arthur lira
Merval Pereira: A síndrome de Bolsonaro
A sucessão na Câmara dos Deputados está virando uma briga pessoal entre o deputado Rodrigo Maia e o presidente Bolsonaro, que não quer que Maia continue tendo influência política decisória. Atribui a Maia o fato de ter-se tornado uma espécie de refém dos deputados. Colocando um deputado do Centrão na presidência, com o apoio ao deputado Arthur Lyra, o presidente continuará refém, mas desta vez de um sequestrador escolhido por ele. Uma espécie de síndrome de Estocolmo antecipada.
Rodrigo Maia faz uma jogada inteligente, diz que o presidente quer colocar alguém de sua confiança na presidência da Casa para aprovar as pautas regressivas de costumes e meio ambiente. Pela economia, que é o principal no momento, não haveria problema de um deputado do grupo de Maia ser eleito, pois eles comungam das mesmas teses liberais que teoricamente levaram o ministro Paulo Guedes para o ministério da Economia.
É a maneira que ele tem de estabelecer a divisão entre os que vão apoiar o governo, e os que querem uma Câmara independente. Vale até mesmo para o PT, que está namorando Artur Lyra, candidato oficial do Planalto, pela promessa de acabar com a Ficha Limpa, o que agrada não só ao PT, mas também ao Centrão e a muita gente que está sendo investigada e pode ser condenada, e até ao próprio Bolsonaro, por causa dos filhos.
O PT alega que ter um lugar na Mesa Diretora é importante para guardar um posto institucional para o partido, mas isso Maia daria também. O compromisso contra a Lei da Ficha Limpa também não seria impossível de Maia aceitar, talvez não com tanto despudor. Para Lula, esse é um ponto fundamental na sua estratégia para chegar a disputar a presidência da República em 2022, e Maia e o DEM têm já lado nessa disputa, que pode ser o apresentador Luciano Huck, o governador de São Paulo João Dória, ou o ex-governador Ciro Gomes.
O PDT, por sinal, deve fechar com o grupo de Maia, assim como o PC do B. O PSB vai no mesmo caminho do PT, apoiar o candidato do Palácio do Planalto. Mas garante que continuará na oposição, como se houvesse lógica política nessa explicação estapafúrdia. Um governo que começou com o ex-juiz Sergio Moro no ministério da Justiça, como sinal de que apoiava o combate à corrupção, conforme defendeu na campanha que o levou ao Palácio do Planalto, no meio do mandato já aparelhou a Polícia Federal e outros órgãos de controle e investigação, tem um Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que estrangula as forças-tarefas de Curitiba e Rio de Janeiro com mudanças burocráticas que praticamente inviabiliza as investigações, e tem como promessa de seu candidato à presidência da Câmara acabar com a lei da Ficha Limpa. Terá nessa tarefa ajuda até mesmo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Um deles, Gilmar Mendes, já disse que a lei parece ter sido redigida por um bêbado.
Os dois grupos já lançados à campanha pela presidência da Câmara dos Deputados têm mais ou menos a mesma correlação de forças, com cerca de 160 deputados cada um, e a oposição, como era esperado, fica como fiel da balança. Maia tem mais apoios na esquerda, como no PC do B e no PDT.
O PSL, que tem a maior bancada na Câmara ainda em decorrência da eleição de Bolsonaro em 2018, está no grupo de Maia, mas rachado. Há muitos deputados que ainda querem apoiar Bolsonaro e, por conseguinte, votarão em Arthur Lyra. Podemos chegar à situação de o candidato do Planalto ser apoiado pelo PT e pelo PSB, que continuarão dizendo que não fazem parte da base bolsonarista, mas darão ao presidente uma de suas maiores vitórias políticas.
Só não será completa essa vitória porque vencer com o Centrão não é garantia de imunidade. Com a mesma ligeireza com que o grupo político aderiu a mais um governo, também o dispensará caso a economia nos leve a uma crise incontornável.
Com medo de que Rodrigo Maia pudesse retirar da gaveta um dos muito atos pedindo seu impeachment, Bolsonaro pode ter a desdita de ser impedido por uma ação do mesmo Arthur Lyra que está ajudando a chegar à presidência da Câmara. A política brasileira só tem a lógica do interesse pessoal, e não da política programática.
Bernardo Mello Franco: O candidato de Bolsonaro
O candidato de Jair Bolsonaro largou na frente na corrida pela presidência da Câmara. Líder do PP, Arthur Lira se lançou com o apoio do governo e de mais oito partidos. O grupo reúne um número sugestivo de deputados: 171.
Lira tem muito em comum com a família Bolsonaro. Segundo a Procuradoria-Geral da República, ele comandou um esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa de Alagoas. As investigações apontaram o desvio de R$ 500 mil por mês para o bolso do parlamentar.
O caso veio à tona na semana passada em reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”. Numa curiosa coincidência, o juiz Carlos Henrique Pita Duarte absolveu o deputado no mesmo dia em que a notícia foi publicada. O Ministério Público classificou a decisão como um “grave erro judicial” e anunciou que vai recorrer. Lira se diz inocente.
O aliado do Planalto ainda é réu em duas ações no Supremo. Numa delas, é acusado de receber propina para influir na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Na outra, é apontado como integrante de uma quadrilha que saqueava dinheiro da Petrobras.
Com esse currículo, o parlamentar se cacifou para chefiar o centrão. O grupo foi organizado pelo ex-deputado Eduardo Cunha para arrancar cargos e verbas do governo Dilma Rousseff. Depois rompeu com a petista, apoiou o impeachment e ascendeu ao centro do poder com Michel Temer.
Lira e Bolsonaro viraram amigos de infância em abril, quando o líder do PP começava a articular sua candidatura ao comando da Câmara. A aliança foi selada com um vídeo em que o deputado descreve os filhos como “grandes fãs” do presidente. Agora o governo promete milhões de incentivos para quem votar nele.
Antes de subir a rampa, o capitão não ostentava muito apreço pelo centrão. Na campanha de 2018, ele definiu o grupo como “a nata do que há de pior no Brasil”. O general Augusto Heleno classificou a turma como a “materialização da impunidade”. “Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”, cantarolou, na convenção do PSL. No samba original, gravado por Bezerra da Silva, o termo “centrão” dá lugar a “ladrão”.
