artigo
‘Decisão de organização internacional tem, em geral, caráter recomendatório’
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, Gilberto Saboia cita casos de adoção de regulamentos para prevenir ocorrência e propagação internacional de doenças
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Diplomata aposentado e membro da Comissão de Direito Internacional da ONU (Organização das Nações Unidas), Gilberto Saboia diz que as decisões e resoluções de uma organização internacional têm em geral caráter recomendatório, não estritamente obrigatório, visando a persuadir os Estados a adotarem certo tipo de comportamento. O artigo dele foi publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília.
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Em sua análise, Saboia observa que as organizações internacionais podem, também, de acordo com seu instrumento constitutivo, adotar decisões com caráter obrigatório. No caso da OMS (organização Mundial da Saúde), o artigo 21 autoriza a Assembleia a adotar regulamentos para prevenir a ocorrência e a propagação internacional de doenças, e dispor sobre vários outros aspectos relativos à saúde pública.
Pelo artigo 22, conforme explica o diplomata aposentado, estas regras, que constituem o Regulamento Sanitário Internacional, entram em vigor para todos os Estados membros após um prazo determinado, exceto para os países que notificarem sua não aceitação dentro deste prazo. “Tornam-se regras internas dos Estados”, enfatiza.
Ele lembra que a Constituição da OMS, por exemplo, contém um preâmbulo que enumera os princípios básicos acordados entre os membros sobre cooperação internacional em matéria de saúde. Seguem-se 82 artigos que estipulam concretamente os objetivos, funções e a forma de operação dos diferentes órgãos.
O diplomata também ressalta que o caráter normativo dos atos das organizações internacionais e as obrigações deles decorrentes para com os Estados membros têm sua fonte primária no acordo constitutivo, tratado internacional ao qual o Estado deu seu consentimento, e cujas normas devem ser cumpridas de boa-fé. “Seu descumprimento gera consequências”, destaca o autor. “Assim, a falta de pagamento das quotas anuais devidas para financiar o orçamento pode ocasionar a perda do direito de voto”, continua.
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Professor da Unesp critica postura do presidente
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O historiador e professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio critica o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por minimizar a pandemia do coronavírus. Em artigo publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online, Aggio destaca que Bolsonaro “confronta governadores e prefeitos, ataca a mídia e insanamente perambula, sem máscara, por Brasília e cidades próximas, promovendo aglomerações e apoiando manifestações contra a democracia”.
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“Pensou-se que o Brasil teria um gap de vantagem frente aos países onde o vírus emergiu mais cedo”, diz Aggio. “Mas essa vantagem foi perdida a partir do momento em que Bolsonaro transformou a saúde num território de guerra. Isso inviabilizou que se estabelecesse uma estratégia séria e planejada de ‘isolamento social’”, lamenta. Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP.
Aggio lembra que, enquanto a pandemia avançou, Bolsonaro martelou pela “volta ao trabalho” e também propôs, na reunião ministerial de 22 de abril, um decreto para armar a população contra as restrições adotadas por governadores e prefeitos. “Mais do que politizar o combate à pandemia, Bolsonaro avançou o sinal, sugerindo uma ‘rebelião armada’ de ‘resultados imprevisíveis’ e seguramente deletérios para a Nação”, afirma o professor da Unesp.
De acordo com o historiador, sem Estado nem governo, indefesos, os brasileiros se socorrem nas informações da mídia e nos profissionais da saúde, vistos como verdadeiros heróis. “Exauridas, as autoridades subnacionais, que continuam resistindo, empreendem, sob pressão de diversos setores, uma temerária flexibilização da quarentena em situação absolutamente desfavorável”, diz o autor, em outro trecho.
O professor da Unesp observa que, entrar ou sair do confinamento foi, em vários países, determinação impingida pelo vírus e não uma opção irrefletida. “O que esteve em jogo foi a vida das pessoas e o bem comum”, acentua, para continuar: “Foram escolhas políticas a partir de orientações científicas, mas sem obediência cega, ressaltando a importância tanto da complexidade quanto da responsabilidade coletiva que tem a política em âmbito local, nacional e mundial”.
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Luiz Werneck Vianna: Não há mal que sempre dure
Não dá para esconder que a democracia brasileira esteja sob alto risco, e não apenas por que se encontra ameaçada por um governo que faz do seu desmonte o seu objetivo estratégico, mas também por que uma parte de sua sociedade abandonou sua afeição por ela. Afinal, os governantes que aí estão foram eleitos em pleitos eleitorais livres, secundados pelos parlamentares mais toscos, despreparados e vorazes conhecidos em nossa longa história parlamentar, presentes em todas as casas de representação política. Também eles não caíram do céu, foram eleitos, e muitos deles com estrondosa votação. O retrato lúgubre que estampam não é filho do acaso e da má vontade do destino, mas das nossas ações e inações. Diante de nossos olhos a sociedade adoeceu, perdeu-se de si mesma, da sua história e melhores tradições.
Como isso pode acontecer aqui, justo no lugar que soube derrotar pela ação política bem concertada um regime autoritário que a afligiu por duas décadas, essa a questão que temos de sondar até as suas raízes a fim de encontrar remédio para os males que nos atormentam. Que se ronde a blasfêmia, inevitável no caso, por que foi de um partido nascido da vida sindical, lugar sagrado da esquerda, que teve início a difusão do vírus maldito que apartou a democracia política da democracia social, cerne da concepção da Carta de 88, destituindo a política do seu papel criador e pondo no seu lugar a esfera bruta dos interesses, deixando fora de foco o cidadão em nome dos apetites do consumidor – os automóveis, as viagens de avião, as comemorações da Força Sindical no 1º de maio com brindes e rifas aos participantes no lugar da evocação das lutas civis que tradicionalmente celebravam.
Principalmente o descaso com a organização da vida popular e a descrença no papel que uma cidadania ativa pode desempenhar nas democracias, uma vez que por cima de todos um poder tutelar agia em nome de todos, vindo a reforçar as tendências à fragmentação social que décadas de modernização autoritária tinham produzido. A questão social sob a administração do Estado vem à tona com pouca sustentação nos atores que deveriam ser os seus portadores naturais, orientada como estava para os fins políticos da reprodução do poder tutelar que se empenhava, como recurso de legitimação, na satisfação dos desejos de consumo das multidões.
Naquele contexto o que importava era a preservação das posições conquistadas no interior do Estado, pois era a partir dele que realizava o seu enlace com os movimentos sociais e setores da sociedade civil, aí incluídas atividades empresariais de todo gênero, movimento que mereceu ser designado como o Estado Novo do PT. Seus efeitos foram letais na medida em que expos as estruturas do Estado às ações de grupos de interesse que se valeram dessas relações promíscuas para a expansão dos seus negócios e atividades econômicas, terreno fértil à corrupção. Com este flanco aberto, escancarou-se a possibilidade para o capitalismo brasileiro de se livrar dos inúmeros obstáculos, sociais e institucionais, que obstavam sua plena realização. A chamada operação Lava Jato foi o cavalo de Troia que permitiu a entrada em cena das hostes que há tempos ansiavam por essa oportunidade.
