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Metrópoles: “Minha independência em relação a Bolsonaro é nítida”, diz Baleia Rossi

Emedebista afirma que é independente, critica o presidente Jair Bolsonaro e defende a reforma tributária como medida social

Marcelo Montanini, Metrópoles

Candidato à presidência da Câmara dos Deputados, Baleia Rossi (MDB-SP) busca demarcar a distância entre ele e o presidente Jair Bolsonaro, reforçando que, apesar de ter votado com o governo nas pautas econômicas, é independente – “mas não oposição”, sustenta. O emedebista destaca que seu adversário, Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo Palácio do Planalto, tenta criar a narrativa de que ambos são governistas para igualá-lo. “Minha independência é nítida”, frisa.

Em entrevista por escrito ao Metrópoles, Rossi, que é apoiado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-SP), diz, ao ser questionado sobre ter coragem de abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro, que “já passou da hora de acreditar em super-homem” e que é preciso respeitar e seguir a Constituição. “Todos sabemos que o presidente [Jair Bolsonaro] errou”, afirma.

Metrópoles também tentou entrevista com o deputado Arthur Lira, mesmo que por escrito, mas ele recusou. A eleição da Câmara ocorre nesta segunda-feira (1°/2).

O senhor diz que sua candidatura é independente, mas o MDB é alinhado ao governo – com líderes do governo no Senado e no Congresso – e, até pouco tempo atrás, vocês estavam juntos com diversos partidos que estão no bloco do seu principal adversário. Como exercer essa independência tendo tal relação com o governo?

Com todo respeito, você está enganado. O MDB não é alinhado ao governo. Na convenção em que fui eleito presidente nacional do partido, ficou decidido que o MDB ficaria na posição de independência. Em segundo lugar, não sou candidato apenas do MDB. Represento uma frente, que conta com partidos de oposição. Minha independência é nítida. É o meu adversário que tenta nos igualar.

Diante das semelhanças de postura e votações alinhadas ao governo federal, qual é a diferença da sua candidatura para a do seu adversário?

Perdoe, mas está enganado de novo. Em abril do ano passado, meu adversário fez indicações de cargos de alto escalão no governo. Para comemorar, chegou a fazer uma selfie com o presidente da República. Eu também fui chamado pelo presidente, mas não aceitei cargos em troca de apoio. Fizemos questão de conceder uma entrevista coletiva anunciando isso, no Palácio do Planalto. Mesmo assim, insistiram que o MDB seria contemplado com cargos, o que não ocorreu. Nossa postura sempre foi de independência. Independência não é oposição. Nos projetos que tivemos concordância, como a pauta econômica, votamos a favor.

Alguns deputados de partidos que estão no seu bloco, como DEM, Solidariedade e até do seu partido, MDB, declararam votos em Arthur Lira. Isso não enfraquece sua candidatura? Como reverter isso?

Vamos ter maioria absoluta em todas essas bancadas. No MDB, há um voto anunciado para meu adversário. O MDB é um partido democrático, e respeita a decisão da deputada.

A questão de um possível impeachment é recorrente em torno da sua candidatura por causa da aliança com partidos da oposição – sobretudo, do PT – e devido às recentes declarações do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Sabemos que é prerrogativa do presidente da Câmara analisar abertura de processo de impeachment, mas o senhor terá coragem de fato de abrir um processo de impedimento de Bolsonaro, caso seja necessário?

Já passou da hora de a gente [parar de] acreditar em super-homem. O que é preciso é respeitar e seguir a Constituição. É isso que farei. É função do presidente analisar pedidos de impeachment. Não abrirei mão desta função. A análise precisa ser em cima do que está escrito na Constituição, e assim o farei.

O presidente Jair Bolsonaro negou a existência da pandemia, estimulou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e incentivou atos antidemocráticos contra o Congresso e o STF, entre outros atos. Para o senhor, nenhum desses atos contém crime de responsabilidade?

Todos sabemos que o presidente errou. Em alguns momentos, ele até modulou o seu discurso. No caso da pandemia, parece que finalmente resolveu tomar medidas para conseguirmos a vacina.

O senhor defendeu o retorno do auxílio emergencial ou o aumento do Bolsa Família. Avalia que é possível fazer isso já no início dos trabalhos? E de onde sairiam esses recursos?

Quero fazer uma retificação. Fui eu quem introduziu o debate sobre o apoio aos desvalidos agora que o auxílio emergencial acabou. Falei disso pela primeira vez no lançamento da minha candidatura, em 6 de janeiro. Desde aquele dia, digo que é preciso amparar os mais pobres, mas de olho na responsabilidade fiscal. Já se discutiu muito sobre as fontes de recursos. Em outras oportunidades, o Ministério da Economia já apontou fontes possíveis de remanejamento de recursos. Cabe a ele apontar de novo, sem comprometer as contas públicas.

