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Luiz Werneck Vianna: As nossas duas pragas

Um ano aziago, sem dúvida, esse que começamos a deixar para trás. Então “que se foda 2020”, como se estampa no rótulo do vinho português da Adega Azoeira, aliás bem caro, porque ele superou todas as medidas ao combinar duas pragas pestilenciais, o covid19 e o governo Bolsonaro. Deixa em seus rastros cerca de 190 mil mortos, até aqui, e uma obra de destruição de muitas instituições frutos de conquistas de lutas democráticas e populares em que se acalentavam aspirações por uma sociedade menos injusta e mais igualitária. Desse flagelo, em que ainda se vive, acumulamos perdas, algumas irreparáveis como a de vidas ceifadas, e outras, que mais à frente, podemos com o tempo recuperar.

Contudo, esses têm sido também os tempos de avanços na valorização da ciência, como no empenho na busca de vacinas eficazes que interrompam a propagação incontrolada da atual pandemia, que ora se realiza por meio de uma comunidade científica que atua em caráter cosmopolita, ultrapassando os estreitos limites do Estado-nação. Igualmente viram renascer a agenda dos ideais da solidariedade, e impuseram com vigor os temas ambientais, especialmente entre os jovens.

Sobretudo, 2020 foi o ano da derrota eleitoral de Donald Trump e seu projeto malévolo de imprimir um movimento de marcha à ré nas coisas do mundo a fim de nos devolver por inteiro, em pleno século XXI, o Estado-nação de infausta memória.

A ascensão de Joe Biden ao governo dos EUA, na esteira dos movimentos sociais mobilizados em sua campanha vitoriosa, não deve ser relativizada em sua importância como o fazem certas análises trêfegas, pois trata-se, na verdade, de um acontecimento de repercussão estratégica que afeta para melhor a disposição de processos fundamentais, tais como os do meio ambiente, cujo alvo é o capitalismo vitoriano predatório, e a revalorização dos organismos internacionais, especialmente da ONU. Muito particularmente, e isso é de evidência solar, a nefasta ação da atual política externa brasileira e do seu ministério do Meio Ambiente, a partir de 20 de janeiro, data da posse de Biden, perderão seus pontos de sustentação, o que não é de pouca monta.

Os dois anos restantes do governo Bolsonaro terão como horizonte pautas e agendas estranhas àquelas de sua afeição, uma sobrevivência exótica do trumpismo sem régua e compasso para agir tanto no cenário internacional como no interno. Difícil, nessas condições, conceber a sua reeleição, a que o faro apurado das elites políticas tradicionais não deixará escapar. De qualquer modo, o novo ano não será como aquele que passou, cabendo a ele dar continuidade criativa ao legado que recebeu das lutas de resistência das instituições republicanas, com papel destacado do STF e de suas câmaras de representação política.

As recentes eleições municipais, embora de modo geral tenham confirmado a natureza conservadora da sociedade, viram nascer novas lideranças, vale ressaltar o caso de Guilherme Boulos de óbvia vocação nacional, inclusive muitas delas originárias do mundo popular e de movimentos sociais libertários como o feminista e dos que se empenham na agenda das denúncias contra as desigualdades raciais.

Numa apreciação mais abrangente, fica do ano do qual nos despedimos uma evidente revalorização da política, revigorada pela decisão do STF que interditou, em leitura literal do texto constitucional, a reeleição do comando das casas legislativas na mesma legislatura, animando partidos e parlamentares a ações autônomas quanto ao poder executivo, vindo a estimular, inesperadamente, práticas de negociação política e ações concertadas em frentes multipartidárias em torno de valores comuns.

Vista da perspectiva de hoje, o que se descortina é uma paisagem em mutação quando confrontada com os idos da última sucessão presidencial. Sem triunfalismo, pode-se sustentar que o fascismo, mesmo que tabajara, apesar de sempre latente numa sociedade com a história de formação da nossa, foi um risco exorcizado ao menos imediatamente, e que ora se abre diante de nós uma via franca para a política, à condição de que saibamos nos desatrelar dos erros que nos levaram ao desastre que aí está. Sobretudo se soubermos aproveitar dos bons ventos que nos vêm de fora, e dar sequência às recentes e benfazejas práticas de alguns partidos e várias personalidades políticas em buscar soluções negociadas em favor da democracia.

A tragédia da pandemia que nos assola e ao mundo, como tantos e tão bem têm registrado, induz à mudança que leve a um combate sem tréguas a fim de reduzir, se possível erradicar, os seus efeitos macabros. Uma delas, visível a olho nu, está na destituição do paradigma neoliberal, influente por décadas, como narrativa capaz de explicar e reger a vida social. Na esteira disso, chega igualmente ao fim a primazia do Estado-nação na ordenação da cena internacional, nenhum deles é uma ilha apartada dos demais, o regime dos ventos que vinha de Chernobil conduzia pelas nuvens sua carga tóxica aos distantes países nórdicos. O efeito bumerangue, magistralmente descrito por Ulrich Beck, em Sociologia do Risco, mantém países ricos e pobres atados ao mesmo destino no que se refere aos perigos ambientais.

Entre nós, a luta contra a pandemia transcende as dimensões técnico-científicas em razão, como sabido, das convicções temerárias do chefe do Executivo e do seu obtuso desconhecimento do que lhe diz respeito, incidindo diretamente na agenda política. Seu reino é o do absurdo, e sua contumácia inveterada em alardear despropósitos – a vacina vai fazer com que nos tornemos jacarés – parece estar orientada em conduzir seu rebanho não para a imunidade, mas direto ao precipício. Tal como se dizia, décadas atrás, em muitos dos filmes do nascente cinema novo, é preciso fazer alguma coisa e colocar um ponto final nessa história de horrores.


Como o Brasil pode ter inserção positiva na economia mundial? Bazileu Margarido explica

Em artigo publicado na revista de dezembro da FAP, engenheiro diz que país tem grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O Brasil deveria buscar inserção positiva na economia mundial através da diversificação e agregação de valor à sua pauta de exportações e do investimento em inovação e tecnologia e nas novas oportunidades que estão surgindo na transição para uma economia de baixo carbono”. A análise é do engenheiro de produção e assessor econômico da liderança da Rede no Senado, Bazileu Margarido, ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.