Com o terreno da política desertificado, lastro deixado pela Lava-Jato, afetado em sua credibilidade o sistema da representação política, destruídas as escoras e referências que orientavam o sistema de crenças da sociedade, já enfraquecidas por anos de práticas refratárias a uma cidadania ativa por parte do PT, a cena pública tornou-se presa fácil do mundo dos interesses e de todos os apetites. Uma ralé de novo tipo, com extração nos setores das camadas médias, em busca da fama e da riqueza fácil, inebriadas pelo mito pós-moderno da personalidade, vislumbra na sociedade indefesa a sua hora e a sua vez e consegue postos importantes no sistema da representação política. Com a infiltração desses vândalos a obra da ainda inacabada civilização brasileira passa a sofrer graves ameaças.
Contudo, dessa história de ruinas permaneceram de pé as instituições edificadas no já longínquo 1988, ano em que celebrou sua Carta democrática, e por isso mesmo os bárbaros que a sitiam têm como lema a sua destruição. Seus defensores, com firmeza e sabedoria, têm sabido até aqui preservar esse último reduto da democracia brasileira, mas seu esforço solitário não é garantia de que poderão sem recursos externos sobreviver ao cerco a que estão expostas. A dificuldade para a efetivação desse movimento está na pandemia que nos assola, e que nos mantém confinados em defesa da vida. Há outros recursos, porém, que embaraçam as ações dos que tramam contra nossa democracia, um deles, nada irrelevante, provem do mundo ao redor.
As forças que nos rondam em nome da destruição da nossa obra coletiva também sabem calcular, e têm tudo a temer, na economia e na política, no cenário atual das coisas no mundo, caso prevaleçam impulsos em suas ações no sentido de apostar na barbárie que anima tantas lideranças suas. O Brasil não é uma ilha, e faz parte desde sua origem do sistema capitalista mundial, filho do Ocidente, sua formação nacional se forjou sob a influência das correntes de ideias que nos vinham da França, no Império, segundo a modelagem operada pelo Visconde do Uruguai, e, na República, dos EUA que inspirou em larga medida a sua primeira Constituição em 1891, obra em grande parte derivada da influência de Ruy Barbosa na sua redação.
Orbitamos desde aí, de Rio Branco a Nabuco e Osvaldo Aranha em torno desse último eixo, que agora se move em reação contrária a política de Donald Trump que desafia as concepções dos seus pais fundadores em nome do seu projeto de poder em antagonismo com o universalismo e ideais civilizatórios preponderantes ao longo da sua história republicana. Tal movimento, nos dias que correm, tendo como estopim a questão racial, ganhou as ruas, em que pese a pandemia que a todos atinge, em multitudinárias manifestações de jovens apoiadas pela opinião pública e de grandes personalidades do mundo da cultura e dos esportes, não lhe faltando sequer palavras de simpatia entre algumas de suas elites militares. Anuncia-se a possibilidade de mudança nas coisas do mundo.
A política dos governantes que aí estão se encontra desalinhada das tendências benfazejas que ora se afirmam em todos os cantos do planeta. Sob a pressão da pandemia em curso, a linguagem da cooperação se universaliza, com forte intensidade na dimensão da ciência onde se fazem presentes vigorosas denúncias do estado de coisas reinante no mundo, que adoece pelas desigualdades sociais, pela degradação da natureza e da vida em geral. Coube a nós viver essa quadra inclemente sob a condução de ideologias de hospício, hostilizados pelo bestiário de dirigentes que afrontam o mundo e o que há de melhor em nosso país. Isso que aí está não pode durar, não vai durar.
*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio.
RPD || Reportagem especial: 132 anos após abolição da escravatura, sociedade grita contra racismo
Casos de assassinatos de brasileiro e norte-americano negros reacendem alerta contra crime, que impõe diversos obstáculos para essa parcela da população
Cleomar Almeida
Uma semana é o intervalo entre os assassinatos do adolescente brasileiro João Pedro Mattos (14 anos), baleado no Rio de Janeiro, e o do norte-americano George Floyd (46 anos), sufocado, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Negros assassinados por policiais, eles também não conseguiram resistir à perversidade do crime que tem dizimado essa população diariamente e que se manifesta de diversas formas: o racismo.
No Brasil e nos Estados Unidos, a violência é uma das faces desse crime, que se propaga em vários outros. Negros são os que mais morrem em ações policiais e também lideram o ranking das vítimas de coronavírus. Têm menos acesso à saúde, grau de escolaridade e oportunidade de emprego, em comparação com pessoas brancas.
No total, no Brasil, negros são 56% da população e 75% dos mortos por policiais. Nos Estados Unidos, representam 13% das pessoas e 24% das vítimas assassinadas pela polícia. Livres da escravidão, abolida há 132 anos no território nacional, pessoas negras e toda a sociedade precisam se mobilizar contra o racismo, que, na avaliação de especialistas, tem se institucionalizado cada vez mais e de forma acelerada na força estatal.
“Há um enorme viés racial na violência policial no Brasil. Da mesma forma que educação, renda e trabalho são indicadores de desigualdades raciais, a violência também se constitui como um indicador potente, pois ela atinge de forma desigual os negros do país”, afirma a professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Márcia Lima.
A professora, que também é coordenadora do Afro, o Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), diz que não são mortes provocadas. São assassinatos. É um modus operandi. “O racismo é um elemento constituinte da violência do país. As estatísticas comprovam isso”, afirma ela.
Nos Estados Unidos, negros têm 2,9 vezes mais risco de serem mortos por policiais do que brancos. No Brasil, o risco é 2,3 vezes maior para os negros. Os dados são de análises do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2018 – o mais recente com recorte racial – e do instituto americano Mapping Police Violence, de 2019.
O número de mortos pela polícia americana tem se mantido no mesmo patamar desde 2013. Com quase 18 mil departamentos de polícia nos EUA, não há uniformidade nos números oficiais sobre abordagens policiais com uso da força no país. No Brasil, o problema se repete.
De acordo com o Atlas da Violência, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o crescimento nos registros de assassinatos no Brasil, que alcançaram patamar recorde em 2017, atinge principalmente negros, para os quais a taxa de mortes chega a 43,1 por 100 mil habitantes. Para não negros, a taxa é de 16.
“É estarrecedor notar que a terra de Zumbi dos Palmares é um dos locais mais perigosos do país para indivíduos negros, ao mesmo tempo que ostenta o título do estado mais seguro para indivíduos não negros (em termos das chances de letalidade violenta intencional)”, afirmam os pesquisadores do Ipea em um trecho da pesquisa. “Em termos de vulnerabilidade à violência, é como se negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, completam.