O Estado de S. Paulo: Ramos articula apoio a Lira e oferece emendas
Ministro recebe deputados em gabinete e acena a siglas da oposição, como PSB e PDT, por votos no candidato do Planalto à presidência da Câmara que se opõe a Maia
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - É no gabinete do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, no 4.º andar do Palácio do Planalto, que deputados têm participado de reuniões para ouvir os argumentos do governo em defesa da eleição do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) para a presidência da Câmara. De lá, saem com promessas de emendas parlamentares, algumas além daquelas a que já têm direito, e de cargos a preencher em seus redutos eleitorais.
O Estadão apurou que ao PDT, por exemplo, teria sido oferecido um “extra” de R$ 5 milhões em emendas para cada deputado, que poderá indicar como o dinheiro será aplicado em seu reduto eleitoral. Além disso, um grupo do PSB foi chamado na quarta-feira, 9, à sala do general Ramos. O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) participou do encontro. À tarde, foi um dos que puxaram o pedido de apoio a Lira na reunião interna do partido, que tem 31 deputados.
O Palácio do Planalto entrou em campo para angariar apoio à candidatura de Lira. A articulação política do presidente Jair Bolsonaro avança sobre partidos da oposição, numa tentativa de enfraquecer as conversas do grupo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que está disposto a apoiar a candidatura do deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB).
Na segunda-feira, Bolsonaro recebeu Lira e o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas, para uma conversa reservada, no Planalto. O encontro não constava da agenda oficial. Dois dias depois, a candidatura de Lira, chefe do Centrão, foi oficializada.
Ramos, por sua vez, passou a receber deputados de esquerda e a discutir o pagamento de emendas. Os 133 votos de partidos da oposição são o fiel da balança na eleição para a Câmara, marcada para 1.º de fevereiro de 2021. Os gabinetes da equipe de Ramos e do próprio ministro foram abertos a nomes do PSB e do PDT, em conversas que tratavam da destinação de recursos.
Circula entre integrantes da cúpula da Câmara a informação de que a oferta vai além da liberação de emendas individuais impositivas, que costumam ser reservadas em maior volume no fim do ano. O Planalto teria também acenado com recursos do orçamento de ministérios, que passariam a ser aplicados por indicação de deputados. Trata-se das chamadas “emendas extraorçamentárias”. O valor, para cada parlamentar, seria de R$ 5 milhões. O governo e os parlamentares negam.
Felipe Carreras confirmou que esteve anteontem no Planalto. Disse que foi tratar de “assuntos do interesse de seu Estado”, mas, questionado duas vezes com que se encontrou, se recusou a dizer. Carreras confirmou ter a intenção de apoiar Lira, mas negou que tenha tratado do assunto em sua visita. “Estive tratando de assunto de interesse do governo”, disse.
A deputada Lisiane Bayer (PSB-RS) também confirmou que esteve no fim da tarde de anteontem no Planalto, acompanhada de Carreras. Ao Estadão, disse que se encontrou “por acaso” com Ramos. “Não falamos sobre emendas. Nós nos cumprimentamos e só”, afirmou, ressalvando que aguarda a decisão do partido sobre quem apoia na disputa.
O presidente do PDT, Carlos Lupi, disse desconhecer qualquer negociação com o governo. “Não tenho conhecimento disso e também não concordo em apoiar candidatos do Planalto”, afirmou.
Bolsonaro foi eleito com discurso radical contra a troca de benesses. Desde quarta-feira, um grupo de ex-aliados fez circular nas redes sociais um vídeo de campanha em que o então deputado prometia combater o fisiologismo. “O nosso maior problema é o político. São as indicações políticas. É o ‘toma lá dá cá’ e as consequências desse tipo de fazer política são a ineficiência do Estado e a corrupção. Tem que jogar pesado nessa questão, valorizar a sua Polícia Federal, valorizar o seu Ministério Público, os homens que realmente vão atrás desses que teimam em roubar a Nação”, dizia Bolsonaro.
Nos bastidores do Planalto, a atuação de Ramos em prol de Lira é vista também como uma estratégia do general para se manter na articulação política do governo. O ministro está cotado para assumir a Secretaria-Geral da Presidência, no lugar de Jorge Oliveira, que deixará o Executivo no próximo dia 31 para assumir uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU). Embora seja homem da confiança de Bolsonaro, Ramos enfrenta desgaste no governo.
Na quarta, Marcelo Álvaro Antônio foi demitido do Ministério do Turismo após dizer em um grupo de WhatsApp de ministros que Ramos havia oferecido o seu cargo ao Centrão para influenciar na eleição da Câmara. Em sua defesa, o general costuma dizer que apenas cumpre ordens do presidente, servindo de escudo para ele.
Desde a última semana, passaram pela Secretaria de Governo Felipe Rigoni (ES), Felipe Carreras e Ricardo Silva, todos do PSB. Além deles, estiveram lá cinco nomes do PDT – Alex Santana (BA), Gil Cutrim (MA), Flávio Nogueira (PI), Mauro Benevides Filho (CE) e Eduardo Bismarck (CE) – este último, inclusive, acompanhado de um assessor especialista em Orçamento. As conversas constam na agenda de Ramos.
Bismarck disse que foi conversar sobre o Orçamento e recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, mas negou que tenha tratado de eleição. Santana observou que esteve no Planalto para discutir emendas individuais impositivas. “Se eu tivesse que falar sobre eleição na Câmara, a conversa não era com Jonathas (Jônathas Castro, secretário executivo do ministro), mas com o ministro Ramos.”
Lira declarou que tem mantido diálogos de campanha. “Como candidato, tenho a obrigação de conversar com todos os líderes e partidos. Não há qualquer tratativa em relação a indicação de cargos”, afirmou.
Ministério afirma que cumpre ‘papel institucional’
Em nota, a Secretaria de Governo (Segov), comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, afirmou que é “missão institucional e legal” do ministério receber parlamentares e realizar a interlocução do Palácio do Planalto com o Congresso.
