Kogut em seu livro 101 atrações que sintonizaram o Brasil (Rio de Janeiro, Estação Brasil, 2017).
A partir daí, uma carreira de sucessos, em várias telenovelas, não só no Brasil, mas no mundo, na América Latina, sendo admirada até em Cuba, onde foi recebida com honras por Fidel Castro. “Uma carreira artística de sucessos, da televisão ao teatro. E admiração do público. Teve participações políticas decisivas, e corajosas, na campanha pelas Diretas-Já”, lembra o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online.
Em seu discurso de posse, no dia 4 de março de 2020, Regina Duarte exaltou a cultura diversificada, com exemplos, talvez para agradar o chefe, até pueris em suas metáforas de “puns de palhaços”, mas, de acordo com o autor do artigo, com uma clara demonstração que defende uma cultura plural e livre. “Até relativista, do ponto de vista antropológico”, assevera ele. Por isso, vem sofrendo ataques do que chamou de “facção de terrorismo digital”, associados ao guru Olavo de Carvalho, que mora nos EUA, onde também forma fiéis seguidores, segundo Feijó.
É neste quadro tenebroso, de inseguranças e temores, de promessas de censuras e vetos, que a atriz Regina Duarte, de uma carreira artística plena de sucessos, na televisão e teatro, renovou seu compromisso de uma vida com a arte e a cultura, da qual ninguém pode duvidar. “Apesar das opções ideológicas, que nunca escondeu, resolveu se meter, em uma história de um ‘casamento’, que só o futuro vai esclarecer, não só para si própria, mas também, principalmente, para um público que se mobiliza para ver a mocinha vencer uma realidade bem mais complexa”, afirma o autor no artigo da revista Política Democrática Online.
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‘Não seremos os mesmos depois do coronavírus”, diz analista à Política Democrática Online
Revista da FAP publica artigo que aponta mudanças após a pandemia do Covid-19
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A contaminação pelo coronavírus se generalizou, desestruturando a política, a economia, as relações sociais e a cultura dos países afetados. A grande questão é o que acontecerá quando o mundo voltar à normalidade. Essa é a reflexão que a analista Erdna Odama propõe em texto que ela produziu para a 17ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade.
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De acordo com o artigo, após a pandemia, a sociedade não será a mesma. “Não seremos os mesmos, a começar pela confiança arranhada em nossos governantes, que, como regra, demoraram a tomar as medidas responsáveis e ainda batem cabeça sobre como preparar-se para os desafios de recuperar a economia, a política e a cultura, gravemente conturbadas pela pandemia”, afirma.
Erdna também registra, no artigo da Política Democrática Online, que, uma primeira possível mudança pode dizer respeito às relações entre o Estado e os cidadãos. “O monopólio da racionalidade esfumou-se”, diz, para continuar: “As ações individuais e espontâneas de pessoas anteciparam-se em grande medida às dos governos, em que a solidariedade humana se sobrepôs aos ditames da ordem pública. Esse povo guerreiro, que não hesitou em arriscar a vida para ajudar o próximo, deverá resistir a retornar ao mero papel de coadjuvante na condução da ordem pública, a cargo exclusivo dos gabinetes do poder”.
Essa atitude, conforme aponta a autora do artigo, se estenderá às relações entre os países. “O globalismo espera-se possa enterrar de vez a oposição à integração entre os países”, acentua. Segundo ela, não só o surto epidemiológico desconheceu fronteiras, mas também as providências adotadas no país, revelando-se bem-sucedidas, foram rápida e acertadamente copiadas pelos demais, em benefício de milhões de vidas.
“Não será isso suficiente para desarmar o conflito entre o isolamento nacionalista e a solidariedade global?”, questiona a analista no artigo publicado na revista Política Democrática Online. ‘Tanto mais porque, no dia seguinte à sanha assassina desse novo vírus, todos terão de trabalhar juntos para, entre outros, reestruturar seus sistemas de saúde, evitar a falência de grandes e, sobretudo, pequenos empresários – estes responsáveis por grande parte do PIB dos países centrais –, reabilitar o funcionamento das companhias de transporte aéreo, compartir pesquisas científicas e oferecer ajuda (médica, alimentar e financeira) aos países mais debilitados”, assevera.
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Raul Jungmann: Um esboço de cenário pós-crise
Ao que tudo indica, em 2020 teremos uma contração do PIB da ordem de 4%. Já o mercado do trabalho deve chegar aos 14 ou 15 milhões de desempregados. Como se prevê que a economia irá se comportar em forma de “V”, em 2021 e 2022 estima-se um crescimento de 4%, o que, na média do triênio 2020/2022, dará um crescimento acumulado próximo a 6%.
Logo, é previsível que a renda a renda real medida pela Pnad contínua decresça, em 5% este ano. No conjunto, o cenário aponta para um quadriênio de relativa estagnação nos âmbitos econômico e social.
Na política, tendo o Presidente da República aberto mão do presidencialismo de coalizão e da coordenação e/ou alinhamento entre o Executivo e o Legislativo, o Congresso tende a distanciar-se da agenda governamental, intensificar seu movimento rumo a uma menor dependência do Planalto e a redução do apoio às reformas.
Isso, sobretudo após a condução da crise do coronavírus, mas também pela mudança do comando da Câmara e do Senado, cujos futuros presidentes dificilmente terão a sintonia e liderança dos atuais incumbentes em relação às reformas, em especial na Câmara.
Além das mudanças na Câmara e no Senado, igualmente no Judiciário haverá troca de guarda, com o fim do mandato do atual presidente do STF, Antônio Dias Toffoli que, juntamente com os atuais presidentes do Legislativo, compõe uma tríade afinada nas questões democráticas e de contenção aos excessos do Executivo. Quanto a este, seus movimentos têm conduzido ao distanciamento da Câmara e Senado, idem cúpula do Judiciário, academia, cultura, imprensa e, ainda que de modo lento, porém contínuo, apoio popular.
Já os militares, motivo de indagação ou apreensão de alguns, mantêm-se dentro dos limites institucionais e aí permanecerão. Porém, mais à frente, diante de uma vitória das oposições, ainda que hoje remota, terão que lidar com a sua substantiva presença e possível desengajamento das funções de mando, em especial as palacianas.
Se os próximos meses e anos não apontam para uma redução expressiva da presente instabilidade e tampouco para o resgate da capacidade plena de coordenação e governança do Executivo, pode-se prever a conclusão do mandato presidencial dentro do prazo constitucional, idem uma crescente dificuldade para sua reeleição.