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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com Margarido, há um cardápio extenso de atividades econômicas que deveriam ser incentivadas para a recuperação da economia depois da pandemia da Covid-19.

“O Brasil tem grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia, das fontes distribuídas de energia renovável e limpa, da agricultura de baixo carbono, da exploração sustentável de florestas nacionais, da universalização do saneamento ambiental, entre outras”, assinala. De 2003 a 2007, ele foi chefe de gabinete da então de meio ambiente, Marina Silva, antes de se tornar presidente do Ibama, de 2007 a 2008.

Segundo Margarido, esses investimentos têm capacidade para gerar milhões de empregos verdes e atrair capital externo ávido por um portfólio de atividades sustentáveis. Isso, segundo ele, para satisfazer as exigências de um novo consumidor, mais consciente dos limites das bases naturais que dão sustentação ao desenvolvimento.  

“Insistir na ocupação da Amazônia pela grilagem de terra, por pastos para criação extensiva de gado e pela mineração ilegal só vai nos levar ao atraso e ao isolamento político e econômico”, alerta o engenheiro. Ele também é mestre em economia e, de 2001 a 2002, foi secretário de Fazenda de São Carlos (SP).

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‘Despreparado para o exercício do governo’, diz Alberto Aggio sobre Bolsonaro

Em artigo publicado na revista mensal da FAP, professor da Unesp avalia o que chama de ‘Ano 2’ do presidente

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mostra-se “despreparado para o exercício do governo, sequer consegue ganhar uma posição no contexto dramático de combate à pandemia, empreendendo ‘gestão’ desastrosa que não evitou os mais de 180 mil mortos em menos de 12 meses”. A afirmação é do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de dezembro.

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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Aggio também critica incapacidade do governo diante de “questões mais estruturais como as reformas tributária e administrativa que vão ficando para as calendas”.

“Sem liderança e sem rumo, a filiação de Bolsonaro a algum partido do Centrão tornou-se disputa rasa, quase um leilão, com vistas a um transformismo que garanta ao presidente um ‘novo’ protagonismo em 202’”, diz o professor da Unesp, em outro trecho de sua análise na Política Democrática Online de dezembro. “Num cenário ainda difuso, já se pode divisar, contudo, outros transformismos em projeção, todos visando alcançar o poder nas próximas eleições”, assevera.

Se, no Ano 1, o governo foi uma usina de péssimas ideias, no Ano 2 a imagem é de desolação, de acordo com o artigo do historiador. “2022 já começou e aos brasileiros importa superar a pandemia que nos assola bem como a crise que desorganiza a nação depois da sanha destruidora que se instalou no poder”, afirma Aggio, para acrescentar: “Só assim se poderá conceber em que termos avançaremos para o futuro, depois da breve – assim esperamos – ‘era Bolsonaro’”.

Em seu artigo, o professor da Unesp lembra que, no final do ano passado, publicou um artigo com o título “Bolsonaro, Ano 1”. “Mobilizei, intencionalmente, a demarcação temporal recorrendo àquilo que Benito Mussolini estabeleceu para a Itália quando instituiu o fascismo. Contava-se a sequência dos anos da ‘Era Fascista’, com início em 1922, ano da tomada do poder com a ‘Marcha sobre Roma’. Como todo aspirante a ‘revolucionário’, Mussolini acalentava a ideia de alterar o tempo histórico”, explica.

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RPD || Hussein Kalout: A diplomacia do caos

Política externa sob Bolsonaro se destaca pela irracionalidade, sem responder a interesses concretos do país, se pautando pelo combate frívolo a ameaças imaginárias, além de não refletir interesses ou valores nacionais, avalia Hussein Kalout

Desde a fundação da República, a política exterior do Estado brasileiro tem sido reflexo de consensos nacionais, balizada nos ditames do Direito e executada em conformidade com a dinâmica da ordem internacional. Pela primeira vez em nossa vida republicana, contudo, uma política externa destrutiva e irracional passou a ser implementada por meio de uma antidiplomacia, que, no lugar de buscar soluções, gera conflitos e tensões desnecessários.

Apesar da dissonância de visões ou de ênfases, ao largo dos diferentes governos republicanos, mínimos denominadores comuns uniam aqueles que assumiram a responsabilidade de formular os rumos da política externa nacional. O princípio da não-intervenção, o respeito à soberania do Estados, a defesa da autodeterminação dos povos e o respeito ao Direito Internacional compuseram as linhas mestras do processo decisório de nossa política exterior e guiaram a perseguição do interesse nacional desde pelo menos o Barão do Rio Branco.  

Hoje se assiste a uma ruptura com essa linha de continuidade. Não se trata de uma política externa simplesmente diferente. Trata-se, antes, da irracionalidade erigida como política de governo, uma vez que não responde a interesses concretos do país, mas se pauta pelo combate frívolo a ameaças imaginárias. Ao contrário do que apregoa, não reflete interesses ou valores nacionais, mas generaliza como visão nacional o que não passa de uma linha de pensamento marginal, cujo principal traço distintivo é a crença em teorias conspiratórias.

Essa política levou à destruição da reputação internacional do Brasil por meio da implementação de uma “estratégia” única: contra os perigos ilusórios do globalismo, supostamente refletidos nas instituições multilaterais e na aliança improvável de financistas, progressistas e grande mídia, que seriam os responsáveis últimos pela decadência do Ocidente, só restaria a alternativa da aliança subserviente com o governo Donald Trump. Trata-se de um equívoco monumental que seria risível se não fosse trágico.

Uma relação equilibrada e produtiva com os EUA é desejável e sempre foi o objetivo do Estado brasileiro. Mas o recurso à submissão não coaduna com a vocação de uma nação da envergadura do Brasil. É, na realidade, francamente contrária à vocação universalista da política externa brasileira e sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, em benefício de nossos próprios interesses.