“Isso ocorre ao longo de todo ano, com os parlamentares sendo recebidos na Segov, especialmente nos dias em que têm agenda em Brasília”, diz trecho da nota. “A retomada mais intensa das votações no Congresso e a maior presença dos parlamentares em Brasília, com maior frequência após eleições municipais, faz com que seja necessário a Segov exercer seu papel institucional de receber parlamentares e servir como elo com os demais ministérios, bem como dialogar e informar a posição do governo quanto as pautas em discussão no Congresso.”
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Ricardo Noblat: A rendição de Bolsonaro ao sistema que prometera desmontar
Uma vez Centrão, sempre Centrão
Jair Bolsonaro chegou à presidência da República com uma ideia fixa, por sinal a única que lhe sopraram sem maiores detalhes e ele gostou logo de saída: quebrar o maldito sistema.
Não sabia bem o que era o sistema, mas de tanto ouvir falar dos seus males e da sua força intuiu que essa poderia ser uma bandeira atraente para despertar esperança.
Afinal, não tinha projeto para o país porque sempre fora incapaz de conceber um ou de sequer preocupar-se com isso. E a facada acabou salvando-o do risco de revelar-se um candidato vazio.
Em sua primeira visita aos Estados Unidos, limitou-se a repetir vagamente que destruiria o sistema para só mais tarde construir outro. Foi ouvido pelos americanos como um líder pitoresco.
Bem que ele tentou derrubar o sistema, se entender-se assim a fase em que provocou uma crise atrás da outra e ameaçou o Congresso e a Justiça com manifestações de rua antidemocráticas.
Recuou com medo de ter o mandato cassado e os filhos presos por corrupção. Desde então se rendeu ao sistema que pretendia demolir e se empenha em extrair o maior proveito dele.
A mais recente prova disso foi a demissão do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, um dos homens que o carregaram ensanguentado nos braços depois da facada redentora.
Marcelo não foi despachado porque havia sido denunciado por corrupção nas eleições de 2018. Nem porque chamou de “traíra” o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo.
O general é um pau mandado de Bolsonaro e está acostumado a ser desacatado por colegas. Ricardo Salles, do Meio Ambiente, já o chamou de Maria Fofoca e nada lhe aconteceu.
O de Bolsonaro não é um governo, mas um serpentário onde quase todos se golpeiam o tempo inteiro na tentativa desesperada de acumular mais poder e de agradar mais ao chefe.
Salles agradou Bolsonaro ao desqualificar o general que já teve na marca do pênalti várias vezes. Marcelo não o agradou por ter dito que o general negociava seu cargo com o Centrão.
Haverá algo que se identifique mais com o sistema, alvo pretérito de Bolsonaro, do que o Centrão? O cargo de Marcelo caberá ao Centrão na reforma ministerial prevista para janeiro próximo.
Bolsonaro, hoje, depende do Centrão para eleger o deputado Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara daqui a dois meses. E do Centrão depende para se reeleger em 2022.
Para quem acenara com a recriação da política, decorrência natural do baque a ser imposto ao sistema, o Centrão é tudo o que existe de velho, podre e corrompido desde que surgiu em 1988.
Nada de estranho para Bolsonaro. Ele já se filiou a cerca de 10 partidos nos seus quase 30 anos como deputado federal. E todos eles faziam parte do Centrão que agora se robustece.
Nem se poderá dizer que o filho pródigo retornou à casa porque Bolsonaro de fato jamais a abandonou.
Ascânio Seleme: E agora, Rodrigo?
O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado
Não se pode negar que o deputado Rodrigo Maia teve momentos importantes e positivos no exercício da presidência da Câmara. Foi mérito quase exclusivo seu a reforma da Previdência, no segundo semestre do ano passado, quando chamou para si, tocou e fez aprovar o projeto, enquanto o governo fazia corpo mole. É verdade também que, durante todo o mandato, trabalhou incansavelmente pela sua reeleição. Fez os entendimentos possíveis e engoliu todos os sapos para ficar sempre pronto para ser reconduzido ao cargo, embora soubesse ser inconstitucional. O mais grave foi ter se sentado em cima de pelo menos 30 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.
O deputado sabe, como você e eu, que Bolsonaro cometeu uns dez crimes de responsabilidade nestes primeiros dois anos de mandato. Um deles poderia ser catalogado como hediondo, por atuar de maneira temerária em relação ao coronavírus. Crime em que agora está reincidindo com o retardamento do início da vacinação contra a Covid-19 por imprudência, inação e birra política. Também atentou contra a democracia ao dar apoio a manifestações públicas que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, inclusive em frente ao principal quartel do Exército. Numa delas, havia cartazes pedindo a prisão de Rodrigo Maia. E o que fez Rodrigo Maia? Nada.
Cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dar início a um processo de impeachment. Embora ninguém pudesse exigir que desse andamento ao pedido de afastamento do presidente, o deputado ignorou sua atribuição constitucional. De maneira informal, repetiu a quem quisesse ouvir que não encaminharia o processo porque não daria em nada, já que não seriam alcançados os votos necessários para afastar Bolsonaro. Ora, deputado, convenhamos. Então, dane-se a Constituição? O presidente comete inúmeros crimes, e não se abre um processo porque faltam votos para ao final puni-lo?
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Estados Unidos, abriu um processo de impeachment contra Donald Trump, mesmo tendo absoluta certeza de que ele não seria aprovado no Senado americano, que tinha maioria republicana. Corajosa, resoluta e politicamente responsável, cumpriu seu dever constitucional dando encaminhamento ao impeachment, que de fato acabou sendo barrado. Rodrigo Maia, não. Tratou de se preservar, talvez imaginando que, ao poupar Bolsonaro, não teria sua oposição quando chegasse a hora da eleição da Mesa da Câmara. Nancy Pelosi não perdeu um grama sequer de seu prestígio. Rodrigo Maia perdeu. Muito.
O deputado passou dois anos tratando de ficar bem com todos, inclusive com o Planalto. Embora vez por outra demonstrasse irritação com os arroubos do presidente e dos seus três zeros, jamais se distanciou de Bolsonaro. Só percebeu que estava tratando com um inimigo perigoso agora, quando o PTB bolsonarista arguiu a constitucionalidade da sua reeleição. Rodrigo ainda acreditou que o tribunal haveria de ver nele uma barreira contra a escalada autoritária de Bolsonaro, autorizando sua recondução. Não viu. E por que veria, se ele nada fez quando efetivamente pôde impedir o presidente?