*Raul Jungmann é ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública
Coronavírus: ‘Nem tudo é terrível e negativo’, diz historiador Joan del Alcázar
Em artigo da revista Política Democrática Online, autor ressalta que sociedade vive tempos difíceis
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A pandemia do coronavírus abriu uma imensa janela para o desconhecido, o impensável, o inesperado, de acordo com o historiador Joan del Alcázar, catedrático de História Contemporânea da Universidade de Valencia. Em artigo de sua autoria publicado na 17ª edição da revista Política Democrática Online, ele ressalta que não é uma ameaça tangível. “Não temos experiência alguma na gestão de uma pandemia virótica, que pensávamos tivesse sido desterrada do mundo desenvolvido, caso tivesse tido origem em países pobres e atrasados”, afirma.
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A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos da publicação em seu site. Alcázar afirma que a vida social se reduziu ao máximo. “Não é só que tivemos de deixar de nos beijar e abraçar; passamos a nos cumprimentar como os japoneses, sempre tão cerimoniosos e distantes. Agora já nem podemos sair à rua, a não ser por causa muito justificada”, diz ele.
“São tempos difíceis e, ao que tudo indica, duradouros”, ressalta o historiador, no artigo da revista Política Democrática Online. “Não há previsões confiáveis, nem prazos a cumprir. Hoje por hoje, trata-se de resistir, de
O autor do artigo também afirma que “nem tudo é terrível e negativo”. Segundo ele, há também fatos e razões que são positivos e merecem alguma reflexão nesse período de resistência em que estamos encalacrados. Ele cita, por exemplo, que a comunidade científica já publicou mais de 160 artigos acadêmicos de mais de 700 pesquisadores de todo o planeta sobre tudo que envolve o Covid19. E, mesmo que tardem meses para poder utilizar-se de maneira corrente, já existem protótipos de vacinas.
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Dora Kaufman: O coronavírus tira-nos das ruas, oferecendo-nos a vida virtual
“Eu tenho coronavírus, porque, embora pareça que a doença ainda não entrou no meu corpo, os entes queridos a têm; porque o coronavírus está passando por cidades pelas quais passei nas últimas semanas; porque o coronavírus mudou com um trinado de dedos como se fosse um milagre, uma catástrofe, uma tragédia sem remédio, absolutamente tudo”, assim María Galindo (p.119), ativista boliviana, inicia seu artigo publicado na coletânea “Sopa Wuhan” (2020). E prossegue ressaltando a impossibilidade no momento de agir ou pensar sem o coronavírus no meio, ao eliminar o espaço social mais vital e democrático que são as ruas e nos oferecer o domínio da vida virtual. Plenamente de acordo, não tenho como evitar o tema do COVID-19.
O vírus pegou o mundo num momento de crise – política, econômica, moral, ética – em que predomina a insegurança e a incerteza sobre o futuro; talvez isso justifique o clima (ou desejo?) de que “o mundo não será o mesmo pós COVID-19”. Os textos da coletânea “Sopa Wuham” ilustram esse sentimento: “Mas talvez outro vírus ideológico, e muito mais benéfico, se espalhe e esperançosamente nos infecte: o vírus do pensamento de uma sociedade alternativa, uma sociedade além do Estado-nação, uma sociedade que se atualiza em formas de solidariedade e cooperação global”, vaticina Slavoj Žižek (p.22); Giorgio Agamben (p.137), que cometeu um equívoco em seu artigo de fevereiro, em março, torna-se esperançoso de que “Por esse motivo – uma vez declarada a emergência, a praga, se assim for -, não acho que, pelo menos para os que mantiveram o mínimo de clareza, será possível viver como antes”.
Em outro artigo, refletindo sobre o pânico provocado pelo COVID-19, Zizek (2020b) aventa a possibilidade de ocorrer um duro golpe no capitalismo e o surgimento de um comunismo reinventado, “um golpe do Kill Bill no sistema capitalista”; aposta contestada por Byung-Chul Han (2020): “Žižek alega que o vírus deu um golpe fatal no capitalismo e evoca um comunismo sombrio. Ele até acredita que o vírus poderia derrubar o regime chinês. Žižek está errado”.
O escritor israelense Yuval Harari (2020) adverte que “as decisões tomadas pelas pessoas e pelos governos nas próximas semanas provavelmente moldarão o mundo nos próximos anos. Moldarão não apenas nossos sistemas de saúde, mas também nossa economia, política e cultura. Devemos agir de forma rápida e decisiva. Também devemos levar em consideração as consequências a longo prazo de nossas ações. Ao escolher entre alternativas, devemos nos perguntar não apenas como superar a ameaça imediata, mas também que tipo de mundo habitaremos quando a tempestade passar”.
Numa postura mais pragmática, Bruno Latour (2020), aproveitando a suspensão das atividades ordinárias, propõe que façamos um “inventário das atividades que gostaríamos que não fossem retomadas e daquelas que, pelo contrário, gostaríamos que fossem ampliadas”, e endereça seis perguntas objetivas como contribuição à essa reflexão.
Parece-me precipitado apostar em mudanças radicais, mas constato que sim, há uma tomada de consciência sobre a premência da sociedade em enfrentar desafios cruciais e, a partir daí, emergem alternativas, algumas conflitantes. Sem maiores pretensões, segue um apanhado de parte do que tenho lido e debatido.
A desigualdade se tornou assustadoramente visível, dentro e entre países, impondo um novo Contrato Social entre o Estado, o mercado e a sociedade civil (maior equilíbrio entre as competências). A ideia de Estado de Bem-Estar Social deve ganhar relevância (contrapondo-se às “soluções de mercado”); é da responsabilidade do Estado áreas como saúde e segurança (violência física e ataques externos) e calamidades de grandes proporções numa espécie de “mecanismo de seguro”.
Cabe aos governos a responsabilidade por políticas de proteção social aos vulneráveis, por meio de redes de proteção estruturais, e não conjunturais (barreira: grau de endividamento dos países pós-crise financeira de 2008; políticas fiscais menos restritivas com o consequente aumento da dívida pública gerará déficit que de alguma forma terá que ser financiado). Não está claro se esse novo contrato social irá enfraquecer ou fortalecer os governos iliberais (democracia parcial), autoritários e antidemocráticos (será que o poder de governar por decreto conquistado pelos governos da Hungria e Israel será temporário?).
A dimensão da crise alerta para a tradicional subestimação por parte da elite de que o bem-estar individual, a partir de um determinado ponto, passa a depender do bem-estar geral (não adianta se isolar que o resto do mundo “acaba te pegando”). Fração da elite brasileira, aparentemente, tem se mobilizado de forma inédita no sentido de contribuir socialmente (ainda muito centrado em declarações, menos em ações efetivas).