"Não reflete interesses ou valores nacionais, mas generaliza como visão nacional o que não passa de uma linha de pensamento marginal, cujo principal traço distintivo é a crença em teorias conspiratórias"
Hussein Kalout

Essa subserviência está por trás das posições, ações e omissões desastrosas de nossa política externa, em contradição com os dispositivos da Constituição. Alguns dos exemplos vergonhosos são o apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a compra por valor de face da narrativa norte-americana sobre o Oriente Médio.  

O projeto em curso, além de violar flagrantemente a Constituição Federal e seus ditames, impinge ao país custos irreparáveis como o desmoronamento de nossa credibilidade, perdas econômicas e fuga de investimentos.

Na área ambiental, o Brasil que era visto, desde Rio-92, como líder natural no tema do desenvolvimento sustentável, agora é tratado com “pária ambiental”. A medíocre participação na COP-25, em Madri, foi o mais puro retrato da imposição de um auto fracasso diplomático –– e de custos irreparáveis ao nosso país.  

No sistema multilateral, éramos reconhecidos como ícones do respeito a uma ordem internacional baseada em regras, mas hoje somos vistos como um Estado “rejeitado”. Em vez de reformar e fortalecer o multilateralismo, para aprimorar sua capacidade de encontrar soluções comuns para problemas compartilhados, preferimos tecer loas ao unilateralismo, em detrimento de nossos próprios interesses, uma vez que o Brasil, embora seja país grande, conta com o poder suave da persuasão e não com o poder duro da força para influenciar processos decisórios internacionais.

Na América do Sul, de indutores do processo de integração, passamos a apoiar aventuras intervencionistas e antidemocráticas. A relação entre Brasil e Argentina levou duas décadas para que as mútuas desconfianças fossem eliminadas, e a relação, estabilizada. Graças a uma diplomacia presidencial consciente de sua responsabilidade histórica, José Sarney e Raul Alfonsín, ainda nos anos 1980, puseram fim às fricções entre os dois países. A rivalidade deu ligar à cooperação. Como resultado, nasceu o Mercosul. Contudo, a abordagem ideológica e a tensão desnecessária com Buenos Aires podem arruinar as conquistas de uma diplomacia construtiva entre os dois países.

Prevalece, atualmente, o ceticismo em relação à integração regional, além do desprezo a qualquer iniciativa que não seja empreendida por governos afins ideologicamente. Com isso, o Brasil cede terreno a potências extrarregionais e abre mão da capacidade de defender seus interesses, como demonstra a retirada de todo o pessoal diplomático e consular brasileiro da Venezuela, um verdadeiro tiro no pé motivado pelo sectarismo.  

Na Europa ocidental, o Brasil perdeu seu peso gravitacional. Qual é o ganho em confrontar parceiros estratégicos e tradicionais como França e Alemanha? O acordo Mercosul-União Europeia e o projeto de ingresso na OCDE dependem, em boa medida, de amplo consenso entre os países europeus. A antidiplomacia atual somente afasta o país de seus objetivos estratégicos, ao hostilizar países essenciais para a própria implementação da agenda econômica do atual governo.

O papelão de nossa diplomacia diante da maior crise mundial de saúde é estarrecedor. A ausência de liderança, o desrespeito à ciência e às instituições de pesquisa científica e a desnecessária agressividade contra o nosso maior parceiro comercial que é a China, revelam o nível de degradação institucional. Atacar os chineses em um momento em que a nossa economia precisa preservar o escoamento de sua produção e garantir acesso a produto hospitalares é um crime lesa-pátria. O atrito com Pequim somente irá gerar desinvestimentos, declínio da produtividade e aprofundar o fosso do desemprego. É difícil encontrar uma justificava racional mínima para explicar tamanho despautério.  

A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e necessária. Não há mais tempo a perder. O resgate dos princípios constitucionais das relações internacionais do Brasil não requer a reinvenção da roda, apenas o retorno à racionalidade e à nossa tradição diplomática, para que deixemos de lado a subserviência e a importação de conflitos que não nos pertencem. E para que o foco volte a ser no que interessa: a segurança, o bem-estar e a prosperidade do Brasil.

Sem os ingredientes do realismo e do pragmatismo não será possível construir qualquer projeto de política externa minimante defensável. Sem abandonar a ideologia, as fantasias e as alegorias fantasmagóricas que atualmente animam nossa “política externa” de corte fundamentalista, não será possível voltar a enxergar a realidade tal como ela é e não através de lentes psicodélicas. É preciso trabalhar para restaurar o corolário doutrinário da política externa. Devemos trazer a política externa ao seu leito tradicional, de Rio Branco a San Tiago Dantas, cujos elementos centrais foram consagrados pela Constituição Federal.  

Homens públicos de diferentes estirpes e crenças legaram ao país, por gerações e gerações, resultados tangíveis e amparados na melhor feição do patriotismo e da decência republicana. Para implementar uma política externa da destruição, ao arrepio dos princípios constitucionais, é preciso que se instale a amnésia diplomática, é imperativo que se desaprenda a fazer diplomacia, entendida como um método racional, implementada com base em memória histórica e institucional, enriquecida por uma tradição consolidada de maneira laboriosa por um corpo diplomático profissional.

Enfim, o que está sendo legado ao Brasil, desde o início da administração Bolsonaro, é a promoção de rupturas paradigmáticas nos cânones da política externa e, consequentemente, a tentativa de fundar um novo corolário doutrinário para expressar o interesse nacional sob o falso trinômio de liberdade, democracia e nacionalismo. Tudo para combater, em suma, o que se erigiu, fantasmagoricamente, de males que ameaçam o Brasil: comunismo, globalismo e autoritarismo. Essa diplomacia do caos e seus tentáculos obscurantistas cedo ou tarde têm encontro marcado com história.  

(*) Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard.  Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018).  