Bolsonaro livrou-se de Rodrigo Maia. Descartou-o como se descarta uma garrafa vazia. O presidente queria e precisava livrar-se dele porque também só pensa na sua própria reeleição. O deputado seria uma sombra incômoda. Melhor ter um aliado incondicional no cargo, mesmo que seja um corrupto notório. Bolsonaro, que trabalha a favor de um segundo mandato desde que assumiu o governo, poderia ter sido afastado do primeiro, não fosse a inércia de Rodrigo Maia. O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado.
Rodrigo agora desce para a planície, volta ao chão do plenário que não pisa há cinco anos. Será, mesmo assim, um deputado influente, líder de um partido que se reinventou e que fez uma boa eleição municipal. Mas, no futuro, ainda terá de lidar com uma tarefa complicada, de explicar para a história por que não cumpriu a missão que a ele estava reservada.
Luiz Carlos Azedo: Tudo ou nada na Câmara
Arthur Lira tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 deputados, para atropelar Maia, que ainda não tem candidato à própria sucessão
Troca de farpas pelas redes sociais e depois, um bate-boca na antessala do presidente Jair Bolsonaro, derrubaram antes da hora o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e podem resultar também no deslocamento do general Luiz Ramos, que sai desgastado do episódio, da Secretaria de Governo, ou seja, do cargo de articulador político do governo. A trombada entre ambos foi um efeito colateral das articulações de Ramos para fortalecer a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) a presidente da Câmara, da qual também faz parte a reforma ministerial em discussão no Palácio do Planalto. Marcelo Álvaro Antônio é ligado aos filhos de Bolsonaro, que vivem às turras com os militares do governo.
Ramos teria colocado o Ministério do Turismo na mesa de negociações com o Centrão, convidando para o cargo o deputado Roberto Lucena (Podemos-SP). O ministro ficou sabendo e partiu pra cima do general, acabou demitido por Bolsonaro. O presidente da Embratur, Gilson Machado, assumiu interinamente a pasta. Agora, cogita-se que Ramos vá para Secretaria-Geral da Presidência, entregando a Secretaria de Governo para o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PP),um dissidente do PP e aliado de Rodrigo Maia, que passaria a ser o novo articulador político do governo. Bolsonaro está indo para uma espécie de tudo ou nada no Congresso, que pretende controlar. Contava com a reeleição de Alcolumbre, mas o veto do Supremo Tribunal Federal (STF) à recondução atrapalhou seus planos; em contrapartida, a candidatura de Arthur Lira na Câmara está de vento em popa.
Não foi à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM—RJ), que ainda não tem candidato à própria sucessão, acusou Bolsonaro de estar “desesperado” para controlar o Congresso. A pauta da Câmara é o ponto de partida para a agenda de Bolsonaro, cujo eixo é o desmonte da legislação relativa aos direitos humanos e ao meio-ambiente, e dos instrumentos de controle institucional da sociedade sobre o Executivo. Para levar adiante muitas de suas propostas, o presidente da República precisa do apoio do presidente da Câmara. Quando Maia diz que o Palácio do Planalto está jogando pesado, isso significa que não está economizando cargos e verbas para obter apoio parlamentar, o tradicional toma lá dá cá.
Rolo compressor
Arthur Lira anunciou sua candidatura ontem com apoio dos 135 deputados do Centrão — PL (41)), PP (40), PSD (33), Solidariedade (13) e Avante (8). De imediato, recebeu apoio do PL (41), do PTB (11), do PROS (10), do PSC (9) e do Patriota (6), ou seja, teoricamente, de mais 77 deputados. Tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 deputados, aproveitando o fato de que a liderança de Maia se enfraquece, porque ainda não tem um candidato que atraia os votos da oposição e seu mandato está terminando. A expectativa de poder que Lira oferece não é a ocupação de espaços na própria Câmara, moeda de troca com a qual Maia não conta mais, são os cargos e verbas do governo federal, com os quais o presidente da Câmara aí é que não conta mesmo.
Para um presidente da República que chegou ao poder com uma narrativa antissistêmicas, que renegava o jogo parlamentar e o chamado presidencialismo de coalizão, a mudança de rumo só tem uma explicação: o fracasso na implementação da agenda de governo. As reformas de Bolsonaro não foram adiante , com exceção da previdenciária, que já estava com meio caminho andado no governo de seu antecessor, Michel Temer. Ontem, Maia chegou a ironizar o atraso na aprovação da PEC Emergencial, cuja tramitação o governo resolveu iniciar pelo Senado. Disse que vai encomendar um bolo para comemorar um ano de atraso da proposta do governo, que está parada até hoje.
Não se sabe ainda o custo das articulações para garantir a vitória de Lira, as negociações para isso são feitas no âmbito da pequena política, com todos os riscos que isso oferece do ponto de vista republicano. Na grande política, o governo Bolsonaro perdeu completamente o rumo, ninguém sabe em que direção pretende ir. A base que montou no Congresso tem um viés conservador nos costumes e populista na economia, o que vai complicar o enfrentamento da crise.
A propósito, ontem, o Banco Central (BC) manteve a taxa Selic em 2%, apesar da alta da inflação, interrompendo as especulações do mercado. Atribuiu a alta de preços ao impacto do dólar nas exportações e avaliou que a situação é sazonal, ou seja, os preços vão cair. No mercado, porém, as maiores preocupações são com a dívida pública, que chegará a R$ 1 trilhão, e com a segunda onda da pandemia, cujo impacto nas atividades econômicas vai depender da efetividade da campanha de vacinação contra o novo coronavírus.