O senhor já disse ser a favor de manter o teto de gastos, mas caberia uma flexibilização da regra para bancar a prorrogação do auxílio neste momento em que a população passa dificuldades?

Temos de diminuir outras despesas. Fazer um esforço muito grande para isso. O teto de gastos foi essencial para que o Brasil atravessasse a maior crise econômica da sua história, e continua importante.

O senhor disse que suas prioridades serão a PEC Emergencial e a reforma tributária para melhorar a economia, mas o que pretende fazer na área social?

Gerar emprego e renda com a reforma tributária é questão social. É melhorar a vida dos mais pobres, ofertar mais oportunidades e diminuir os gastos das famílias. Além disso, temos de defender o SUS e uma educação de qualidade, por isso lutamos tanto por recursos para o Fundeb.

O presidente Jair Bolsonaro atacou diversas vezes o sistema eleitoral brasileiro e disse que, sem voto impresso, em 2022, o Brasil teria problema maior do que nos Estados Unidos. Qual é a sua opinião sobre essa declaração? Pautaria esse projeto?

Nosso sistema é um dos mais seguros do mundo. Respeito quem pensa diferente. Eu mesmo já pensei que o voto impresso poderia, em alguma medida, deixar mais seguro quem tem dúvida. Mas, pessoalmente, não tenho dúvida nenhuma sobre nosso sistema eleitoral, e acho errado pautar esse tipo de matéria nesse contexto em que se tenta desqualificar nosso sistema.

Essa eleição da Câmara está muito polarizada e, em determinados momentos, agressiva. Se eleito, o que pretende fazer para conseguir aprovar reformas que dependem do centrão, que está com o seu adversário?

Concordo. Está agressiva em vários aspectos, inclusive pela ação desmedida do governo em favor do meu adversário. Mas acredito que bons projetos sempre têm adesão. Foi assim nos últimos anos. Precisamos ter boas propostas para fazer o convencimento da Casa. O que qualquer deputado quer é ser respeitado, valorizado e ouvido. O processo de convencimento ocorre assim. Com bons projetos e muita conversa.


El País: Por um Congresso livre, democrático e responsável

Mais de 40 organizações lançam a campanha “Democracia nas Mesas”, em que apresentam uma agenda mínima para o Parlamento

BÁRBARA LIBÓRIO|ELISA DE ARAÚJO|FLÁVIA PELLEGRINO|FELIPPE ANGELI|MARIA MELLO

Em 1º de fevereiro, deputados(as) e senadores(as) tomarão uma decisão que trará consequências determinantes para o futuro do Brasil: a eleição das novas mesas diretoras de ambas as casas do Congresso Nacional.

O governo atual costuma flertar com o autoritarismo e o personalismo: das investigações a jornalistas a pedido do ministro da Justiça ao uso das instituições para proteger Flávio Bolsonaro de investigações, vemos o desapreço às liberdades democráticas e sua dificuldade em separar o privado do público. Soma-se a isso o negacionismo promovido no enfrentamento à covid-19, tendo por consequência o segundo maior número de mortos pela doença no mundo, e a destruição consciente do maior patrimônio nacional, nossas florestas e biomas, enquanto política de governo.

A Nova República veio encerrar a violência institucional da ditadura militar instituída pelo golpe de 1964, estabelecendo como valores inegociáveis a democracia, a diversidade, a liberdade e a separação entre poderes, de modo que nenhum indivíduo ou grupo possa impor seus interesses frente ao conjunto da sociedade.

Com base nestes princípios fundamentais, mais de 40 organizações lançaram nesta semana a campanha “Democracia nas Mesas”, em que apresentam uma agenda mínima para o Parlamento. Esta agenda busca um compromisso público dos(as) candidato(as) às mesas quanto a cinco temas centrais para a crise que o país enfrenta:

(i) A autonomia do Congresso Nacional, pois não podemos correr o risco de ver o Parlamento ser um mero despachante das políticas de um governo cujas políticas são, em geral, contrárias ao interesse público;

(ii) Políticas baseadas em evidências no combate à covid-19, considerando que a gestão da epidemia pelo governo federal é causa direta de milhares de mortes que não precisariam ter ocorrido caso não insistissem na desinformação e na sabotagem consciente a medidas comprovadamente eficazes no combate à covid-19;