RPD || Henrique Brandão: Nelson Rodrigues - O mundo pelo buraco da fechadura

Jornalista, contista, romancista e considerado por muitos críticos como o maior dramaturgo brasileiro do século XX, Nelson Rodrigues continua um verdadeiro gigante 40 anos após a sua morte

Há quarenta anos, em dezembro de 1980, morria Nelson Rodrigues. Os jovens talvez não se deem conta da dimensão de seu talento. Foi um gigante.  

Nelson atuou em várias frentes. Sua obra teatral é monumental: deixou 17 peças, algumas delas marco do teatro brasileiro, como Vestido de Noiva, de 1943. É considerado por muitos críticos o maior dramaturgo brasileiro do século XX.  

Autointitulava-se um eterno menino. A abordagem que fazia das relações humanas passava pelo filtro do garoto que observa o mundo de um lugar especial. “Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”.

Antes de mais nada, Nelson Rodrigues era um jornalista. Tudo o que produziu teve no jornalismo sua gênese, até mesmo as peças teatrais. Passou a vida nas redações. O pai, Mario, foi dono de A Manhã – onde Nelson começou a carreira, aos 13 anos – e depois, de A Crítica. Daí não parou mais. Trabalhou em vários veículos da imprensa carioca. Entre os anos de 1950/60, chegou a escrever três colunas diárias em diferentes jornais.  

“Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”
Nelson Rodrigues

Rui Castro, autor de biografia considerada definitiva (Anjo Pornográfico – A vida de Nelson Rodrigues), estima que, em 55 anos de jornalismo, “é provável que nenhum outro escritor brasileiro tenha produzido tanto”. Os números são eloquentes: além das 17 peças, reencenadas várias vezes, escreveu um romance (O Casamento) e oito folhetins, alguns assinados com pseudônimo (Suzana Flag e Myrna), bem como milhares de crônicas, reunidas em diversos livros – tudo produzido nas redações de jornais.  

As adaptações cinematográficas das peças atraiu cineastas de diversos perfis: Leon Hirszman (A Falecida, 1965); Arnaldo Jabor (Toda Nudez Será Castigada, 1973 e O Casamento, 1975); Neville de Almeida (A Dama do Lotação, 1978 e Os Sete Gatinhos, 1980); Bruno Barreto (O Beijo no Asfalto, 1980), entre outros. A mais recente estreou há pouco no circuito cinematográfico, em plena pandemia: uma adaptação de Boca de Ouro, dirigida por Daniel Filho.

Até quem não gosta de futebol se delicia com suas crônicas esportivas. Antológicas, não perderam a atualidade. E por que não, passado tanto tempo? Porque Nelson Rodrigues não se referia a minúcias dos jogos. Ele captava a essência da partida em momentos mágicos, o embate futebolístico como espetáculo único, com seus personagens próprios – um acontecimento que se renovava a cada disputa, mesmo que elas se repetissem todas as tardes de domingo no Estádio Mario Filho (gostava de citar o nome do irmão, falecido antes dele e que dá nome ao Maracanã, por quem Nelson tinha adoração). Inventou, por exemplo, o Sobrenatural de Almeida, “entidade” capaz de modificar bruscamente alguma situação durante uma partida de futebol. Adorava o Fla x Flu: com suas crônicas, ajudou a criar a mística em torno deste clássico do futebol carioca.

Antes do golpe de 1964, Nelson não metia a colher na política. A partir de 1968, contudo, começou a implicar com quem fazia oposição aos militares. Revelou-se anticomunista ferrenho, apesar de ter convivido com jornalistas de credo diferente, como Antônio Callado, a quem chamava de “doce radical”. Dom Helder Câmara e Alceu Amoroso Lima, da linha progressista da Igreja Católica, foram alguns de seus alvos preferidos. Outros, os jovens religiosos católicos que, em trajes civis, participavam das passeatas em oposição à ditadura, rotulados de “padres de passeata” e “freiras de minissaia”. Chamado de reacionário, aceitou a pecha de bom grado, pois adorava uma polêmica. O Reacionário (1977), aliás, é o título de um de seus livros de crônicas. Nos últimos anos de vida, acabou revendo posições e passou a defender a anistia, após a prisão e a tortura do filho Nelsinho pelos militares.  

Suas peças são um primor de denúncia da hipocrisia reinante. Imoral, sem vergonha, tarado, lascivo, pornográfico, são epítetos com os quais, a cada estreia de uma peça, Nelson Rodrigues foi brindado pelos setores defensores da “moral e dos bons costumes” da sociedade carioca – provavelmente proferidos por uma “grã-fina de narinas de cadáver”, uma das criações geniais do cronista implacável.  

Além de dramaturgo, jornalista, contista, romancista e cronista, Nelson Rodrigues era um frasista de mão cheia. Talvez o maior da língua portuguesa. Suas tiradas caíram no gosto do povo. Continuam atualíssimas, sínteses do que há de melhor e pior na alma humana.

Uma breve amostra de suas frases, retiradas do livro organizado por Rui Castro: Flor de Obessão – As 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues.

“Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”

“Toda a unanimidade é burra”  

“Invejo a burrice, porque eterna”  

“No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte”

“A única nudez realmente comprometedora é a da mulher sem quadris”

“Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível”

“O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca”

“Todo tímido é candidato a um crime sexual”

“Sem sorte não se chupa nem um chicabon”

“A pior forma de solidão é a companhia de um paulista”

“O FlaxFlu começou 40 minutos antes do nada. E, então, as multidões despertaram”

“No Maracanã, vaia-se até um minuto de silêncio”

“O videoteipe é burro”

“Brasília é outro país, quase outro idioma”

“Não há, no mundo, elites mais alienadas do que as nossas”

“De pé, ó vítimas da fome. Mas aprendi que a fome não deixa ninguém de pé, nunca”

“A fome é o mais antigo dos hábitos humanos”


RPD || Dora Kaufman: Transformação digital acelerada é desafio crucial

Qualificação e requalificação dos profissionais em razão do avanço acelerado das tecnologias são necessárias para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade    

A crise socioeconômica provocada pela Covid-19 tornou visível a premência da sociedade em enfrentar desafios cruciais. As mudanças na prática de negócios, provavelmente, consolidarão formas totalmente novas de trabalhar. As primeiras evidências sugerem que os empregadores devem acelerar a automação, ampliando a possibilidade de uma “recuperação sem empregos”. Além do deslocamento do mercado de trabalho, em paralelo emerge uma inédita forma de relacionamento ‘homem-máquina’ que demanda novas habilidades dos profissionais.  