Folha de S. Paulo: Bolsonaro barra liberação de emendas e condiciona dinheiro a voto em Lira
Presidente do PTB nega negociação, mas reconhece apoio ao deputado do PP a pedido do Planalto
Julia Chaib, Gustavo Uribe e Thiago Resende, Folha de S. Paulo
Além de avaliar uma reforma ministerial para atrair votos à candidatura de Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara dos Deputados, o Palácio do Planalto tem associado a liberação de recursos de emendas parlamentares ao apoio para o candidato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
De acordo com relatos de líderes partidários e deputados governistas, integrantes de partidos do centrão foram orientados a buscar Lira para definir a liberação de verbas acertadas na aprovação do PLN 30, projeto de lei que abriu crédito suplementar de quase R$ 6,1 bilhões a oito ministérios.
A postura causou irritação em deputados de siglas de centro —entre elas PTB e PROS— que não são alinhadas diretamente ao governo federal e para quem a medida representa uma intimidação a fim de angariar votos para Lira.
A briga pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara está cada vez mais acirrada, com os pré-candidatos lutando por votos de cada partido, especialmente da oposição. A eleição será em fevereiro.
A candidatura de Lira será lançada oficialmente nesta quarta-feira (9), em um evento no qual o deputado deverá anunciar os partidos que estão com ele até aqui.
Do outro lado, o grupo que orbita Maia também pretende formalizar nesta quarta-feira (9) o bloco de siglas que vão encampar uma candidatura do grupo, cujo nome ainda não foi definido.
O PTB, presidido pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, fazia parte do bloco liderado por Lira, mas deixou o grupo em outubro para formar outro, junto com PSL e PROS.
Embora Jefferson seja próximo de Bolsonaro, o fato de o PTB ter deixado o conjunto de siglas aliadas ao deputado do PP colocou em xeque o voto da sigla no líder do centrão.
Isso porque o PSL, que articulou a criação do novo bloco, tem um candidato próprio, Luciano Bivar (PE), e negocia a entrada no grupo de legendas ligadas a Maia. Essa indefinição fez o PTB, que tem 10 deputados, ser disputado pelos pré-candidatos.
Apesar de pessoas próximas de Maia afirmarem que o bloco do qual faz parte o partido de Jefferson vai se aliar ao atual presidente da Câmara, o dirigente partidário diz que já fechou apoio a Lira.
Procurado pela Folha, Jefferson negou ter recebido como condição do Planalto para a liberação de emendas o voto no deputado do PP, mas afirmou que apoiará Lira a pedido do governo.
"Nós, o PTB, vamos apoiar o Lira a pedido do governo. Não existe negociação de emendas para votar no Lira. Isso seria chantagem", afirmou. Em caráter reservado, integrantes do PROS também negaram.
Desde o ano passado, durante tramitação da reforma da Previdência, o governo tem combinado com parlamentares a liberação de recursos ou a possibilidade de alocação de verbas em troca da aprovação de certas medidas.
No caso do PLN 30, o acerto é para que os parlamentares possam combinar com as prefeituras a destinação do dinheiro e apadrinhá-lo. Ao menos quatro projetos que abrem crédito extra foram aprovados desde ano passado.
Durante a negociação desde último, que abriu crédito para os ministérios do Desenvolvimento Regional, da Infraestrutura e da Saúde, por exemplo, ficou acertado que cada bancada teria um valor e distribuiria entre seus parlamentares.
Houve partidos que acertaram com o governo carimbar o destino de cerca R$ 200 milhões, por exemplo.
Caberia a cada líder, porém, decidir qual deputado teria direito à verba e quanto. Por isso, parlamentares se irritaram com a condição estabelecida de conversar com Lira. Embora o PL, por exemplo, seja da base do governo, há defecções no partido de nomes que não apoiam Bolsonaro, assim como também há no PP.
Lira, considerado o principal adversário do grupo de Maia, conta com o apoio de cerca de 160 deputados. Formam o grupo parlamentares de partidos como PL, Solidariedade, Avante, PSD, Patriota, PSC e agora o PTB.
Do outro lado, estão postas as pré-candidaturas de Baleia Rossi (MDB-SP), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Elmar Nascimento (DEM-BA).
Esse grupo quer anunciar um novo bloco voltado para a disputa do ano que vem com Cidadania, PSL, DEM, MDB, e PV. Juntos, eles somam 130 parlamentares, pois a parte do PSL mais ligada a Bolsonaro está alinhada a Lira, enquanto outra ala da sigla tenta viabilizar o nome de Bivar.
A briga ganhou novos contornos no final de semana depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) barrar a possibilidade de reeleição da atual cúpula do Congresso. O governo está empenhado pela eleição de Lira e, caso o parlamentar não se viabilize, aliados de Bolsonaro defendem um plano B para desmobilizar o grupo de Maia.
O tamanho do empenho do governo dependerá de quem será o adversário de Lira, afirmam auxiliares de Bolsonaro. Por ora, o deputado do PP tem um grande trunfo, que é poder influenciar na liberação e destinação de verbas dos pares no Congresso.
Uma segunda etapa estudada por Bolsonaro para emplacar o aliado na disputa é abrir cargos até no primeiro escalão. Aliados de Lira, inclusive, já tem ofertado cargos em troca de apoios.
Inicialmente, o presidente cogitava fazer uma troca de cadeiras após a eleição na Câmara, como forma de acomodar o grupo que sair vencedor da disputa. Irritado com as cobranças por espaço, porém, considera realizá-la agora em janeiro, podendo fazer nova mudança após a eleição.
Como mostrou a Folha no último domingo (6), as trocas devem envolver inclusive pastas da chamada "cozinha" do Palácio do Planalto, ou seja, que despacham na sede administrativa do Executivo. Uma mudança avaliada como bastante provável, por exemplo, é no comando da Secretaria de Governo.
Para contemplar o PP, partido ao qual já havia prometido um posto ministerial, Bolsonaro considera nomear para a pasta responsável pela articulação política o atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PR).
Com a mudança, o general Luiz Eduardo Ramos, que hoje comanda a Secretaria de Governo, seria deslocado para a Secretaria Geral, que ficará vaga com a saída de Jorge Oliveira para assumir o cargo de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).
Além dessa troca, Bolsonaro considera alterar os comandos do Turismo e da Cidadania, como a Folha mostrou em outubro. Ele tem demonstrado insatisfação com os desempenhos dos ministros Marcelo Álvaro Antônio e Onyx Lorenzoni.