As gigantes de tecnologia do ocidente (plataformas tecnológicas), com conhecimento e imensa base de dados, até agora desempenharam um papel relativamente tímido; diferente da China onde, por exemplo, a varejista de comércio eletrônico Alibaba é parceira estratégica no esforço do governo em enfrentar a epidemia. O aplicativo “Código de Saúde Alipay”, por exemplo, tem sido fundamental no afrouxamento do isolamento social; obrigatório nos smartphone dos chineses, identifica quem deve ou não ser colocado em quarentena ou liberado para o transporte público (após o usuário preencher um formulário na Alipay com detalhes pessoais, o software gera um código QR em uma das três cores: verde, liberado; amarelo, em casa por sete dias; e vermelho, quarentena de duas semanas).
Convivem discursos e iniciativas de cooperação entre países com discursos e iniciativas nacionalistas; convive a percepção de que a desigualdade entre países é um problema global (construir muros isolando os países não é uma opção) com o foco no local como dinâmica defensiva (oposto a cooperação internacional). Questões a serem observadas: teremos um retrocesso da globalização a favor do local, inclusive na produção industrial? a percepção de vulnerabilidade (dependência da cadeia global de suprimentos) terá efeito de internalizar a produção? os países vão “fechar” suas fronteiras ou vão fortalecer a globalização?
A China produz cerca de 90% dos produtos e equipamentos médicos necessários para enfrentar a epidemia, por conta disso já firmou acordos de fornecimento com 30 países, com destaque para os EUA. Existe uma campanha atual na China a favor de ajudar o resto do mundo, visto como uma oportunidade de melhorar sua imagem e ocupar um espaço maior na geopolítica mundial (sem desprezar o interesse puramente econômico: o país depende da demanda externa para manter suas taxas históricas de crescimento). A China irá liderar a recuperação econômica pós-COVID-19, aproveitando-se da relativa “fragilização” dos EUA?
Observa-se uma falta de protagonismo dos organismos multilaterais, exceto o OMS (Organização Mundial da Saúde). Instituições como FMI, Banco Mundial, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), fóruns regionais, poderiam/deveriam estar liderando o esforço de cooperação entre os países. Aparentemente, esses organismos não estão preparados para enfrentar uma crise global dessa dimensão, mantendo o formato tradicional de atuação como a do FMI, por exemplo, empenhado em mobilizar US$ 1 trilhão para conceder empréstimos aos países necessitados.
Valorização da ciência e a consequente premência de alocar recursos significativos na geração de conhecimento, reconhecendo a interdependência entre desenvolvimento científico e apoio governamental. Fortalecimento da percepção, quase generalizada, da estreita associação entre credibilidade e competência.
Impactos no trabalho. Em geral, em situação de crise observa-se uma aceleração de tendências tecnológicas, a COVID-19 tem o potencial de acelerar o processo de automação nas empresas (redução de custo, aumento de eficiência), agravando a já em curso substituição homem-máquina com aumento significativo do desemprego, o que impacta os menos favorecidos e, indiretamente, a recuperação econômica (redução de consumo, que alimenta o desemprego num ciclo vicioso).
Na educação. Há quase consenso de que a educação é a única atividade humana que não sofreu alternações significativas nas últimas décadas. O lockdown impôs uma experiência forçada com as novas tecnologias digitais de comunicação; os educadores (instituições e professores) e os alunos, foram obrigada a aprender e a incorporar essas tecnologias em tempo recorde. Provavelmente, impactarão positivamente as metodologias de ensino.
A mídia, particularmente os grandes veículos de comunicação, têm desempenhado papel central na crise, com amplo reconhecimento como fonte confiável de informação. O comportamento, em geral, tem sido se atualizar pelos jornais e menos pelas redes sociais (aparentemente, aumentou a re-publicação de matérias dos grandes jornais pelos usuários das plataformas sociais).
A recuperação econômica deverá ser mais lenta, em parte, pelo efeito devastador nas pequenas e mico empresas, particularmente no Brasil onde elas representam cerca de 30% do PIB e 52% dos empregos com carteira assinada (Fonte: Sebrae). Em geral, as grandes empresas têm “colchão de liquidez”, ou seja, caixa para atravessar a crise (além de acesso mais fácil e mais barato ao mercado de capitais e bancário). O mercado aposta numa “limpeza” Darwiniana, em que muitas empresas vão desaparecer e as empresas de setores protegidos vão sair mais fortalecidas. Muda a percepção de risco, com um novo olhar sobre a resiliência de negócios e de empresas.
Dilemas éticos
Tensão entre privacidade e liberdade individual versus uso de dados pessoais no combate à epidemia. Os instrumentos de vigilância são úteis no controle da epidemia; vários países (não apenas a China) estão usando dados para rastrear seus cidadãos. A Assembléia Global de Privacidade – (GPA-Global Privacy Assembly) identificou mudanças relacionadas à privacidade de dados em pelo menos 27 países, o risco é que as medidas de emergência se tornem permanentes. Como observou Michel Foucault (2001), analisando os efeitos de epidemias no século XVIII, “a peste traz consigo também o sonho político de um poder exaustivo, de um poder sem obstáculos, de um poder inteiramente transparente a seu objeto, de um poder que se exerce plenamente” (p.59). Estamos dispostos a abrir mão desses pilares da nossa cultura aderindo à um novo pacto social? Qual o ponto de equilíbrio (break-event) entre sermos “livres” e sermos cuidados?
Valorização da solidariedade diante da constatação da fragilidade humana versus auto proteção (países, cidades, comunidades, famílias). O sentimento de solidariedade é real ou aparente como parece acreditar Byung-Chul Han (“o vírus nos isola e nos individualiza. Não gera nenhum sentimento coletivo forte”)? Qual será o vetor resultante entre a tomada de consciência de que somos interdependentes e a exacerbação do sentimento nacionalista (vide discurso do Presidente Emmanuel Macron, 04/04/2020).
As grandes crises moldam a história. A gripe espanhola de 1918, por exemplo, estimulou a criação de serviços nacionais de saúde mundo afora, inclusive no Brasil: entre 1919-20, o Congresso Nacional aprovou a reforma na estrutura federal de saúde, posteriormente sancionada pelo Presidente Epitácio Pessoa, considerada a origem do SUS (1988). O Estado do Bem-Estar Social decorre, em parte, da Grande Depressão de 1929 e da Segunda Guerra Mundial. A crise financeira de 2008 limitou a capacidade dos governos de proverem serviços públicos pressionados pelo endividamento para “salvar” o sistema financeiro, o que deteriorou os sistemas de saúde. A epidemia do COVID-19 ainda está em seus primórdios, o tempo do isolamento social e da suspensão do “estado de normalidade” determinará o grau e a extensão dos impactos na economia, na sociedade e na vida dos indivíduos. Transitaremos pelos espaços públicos com a mesma desenvoltura anterior a epidemia, ou como especula Žižek (2020a) “não sermos tão felizes nos parques, não entraremos com confiança em banheiros públicos”?