Documentos de políticas públicas de distintos países contemplam o desenvolvimento de habilidades como estratégico. O profissional do futuro irá lidar com questões complexas e multidisciplinares que requerem, além de conhecimentos técnicos, habilidades de lógica, análise crítica, empatia, comunicação e design. É um equívoco, amplamente difundido, considerar a automação ameaça apenas aos trabalhadores com baixa qualificação, que tendem a desempenhar tarefas rotineiras e repetitivas. Na verdade, o avanço acelerado das tecnologias – particularmente os algoritmos preditivos de inteligência artificial – substituirá igualmente as funções cognitivas. A qualificação e requalificação dos profissionais é crítica para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade.  

Relatório do Fórum Econômico Mundial (“Relatório”), publicado em 21 outubro 2020, analisa o cenário atual do trabalho impactado por “dupla interrupção”: a pandemia causada pela Covid-19 e o avanço da automação. Seu pressuposto é que o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades e capacidades humanas por meio da educação e aprendizagem são os principais motores do sucesso econômico, do bem-estar individual e da coesão social. A escassez de habilidades e de competências compromete a capacidade das empresas de aproveitar o potencial de crescimento proporcionado pelas novas tecnologias.  

“No Brasil, carecemos de política pública e de ecossistemas favoráveis. Uma das consequências é a alta taxa de desemprego com número crescente de vagas em aberto por falta de profissionais qualificados”
dora kaufman

Principais conclusões do Relatório: a) o ritmo de adoção das tecnologias deve se acelerar em algumas áreas; b) a adoção de novas tecnologias pelas empresas transformará tarefas, empregos e habilidades até 2025, e 43% das empresas pesquisadas indicam redução da força de trabalho devido à integração de tecnologias; c) as lacunas de competências continuam a ser altas: em 2025, 44% das habilidades que os funcionários precisarão para desempenhar suas funções com eficácia serão alteradas; d) mais de um quarto dos empregadores espera reduzir temporariamente sua força de trabalho, e um em cada cinco espera fazê-lo permanentemente; e) na próxima década, uma parcela não desprezível dos empregos recém-criados será em ocupações totalmente novas, ou ocupações existentes com conteúdos e requisitos de competências transformados; e (f) na ausência de esforços proativos, a desigualdade provavelmente será exacerbada. O setor público precisa fornecer apoio mais forte para a qualificação e a requalificação de trabalhadores em risco ou deslocados.  

A atuação do Fórum é respaldada localmente pelas políticas públicas dos países. Nos EUA, por exemplo, o governo convocou o setor privado a se comprometer com a qualificação/requalificação de sua força de trabalho por meio do Pledge to America’s Workers: mais de 415 empresas do setor privado já se comprometeram com 14,5 milhões de oportunidades de aprimoramento de carreira nos próximos cinco anos. No final de 2019, a França criou uma conta de competências individuais com uma aplicação móvel dedicada à formação profissional e aprendizagem ao longo da vida. Sob a “moncompteformation.gouv.fr”, 28 milhões de trabalhadores elegíveis em tempo integral e parcial receberão € 500 anualmente diretamente em sua conta para gastar em qualificação e aprendizagem contínua, com trabalhadores pouco qualificados e aqueles com necessidades especiais recebendo até € 800 anualmente. Cingapura, recentemente, complementou sua pioneira Iniciativa do Futuro de Competências com a implantação do Pacote de Suporte de Treinamento Aprimorado (ETSP), para apoiar trabalhadores e organizações em investimentos sustentáveis em requalificação e qualificação durante a Covid-19.  

No Brasil, carecemos de política pública e de ecossistemas favoráveis. Uma das consequências disso é a convivência de alta taxa de desemprego com número crescente de vagas em aberto por falta de profissionais qualificados. Algo precisa ser feito, e com urgência.

*Doutora em Mídias Digitais pela USP, pós-doutora pela COPPE-UFRJ e pesquisadora dos impactos sociais de Inteligência Artificial em seu pós-doutorado no Centro de Tecnologias da da Inteligência e Design Digital (TID D|PUC-SP), sob supervisão de Lucia Santaella, e participa do grupo de IA do Instituto de Estudos Avançados e do Centro de Pesquisa Atopos, ambos da USP.


RPD || Ciro Gondim Leichsenring: Adivinhando o futuro

Adequado planejamento amostral das pesquisas eleitorais é requisito para a exatidão do levantamento de dados, permitindo uma fiel correspondência com o resultado das urnas, avalia Ciro Leichsenring

Pesquisas eleitorais em qualquer lugar sempre abrem espaço a dúvidas e suspeitas de direcionamento de resultados. Diante disso, é importante dar uma dimensão mais real das dificuldades envolvidas em sua realização e situar os contextos dentro dos quais as pesquisas de intenção de voto se situam.

Fundada em 1890 em Nova York, a revista Literary Digest, voltada para a publicação de artigos de opinião, tornou-se um fenômeno editorial atingindo um público de milhões de leitores. Em 1916, ano de eleição presidencial, decidiu fazer uma consulta a seus assinantes, encartando na revista, que era semanal e distribuída pelo correio, uma cédula eleitoral em que constavam os nomes dos candidatos ao cargo de presidente dos Estados Unidos. Solicitava aos leitores que indicassem o candidato de sua preferência e remetessem a cédula para o escritório da revista. Com base nessa simulação, previu a vitória do então candidato democrata Woodrow Wilson. Repetiu o procedimento nas eleições seguintes, acertando todos os resultados até 1932. Em 1936, no entanto, com uma base de 10 milhões de eleitores identificados em listas telefônicas e compradores de automóveis, obteve o retorno de 2,4 milhões de cédulas, que indicavam o então candidato republicano Alfred “Alf” Landon como o virtual vencedor da disputa com 57% das preferências, contra 43% de Franklin Delano Roosevelt, que concorria à reeleição.  