Autor do livro Racismo Estrutural e professor convidado da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), Silvio Almeida destaca que a polícia brasileira é muito mais violenta. “Mas também existe um nível de violência racial que constitui o Brasil em outras esferas, que naturalizou e incorporou no cotidiano a morte de pessoas negras”, afirma. “No país, quando se mostra a morte de um negro, a luta é para provar que aquela pessoa não era um bandido, como se o fato de a pessoa ter cometido algum crime justificasse também a violência policial".
Na avaliação do sociólogo e policial militar Eduardo Santos, a corporação brasileira reproduz o preconceito e a discriminação, e ainda não teve a preocupação de repensar as práticas de abordagem, de forma eficaz. “A polícia é a força de repressão que mata quem é igual a eles", afirma, destacando que negros representam 37% do quadro de policiais no Brasil. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A informação é autodeclarada e pode haver subnotificação.
A urgência do combate ao racismo tem mobilizado ainda mais grupos organizados para reivindicação e reconhecimento de direitos na busca por uma sociedade menos injusta, menos desigual e menos excludente. Mais de 100 entidades do movimento negro de todo o país reforçam o manifesto “Enquanto houver racismo, não haverá democracia”. A campanha é promovida pela Coalizão Negra por Direitos, em parceria com os coletivos Legítima Defesa e Frente 3 de Fevereiro.
O objetivo é coletar assinaturas para promover uma frente ampla em torno de ações de combate ao racismo e a cobrança junto ao Poder Público, de direitos como educação, emprego e segurança. O movimento entende que a luta antirracista precisa ganhar centralidade nas discussões em defesa da democracia.
“Tem se falado muito em repactuar, criar um novo pacto democrático no Brasil. Mas não existe possibilidade nenhuma de pensar a democracia real no país se o racismo não for um ponto central”, afirma Eugênio Lima, fundador do Legítima Defesa e Frente 3 de Fevereiro e um dos articuladores da iniciativa, em entrevista ao jornal El Pais.
De acordo com Lima, a frente ampla deve considerar o apoio de pessoas brancas e indígenas de diferentes setores da população. Segundo ele, a adesão é importante porque a questão racial é parte do sistema e só será vencida quando toda a sociedade passar da comoção em relação à crueldade praticada contra negros para mudanças concretas que promovam igualdade, por parte de quem está no poder — em sua maioria, brancos.
Certamente, outros negros morreram na semana que separou as mortes de João Pedro e George Floyd, cujos casos tiveram maior repercussão. O combate ao racismo deve ser uma prática diária, constante e de resistência, como sugeriu a professora e filósofa estadunidense Angela Yvonne Davis. "Numa sociedade racista, não basta não ser racista; é preciso ser antirracista", escreveu ela.
Desigualdade perversa reflete discriminação
Além de morrerem três vezes mais do que brancos por Covid-19 nos Estados Unidos e de serem mais de metade das vítimas da doença no Brasil, negros enfrentam abismos de desigualdade no acesso à educação, a oportunidades de emprego, à cultura e a cargos eletivos. No labirinto da discriminação, precisam encontrar o caminho da sobrevivência.
Reflexo da falta de acesso a serviços de saúde e alimentação que garanta boa qualidade de vida, mais da metade dos negros que se internaram no Brasil no período da pandemia morreu por contaminação de coronavírus em hospitais no país. Pesquisadores do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro analisaram 29.933 casos encerrados de Covid-19 (com óbito ou recuperação). Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram nos hospitais. Entre os 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.
Em relação à educação, no Brasil, a taxa de analfabetismo entre os negros de 15 anos ou mais (9,1%) é superior ao dobro da taxa de analfabetismo entre os brancos da mesma faixa de idade (3,9%), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2018, 6,8% da população brasileira era considerada analfabeta. Nos Estados Unidos, a taxa de analfabetismo é menor que a do Brasil (1%), mas a desigualdade entre brancos e negros também existe.
De acordo com o IBGE, também há diferença na área financeira. Pretos e pardos tinham rendimento domiciliar por pessoa de R$ 934 em 2018, conforme pesquisa mais recente. No mesmo ano, os brancos ganhavam, em média, R$ 1.846. Nos Estados Unidos, por sua vez, negros têm renda domiciliar média de US$ 41,3 mil por ano, pouco mais do que a metade da dos brancos (US$ 70,6 mil).
O Congresso Nacional é outro campo de desigualdade entre brancos e negros no Brasil. Dos 594 deputados e senadores, apenas 17,8% são negros. No total, somente 106 declararam ser da cor preta ou parda. O cenário não muda se as duas Casas forem analisadas separadamente. Na Câmara, dos 513 deputados em exercício, 89 são pretos. Em contrapartida, 344 são brancos. Os dados são da própria Câmara Federal.
Em texto publicado no início de junho, o ex-presidente americano Barack Obama discorda das pessoas que afirmam que o recorrente viés racial no sistema de justiça criminal prova que apenas protestos e ações diretas podem levar a mudanças, e que votações e participações na política eleitoral são perda de tempo.
"Eu não poderia discordar mais. A essência de protestos é aumentar a conscientização da sociedade, colocar holofotes sobre a injustiça e fazer com que os Poderes fiquem desconfortáveis”, afirma ele, em um trecho.
O texto de Obama diz, ainda, que, ao longo da história americana, é comum que seja apenas uma reação a protestos e desobediência civil a atenção que o sistema político dá a comunidades marginalizadas. “Mas, no fim, anseios têm sido traduzidos em leis específicas e práticas institucionais. E, numa democracia, isso só acontece quando nós elegemos autoridades que respondem às nossas demandas”, destaca ele.
Importante instrumento na reparação de direitos de negros no Brasil, a Lei de Cotas deverá ser revista em 2022, no último ano do mandato de Jair Bolsonaro. Como pretende disputar a reeleição e tem um governo de extrema direita marcado por polêmicas nas áreas de direitos humanos e educação, ele deve enfrentar grandes resistências do movimento negro, que tem se fortalecido no combate à desigualdade no país.
O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo Nascimento, confirmou que haverá uma revisão no sistema de cotas no último ano do governo Bolsonaro. “O sistema de cotas será revisado em 2022. Cotas devem ser sociais, não raciais. Para que esta mudança ocorra, será fundamental o apoio dos negros. Cotas para pobres, de qualquer tom de pele. Não somos incapazes. Queremos justiça, não racialismo”, diz Camargo, que nega haver racismo no Brasil.
Na avaliação da professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Márcia Lima, que coordena núcleo de pesquisa sobre raça, gênero e justiça racial, há uma percepção equivocada de como a Lei de Cotas funciona. Segundo a Lei 12.711, conforme ressalta, a cota racial também é uma cota social.
“Muitos que se opõem às cotas raciais falam que elas apresentam privilégios e que não podemos distingui-las das sociais. Não faz sentido, porque elas não estão separadas”, explica a professora.
A lei reserva 50% das vagas primeiro para estudantes de escolas públicas, que, em seguida, são divididos pela renda, o segundo critério social. Só depois se aplica o critério racial (a proporção da população negra e indígena de cada unidade da Federação).