Em fevereiro, o novo comando do Senado também será definido, e Bolsonaro tenta emplacar um aliado. Além de definir os projetos que vão a votação, dentre outras funções, os presidentes da Câmara e do Senado estão na linha sucessória da Presidência da República, logo após o vice-presidente.
Vera Magalhães: Antes de 22 vem 21
Sucessão no Congresso é lance vital para a eleição presidencial
Não adianta nada nomes como Luiz Henrique Mandetta queimarem a largada especulando sobre candidatura presidencial a essa altura do campeonato. Não bastasse haver um vírus à solta que terá matado 100 mil brasileiros até o início de agosto, ceifado milhões de empregos, virado o programa econômico de Paulo Guedes de cabeça para baixo e transformado as eleições municipais em nota de rodapé, isso para ficar só nos efeitos domésticos, outros acontecimentos em Brasília são pressupostos fundamentais para posicionar os corredores na linha de largada.
Eles começam agora, nesse segundo semestre que inicia oficialmente em agosto. Não à toa Rodrigo Maia saiu do silêncio que vinha mantendo para comandar uma dissidência no “blocão” de partidos da Câmara que deu suporte à sua presidência nesses quatro anos. Maia sabe que é vital não apenas para sua sobrevivência como líder político relevante, mas para a construção de qualquer projeto de centro dissociado do bolsonarismo e minimamente competitivo, manter o comando da Câmara no último biênio do governo.
Não que o Congresso tenha sido o protagonista nos atos de contenção a Bolsonaro nesse 2020 em que o presidente resolveu rasgar a fantasia. Esse papel, como se sabe, tem sido exercido pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas é ali, na Câmara, que pode nascer um dos temores maiores da existência do presidente, maior que acabar a cloroquina no meio da noite: a abertura de um processo de impeachment, algo que Maia evitou alimentar nesses dois anos de convivência tensa, mas que é um trunfo à mão de qualquer presidente da Casa, a depender do impulso das ruas, de um motivo jurídico e de combustível dos setores econômicos.
Por ora nenhum desses fundamentos está dado. A pandemia tira a possibilidade de grandes manifestações de rua, Bolsonaro se segura ali no limiar dos 30% de aprovação, com um público que está trocando de pele da elite agora horrorizada com seus descalabros para as classes D e E conquistadas à base de auxílio emergencial. E o ainda bagunçado apoio do que restou do Centrão ao presidente pode lhe dar os votos necessários para evitar ter o mesmo destino de Dilma Rousseff.
Mas não é esse o único poder que emana dos comandantes da Câmara e do Senado. Bolsonaro não teve êxito até aqui em avançar com sua pauta reacionária no Legislativo. O que conseguiu para “escancarar a questão das armas”, por exemplo, fez via decreto. Alguns foram, inclusive, derrubados pelos parlamentares. A tentativa de aprovar pautas obscurantistas como a tal Escola sem Partido nunca foi adiante, e os vetos do presidente a projetos aprovados ou alterados pelos deputados e senadores podem ser derrubados a qualquer momento.
Sem o controle da pauta dificilmente o presidente terá mais sorte nos dois últimos anos de seu mandato. Isso além dos obstáculos institucionais que enfrentará em outras searas, como o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral.
Por tudo isso, para chegar competitivo a 2022 Bolsonaro tem de sobreviver não só ao 2020 do vírus e do desastre econômico como a dois últimos anos com atores no comando que ainda não estão em cena. Dois deles são escolhas de deputados e senadores, mas outros dependem da caneta do próprio Bolsonaro, que vai indicar, entre outros postos, um ministro do STF, Corte hoje hostil a ele e unida como poucas vezes, em novembro.
Ignorar essas variáveis e como a economia vai se comportar só fará com que eventuais postulantes à Presidência se exponham ao sol sem protetor. Mandetta não é o único a se arriscar a uma queimadura. Deveriam ficar mais embaixo do guarda-sol organizando os exércitos, como Maia está fazendo, e procurar algum grau mínimo de coesão.
Rosângela Bittar: O errado perfeito
A grande aliança que solucionaria os problemas de Bolsonaro voou pelos ares
O DEM e o MDB eram a alma dupla do Centrão. Davam consistência, história, peso político, acesso ao empresariado e à sociedade, ao paquiderme dominante do espaço parlamentar, agora imbuído de uma nova missão, a de salvar Jair Bolsonaro. No entanto, estavam em baixa. Ao declararem independência do governo e se retirarem do bloco, na última segunda-feira, os dois partidos viraram o jogo e passaram a liderar novamente o processo.
Golpearam, ao mesmo tempo, o projeto do presidente Jair Bolsonaro de usar o grupo como principal braço da sua articulação política no Congresso. E derrubaram o arranjo do escolhido para representar o governo nas negociações, o líder Arthur Lira, que esperava ser premiado com a sucessão à presidência da Câmara, sem esforço.
Sucessão esta que também ficou incerta porque volta a colocar na disputa, com presença notável, o candidato que o presidente da Câmara vier a escolher para suceder-lhe. Não se sabe quem, nem quando será. Por experiência da sua própria eleição, Rodrigo Maia não tem pressa. Quando recebeu o apoio do DEM, seu próprio partido, já era véspera da disputa, e, quando o aliado PSDB se manifestou, já era a manhã do dia D.
Ao se enfraquecer com a saída dos dois principais partidos, o Centrão enfraquece o governo, que nunca acertou na articulação política. O presidente demorou a se decidir pela aliança e, quando o fez, depositou suas esperanças de sustentação em um homem só. A busca de atalhos, na negociação política, nem sempre dá certo.
Sua estratégia ficou clara: queria ganhar, sim, mas não bastava. Maia precisava perder. Uma rusga que atravessou o ano e ancorou na pandemia.
Errou também o presidente por desconhecimento das regras da articulação, dos princípios e dos ritos na relação entre os Poderes e entre estes e as unidades da Federação.
Numa conferência recente sobre a intrincada conjuntura política do País o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo fez uma paródia do jargão para cunhar outra expressão que define este tipo de confluência de desastres em uma mesma situação: “o errado perfeito”. Do manual do erro, Bolsonaro não deixou nada de fora, cumpriu todos. Tanto que, com um piparote, a grande aliança que solucionaria seus problemas voou pelos ares.