“Pesquisas de intenção de voto são eventos estáticos dentro de um processo dinâmico que é a consolidação da decisão de voto pelo eleitor”
Ciro Gondim Leichsenring

Enquanto isso, George Gallup, que havia criado a Gallup Organization em 1935, realizava estudo nacional, com amostra planejada a partir de critérios estatísticos, em que entrevistava 50 mil eleitores, abrangendo todo o eleitorado americano. Os resultados obtidos apontavam a vitória de Roosevelt com um placar de 56% a 44%. Dias depois, as urnas registraram a vitória de Roosevelt, reeleito com 61% dos votos populares.

A margem de erro estipulada para uma amostra probabilística de 50 mil casos, com nível de confiança de 95%, é de apenas + ou - 0,44%. Tendo esses parâmetros como referência, cabe perguntar: Gallup acertou ou errou em sua previsão?  

Pesquisas de intenção de voto são eventos estáticos dentro de um processo dinâmico que é a consolidação da decisão de voto pelo eleitor. A decisão é um caminho que se revela por aproximações sucessivas. No início das campanhas eleitorais, as possibilidades de escolha apenas se insinuam para o eleitor típico, com baixo nível de engajamento político. À medida que a campanha evolui, o eleitor gradualmente vai ajustando suas escolhas com as informações recebidas, até chegar à decisão final, que pode até mesmo ser a de não votar, anular o voto ou votar em branco.

Uma série de variáveis condiciona este processo, entre os quais podemos destacar os seguintes pontos. Os índices de abstenção são bastante relevantes, pois favorecem algumas candidaturas e prejudicam outras, a depender do perfil sociodemográfico e geográfico dos votantes. Em 2020, o índice de abstenção no segundo turno das eleições municipais brasileiras atingiu 29,5% dos eleitores inscritos.

Acidentes de percurso na campanha, como fake news, denúncias de malfeitos ou comportamentos inadequados, atentados ou acidentes geram mudanças de atitudes. Estrutura partidária e recursos financeiros são elementos importantes nas campanhas, pois impactam na exposição das candidaturas e programas de governo.

A divulgação de resultados das pesquisas eleitorais, em si, tem significativa relevância na intenção de voto, uma vez que a posição dos candidatos no ranking de preferências do eleitorado produz efeitos, positivos e negativos, na arrecadação de recursos, na mobilização partidária, na formalização de alianças. Lembremo-nos do voto útil.

Cada um desses elementos, isoladamente ou em articulação com os demais, influencia a escolha do eleitor, contribuindo para a sua decisão final.

Nesse contexto, as pesquisas estão sempre correndo contra o tempo em relação ao movimento do eleitorado, pois, de um dia para o outro, tudo pode mudar sem que as pesquisas, defasadas temporalmente, possam captar o sentido da mudança. No entanto, como o episódio Gallup revelou, o adequado planejamento amostral é um requisito decisivo para a exatidão do levantamento de dados, criando condições para uma fiel correspondência com o resultado das urnas. Dados de 30 pesquisas, concluídas em média dois dias antes da última eleição, divulgados no site Poder 360 (Ibope, 26 e Datafolha, 4) revelam que apenas 15 tiveram acertos dentro da margem de erro. Nenhum resultado coincidiu exatamente com os números das urnas. No entanto, em 26 casos, o nome do vencedor foi apontado corretamente e, em 3, apontaram empate, registrando-se apenas um erro na indicação do vencedor.

Em pesquisas desse tipo, apontar a tendência correta é fundamental. 

(*) Psicólogo, atuou por mais de 40 anos com pesquisas de mercado e opinião e foi presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisas de Mercado e vice-presidente executivo da mesma instituição. Em 1974, começou sua militância no então PCB, que evoluiu para PPS e, posteriormente, Cidadania.


Cristovam Buarque: Desculpas pelo atraso

Não teremos futuro sem escola com máxima e igual qualidade para todos

No dia seguinte ao pleito de 15 de novembro, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, pediu desculpas pelo atraso de algumas horas na divulgação dos resultados eleitorais. Surpreende que ninguém antes tenha pedido desculpas pelo atraso educacional de cem anos. Nem temos a quem responsabilizar: não há TSE da educação nacional.

Presidentes e ministros cuidam de universidades e escolas técnicas, enquanto a educação de base é responsabilidade de quase 6 mil prefeitos e alguns governadores. A população com renda não culpa o governo, porque utiliza escolas particulares; os pobres acostumaram-se a ver a escola como restaurante para os filhos receberem merenda. O eleitor não dá à educação a mesma atenção que ao resultado rápido da eleição.

Todos os presidentes e políticos, desde 1889, especialmente depois de 1985, devem pedir desculpas pelo atraso e pela desigualdade educacional no Brasil.

Fui ministro por 12 meses e devo pedir desculpas por não ter construído força política para me manter no cargo pelo tempo necessário para implementar as ferramentas que defendo, e iniciei, como a Escola Ideal, embrião de um sistema nacional de educação de base. Como governador, implantei a Bolsa Escola e diversos programas na educação de base no Distrito Federal. Como senador, criei duas dezenas de leis, como a do Piso Salarial Nacional dos Professores, a obrigatoriedade de vaga desde os 4 até os 17 anos de idade. Mas nada disso mudou a realidade. Como candidato a presidente só consegui 2,5% dos votos.

Reitero as desculpas por não ter convencido a opinião pública de que educação é o vetor do progresso e a estratégia para isso passa pela nacionalização do sistema municipal. A educação não será de máxima qualidade, nem será igual nas 200 mil escolas do Brasil, enquanto a responsabilidade pela educação das crianças brasileiras não for do governo federal.