Em comentários nas redes sociais, Camargo diz que as cotas raciais fazem parte de “reparação história”, mas, segundo ele, “não existe culpa coletiva”, ignorando a segregação a que os negros foram submetidos desde que foi abolida a escravatura no país, em 1888. “Reparação histórica. Mas dívida não é transmitida de geração para geração e não existe culpa coletiva. Querem vingança, não solução”, tuitou.
A pesquisadora da USP explica o porquê de defender a cota social e racial.“Quando enfrentamos a desigualdade social, a situação dos negros é sempre mais difícil, mesmo entre os mais pobres. As políticas de recorte social funcionam de forma tímida para incluir a população negra. Por isso, as cotas raciais são importantes”, afirma Márcia.
RPD || Paulo Baía: O destino do tiro na cabecinha
Comportamento inefável de Wilson Witzel (PSC) como governador contaminou todos os níveis da administração pública do Rio de Janeiro, avalia Paulo Baía
O governo Wilson Witzel (PSC) tomou posse sob o signo da instabilidade, a partir da onda antissistema das eleições de 2018. Preso às amarras do Regime de Recuperação Fiscal, negociado entre o ex-governador L. F. Pezão e o governo federal, e após as governanças criminosas de Sérgio Cabral/Pezão (MDB). O ex-juiz federal apostou na grave crise de violência, expondo o abismo da segregação que os moradores das favelas vivenciam, ao implantar uma política de extermínio do "tiro na cabecinha". Ou seja, incentivou ações ilícitas de agentes públicos das forças policiais e, para completar, acabou com a Corregedoria externa e a Ouvidoria das polícias. Uma de suas medidas centrais foi desfazer a Secretaria de Segurança Pública, recriando as fracassadas Secretarias de PM e de PC, que funcionaram de 1983 até 1994.
As demais secretarias foram assumidas, com raras exceções, por pessoas sem lastro administrativo, escolar e acadêmico, evidenciando a ausência de pessoas com expertise em governança pública. Desde que tomou posse, em janeiro de 2019, o governador passou a ser protagonista de uma "ópera bufa", com atitudes e falas capazes de demonstrar o quanto ter poder era seu maior objetivo, com atitudes espalhafatosas e comportamento de líder que pretendia fazer história com bravatas e mortes.
A Assembleia Legislativa do Estado Rio de Janeiro (Alerj), apesar de ter tido uma renovação significativa após a eleição, continuou sob o comando de deputados herdeiros do bloco parlamentar Sérgio Cabral/J. Picciani. O próprio líder do governo é o deputado Márcio Pacheco (PSC), experiente e bem conectado com André Ceciliano (PT), presidente da Alerj. O fato é que o Parlamento nunca considerou a autoridade de W. Witzel, sempre apostou numa pauta própria para aprovar, rejeitar ou derrubar vetos do Executivo. Não é à toa que a abertura do processo de impeachment foi aprovada por unanimidade (69 votos a favor e uma abstenção). Até mesmo parlamentares ligados ao governador, como Bruno Dauaire (PSC), Rodrigo Amorim (PSL), Alexandre Knoploch (PSL) e o ex-líder do governo Márcio Pacheco (PSC), votaram pela abertura do processo. Apenas o deputado Rosenverg Reis (MDB) se absteve.
O comportamento inefável do governador contaminou todos os níveis da administração pública. Com seu deslumbramento, deixou às claras um clima de "liberou geral", sem que houvesse nítida separação entre o lícito e o ilícito nas políticas públicas. Dessa forma, não houve surpresa nas suspeitas levantadas pela PGR, PF, MPE, TCU e TCE, em relação à corrupção. Inclusive, a PF prendeu, a pedido do MPF, toda a cúpula da Secretaria de Estado da Saúde, por desvio de verbas nos hospitais de campanha e na compra sem licitação de equipamentos, insumos e medicamentos durante o Estado de Emergência.
A crise sanitária da Covid-19 escancarou o descalabro das violências policiais e milicianas contra jovens pretos, pobres, favelados e moradores das periferias. De tal forma que o Ministro Edson Fachin, em ato judicial inédito, concedeu liminar proibindo as ações policiais em favelas, sem justificativa prévia informada ao MPE e ao Poder Judiciário.
Apesar de o ex-juiz querer ser o representante de uma renovação política, com as vistas postas no Planalto, cometeu erros crassos por não fiscalizar medidas fundamentais, como a contratação milionária com empresas sem tradição e de baixíssimo capital social. Além de o deslumbramento ter subestimado de forma primária as relações com o Parlamento. Típico de pessoas autoritárias e centralizadoras, nada afeitas ao diálogo e à negociação. Como, por exemplo, a prática de ameaçar deputados com dossiês, a exemplo daqueles montados sobre pessoas ligadas ao grupo de Lucas Tristão, seu ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico.
O ex-juiz federal poderá ser o primeiro governador do Rio a sofrer impeachment. E o segundo do Brasil, após a perda do mandato de Muniz Falcão (PSP), governador de Alagoas, em 1957. No entanto, o Rio de Janeiro de 2020 certamente não é as Alagoas de 1957. Os tempos, particularmente no Rio, não andam férteis para o surgimento de novas lideranças em termos nacionais. Contamos sair desta crise que se abateu sobre nós e parece estar longe de nos abandonar para vivermos melhores dias. A única certeza é de que a crise política permanecerá e não de que há alguma luz no fim do túnel. Não consigo vislumbrá-la. Somente o tempo dirá. Espero apenas estarmos livres dos bufões com seus arroubos delirantes.
* Paulo Baía é sociólogo e cientista político, professor da UFRJ.
RPD || Marcos Sorrilha Pinheiro: O papel de Gramsci no pensamento de Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho recorre ao conceito de hegemonia de Antonio Gramsci para interpretar o mundo e a construção da Nova Era, apropriando-se do paradigma gramsciano da política-hegemonia, avalia Marcos Sorrilha em seu artigo
O termo Nova Era foi bastante difundido entre os círculos católicos da Renovação Carismática na década de 1990, bem como entre os evangélicos “neopentecostais”. A premissa era a seguinte: existiria um plano global para retirar as pessoas do caminho de Deus e implementar uma Era capaz de colocar um fim no cristianismo. A execução desse plano se daria por várias frentes, com destaque à Indústria Cultural, seus produtos e produtores: filmes, artistas, músicas etc. Por meio de tais obras, seriam transmitidas mensagens capazes de influenciar a humanidade para a adoração de um outro senhor que não Cristo.
Esta ideia ganhava contornos maiores quando entrava na seara da autoridade política. Pois, fruto de um conluio multinacional, acreditava-se que empresas e nações imporiam, num futuro breve, o registro de pessoas com um código de barras no punho ou na testa: a temível marca da Besta.
Evidentemente, trata-se de uma teoria da conspiração e, para que haja engajamento, se deve concordar com algumas premissas que não possuem validação científica, como o poder sobrenatural e a existência de entidades celestes. Existe, portanto, certo nicho ou campo de abrangência até onde a ideia pode atingir: setores do cristianismo.