“Não projeto o futuro. Não há futuro imaginável. E há um certo mistério nessa vida sem planos, nesses dias que não são mais do que dias. […] Continuo na esperança de que esse horror una o planeta, fortaleça o valor da ciência, da imprensa, da razão, da boa política e da compaixão, enquanto aguardo um milagre que combata tanto a peste, quanto a funesta cultura do ódio” (Fernanda Torres, Folha de SP, 05/04).
Referências
Sopa de Wuhan: Pensamiento contemporaneo en tiempos de pandemias. Editorial: ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio). Disponível em: http://iips.usac.edu.gt/wp-content/uploads/2020/03/Sopa-de-Wuhan-ASPO.pdf. Acesso em: 05/04/2020.
Foucault, Michel. Aula de 15 de janeiro de 1975. In: FOUCAULT, Michel. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.39 – 68.
Han, byung-chul. La emergencia viral el mundo de mañana. El País, 22/03/2020. Disponível em: https://elpais.com/ideas/2020-03-21/la-emergencia-viral-y-el-mundo-de-manana-byung-chul-han-el-filosofo-surcoreano-que-piensa-desde-berlin.html. Acesso em: 05/04/2020.
Harari, Yuval Noah. The world after coronavirus. Jornal Financial Times, março, 2020. Desponível em: https://www.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75. Acesso em: 05/04/2020.
Latour, Bruno. Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise. Disponível em: http://www.bruno-latour.fr/sites/default/files/downloads/P-202-AOC-03-20-PORTUGAIS.pdf. Acesso em: 05/04/2020.
Kroeber, Arthur. A China e o Coronavírus, Webinar, Instituto Fernando Henrique Cardoso. Disponível em: https://www.facebook.com/fundacaoFHC/videos/501289844086377/. Acesso em: 05/04/2020.
Raghuram Rajan, ex-presidente do BC da Índia, diz que a hora é de salvar vidas, entrevista de Robinson Borges, jornal Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/04/03/raghuram-rajan-ex-presidente-do-bc-da-india-diz-que-a-hora-e-de-salvar-vidas.ghtml. Acesso em: 05/04/2020.
República do Amanhã, associação sem fins lucrativos voltada para promover discussões sobre os grandes desafios da sociedade. Coordenação: Otávio de Barros (http://republicadoamanha.org). Debate via zoom com 29 participantes de distintas área de conhecimento e experiências profissionais, 04/04/2020.
Torres, Fernanda. Sigo na esperança de que esse horror nos una, mas aguardo um milagre. Jornal Folha de São Paulo, 05/04/2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/fernandatorres/2020/04/sigo-na-esperanca-de-que-esse-horror-nos-una-mas-aguardo-um-milagre.shtml. Acesso em: 05/04/2020.
Žižek, Slavoj. Sobre el coronavirus y el capitalismo // Debate Žižek – Byung-Chul Han. 2020a. Disponível em: http://lobosuelto.com/sobre-el-coronavirus-y-el-capitalismo-debate-zizek-byung-chul-han/. Acesso em: 05/04/2020.
_______________. PANDEMIC! COVID-19 SHAKES THE WORLD. OR Books, 2020b. Disponível em: https://www.orbooks.com/faq/. Acesso em: 05/04/2020.
Hamilton Garcia: Democracia, idiotia e facciosismo
Na medicina, a idiotia é descrita como "atraso mental e/ou intelectual caracterizados pela ausência de linguagem”. Por sua vez, a idiotice é comumente definida como o contrário da perspicácia e da inteligência. Entre ambas as definições existe um leque de arranjos e combinações à disposição da criatividade. É certo, porém, que a contínua revolução das comunicações – da impressa à falada – e da educação escolar foram desenvolvendo um novo idiota: não só apto à linguagem, como possuidor de certa inteligência.
O problema reside justamente no paradoxo: a linguagem e a comunicação encerram, desde seu nascedouro, o desafio do entendimento que, conforme evoluímos, vai se tornando cada vez mais difícil para todos, o que pode nos levar a sérios mal-entendidos. Assim, a idiotice, numa sociedade cada vez mais complexa, informada e democrática, onde todos são instados a se posicionar sobre tudo e todos em tempo real – o problema do tempo não deve ser subestimado –, é o fantasma que nos assombra.
No que tange à idiotia política, no caso brasileiro, as coisas ficam sensivelmente piores em meio ao baixo nível da educação formal, o mesmo acontecendo com a idiotice quanto ao mérito funcional da escolarização. Em ambos os casos, as péssimas instituições republicanas que nos governam e deseducam – sobretudo os partidos políticos – nos levam a um desarranjo ainda pior. Caberia ao partido político um papel de antídoto, pelo menos à idiotice, que entre nós é quase desconhecido, selecionando os quadros que irão constituir os vários níveis da elite política dirigente (legislativa e executiva) do Estado.
Fora os partidos de esquerda radical – que, mesmo assim, caíram na idiotice pelo dogma – ou moderada, todos os outros tem graus variados de anomia institucional onde pululam regras discricionárias em benefício de oligarquias (fechadas ou semifechadas) que não toleram o debate de ideias, ignoram o desenvolvimento pessoal e cultivam o desprezo pelo pensamento sistemático (filosófico ou científico); o que também afeta, de alguma maneira, a direita radical e seu (re)aparecimento tardio (olavismo e bolsonarismo) em ruptura com a tradição integralista (Plínio Salgado) e com a crítica ao espírito de clã (Oliveira Vianna) – tão cara ao positivismo militar.
Em tais condições, os quadros políticos são formados fora do sistema político (stricto sensu), o que afeta tanto sua quantidade quanto sua qualidade. Quanto ao primeiro aspecto, não porque sejam poucos os formados no campo associativo, mas porque são poucos aqueles que se dispõem a transitar para a esfera mais complexa e incerta do Estado (poder político). Quanto ao segundo, a formação associativa (corporativa ou particular-expandida) é insuficiente para habilitar o engajado à esfera da política (geral-superior).
No caso da esquerda, tal problema é contornado pelo fato de a esfera corporativa ser intensamente habitada pela partidária, de modo que o militante (sindical, estudantil ou social) já recebe treinamento partidário em paralelo ao seu próprio – como se pode notar no número de políticos provenientes do movimento estudantil, sindical e identitário.
Não é por outro motivo que liberais e conservadores vêm lançando mão de institutos próprios de formação de quadros políticos, alguns deles se posicionando em leque variado de partidos – como fazem os evangélicos. Neste segmento, situado à extrema-direita, o olavismo se coloca como movimento vocacionado para a formação de um bloco histórico de poder em combate aberto com o campo progressista, como outrora, em forma e direção radicalmente diversos, o catolicismo de esquerda (teologia da libertação) pretendeu, na época de ouro do petismo, sem êxito.