Para isso cinco passos são necessários: 1) transformação do MEC em ministério com a responsabilidade exclusiva de cuidar da educação de base; 2) criação de uma carreira nacional do magistério, todos os professores com muito boa formação, avaliados permanentemente, com dedicação exclusiva e, para isso, muito bem remunerados; 3) prédios escolares com a máxima qualidade e instalações culturais e esportivas; 4) escolas com os mais modernos equipamentos da pedagogia, que permitam saltar das tradicionais aulas teatrais para as aulas cinematográficas com recursos da teleinformática, adotando métodos que desenvolvam a criatividade; 5) todas as escolas em horário integral.

Raríssimas cidades são capazes de financiar a execução dessa estratégia. Ela requer processo de nacionalização da educação de base ao longo de alguns anos, com adesão voluntária de cidades que queiram substituir seus frágeis sistemas educacionais por um robusto sistema nacional.

O custo para ter essa “escola ideal” é de R$ 15 mil/ano por aluno. Valor que permitiria financiar todos os gastos e investimentos e pagar salário de R$ 15 mil ao professor por mês, em salas com 30 alunos. Esse salário faria do magistério uma profissão atraente, permitindo que o selecionado aceitasse ir para a cidade que lhe fosse determinada, com dedicação exclusiva à sua escola e submetido a avaliações periódicas. Num ritmo de 300 cidades por ano, o novo sistema chegaria a todo Brasil em 20 anos. Se o PIB crescesse a um ritmo médio de 2% ao ano, o sistema nacional custaria cerca de 7% do PIB, para atender 50 milhões de alunos.

Considerando que o número de alunos deverá ser menor e que as novas técnicas permitirão diminuir o custo por aluno, a dificuldade dessa estratégia é política: convencer os ricos de que a escola com qualidade apenas para seus filhos amarra o progresso do País e limita o bem-estar e o futuro de todos; e os pobres, de que seus filhos têm direito a uma escola que ofereça muito mais do que merenda e seja tão boa quanto as melhores do país. Convencer também os políticos de que terão de enfrentar eleitores mais conscientes; e mostrar aos sindicatos que os interesses dos professores devem ser associados aos interesses das crianças, da educação e do futuro do país.

Não será fácil atrair a população para a ideia de que as escolas brasileiras poderão ser tão boas quanto as de países com educação de qualidade. E que crianças pobres devem ter escolas com a mesma qualidade das dos ricos.

No final do século 19 tivemos dificuldade para convencer que era possível o Brasil ser um país industrial e para isso era preciso abolir a escravidão. Agora o desafio é convencer que sem escola com a máxima qualidade para todos não completaremos a Abolição, nem avançaremos para o progresso com eficiência econômica, justiça social e sustentabilidade ecológica no mundo global da civilização que caracteriza o século 21. Antes não tínhamos futuro com a escravidão, agora não teremos futuro sem escola com máxima e igual qualidade para todos. E que nenhum cérebro seja deixado para trás. Enquanto isso não for feito, precisamos pedir desculpas pelo atraso a que condenamos o Brasil.

*Professor Emérito da Universidade de Brasília


Rogério Baptistini Mendes explica o que ‘desgraçou sistema político’ no Brasil

Pesquisador da Unesp aponta relação de retrocessos com bolsonarismo no país, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de outubro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O sociólogo Rogério Baptistini Mendes afirma que a radicalidade da concepção de autoridade que empresta sentido ao bolsonarismo está em harmonia com a visão de mundo de certas elites, organizadas politicamente e ocupadas em difundir versão grotesca e ultrapassada de liberalismo econômico. “No universo do mercado livre, sem qualquer regulação, coordenação e planejamento, a anarquia e o caos social surgem e reclamam soluções de força”, afirma, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de outubro.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. “A ausência de solidarismo e o individualismo exacerbado conduzem à desordem, somente atenuada pela obediência ao soberano, homem da família, cuja moralidade é agir contra tudo e todos, para proteger os seus, os escolhidos, na jornada até a suposta terra prometida”, analisa Mendes. Ele também é pesquisador do LabPol (Laboratório de Política e Governo) da Unesp (Universidade Estadual Paulista),

De acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online de outubro, uma série de equívocos levou a sociedade até este momento. “A pressuposição de que a justiça se confunde com a democracia, por exemplo, desgraçou o sistema político, a atividade política e, no limite, a cultura pública essencial à construção republicana”, afirma.

O caráter normativo do conceito de justiça, segundo o pesquisador, dificulta verificações empíricas sobre o que seria uma situação justa, em contraste com o governo democrático que evidencia o que descreve. “Na luta contra a corrupção, a conexão entre Direito e Política foi subvertida ao ponto de o Direito se confundir com a força coativa do Estado, e a práxis política ser amesquinhada por certa racionalidade econômica para a qual o não-Estado é o objetivo”, explica o sociólogo.

Segundo o autor do artigo, num cenário atomizado, sem lugar próprio e seguro, os grupos primários, nos quais vige o contato íntimo e direto entre os membros, substituem a integração na comunidade política e levam à construção de uma identidade distorcida, apoiada no ódio contra o diferente e em contínuo transe. “Tudo a ameaça, tudo a aflige”, destaca. “Não há destino comum; apenas inimigos a derrotar. A violência substitui o diálogo, a própria atividade parlamentar perde o sentido, transformando o que deveria ser a ágora moderna numa verdadeira arena, ocupada por tipos aberrantes e incapazes”, continua.

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‘Pandemia mostra que cidades não são mundos encapsulados’, diz Alberto Aggio

Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, professor da Unesp aponta ‘saldo positivo a esperar dos brasileiros’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio afirma que “a pandemia do coronavírus demonstrou, de forma cabal, que as cidades não são mundos encapsulados, que vivem para si mesmas”. Em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de outubro, ele observou que, nos momentos mais agudos, elas se “fecharam” e restringiram o movimento dos seus cidadãos, mas, conforme acrescenta, se mantiveram conectadas com o que de mais importante se fazia ao redor do mundo no enfrentamento da pandemia.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. Em seu artigo, Aggio observa que as orientações dos especialistas não responderam de imediato às expectativas de contenção do vírus e, com o decorrer dos meses, foram alteradas, embora mantidas como as referências mais seguras para enfrentar a emergência sanitária que se apresentava.