A primeira lição que o presidente deveria aprender com o revés é que a articulação política exige ciência, por mais que a palavra atinja seus brios. Não se coordena a relação do Poder Executivo com o Poder Legislativo apenas com um general afável, competente relações públicas, e alguns líderes neófitos e inexperientes membros do baixo clero parlamentar.
Os exemplos de fracassos e sucessos de governos anteriores ensinam também a quem quer aprender. Não é necessário ao governo ter um Luiz Carlos Santos que, segundo a lenda, dava nó em fumaça. Muitos depois dele, e sem a sua experiência e habilidade, saíram-se bem.
Uma segunda lição é que para se ter uma boa articulação política é preciso ter, primeiro, uma política. Representada em um projeto de governo a que se possa aderir, em torno do qual estabelecer negociação e dividir tarefas de execução. Sem isto não dá para fazer nada, a não ser acertos aleatórios e pontuais, geralmente descumpridos de parte a parte.
O articulador precisa contar com a total confiança do presidente e inspirar confiança e respeito dos seus interlocutores. Voz de comando não funciona: articulação política não é uma guerra nem uma campanha eleitoral. Ah, importante: tem de reconhecer a importância e respeitar a oposição.
Em um governo forte, com base no Congresso, plano de trabalho, unidade dos ministros, a articulação flui. Mas se é um governo desorientado, como o de Jair Bolsonaro, com um presidente que não tem autoridade além da conferida pelo cargo, assiste-se a uma derrota atrás da outra.
Ricardo Noblat: O congestionamento de candidatos do centro poderá marcar a eleição
A esquerda agradece. Bolsonaro se preocupa
No primeiro momento, a saída do DEM e do MDB do conglomerado de partidos conhecido pela alcunha de Centrão tem a ver com a eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro do próximo ano.
Indica que DEM e MDB pretendem formar um bloco junto com o PSDB e partidos de oposição ao governo para eleger o sucessor de Rodrigo Maia. Ou reeleger Maia, caso se aprove uma emenda à Constituição para tornar possível o que hoje não é.
O Centrão aliou-se ao governo atraído pela oferta de cargos, liberação de dinheiros e outras sinecuras que o presidente Jair Bolsonaro dizia antes abominar. Conversa para enganar eleitor. Bolsonaro já foi filiado a quase todos os partidos do Centrão.
Está interessado, agora, em valer-se dos votos do Centrão para barrar a abertura de um processo de impeachment contra ele, aprovar projetos do governo e pôr no lugar de Maia um presidente da Câmara mais confiável. Foi aí que o bicho pegou.
Num segundo momento, o racha do Centrão tem a ver com a sucessão do próprio Bolsonaro. É remota a possibilidade do DEM e do MDB apoiarem a reeleição do presidente. É mais do que provável que se unam ao PSDB para bancar outro nome.
O governador João Doria (PSDB), de São Paulo, quer ser esse nome. O combate à pandemia do coronavírus ofereceu-lhe a oportunidade de se apresentar como um candidato de centro-direita capaz de enfrentar Bolsonaro daqui a dois anos.
A eleição presidencial de 2022 poderá assistir a um congestionamento de candidatos do centro – Doria, Sergio Moro, Ciro Gomes que parece caminhar nessa direção, e quem mais aparecer. O PT agradece desde já. Bolsonaro se preocupa.
Quanto aos partidos do Centrão de raiz, para esses tanto faz como tanto fez. O imediato é o que importa. De resto, são sensíveis à direção dos ventos. Sabem tirar vantagem de tudo. E, ao fim e ao cabo, sempre estarão com o governo, qualquer um.
A boiada de Ricardo Salles passou sobre a política ambiental
Bolsonaro deu ouvidos ao ministro
Resta comprovado que o presidente Jair Bolsonaro seguiu o conselho de Ricardo Salles, seu ministro do Meio Ambiente, e aproveitou os meses iniciais da pandemia do coronavírus para reforçar os maus tratos à natureza, marca do seu governo até aqui.
Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, entre março e maio deste ano, o governo publicou 195 atos no Diário Oficial, todos ligados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16.
Na reunião ministerial de 22 de abril último, Salles sugeriu a Bolsonaro que aproveitasse o momento em que a imprensa estava ocupada com a pandemia para “passar a boiada”, mudando “todo o regramento e simplificando normas” na área do meio ambiente.
E foi isso o que Bolsonaro autorizou que se fizesse como aponta a análise inicial das principais portarias, instruções normativas, decretos e outras normas baixadas ou alteradas. O processo de desmonte das políticas ambientais ganhou celeridade.
A instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, criou uma brecha para facilitar a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.
A portaria 432/2020 permitiu ao ICMBio centralizar a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de mais duas bases avançadas. Ali, há registros recentes de invasão de garimpeiros e de aumento da derrubada de árvores.
Os defensores do meio ambiente estão furiosos com o que aconteceu. E com razão.
Vinicius Torres Freire: Começa a eleição da governança do país
Disputa pelo comando da Câmara move partidos e deve redefinir 'parlamentarismo branco'
O que existe de governança do Brasil é uma resultante do desgoverno de Jair Bolsonaro, de um anteparo na Câmara e de surtidas do Supremo contra desbordamentos do bolsonarismo. Diga-se “governança” por conveniência e brevidade, para dar um nome ao que resulta do salseiro. Não é governo, que inexiste, nem equilíbrio de Poderes. É uma bruxa inacreditável, mas que existe.
Esse esquema de governança improvisada, por informe, gelatinoso e variável que seja, deve mudar a partir do começo do ano que vem com a eleição dos novos (ou não) presidentes da Câmara, em especial, e do Senado. Vai definir se a Câmara continua como um anteparo das exorbitâncias do governo e dar uma medida mais precisa do apoio que Bolsonaro tem no Congresso (se é que quer mesmo algo assim, tão normal).
Essa eleição começou. Ou, melhor, começa o rearranjo de blocos partidários que vão apoiar este ou aquele candidato. O DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o MDB fizeram questão de se separar do bloco formal de partidos que incluía a geleia do centrão. Com eles, o PSDB deve compor uma troica, embora outras adesões sejam possíveis. Os três partidos juntam 74 dos 513 deputados.