O olavismo, em especial, vem sendo associado à idiotice reinante no debate político do país, embora não se possa, quanto ao método, acusá-lo de pioneirismo: a histeria e, pior, a violência verbal – muitas vezes disfarçada de “performance” –, dois aspectos constitutivos da idiotice reinante, foram usadas e abusadas pelo campo progressista muito antes, na época em que "bolsonarismo" não passava de um xingamento assacado contra qualquer crítico do PT depois do Mensalão. A imensa avenida pavimentada pelos petistas – aberta em priscas eras pelos stalinistas – encontra-se hoje tomada por bolsomínions (e seus antípodas siameses) inspirados ou formados pelo “Professor Olavo".
A fonte histórica deste aprendizado da “política de massas”, de onde se origina a explosão participativa que veio a redimensionar o fenômeno em tela, foi o jacobinismo (francês) do séc. XVIII e o movimento operário (inglês) do XIX, otimistamente percebidos por Marx e Engels como rudeza do aprendizado. É dessa fonte, mais particularmente de Lênin, que Olavo de Carvalho pretende derivar seu método de ação, a partir de sua experiência no PCB dos anos 1970, onde conheceu tais autores.
Lênin, na Russia dos anos 1910, em meio a uma sociedade esmagadoramente camponesa, impactada pelo capitalismo europeu, entrou em rota de colisão com a ortodoxia marxista da II Internacional, de base urbana e sindical, passando a valorizar o protagonismo das massas camponesas exploradas, sob a liderança do operariado, inaugurando uma inédita aliança operário-camponesa-estudantil que derrubaria o regime liberal que sucedera o czarismo e abriria caminho para o socialismo (comunismo de guerra, 1918-1920).
O uso de métodos autoritários e heterodoxos, por parte dos leninistas, para impulsionar tal projeto revolucionário, rendeu à Lênin críticas, tanto à direita (K.Kautsky) como à esquerda (R.Luxemburgo) da social-democracia, em relação ao abandono da perspectiva democrática do movimento operário. Os desdobramentos da vitoriosa Revolução Bolchevique (1917) e sua consolidação pós-Lênin (stalinismo), não deixaram dúvidas quanto ao acerto de tais críticas.
Foi este aspecto da eficiência da técnica do atraso, como nos mostra Thaís Oyama[i], que fascinou Olavo de Carvalho e o fez sustentar seu método na guerra político-cultural contra a esquerda. Argumentando que os adversários ascenderam se valendo da manipulação e da desonestidade intelectual, concluía ele que seria justo que a direita recorresse aos mesmos métodos para derrotá-los.
Daí os ataques abaixo da linha da cintura e as investidas destinadas a desmoralizar os adversários preconizados por ele – que também caracterizaram o terror stalinista na URSS, tendo sido copiado e refinado pelo nacional-socialismo alemão: “Não puxem discussão de ideias”, dizia Carvalho em dezembro de 2018, “investigue alguma sacanagem do sujeito e destrua-o. Essa é a norma de Lênin: nós não discutimos para provar que o adversário está errado. Discutimos para destruí-lo socialmente, psicologicamente, economicamente”[ii].
A batalha cultural do professor de filosofia on-line vem gerando um número surpreendente de militantes fanatizados (idiotas), é verdade – embora não exclusivamente. Mas, isto não se deve ao método, tomado isoladamente. Hoje, como outrora, os riscos derivam do encontro desses métodos com sistemas de dominação em crise, fato que vem sendo sistematicamente negligenciado por setores democráticos do conservadorismo, liberalismo e socialismo, deixando o tema da crítica e das reformas (quase) exclusivamente aos cuidados dos adeptos do método-totalitário.
Persistir em, simplesmente, apontar o dedo contra os agentes idiotizantes ou os próprios idiotas, sem buscar cessar o fomento proporcionado pelo quadro geral onde a idiotia medra – vale dizer, no caso brasileiro, elites despreparadas, instituições (historicamente) carentes de legitimidade, baixa eficiência e altíssimo custo –, não deve nos levar a porto seguro.
Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[iii])
São João da Barra, 09/03/20.
[i] Tormenta – o governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, ed. Companhia das Lestras, sd, p.198.
[ii] Apud Oyama Idem, p.199.
[iii] Universidade Estadual do Norte-Fluminense/Darcy Ribeiro.
‘Reação ao bolsonarismo nas urnas é legítima defesa da nação’, diz Alberto Aggio
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, professor da Unesp critica economia que naufraga e cita coronavírus como agravante
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O ano de 2020 se anuncia difícil, mas é de eleições. O calendário é óbvio para os brasileiros, mas serve também como alerta. “Responder, plebiscitariamente, ao bolsonarismo nas urnas deve ser um ato de legítima defesa do povo e da nação brasileira”, afirma o historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, em artigo publicado na 17ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela entidade.
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Na avaliação de Aggio, que também é diretor executivo da FAP, Bolsonaro mira em 2022 visando atingir a reeleição. No entanto, de acordo com o professor, outras questões agravam o cenário brasileiro, como o que ele chama de “raquítico PIB (Produto Interno Bruto) de 2019”, no patamar de 1,1%, a baixa expectativa de crescimento, a tensão entre Executivo e Legislativo e a pandemia do Covid-19, ou coronavírus.
“O conjunto da economia naufraga, o dólar dispara, os investidores somem, e a perturbadora crise do petróleo dá as caras”, afirma ele, em um trecho da análise publicada na revisa Política Democrática. “Já não há mais ‘herança maldita’ a ser condenada: o desastre dos anos Dilma ficou para trás; o breve período Temer, de frágil recuperação, agora se perde inapelavelmente. Bastou pouco mais de um ano para os brasileiros conhecerem os resultados da “nova política econômica” de Paulo Guedes, cujos números atestam prepotência e fracasso”, acrescenta.
Pós-doutor pela Universidade de Valenia (Espanha), Aggio também reforça que o cenário preocupante se agrava ainda mais com a chegada ao país do novo coronavírus, cujo foco original afetou drasticamente a produção da “oficina do mundo”, o principal parceiro comercial do Brasil. “As estatísticas relativas ao último trimestre são dramáticas para um país acostumado a índices invejáveis. Pode-se projetar, portanto, graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta a recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo, especialmente em ano eleitoral”, ressalta.
O historiador também lembra, no artigo publicado na revista Política Democrática Online, a manifestação de 15 de março, convocada pelo presidente Jair Bolsonaro. “O nível de contraposição entre Executivo e Legislativo que Bolsonaro impõe é bastante nocivo ao país. E isso só ocorre pela recusa do presidente em compor uma base de apoio no Congresso para, dentre outros assuntos legislativos, negociar politicamente o orçamento da República e sua implementação”, diz ele, em outro trecho.