“Elas [orientações] eram insuficientes diante da complexa realidade que se instalava”, analisa o historiador. “Sabia-se do alcance, dos benefícios e dos limites do isolamento social confrontado com a realidade social e econômica. Se é verdade que a fala dos especialistas não poderia ser tomada de maneira absoluta, era rematada tolice vocalizar que a pandemia estava sendo politizada. Em suma, não havia sentido em pensar que as decisões quanto à pandemia estivessem fora da dimensão política”, emenda.

O professor da Unesp diz que, como nem governadores nem prefeitos e muito menos os cidadãos poderiam ficar à mercê de orientações conflitantes, o resultado foi a desorientação da população, com mais de 150 mil mortos no Brasil em pouco mais de seis meses. “No essencial, em relação à pandemia, Bolsonaro entregou uma política truculenta e beligerante, eivada de incompreensão e de ausência de solidariedade, além da absoluta falta de empatia com aqueles que perderam pessoas queridas”, critica.

Na avaliação de Aggio, “se há algum saldo positivo a esperar é que os brasileiros, nas próximas eleições e nas vindouras, exerçam suas escolhas estabelecendo claramente a diferenciação entre lideranças e dirigentes políticos que se comprometeram em superar a crise e aqueles que se aproveitaram dela visando apenas seus interesses pessoais”.

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O que caracteriza a mentalidade bolsonarista? João Cezar de Castro Rocha responde

Em artigo publicado na revista mensal da FAP, professor da Uerj cita narrativa conspiratória do Orvil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação FAP

A mentalidade bolsonarista é caracterizada, por meio da guerra cultural, a ponta de lança de um projeto autoritário, com base no resgate insensato da Doutrina de Segurança Nacional, no alinhamento cego à matriz narrativa conspiratória do Orvil e na adesão náufraga ao sistema de crenças Olavo de Carvalho. A análise é do professor Titular de Literatura Comparada da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ensaísta João Cezar de Castro Rocha, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de setembro.

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A publicação mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza, gratuitamente, todos os conteúdos em seu site para os internautas. Rocha observa que a ascensão da direita é anterior à emergência do bolsonarismo, o que, segundo ele, favoreceu sua possibilidade de êxito.

“Em boa parte dos estudos acerca do fenômeno, o efeito é tomado como causa. O bolsonarismo não possibilitou o triunfo eleitoral da direita, mas, pelo contrário, a ascensão paulatina da direita, articulada desde meados da década de 1980, preparou a vitória do Messias Bolsonaro no segundo turno em 2018”, analisa o professor da Uerj.

O ensaísta lembra que as manifestações de rua da direita explodiram em março de 2016, depois de se iniciarem em março de 2015, e ampliadas em abril, agosto e dezembro do mesmo ano. Os atos, de acordo com o analista, revelaram ao país uma organização sólida de grupos conservadores, com destaque para movimentos articulados nas redes sociais, que, com grande desenvoltura, tomaram os céus de assalto, não para defender a revolução, porém, todo o oposto, para derrubar o único partido de esquerda que chegou à presidência do Brasil.

Rocha explica que O Orvil é o modelo narrativo adotado pelo bolsonarismo. “Trata-se de documento-chave que oferece o relato de uma permanente ‘ameaça comunista’, fortalecendo o discurso da atual extrema-direita no Brasil, pois se trata do livro de cabeceira da família Bolsonaro”, afirma o professor da Uerj.

O livro, conforme observa o autor do artigo, foi preparado pelo Exército entre 1986 e 1989, cujo objetivo era denunciar a “ameaça comunista”. “A ascensão da direita, um movimento de duas décadas, explodiu em 2015 e 2016, porém sua intensidade foi preparada lentamente por meio da criação de uma linguagem própria, saturada de clichês anticomunistas com ressonâncias anacrônicas da Guerra Fria, ademais do recurso a uma moldura narrativa com base nas tentativas de tomada do poder por parte da esquerda brasileira, “naturalmente” em acordo com o movimento comunista internacional, numa vasta trama de proporções apocalípticas.

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Sergio Denicoli explica como agem ‘robôs militantes’ e aponta final ‘infeliz’

Pós-doutor em comunicação publicou análise na revista Política Democrática Online de setembro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A guerra de narrativa na internet abre um grande campo de atuação para “robôs militantes”, principalmente, no período das eleições. “São eles os novos cabos eleitorais. E nós, eleitores, amamos os robôs, porque eles defendem nossos desejos, mas que os fatos insistem em atrapalhar”, analisa o pós-doutor em comunicação e diretor da AP Exata – Inteligência Digital, Sergio Denicoli, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de setembro.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília, e todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, o especialista destaca como as narrativas ganham cada vez mais destaque e poder, principalmente, com a estratégica de mimética, reforço das repetições, provocados pelo conhecidos memes. T

“Há uma pandemia? Basta os robôs dizerem que não é verdade a gravidade da situação, e está decretado o fim da quarentena. A Amazônia está em chamas? Chamem os robôs e os orientem a dizer que isso é uma mentira baseada em um complô internacional, para nos roubar a floresta. Cientistas têm provas? Os robôs não acreditam nelas, porque tudo pode ser contestado com os mais básicos e convincentes argumentos”, exemplifica

Ele pondera que essa história de amor com os robôs pode levar, certamente, a um final “infeliz”. “Enquanto estivermos encantados pelos robôs, estaremos cegos de paixão. E, como Aristóteles mesmo nos disse, ‘a lei é a razão livre da paixão’. Ou seja, ainda estamos muito longe de voltarmos a avistar a firme terra do racional”, afirma. “Mas, quando a paixão acabar, sobrarão os corações despedaçados, ávidos pela verdade, que irá florescer em meio à terra arrasada, onde um dia os sofistas imperaram”, continua.

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