(iii) Respeito absoluto às diversidades, liberdades e aos direitos constitucionais, em reação aos ataques sistemáticos aos pilares de nossa democracia plural, a partir de pautas racistas, armamentistas, misóginas, homofóbicas, de militarização e de eliminação dos povos indígenas que agridem os direitos fundamentais de todo(a) o(a) brasileiro(a);

(iv) O combate ao racismo, dimensão estrutural de nossa sociedade e gênese maior da crônica desigualdade social brasileira, da violência urbana que vitima a todos(as), mas numa proporção específica à população negra com contornos de genocídio; e

(v) A defesa do meio ambiente, maior patrimônio nacional e objeto de uma política intencional de destruição pelo governo federal. Não haverá desenvolvimento econômico se o Brasil não retomar imediatamente seu protagonismo ambiental.

Que os(as) parlamentares levem em conta esta agenda e escolham aquele(a) candidato(a) que represente a adesão incondicional a estes princípios. Já é passada a hora de uma reação firme e democrática ao projeto de destruição dos valores republicanos imposto pelo Governo Federal. A sociedade civil está atenta ao debate e não abandonará a defesa da Constituição e dos direitos da cidadania sob nenhuma hipótese. Esperamos que nossos representantes eleitos façam sua parte.

Bárbara Libório é coordenadora do Elas no Congresso na Revista AzMina. Elisa de Araújo é assessora de advocacy nacional da Conectas Direitos Humanos. Flávia Pellegrino é coordenadora de articulação política e advocacy no Pacto pela Democracia. Felippe Angeli é gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz. Maria Mello é componente da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.


Waldemar Mariz de Oliveira Neto: A responsabilidade do presidente da Câmara dos Deputados

Não lhe incumbe obstar ou diferir a apreciação das denúncias por crime de responsabilidade

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu artigo 218, delega ao seu presidente a função de deferir ou indeferir o recebimento de denúncias por crimes de responsabilidade eventualmente cometidos pelo presidente da República, pelo vice-presidente ou por ministros de Estado.

Em caso de deferimento, a denúncia será lida no expediente da sessão seguinte e despachada para a comissão especial eleita para esse fim, da qual participam, proporcionalmente, representantes de todos os partidos com representação na Casa. Em caso de indeferimento, cabe recurso ao plenário.

A norma não fixa prazo para que sejam adotadas quaisquer dessas duas providências, mas o artigo 15 da Lei n.º 1.079/1950 esclarece que a denúncia só pode ser recebida enquanto o denunciado não tiver deixado definitivamente o cargo.

Como é permitido a qualquer cidadão apresentar a denúncia, a faculdade conferida exclusivamente ao presidente da Câmara dos Deputados tem sua razão de ser, servindo como um primeiro filtro para evitar que acusações absolutamente esdrúxulas e desprovidas de adequação tenham seguimento automático, paralisando o Legislativo e trazendo instabilidade à sociedade.

Nesses casos, o indeferimento não traz ônus político, dada a patente teratologia da denúncia. Ainda que seja possível eventual recurso ao plenário, a votação pode ser realizada com celeridade e sem maiores solavancos para a estabilidade institucional.

Todavia, quando tem bons fundamentos, o deferimento ou indeferimento da denúncia obriga o presidente da Câmara a tomar posição, o que implica considerável gravame político, razão pela qual pedidos podem permanecer intocados até que o denunciado deixe o cargo e a denúncia não possa mais ser recebida.

Acontece que a inexistência de prazo legal não deve ser interpretada como uma licença para que o presidente da Câmara escolha o momento político que lhe pareça mais adequado para decidir pelo recebimento ou não da denúncia. Tal conduta apenas indica omissão e complacência. Se a denúncia não é descabida a ponto de ser indeferida de plano, deve ser admitida para permitir que a comissão especial exerça seu papel institucional.

É dessa comissão, em suma, a função de emitir um primeiro parecer sobre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação. Em sendo, abre-se prazo para que o denunciado conteste o parecer. Ao fim, após a instrução e produção de provas, a comissão especial profere novo parecer, dessa vez sobre a procedência ou improcedência da denúncia, que será levado a votação pelo plenário da Câmara dos Deputados, podendo acarretar no encaminhamento da acusação por crime de responsabilidade para julgamento pelo Senado Federal, com o afastamento do denunciado de seu cargo.

Somente assim se permite que os representantes do povo deliberem a respeito da conduta denunciada, expondo publicamente suas posições e prestando contas aos seus eleitores, pouco importando se a denúncia tem condições políticas para ser ou não admitida.

Ainda que a conjuntura política tenda para determinado resultado, é preciso que sucessivas denúncias sejam analisadas, caso a caso, arcando o denunciado com eventual desgaste político decorrente de suas ações, mesmo que como mera medida dissuasória, para que repense a adequação de sua conduta.