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Coronavírus e naufrágio de Bolsonaro são destaques da revista Política Democrática
Nova edição da publicação da FAP detalha reflexos da pandemia em meio a projeções temerárias do presidente do Brasil
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A mudança de hábitos provocada pela pandemia do coronavírus, a adolescência política incapaz de oferecer riscos à democracia no Brasil, o pibinho da nova política econômica de Paulo Guedes e a situação desoladora de refugiados no país são os destaques da nova edição da revista Política Democrática Online. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade, a partir desta terça-feira (24).
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O público pode conferir, na revista Política Democrática Online, a análise sobre o impacto do coronavírus nos hábitos das pessoas. “Não são poucos os desafios, mesmo depois que essa praga deixar de ceifar vidas. A grande questão que se impõe é: o que queremos ser, ilhas preocupadas com nossa sobrevivência exclusiva, ou seres humanos que aprendemos a lição de que, na prática da solidariedade, do compartilhamento, da generosidade, estaremos construindo um mundo melhor?”, questiona uma articulista.
Em análise sobre o governo Bolsonaro, o diretor executivo da FAP e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Alberto Aggio, afirma que, após a divulgação do raquítico PIB de 2019 (1,1%), as expectativas de crescimento se esvaneceram. “O conjunto da economia naufraga, o dólar dispara, os investidores somem, e a perturbadora crise do petróleo dá as caras”, diz. “Esse cenário preocupante se agrava ainda mais com a chegada ao país do novo coronavírus, cujo foco original afetou drasticamente a produção da ‘oficina do mundo’, nosso principal parceiro comercial”.
Além disso, em entrevista exclusiva, a juíza aposentada e ex-deputada federal Denise Frossard afirma que o Brasil ainda vive uma adolescência jurídica, política e histórica e, por isso mesmo, instável, mas que não oferece riscos à democracia. “O Brasil precisa entender que, na construção das leis, o legislador tem de ser mais explícito, mais específico. Estamos em um ótimo momento para atuar, em meio à reconstrução do sistema político e do sistema tributário, depois de já termos iniciado o processo de reforma da previdência”, afirma ela.
No editorial, a revista reforça o seu posicionamento, de forma intransigente, em defesa dos ideais democráticos e republicanos. “O norte da atuação política das forças democráticas deve ser apenas um: unidade em torno da defesa do estado democrático de direito. Nenhuma afronta à democracia, mesmo que apenas no plano da opinião, pode ser tolerada”, diz um trecho.
A revista Política Democrática Online também oferece ao público uma reportagem investigativa sobre a situação de refugiados no Brasil. Os enviados especiais a Minas Gerais, um dos Estados que mais concentram pessoas oriundas de outros países, mostram que a desvalorização de mão de obra dificulta sobrevivência de haitianos no Brasil, já que, na guerra ela sobrevivência, eles devem competir com quase 12 milhões de brasileiros desempregados. O país aumenta número de refugiados e diminui autorizações para familiares
A nova edição da revista também tem análises sobre outros assuntos de interesse público, atuais e relevantes, como economia e cultura, com a colaboração de especialistas, pesquisadores e profissionais de referência no mercado.
Todos os conteúdos da publicação são divulgados no site e tem chamadas nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da revista é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
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RPD || Erdna Odama: Que mundo teremos depois do Covid-19?
Contaminação pelo coronavírus se generalizou, desestruturando a política, a economia, as relações sociais e a cultura dos países afetados. A grande questão é o que acontecerá quando o mundo voltar à normalidade
Não pretendo – nem teria estofo crítico-acadêmico para tanto – explicar, dimensionar e arriscar uma previsão da extensão da crise em que o novo coronavírus nos chafurdou. No espaço de poucos meses, uma onda de infecção vitimou homens e mulheres de todas faixas etárias, mas particularmente os idosos, não tardando a gerar óbitos em escala alarmante. Da China para o mundo, a contaminação se generalizou, desestruturando a política, a economia, as relações sociais e a cultura dos países afetados.
A hesitação dos primeiros momentos rápido cedeu o passo a medidas extremas, que, mesmo assim, não conseguiram impedir outras determinações ainda mais drásticas. Sem vacinas conhecidas para proteger as populações, para não mencionar informações confiáveis sobre as características da doença mortífera, optou-se pelo isolamento – das pessoas de seus locais de trabalho; de suas áreas de lazer, praias incluídas; de visitas ao shopping e a lojas em geral; de projetos de viagem, dentro e, sobretudo for, do país; até mesmo da caminhada vagabunda pelas ruas das cidades. As cenas apavorantes de centros urbanos livres das habituais multidões viralizaram e aproximaram a ciência ficção da vida dos cidadãos.
O fenômeno distinguiu-se de tantos outros do pós-guerra, quando, após o choque inicial da calamidade (os sacos plásticos no Vietnã, a crise em Biafra, o surto do ébola, a disseminação da Aids, os ataques aéreos “cirúrgicos” no Iraque, o fratricídio na ex-Iugoslávia, o tsunami no Sudeste asiático etc.), as pessoas apenas mudavam o canal da televisão e retomavam sua zona de conforto. O pavor agora é quando – e não mais se - a ameaça vier a bater em nossas portas, pondo em risco nossa vida, a de nossos familiares, amigos e conterrâneos; quando os remédios – de momento paliativos – e os alimentos e produtos de higiene sumirem das prateleiras; quando o tão temido caos tomar conta da vida em sociedade.
Por sorte, não cabem argumentações simplistas, alimentadas por ódios de origem religiosa, étnica, ideológica, de gênero ou coisa parecida, que possam explicar ou imputar culpas pela infecção. O coronavírus:
- não é obra de laboratório; podendo-se, assim, excluir a ação do homem ou de governos;
- atinge todas as classes sociais, sem distinção;
- não é de direita nem de esquerda e, tampouco, de extremistas de um lado e de outro; e
- não mira grupo étnico algum, menos ainda militâncias de direitos humanos, feministas, LGBTQ+, ecologistas, seitas islâmicas, terraplanistas e similares.
A grande questão é o que acontecerá quando – e já não mais se – o mundo voltar à dita normalidade. Claro, não seremos os mesmos, a começar pela confiança arranhada em nossos governantes, que, como regra, demoraram a tomar as medidas responsáveis e ainda batem cabeça sobre como preparar-se para os desafios de recuperar a economia, a política e a cultura, gravemente conturbadas pela pandemia. Uma primeira possível mudança pode dizer respeito às relações entre o Estado e os cidadãos. O monopólio da racionalidade esfumou-se. As ações individuais e espontâneas de pessoas anteciparam-se em grande medida às dos governos, em que a solidariedade humana se sobrepôs aos ditames da ordem pública. Esse povo guerreiro, que não hesitou em arriscar a vida para ajudar o próximo, deverá resistir a retornar ao mero papel de coadjuvante na condução da ordem pública, a cargo exclusivo dos gabinetes do poder.