Por que isso é importante? A lógica por trás disso se assemelha à forma pela qual Olavo de Carvalho interpreta o mundo. Porém, no lugar do demônio, está o Comunismo e, para além dos artistas, aparecem os intelectuais, os responsáveis pela elaboração desse plano sombrio. No lugar da atuação do demônio, ele transfere aos mecanismos de transmissão de cultura a responsabilidade pela difusão planetária de tais mensagens. Por fim, o equivalente ao inferno seria um futuro composto pela submissão dos incautos à elite global. Tudo isso ocorreria quando as pessoas fossem apartadas dos “verdadeiros” valores ocidentais (o judaico-cristianismo, o conservadorismo político e o nacionalismo), aderindo a um novo conjunto de regras e morais globalistas hegemônicas.
A palavra hegemônica é fundamental para entendermos como se daria a construção da Nova Era na versão de Olavo de Carvalho. Na verdade, não se trata apenas de uma palavra, mas de um conceito elaborado por Antonio Gramsci no início do século XX. Segundo Gramsci, o conceito de hegemonia retirava o socialismo do plano revolucionário e o trazia para o paradigma político/democrático. Em Gramsci, a construção de uma sociedade igualitária, principalmente no Ocidente, não se daria mais pela revolução, mas pela articulação do campo político, por meio da difusão de valores, tradições e ideias junto ao sistema nervoso das sociedades: a cultura.
Para tanto, os partidos e seus intelectuais deveriam atuar como sujeitos articuladores dessa cultura, lançando mão dos aparatos próprios para sua mobilização: a mídia, a escola, as artes etc. À medida que tais ideias fossem ganhando maior abrangência e concordância entre os cidadãos, seria aberta a possibilidade de que líderes comunistas fossem eleitos pelo voto e, uma vez no comando do Estado, lançariam mão das ferramentas do poder para organizar a sociedade em torno de seus ideais, convertendo-os em uma hegemonia.
Assim, Olavo de Carvalho recorre ao conceito de hegemonia gramsciano, pois entende que, com o ocaso da União Soviética, Gramsci se converteu no grande paradigma de atuação da esquerda global. Por meio de seus métodos (a contaminação da cultura com valores marxistas), foi possível aos intelectuais gramscistas o predomínio junto às principais instituições internacionais responsáveis pela elaboração de estratégias de desenvolvimento global, como a ONU, a OMS, ONGs etc., transformando pautas da esquerda em pautas da própria humanidade.
Diante do exposto, é inevitável constatar: a teoria de Olavo de Carvalho se sustenta na apropriação que faz do paradigma gramsciano da política-hegemonia. Ironicamente, é a noção de hegemonia em Gramsci que torna possível a existência de uma Nova Era enquanto um plano global aos moldes propostos por Olavo. Ao mesmo tempo, é ela quem dá à sua teoria da conspiração um caráter supostamente científico, capaz de retirá-la do nicho religioso-cristão e torná-la palatável a amplos setores da sociedade, ajudando a desvelar as tramas do conluio global por meio de uma lógica aparentemente acadêmica e fazendo com que aqueles que professem sua teoria se sintam mais inteligentes que os demais, ao invés de conspiracionistas, o que de fato são.
* Marcos Sorrilha é professor Assistente Doutor do Departamento de História da Unesp/Franca.
RPD || Luiz Paulo Vellozo Lucas: Encontro marcado
Eleições municipais, apesar da pandemia do coronavírus e da crise política que o país atravessa, mostram que, enquanto tivermos um calendário eleitoral a cumprir, é porque a democracia ainda está viva e pode fazer ressurgir sua força transformadora
Epicentro mundial da pandemia do Covid 19, o Brasil vive meses estressados pela crise sanitária e econômica em meio à luta política radicalizada e judicializada, que se reflete no dia a dia das pessoas. O mundo virtual, turbinado pelo isolamento da quarentena, fervilha intensamente de militância espontânea e profissionalizada, com apoio de robôs nas redes sociais e em grupos de discussão como num “reality show” eletrizante e interminável. Tudo parece convergir e depender de um desfecho para esta novela.
“Deixa o governo governar”, dizem aqueles que enxergam Bolsonaro como um cavaleiro andante da virtude e do patriotismo, enfrentando instituições carcomidas pela velhacaria e pela corrupção. “Somos 70% da população contra o fascismo”, dizem os que se opõem ao governo e abraçam a defesa das instituições e o “fora Bolsonaro”. Como pensar em eleições municipais nessa situação?
Enquanto houver um calendário eleitoral a cumprir é porque a democracia ainda está viva e pode fazer ressurgir sua força transformadora. Em 1974, a limitada liberdade remanescente no Brasil sobrevivia respirando por aparelhos numa estreita fresta institucional. A vitória eleitoral do MDB naquele ano foi o ponto de apoio que alavancou a luta política e a agenda democrática do pais por dez anos, acumulando forças até o fim da ditadura militar. O impulso transformador das eleições derrotou o regime e também aqueles que, descrentes da democracia, sonhavam com luta armada para impor seu projeto de país.
Na eleição, a população tem um encontro marcado com as instituições e com seu destino histórico. Não haverá desfecho da crise nacional antes do pleito municipal de 2020. Os eleitores serão chamados a escolher prefeitos e vereadores num cenário nacional dividido e conturbado, onde estarão juntas e misturadas todas as frustrações, indignação e revolta com as desigualdades e injustiças acumuladas. A vida nas cidades estará no centro das atenções junto com ideias sobre o que deveremos fazer a partir de janeiro de 2021.
O voto é sempre um ato de confiança e enfrentar os desafios colocados pela crise urbana em cada cidade neste momento é o caminho que a democracia brasileira oferece a todos os cidadãos, militantes virtuais ou não, cansados ou descrentes de um desfecho para a crise nacional, que se mobilizarem para participar das eleições municipais.
O poder local precisa conquistar a confiança das pessoas e passar a ser compreendido como elemento-chave para a solução dos problemas e angústias do dia a dia da população. O primeiro passo é valorizar a solução local, como fizeram os primeiros brasileiros desde a Independência em, 1822, com as Câmaras Municipais, como nos relata Jorge Caldeira em A História da Riqueza no Brasil. As instituições do Estado e a vida econômica e social do país precisam de reformas que permitam e desobstruam o protagonismo do poder local, e não podemos ficar esperando que as soluções venham de Brasília. Elas não virão!
Os prefeitos e vereadores eleitos em 2020 serão desafiados a conquistar e acumular confiança pública e capital cívico, para dar conta de governar seus municípios nesta crise. A renovação das lideranças locais em eleições livres pode inaugurar uma agenda democrática e reformista, visando a corrigir e fazer avançar as instituições que estruturam o Estado brasileiro em um processo de baixo para cima. Começa no processo eleitoral deste ano debatendo, sem as muletas do populismo e do pensamento mágico, soluções viáveis de enfrentamento pactuado do déficit de vida urbana civilizada e da exclusão social, tanto nas metrópoles, com suas favelas, como nos distritos e vilas do interior, distantes do dinamismo industrial.