Parece pouco, mas não é lá bem assim. O grupo de parlamentares tidos como mais à esquerda não tem o que fazer a não ser aderir a quem não seja bolsonarista ou ficar fora do jogo (uma estupidez sem sentido prático, político ou interesseiro, pois teriam ainda menos poder de ocupar qualquer posição de relevância na Câmara). Juntam uns 140 deputados, por aí. A troica e a “esquerda” somam, pois, mais de 210 parlamentares.
É o grupo que poderia levar adiante uma versão do “parlamentarismo branco” que colocou alguma ordem na política politiqueira de Brasília, negociou, relatou e aprovou projetos relevantes e rejeitou desmandos piores do Planalto. Foi o que restou de governança sensata do país, goste-se ou não de seus projetos e programas.
O que sobrou do blocão antes integrado por DEM e MDB é mais ou menos o que se chama de centrão, 158 parlamentares. Esse bloco ainda pode rachar, tendo em vista a eleição da Câmara (fevereiro de 2021), e deve contar com agregados do PSL (parte bolsonarista, parte não, parte talvez) e seus 41 deputados, e do Republicanos, 33 deputados, que vem a ser o partido da Igreja Universal. Esses partidos têm uns três candidatos a princípio viáveis.
Decerto essas continhas são demasiadamente certinhas no mundo ainda mais gelatinoso de uma Câmara em que inexiste uma coalizão de governo e no qual mais de 70% dos deputados se dividem ideologicamente entre conservadorismo, extremo conservadorismo e extrema direita. São continhas ainda mais precárias em um Congresso de fragmentação partidária recorde e de legendas que começam a pensar em fusões e aquisições tendo em vista a ameaça da cláusula de barreira, em 2022.
Mas é dessas danças do acasalamento infiel é que deve sair a cara do comando improvisado do país. Na disputa da Câmara vai ficar mais claro o tamanho do bloco da boquinha bolsonarista, instável, mas relevante para saber das possibilidades ora remotas de impeachment e dos riscos de serem aprovados projetos “passa a boiada” pelo país. A disputa está muito no começo. O governo mal passou a jogar o jogo da coalizão, do qual tenta participar desde abril. Na verdade, nem se sabe se vai ser esse o jogo, o de uma normalização política, business as usual. Mas as cartas estão indo para a mesa.
MDB e DEM afastam-se do Centrão e enfraquecem candidatura de Lira
Atuação de líder do PP na votação sobre o Fundeb antecipou decisão
Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto, Valor Econômico
BRASÍLIA - Adeptos de uma postura independente em relação ao Palácio do Planalto, as bancadas do MDB e do DEM na Câmara decidiram ontem desembarcar do bloco comandado pelo líder do PP na Casa, deputado Arthur Lira (AL), que vem atuando como representante informal do governo.
Além da proximidade de Lira e de outros partidos do Centrão com o presidente Jair Bolsonaro, a corrida pela presidência da Câmara, que terá eleição em fevereiro de 2021, também contribuiu para que as legendas batessem o martelo sobre o desembarque. A expectativa é que DEM e MDB costurem uma aliança com partidos da oposição para a disputa pela principal cadeira da Câmara. Nos bastidores, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem sinalizado que não apoiará um nome que desagrade as siglas da esquerda.
Cada vez mais próximo do Planalto, Lira, que pretende concorrer ao comando da Câmara, já é visto com resistência por parlamentares da oposição. Com o esvaziamento do bloco, o líder do PP pode ter novos obstáculos para fortalecer sua candidatura.
O líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), afirmou que pretende formalizar a saída hoje. De acordo com ele, o partido seguirá votando a favor de pautas que sejam necessárias para a retomada da atividade econômica, mas seguirá com a postura independente e não irá “a reboque de ninguém”.
Com o desembarque do MDB e do DEM, o grupo liderado por Lira diminuirá de 221 para 158 deputados. Ao deixarem o grupo, as siglas terão autonomia para apresentar requerimentos de urgência, de retirada de pauta e para que emendas em projetos de lei sejam apreciadas.
Antes desse movimento, PSL, PSDB e Republicanos já deixaram a composição. PTB, Pros e Solidariedade também avaliam sair do bloco e formar um novo grupo, para ter mais competitividade na disputa por relatorias de propostas relevantes. De acordo com parlamentares dessas siglas, o líder do PP tem sido protagonista nas negociações mais importantes e os partidos menores acabam não tendo voz.
O bloco comandado por Lira foi formalizado no ano passado para fortalecer as legendas na disputa por cargos importantes em comissões, entre elas a Comissão Mista de Orçamento (CMO). A composição determinou que o Centrão fosse responsável por 18 indicações no colegiado. O DEM compunha esse grupo por um acordo que garantiria o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) na presidência da CMO.
Segundo fontes, a postura de Lira durante a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que aumenta o aporte do governo federal no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e torna a política permanente foi determinante para que MDB e DEM decidissem formalizar a saída do bloco.
Atuando como líder informal do governo, Lira ensaiou obstruir a análise do texto para que propostas da equipe econômica fossem consideradas no projeto. O movimento desagradou partidos aliados, que queriam que o texto avançasse. A iniciativa não surtiu efeito e o líder do PP se viu obrigado a desistir da ofensiva e apoiar a votação da proposta.
Lira minimizou o desembarque do MDB e do DEM do bloco e afirmou ver o desmembramento com naturalidade, já que a composição ocorreu para garantir espaços na CMO. “O bloco de partidos que é chamado de Centrão tem como objetivo manter o diálogo e a votação das pautas importantes para o país. O chamado bloco do Centrão foi criado para formar a comissão de Orçamento.
Não existe o bloco do Arthur Lira. O bloco foi formado para votar o Orçamento e é natural que se desfaça. Ele deveria ter sido desfeito em março, o que não aconteceu por conta da pandemia”, escreveu nas redes sociais.
O governo considera a votação do projeto de lei que estabelece o combate às fake news o próximo teste de fogo da base comandada por Lira. Como o Planalto é contra, o líder do PP terá que articular com ex-aliados para evitar um revés para Bolsonaro no plenário.