Essa atitude se estenderá, decerto, às relações entre os países. O globalismo espera-se possa enterrar de vez a oposição à integração entre os países. Não só o surto epidemiológico desconheceu fronteiras, mas também as providências adotadas em país, revelando-se bem-sucedidas, foram rápida e acertadamente copiadas pelos demais, em benefício de milhões de vidas. Não será isso suficiente para desarmar o conflito entre o isolamento nacionalista e a solidariedade global? Tanto mais porque, no dia seguinte à sanha assassina desse novo vírus, todos terão de trabalhar juntos para, entre outros, reestruturar seus sistemas de saúde, evitar a falência de grandes e, sobretudo, pequenos empresários – estes responsáveis por grande parte do PIB dos países centrais –, reabilitar o funcionamento das companhias de transporte aéreo, compartir pesquisas científicas e oferecer ajuda (médica, alimentar e financeira) aos países mais debilitados.
O historiador da moda, o israelense Yuval Noah Harari, acaba de publicar artigo no Financial Times, em que, além de cobrar muitas das ações mencionadas no parágrafo anterior, destaca a necessidade de se reexaminarem medidas que foram ditadas pela emergência médica. A esse respeito, o exemplo a ser citado para reforçar o argumento é o uso de remédios contra a malária que se revelaram efetivos no combate ao novo coronavírus. De início, a cobertura jornalística informou que o continente africano era o que menos infecções revelara, possivelmente como resultado dos medicamentos antimalária que amplos segmentos da população costumavam tomar. Notícia mais recente, no entanto, dá conta de são passam de 900 os infectados na região. Além disso, sem orientação médica, os tais remédios podem levar o paciente à morte. É verdade que em momentos de crise, quando a inação pode matar mais do que medidas arriscadas, viva a solução médica africana. Em seu momento, porém, este seria outro motivo de urgência na tarefa de descobrir remédio efetivo, sem os referidos efeitos paralelos letais.
Harari concentra-se em alertar para o reexame de tecnologias que foram aperfeiçoadas durante a crise e resultaram muito úteis, mas que poderão representar preocupante invasão das liberdades individuais. Trata-se das câmaras de rua que monitoraram, com êxito, a movimentação dos que desrespeitavam as determinações das autoridades públicas de isolamento. Segundo Harari, nem a KGB nem as grandes multinacionais de bens de consumo ousaram dispor de equipamentos tão eficientes de vigilância, só que, superada a crise, poderão prestar-se para determinar o comportamento e as preferências da população monitorada. Não há dúvida de que foram avanços emergenciais, mas quem já ouviu falar de boas soluções sendo abandonadas, tão se desmobilizem as justificativas de exceção? É sem dúvida um sistema aterrorizante de vigilância, uma nova versão mais moderna e assustadora do Big Brother.
Não são poucos, portanto, os desafios, mesmo depois que essa praga deixar de ceifar vidas. A grande questão que se impõe é: o que queremos ser, ilhas preocupadas com nossa sobrevivência exclusiva, ou seres humanos que aprendemos a lição de que, na prática da solidariedade, do compartilhamento, da generosidade, estaremos construindo um mundo melhor?
RPD || Alberto Aggio: Um ano que se anuncia difícil
Cenário do pibinho de 1,1% da “nova política econômica” de Paulo Guedes, aliado ao corona vírus, projeta graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo
2020 começa mal para os brasileiros, e, pelo andar da carruagem, seguiremos assim o ano todo. Após a divulgação do raquítico PIB de 2019 (1,1%), as expectativas de crescimento se esvaneceram. O conjunto da economia naufraga, o dólar dispara, os investidores somem, e a perturbadora crise do petróleo dá as caras. Já não há mais “herança maldita” a ser condenada: o desastre dos anos Dilma ficou para trás; o breve período Temer, de frágil recuperação, agora se perde inapelavelmente. Bastou pouco mais de um ano para os brasileiros conhecerem os resultados da “nova política econômica” de Paulo Guedes, cujos números atestam prepotência e fracasso.
Esse cenário preocupante se agrava ainda mais com a chegada ao país do novo corona vírus, cujo foco original afetou drasticamente a produção da “oficina do mundo”, nosso principal parceiro comercial. As estatísticas relativas ao último trimestre são dramáticas para um país acostumado a índices invejáveis. Podem-se projetar, portanto, graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo, especialmente em um ano eleitoral.
Imaginar que o governo de turno poderia nos salvar seria um exercício de autoengano, levando-se em conta o personagem que os brasileiros escolheram para dirigir a Nação. Não bastasse o show de horrores patrocinado durante 2019, Jair Bolsonaro parece esmerar-se em fazer com que as projeções para o ano em curso se afigurem cada vez mais temerárias.
O lamentável affaire dos vídeos convocando as manifestações contra o Congresso e o STF em 15 de março – que, por fim, resultaram pífias –, evidenciou um presidente mitômano que extrapola o decoro do mandato. Sua insistência na convocatória, como vais-e-vens retóricos, e, por fim, sua participação nas manifestações, contrariando as orientações sanitárias do próprio governo, expressam apenas a reiteração de sua já conhecida visão conspiratória contra as instituições da Carta Constitucional de 1988. Em seu conjunto, o episódio ascendeu todas as luzes em defesa da democracia, elevando a sensação de ameaça.
O nível de contraposição entre Executivo e Legislativo que Bolsonaro impõe é bastante nocivo ao país. E isso só ocorre pela recusa do presidente em compor uma base de apoio no Congresso Nacional para, dentre outros assuntos legislativos, negociar politicamente o orçamento da República e sua implementação. O presidente parece imaginar que a vitória eleitoral de 2018 lhe garante discricionariedade absoluta na aplicação dos recursos públicos sem o contrapeso do Congresso, eleito de forma tão legitima quanto ele. Como observou o editorial de O Estado de S. Paulo (08/03), “quando um governante se limita a enviar projetos ao Congresso, sem se dar ao trabalho de explicá-los nem de defendê-los, menospreza o Parlamento”. E mais, caso o Congresso os rejeite, estará, de acordo com Bolsonaro, “se opondo não ao governo, mas ao próprio país – o que é um absurdo”. Os riscos presentes nessa estratégia costumam ser devastadores, com aumento progressivo de tensões que podem levar a relação entre Executivo e Parlamento ao colapso, iniciando um processo de ruptura institucional tendente à supressão da representação e consequentemente da democracia.