A agenda reformista precisa sair das caixinhas setoriais para adotar o ponto de vista das cidades, que é o ponto de vista das pessoas. O desafio das reformas é um só, Inter setorial e holístico. A cidade integra todas as dimensões: fiscal e tributária, política e federativa, social e econômica, tecnológica, ambiental e humana. O desafio das eleições municipais é abrir caminho para esta agenda em cada cidade e para o Brasil.
Joan Clos, ex-prefeito de Barcelona e ex-diretor da ONU-Habitat, dizia que o único caminho para se construir um país desenvolvido é construir boas cidades.
* Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro. Ex-prefeito de Vitória-ES. Mestrando em Desenvolvimento Sustentável na UFES.
RPD || Lilia Lustosa: Eu, historiadora de cinema branca
Lilia Lustosa, em seu artigo, questiona como podemos mudar a situação de racismo que contamina a indústria cinematográfica do Brasil e do mundo
No mês passado, depois de entregar o artigo aqui para a Revista, ficou mais ou menos acertado que o próximo tema abordado seria o retorno dos Drive-ins, tendo ficado de fora do meu texto anterior, por não conseguir me manter dentro dos limites dos caracteres estipulados. Acabou sendo um bom acidente de percurso, porque, logo depois, impactada pelas notícias da morte do adolescente João Pedro por uma bala perdida no Complexo do Salgueiro e as imagens do sufocamento de George Floyd em Mineápolis, me veio um pensamento à cabeça: e se eu acordasse negra? Encararia a vida da mesma maneira? Teria a mesma segurança para desbravar territórios desconhecidos como venho fazendo nesses últimos doze anos em que vivo fora da minha terra? Teria entrado neste prédio, em pleno coração da branca Recoleta, em Buenos Aires, com a mesma cabeça erguida com que entrei? E do alto do privilégio da minha branquitude, minha resposta, imediata e honesta, foi não.
Recordei as imagens que havia visto dias antes no documentário Minha História (2020), de Nadia Hallgreen, sobre a turnê de Michelle Obama pelos EUA, para o lançamento de seu livro homônimo. Lembro de ter ficado arrepiada ao ver aquela mulher negra lotando estádios nos Estados Unidos de Trump, oferecendo inspiração e esperança a tantas pessoas daquele país. Fiquei, então, imaginando todas as dificuldades enfrentadas para chegar àquele palco. Será que Michelle sempre entrava nos prédios de cabeça erguida? Sentia-se inferior ou invisível aos olhos de alguém? Mas a ex-primeira dama, que já sentou em tantas mesas importantes (palácios, castelos, salas de aula de Princeton e Harvard), afirmou nunca se ter sentido invisível. A razão, segundo ela, teria sido a liberdade que vivenciou naquela mesa simples da sua sala de jantar, no sul de Chicago. Um lugar onde aprendeu o valor de sua voz e se muniu de forças para enfrentar a batalha que a vida lhe iria exigir. Um exemplo extraordinário para tantas meninas negras que se veem ali representadas, mas que não necessariamente têm a mesma sorte. Ao mesmo tempo, uma prova de que a invisibilidade é algo construído. E que, por isso mesmo, também pode ser desconstruído.
O tema foi me inquietando cada vez mais, e o webinar “Imaginários para um audiovisual antirracista”, organizado pelo SPCine, no fim de maio, deixou ainda mais claro o papel que nós, brancos, podemos e devemos ter. Naquele palco virtual, “frente à frente”, para um debate mais que urgente, estavam duas cineastas negras – Renata Martins (Aquém das Nuvens, 2010; Sem Asas, 2019) e Day Rodrigues (Mulheres Negras, 2016) –, e duas cineastas brancas – Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças, 2000; Como Nossos Pais, 2017) e Petra Costa (Helena, 2012; Democracia em Vertigem, 2019). A branquitude foi colocada contra a parede. Eu fui colocada contra parede! Muitos nomes de negros que atuam no universo cinematográfico brasileiro foram citados. Mas quantos conhecemos? Quantos nomes podemos citar de cabeça? E de mulheres negras então? Só para se ter uma ideia, segundo a ANCINE, dos 142 longas lançados, em 2018, somente 19,7% foram dirigidos por mulheres, e desses, nenhum teve qualquer negra na direção, nem no roteiro. E o que nós, brancos, temos feito para mudar essa situação de racismo que contamina a indústria cinematográfica do Brasil e do mundo?
Laís Bodanzky, que hoje ocupa a presidência do SPCine, falou da política afirmativa que a instituição vem adotando nos últimos anos, que dá pontos extras aos projetos que trazem pessoas negras em suas equipes. Ou seja, na corrida por um financiamento de produção audiovisual, sai na frente quem contar com talentos negros em seu time. Mas quantas são as instituições que adotam esse tipo de política? Quantos não são os que viram a cara para o sistema de cotas?
Laís chegou a acender uma luz de esperança dentro de mim, mas eis que as imagens da morte do menino Miguel, de 5 anos, deixado aos cuidados da patroa, enquanto sua mãe passeava os cachorros da família branca, relembrou-me que ainda estava muito longe o dia em que poderíamos falar de igualdade neste país. Senti-me sufocada, impotente, apequenada… E entendi o que a negritude chama de “genocídio da população negra”. Não é exagero. É fato. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. E o que nós, branquitude brasileira, temos feito para mudar esta situação? Como eu - historiadora de cinema branca - posso contribuir para virar esse jogo?
Day Rodrigues me deu a pista, ao afirmar que “pesquisa é política”. Ela tem razão. É preciso, então, redefinir nossos temas de estudo, incluir personalidades negras no currículo básico das escolas e universidades brasileiras, já que aquelas foram apagadas de nossos livros de história. É preciso falar de Adélia Sampaio, primeira cineasta negra a dirigir um longa-metragem. É preciso assistir a filmes feitos e escritos por negros. É preciso conhecer Viviane Ferreira (O dia de Jerusa, 2019), Camila de Moraes (Caso do Homem Errado, 2019), Jeferson De (Bróder, 2010), Ava DuVernay (Selma, 2014; A 13a Emenda, 2016; Olhos que condenam, 2019), Ryan Coogler (Fruitvale Station, 2013; Pantera Negra, 2018) e tantos outros. É preciso contratar profissionais negros. É preciso seguir pessoas negras no Instagram, divulgar o que elas fazem, ler os livros que elas escrevem. Tudo o que, até outro dia, me soava como um exagero… Finalmente, entendi que, ao trazer pessoas negras para a cena, estamos viabilizando a criação de um círculo virtuoso, quiçá capaz de se converter em ferramenta de desconstrução da invisibilidade da negritude.