Bolsonaro mira em 2022 visando atingir o ponto ótimo para esse empreendimento. Dizer que as oposições devem construir uma coalizão político-eleitoral contra isso é tão óbvio quanto raso ou até ingênuo. Unir as forças democráticas deve significar, antes de tudo, ultrapassar a chantagem bolsonarista que tem a cartada do retorno do PT, como ameaça de última instância. É um argumento poderoso, uma vez que a sociedade, com razão, não esquece nem a corrupção sistêmica nem a débâcle econômica petista. Por isso, demandar autocrítica do PT não é um capricho ou uma ausência de lógica formal, como pensam alguns intelectuais, fazendo coro com Lula. Ao contrário, é algo necessário, uma vez que está na base das razões que possibilitaram a vitória eleitoral de Bolsonaro.
Ao contrário de Bolsonaro, o horizonte da oposição começa hoje e deve se colocar contra esse governo de facção que aí está. A demanda por reformas que tornem o Estado mais eficiente e justo, assim como a defesa das instituições democráticas, não são dele; são da sociedade. É isso que o Congresso representa, e a isso que vem tentando responder, a despeito de Bolsonaro.
2020 é um ano que se anuncia difícil, mas é um ano de eleições. Responder plebiscitariamente ao bolsonarismo nas urnas deve ser um ato de legítima defesa do povo e da Nação brasileira.
RPD || Martin Cezar Feijó: Era uma vez no Planalto - Regina Duarte na Secretaria Nacional da Cultura
"Namoradinha do Brasil", Regina Duarte é a quarta pessoa a comandar a Secretária de Cultura em 14 meses de governo Bolsonaro e diz que vai buscar o diálogo e a pacificação com o setor cultural
Era uma vez no Planalto. A namoradinha do Brasil resolveu se casar. Pensava ser a Bela que transformaria a Fera através do Amor e da Pacificação, mas descobriu, logo depois do casamento, que havia se casado com Gastón, o bonitão que se transforma em um implacável vilão; o que havia prometido “carta branca”, mas que preferia mesmo eram “porteiras fechadas”. O Mito mostrava a face bruta da realidade e o afeto parecia se encerrar, deixando a então princesa deprimida.
Tudo parecia um conto de fadas, mas se anunciava uma história de terror de uma das mais importantes atrizes da teledramaturgia brasileira: Regina Duarte. E é da realidade que se trata aqui, dos caminhos e descaminhos da política cultural do governo eleito em 2018. Nem é para menos: um governo eleito com um discurso baseado na guerra ideológica e cultural não poderia ser diferente. E, mais ainda, se utilizando de redes sociais inundadas de fake news.
A própria demissão de um secretário da Cultura com mania de Goebbels é a demonstração da complexidade que envolve uma política cultural em um regime democrático, por mais ameaçado que esteja.
Vejamos o que disse um figurão da República: “Nenhum governo democrático impõe cultura. Só o Estado totalitário. No Brasil, durante o Estado Novo, houve tentativas nesse sentido, mas a própria força de nossa cultura repeliu esse projeto. Lembremo-nos do papel de Gilberto Freyre, nosso intelectual de maior prestígio internacional, na resistência à ditadura de Getúlio. Um governo democrático promove, não impõe cultura”. E não é qualquer funcionário não, até porque não pode ser demitido, mas sim o vice-presidente eleito, General Hamilton Mourão, em entrevista à Revista Istoé (nº 2612, 5/2/2020, p.22).
A repercussão, nacional e internacional, da demissão do obscuro funcionário da Cultura obrigou o governo de Jair Messias Bolsonaro a procurar alternativa mais palatável para ocupar a função de quem iria desempenhar a parte mais visível – e por que não dizer a mais sensível –, da política cultural de sua gestão.
Regina Duarte
O nome da atriz Regina Duarte, conhecida como a “namoradinha do Brasil” desde 1971, quando interpretou na Rede Globo de Televisão Minha Doce Namorada, com pouco mais de vinte anos. Mas a carreira da atriz começou bem antes, aos 18 anos, na TV Excelsior, em 1965, na trama escrita por Ivani Ribeiro A Deusa Vencida, como demonstra Patrícia Kogut em seu livro 101 atrações que sintonizaram o Brasil (Rio de Janeiro, Estação Brasil, 2017).
A partir daí, uma carreira de sucessos, em várias telenovelas, não só no Brasil, mas no mundo, na América Latina, sendo admirada até em Cuba, onde foi recebida com honras por Fidel Castro. Uma carreira artística de sucessos, da televisão ao teatro. E admiração do público. Teve participações políticas decisivas – e corajosas –, na campanha pelas Diretas Já. Também protagonizou, ao lado de Lima Duarte e José Wilker, a mais importante telenovela da Globo no fim da ditadura militar, Roque Santeiro, de Dias Gomes, em 1985, na qual interpretou a viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido. Era a história de um herói tido como morto que havia se tornado um mito na cidade.
A origem desta narrativa era uma peça de teatro proibida pela ditadura logo após o golpe de 1964: Berço de Herói, do próprio Dias Gomes. Sobre um mito construído por interesses políticos, depois, claro, desmascarado. Um texto premonitório do genial Dias Gomes, perseguido em toda sua trajetória, como demonstra Laura Mattos em seu brilhante estudo de jornalismo investigativo: Herói mutilado – Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura (São Paulo, Companhia das Letras, 2019).
Em seu discurso de posse, no dia 4 de março de 2020, Regina Duarte exaltou a cultura diversificada, com exemplos, talvez para agradar o chefe, até pueris em suas metáforas de “puns de palhaços”, mas com uma clara demonstração de que defende uma cultura plural e livre. Até relativista, do ponto de vista antropológico. Por isso, vem sofrendo ataques do que chamou de “facção de terrorismo digital”, associada ao guru Olavo de Carvalho, que mora nos EUA, onde também forma fiéis seguidores, mas que está sendo acusado pela própria filha, Heloísa de Carvalho, em livro recém-publicado (Meu pai, o guru do presidente. Curitiba, Kotter Editorial, 2020).
É neste quadro tenebroso, de inseguranças e temores, de promessas de censuras e vetos, que a atriz Regina Duarte, de uma carreira artística plena de sucessos, na televisão e teatro, renova seu compromisso de uma vida com a arte e a cultura, da qual ninguém pode duvidar. Apesar das opções ideológicas, que nunca escondeu, resolveu se meter em uma história de um “casamento” que só o futuro vai esclarecer, não só para si própria, mas também, principalmente, para um público que se mobiliza para ver a mocinha vencer uma realidade bem mais complexa.
“Há algo mais entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”, como dizia o bardo inglês. Das telas ficcionais, da namoradinha do Brasil à viúva que foi sem nunca ter sido, ao enfrentamento da realidade da política em um quadro de definições rígidas; mas aparentemente disposta a enfrentar milícias digitais; apesar de tantas expectativas negativas – e preconceituosas (neste caso, não exclusivamente por parte da direita mais extrema) –, restando aos que defendem a democracia como valor universal torcer para que o final desta novela seja feliz. E a diversidade da cultura seja preservada mais uma vez, mesmo nas mais obscuras condições.