A minissérie “Hollywood”, atualmente em cartaz na Netflix, que conta com produtores e diretores negros, permite-nos, de alguma maneira, sonhar com essa mudança. Ambientada no período pós II Guerra Mundial e baseando-se em alguns fatos e personagens reais – Hattie MacDaniel, Rock Hudson, Vivien Leigh, Scotty Bowers, Henry Willson, Anna May Wong –, o que vemos ali é um grande estúdio, sendo comandado por uma mulher branca, ousada o suficiente para aceitar o desafio de lançar um filme cujo roteirista é negro e homossexual, o diretor é filipino-americano, e a atriz principal, negra. Ao apresentar esse twist na realidade da época de ouro da meca do cinema, “Hollywood” lança a possibilidade de um outro curso para a história. E se tivéssemos tomado esse caminho, teríamos hoje mais igualdade na indústria cinematográfica?
Talvez. Mas como, por enquanto, isso não passa de ficção, resta-nos pensar sobre o que é possível ser feito hoje. Assim, ao invés de decorrer sobre o retorno dos Drive-ins, decidi usar este meu lugar de privilégio, para convidá-los a refletir sobre o racismo estrutural que, mais do que qualquer corona vírus, contagia nossa sociedade há séculos. Uma pandemia para a qual nunca se criaram vacinas, nem remédios, o único caminho sendo a conscientização e a reeducação da nossa gente. E o primeiro passo, reconhecer o racismo que habita cada um de nós.
*Lilia Lustosa é crítica de cinema
RPD || Gilberto Saboia: A natureza normativa dos atos das organizações internacionais
Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU, o diplomata aposentado Gilberto Saboia nos mostra, em seu artigo, as diversas categorias de organizações internacionais. As mais comuns são as criadas por Estados
Hugo Grócio (1583-1645), um dos pais do direito internacional moderno, privilegiou a sociabilidade e os interesses recíprocos entre as nações como uma das bases de um direito internacional que não se limitasse a regular as situações conflitivas, mas servisse também para fazer prosperar as relações de mútuo interesse.
A Paz de Vestfália (1648) pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, sucessão de conflitos religiosos, e criou o Estado moderno fundado no exercício da soberania sobre um território e o reconhecimento recíproco, sem conotação religiosa, dos demais estados. Nasceu daí um sistema de equilíbrio de poder que permitiu limitar as guerras, favorecendo a visão de Grócio para o direito internacional.
Após as guerras napoleônicas, que subverteram a ordem criada na Paz de Vestfália, o Congresso de Viena (1815) refez o mapa de Europa sobre bases que, mal ou bem, permitiram paz e progresso durante boa parte do século XIX. As potências reunidas no Congresso de Viena se concertaram para defender a legitimidade das monarquias frente a reivindicações libertárias.
Surgem também as primeiras iniciativas de cooperação através de entidades compostas por Estados e com personalidade jurídica própria. São as Comissões Internacionais do Rio Reno e do Rio Danúbio, para regular a navegação destes cursos d’água. O avanço da tecnologia e dos contatos internacionais levou à criação de organizações de caráter técnico, social ou humanitário e mecanismos para a solução de disputas por arbitragem.
Ao fim da I Guerra Mundial, na Paz de Versalhes (1919), surge a Liga das Nações, primeira organização internacional com vocação universal e mandato para plasmar uma ordem internacional em que o recurso à guerra fosse limitado através de um sistema de segurança coletiva, capaz de aplicar sanções a Estados agressores. Apesar de alguns avanços, a Liga falhou em virtude da fraqueza dos membros diante das agressões totalitárias e da ausência dos Estados Unidos. A Organização Internacional do Trabalho e a Corte Permanente de Justiça Internacional surgiram na mesma ocasião e se mantiveram, a segunda incorporada pela ONU como Corte Internacional de Justiça.
Ao fim da II Guerra Mundial, uma nova organização mundial foi criada. A Carta das Nações Unidas, aprovada pela Conferência de São Francisco (1945), proclama a proibição do uso da força salvo em legitima defesa, reconhece os direitos humanos, e estabelece mecanismos para seu aprofundamento e promove cooperação em áreas como agricultura, saúde, ciência e cultura, o que ensejou a criação dos organismos especializados. O Conselho de Segurança, encarregado da defesa da paz e da segurança internacionais, foi dotado de poderes mais robustos do que o Conselho da Liga, podendo empreender operações militares para a defesa da paz, mediante resoluções, mandatórias para todos os Estados. Essas resoluções devem contar com a anuência dos cinco membros permanentes (Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França)
Há diversas categorias de organizações internacionais. As mais comuns são as criadas por Estados, cujas características são as seguintes:
1. São sujeitos de direito internacional, capazes de assumir obrigações e exercer direitos. Podem celebrar tratados internacionais, dentro dos limites do ato constitutivo da organização ou por deliberações dos órgãos competentes. Gozam de imunidades no limite necessário ao exercício de suas funções.
2. Não são soberanas, e sim dotadas de competência conforme o mandato estabelecido no ato constitutivo da organização, geralmente um tratado entre Estados ou decisões tomadas pelos seus órgãos deliberativos.
3. São geralmente dotadas de uma secretaria administrativa. Os órgãos deliberativos costumam ser uma assembleia ou conferência, de frequência anual com participação de todos os membros, e um conselho executivo, de composição mais restrita e eleito pela conferência, que se reúne com mais frequência e gere os assuntos e programas aprovados pela conferência no interregno entre as sessões desta última.
O caráter normativo dos atos das organizações internacionais e as obrigações deles decorrentes para com os Estados membros têm sua fonte primária no acordo constitutivo, tratado internacional ao qual o Estado deu seu consentimento, e cujas normas devem ser cumpridas de boa fé. Seu descumprimento gera consequências. Assim, a falta de pagamento das quotas anuais devidas para financiar o orçamento pode ocasionar a perda do direito de voto.
A Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, contém um preâmbulo que enumera os princípios básicos acordados entre os membros sobre cooperação internacional em matéria de saúde. Seguem-se 82 artigos que estipulam concretamente os objetivos, funções e a forma de operação dos diferentes órgãos.
As decisões e resoluções de uma organização têm em geral um caráter recomendatório, não estritamente obrigatório, visando a persuadir os Estados a adotarem certo tipo de comportamento. Em certos casos, resoluções da Assembleia Geral da ONU, ainda que vazadas em linguagem recomendatória, assumiram, pelo modo de sua votação ou pela reiteração de sua importância, o caráter de fonte de obrigações. É o caso da Resolução sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
As organizações internacionais podem, também, de acordo com seu instrumento constitutivo, adotar decisões com caráter obrigatório. No caso da OMS, o art. 21 autoriza a Assembleia a adotar regulamentos para prevenir a ocorrência e a propagação internacional de doenças, e dispor sobre vários outros aspectos relativos à saúde pública. Pelo art. 22, estas regras, que constituem o Regulamento Sanitário Internacional, entram em vigor para todos os Estados membros após um prazo determinado, exceto para os países que notificarem sua não aceitação dentro deste prazo. Tornam-se regras internas dos Estados.
* Diplomata aposentado. Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU.
RPD || Editorial: Informação e Desinformação
A pandemia prossegue seu avanço no país. Em poucos meses, passamos de uma situação de segurança relativa, na qual nossas deficiências estruturais eram compensadas pela atuação do SUS e pela clareza das autoridades sanitárias, para epicentro da doença no mundo, no caminho célere em direção ao caos.
É clara a responsabilidade do presidente da República nessa guinada. A julgar por suas declarações, a batalha sanitária foi dada por perdida, o quanto antes, melhor, a qualquer custo em termos de vidas, para reforçar o combate na frente, ilusória, da economia.
Ilusória porque não haverá recuperação econômica enquanto perdurar a pandemia. Mas, para jogar o peso do governo na estratégia suicida da temeridade, a arma utilizada é a desinformação. Primeiro, na subestimação das consequências, ainda pouco conhecidas, de uma nova enfermidade.
Segundo, na demolição de toda tentativa de estabelecer barreiras sociais para retardar a contaminação. Terceiro, na apologia dos falsos remédios milagrosos, com o intuito de tranquilizar a população. Finalmente, na tentativa, imediatamente baldada, de amenizar as estatísticas sanitárias. No mínimo, como se não houvesse consequências graves, uma atitude infantil, como a reação das crianças, que fecham os olhos ao enfrentar uma injeção.
A essa estratégia é preciso contrapor a política da informação e do esclarecimento. Lembrar a todos o pouco que conhecemos acerca da doença e a urgência da cautela como única reação racional. Sem vacina e sem remédio, aqueles que provocam aglomerações ou que delas participam, que recusam o uso de máscaras e outros acessórios de segurança, não arriscam apenas as próprias vidas, mas a saúde e a vida de todos aqueles que cairão na extensa rede de contatos que se forma a partir de cada um.
Há uma segunda frente de combate no Brasil e nela também campeia a desinformação: a defesa do Estado Democrático de Direito. Também aqui, verdades simples precisam ser ensinadas dia a dia, pelas pedagogias da palavra e do funcionamento das instituições. A Constituição está acima de todos; a disciplina e a hierarquia subordinam as forças estaduais aos governadores eleitos; apologia da ditadura é crime; a Federação não é hierárquica; e, no dia em que o presidente tiver o poder de determinar o que o Judiciário pode investigar, a democracia terá cedido lugar ao império da ditadura e da corrupção.
Mobilizemo-nos em defesa da vida e da democracia, em favor da informação e do esclarecimento, contra a desinformação e o obscurantismo.
RPD || Benito Salomão: Onde estará o Brasil no Novo Normal?
A pandemia causada pelo Covid-19 desafia a busca de soluções para evitar a recessão na maior parte das economias que integram o Fundo Monetário Internacional
A pandemia do corona vírus foi implacável ao inverter as prioridades das políticas macroeconômicas pelo mundo. Durante o Spring Summer do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi previsto um impacto econômico de longe superior ao da crise global de 2008. Das 190 economias pertencentes ao Fundo, previu-se recessão em 179 delas em 2020. A recessão é um fato com o qual o mundo terá que lidar, e os instrumentos de ação dos governos ainda estão sendo pensados.
Uma tendência consolidada na compreensão moderna da economia, enquanto ciência, é que problemas econômicos dependem de soluções que muitas vezes não são econômicas. A crise do Covid escancarou este desafio, de forma que a simples compreensão do funcionamento das políticas macroeconômicas será insuficiente para conduzir resposta robusta à crise. Não há solução econômica sem prévia solução sanitária. Do ponto de vista sanitário, governos ao redor do mundo atuaram em três frentes: i) implementação de medidas de isolamento social; ii) testagem em massa de suas populações; e iii) investimentos em pesquisas na busca de vacinas e remédios. Enquanto a vacina não é descoberta e disponibilizada, o sucesso das medidas sanitárias diante do vírus dependerá do sucesso de cada governo em testar sua população e manter o isolamento.
O Brasil fracassou ao lidar com a pandemia quando o Presidente se aliou ao vírus e sabotou as medidas de isolamento social, o que fatalmente levará ao fracasso da recuperação econômica. Não existe retomada sem a construção de um estado de confiança prévio, capaz de induzir agentes econômicos a consumir e investir. Sob este aspecto, a incapacidade do governo em lidar com as medidas de isolamento social criou ambiente de desconfiança, alimentado interna e externamente, que se estende também à sua capacidade de lidar com as pautas necessárias para reaquecer a economia.
Duas preocupações preponderam. A primeira diz respeito à visão equivocada do Ministério da Economia acerca da natureza da crise e dos instrumentos necessários para enfrentá-la. A mescla da visão liberal antiga com um fiscalismo exagerado pode ser perigosa neste momento; será preciso certo nível de pragmatismo para passar por este momento com danos minorados. Não é possível delegar a recuperação à simples trajetória do ciclo econômico. A dívida pública vai crescer, estimativas apontam para uma necessidade de financiamento do setor público de R$ 800 bilhões, em 2020. Ora, se este passivo é inevitável, é importante que cada real empenhado neste contexto cumpra seu papel de salvar vidas, empregos e empresas. Infelizmente, não é o que acontece. Pelo que se sabe até agora, os auxílios prometidos chegam com atraso e em magnitude aquém do necessário. Corre-se o risco de o Brasil chegar a 2021 com o passivo fiscal do Covid, em contraste com as mortes e a desestruturação dos setores produtivos, absolutamente evitáveis.
A segunda preocupação com a recuperação econômica errante é a letargia das ações. O governo não só se empenha em insistir em uma agenda que não cabe no contexto, mas também demora em implementá-la. Graças a isto, o mundo começa a se preparar para o relaxamento das medidas de isolamento social e discutir as medidas de estímulo econômico que envolvem equilíbrio macroeconômico, desenvolvimento social e humano, redução das desigualdades e deslocamento da fronteira tecnológica. Enquanto isto, o Brasil segue preso no debate acerca dos retrocessos democráticos recentes e na equalização da questão fiscal não solucionada no quadriênio 2015/19. Causa tristeza a percepção que estamos saindo de uma década perdida e entrando em outra, de forma que o país, que era a 7ª economia mundial, em 2010, ocupa hoje a 9ª posição e talvez não esteja entre as dez nos próximos quatro ou cinco anos.
É preciso sair desta armadilha, e o Brasil superar as polêmicas de natureza política, por cujo conduto sairíamos também das crises sanitária e econômica. A economia apenas recomenda, mas a política executa. Precisamos resolver o curto prazo e, ao mesmo tempo, redescobrir estratégia de longo prazo que permita ao país crescer e distribuir, mitigar pobreza, gerar oportunidades, conviver civilizadamente com o meio ambiente e desenvolver novas tecnologias, competências, oportunidades e elevar a produtividade. Há muito a ser feito, não podemos perder as esperanças.
*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher at University of British Columbia.