Não importa, portanto, se a denúncia tem chances de sucesso naquele momento. Não importa se é melhor que o ambiente político aqueça ou que a denúncia arrefeça. Independentemente disso, é preciso que seja permitida sua discussão e apreciação. É preciso que os deputados que apreciarão a denúncia também enfrentem as consequências de suas decisões, especialmente perante a opinião pública. É também fundamental que o denunciado possa responder no foro adequado pelas acusações que lhe forem formuladas, ainda que seja para demonstrar sua inocência.

Por outro lado, é necessário que denúncias inconsistentes sejam objeto de indeferimento, permitindo a apreciação de eventual recurso pelo plenário, afastando a possibilidade de utilização para expedientes obscuros, quando politicamente conveniente.

A ausência de decisão do presidente da Câmara acerca do recebimento da denúncia, ainda que se admita sua legalidade, transfere para ele, exclusivamente, o ônus moral de impedir a responsabilização do denunciado, aproximando-o da condescendência. A ausência de decisão acerca do indeferimento revela oportunismo.

Ao deixar de decidir, o presidente da Câmara dos Deputados furta para si as prerrogativas da comissão especial e do plenário. Ao deferir ou indeferir, afasta de si o ônus de sua omissão, dando efetividade à sua missão institucional, repassando à comissão especial e ao plenário o encargo que efetivamente lhes cabe, de aceitar ou rejeitar a denúncia.

Portanto, não incumbe ao presidente da Câmara obstar ou diferir a apreciação das denúncias por crime de responsabilidade, sob pena de deixar como legado histórico as marcas de sua omissão.


Afonso Benites: A receita de Bolsonaro para vencer no Congresso de braços dados com o Centrão

O deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco são favoritos para ganharem as presidências do Legislativo na próxima segunda-feira. Com popularidade de presidente em queda, mas ainda alta, impeachment fica em segundo plano

Ao custo de quatro ministérios e da liberação de dezenas de bilhões de reais em emendas parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro está em vias de ter aliados no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Seus candidatos, respectivamente, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), caminham para serem eleitos para as presidências das duas Casas na próxima segunda-feira, dia 1º de fevereiro. Caso se confirmem essas vitórias, Bolsonaro abraça de vez a velha política que sempre criticou. E exatamente da maneira que prometeu que não o faria, liberando recursos, negociando cargos por apoio. Não é uma vitória menor para um presidente que enfrenta queda de popularidade, ainda que mantenha um patamar alto de apoio. Com ela, Bolsonaro consegue deixar um eventual processo de impeachment em stand by e pode progredir com sua pauta conservadora no Legislativo. Nesse sentido, estão previstos projetos de lei que pretendem ampliar o armamento da população, o avanço da proposta de prisão após condenação em segunda instância e a que vincula as polícias militares à União.

Na Câmara, na tentativa de frear o avanço de Bolsonaro, o principal adversário de Lira na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), usou seu padrinho político, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para denunciar a compra de votos em troca de emendas parlamentares. Nos últimos dias, Maia tem dado seguidas declarações criticando o Palácio do Planalto. Afirmou que Bolsonaro liberaria 20 bilhões de reais em emendas extraorçamentárias para os parlamentares. E chegou a ligar para o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, para reclamar da tentativa de interferência do Governo.

“A forma com o Governo quer formar maioria não vai dar certo, porque essas promessas não serão cumpridas em hipótese alguma. Não há espaço fiscal”, reclamou Maia. “Todos estão legitimados para exercer suas funções, nenhum parlamentar pode ser prejudicado por ser a favor ou contra o Governo”.

Outro concorrente ao cargo e que tem chances quase nulas de vencer, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), reforçou esse avanço do Governo entre os congressistas. “Os deputados estão se vendendo para o Bolsonaro. Claramente trocam votos por cargos, por emendas”, disse ao EL PAÍS. Uma reportagem publicada nesta quinta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, nas últimas semanas, o Governo já abriu a torneira para abastecer prefeituras e governos indicados pelos parlamentares nas emendas extraorçamentárias. Foram 3 bilhões de reais destinados a afilhados de 250 deputados e de 35 senadores.

Com apoio dos partidos de esquerda, Rossi insiste no discurso da independência do Legislativo. A expectativa na Casa é que ele atinja cerca de 200 votos. Para ser eleito são necessários ao menos 257, entre os 513 deputados. Já Lira, conta com aproximadamente 240. Nessa contabilidade, deve haver segundo turno. Há pelo menos outros seis concorrentes ―Frota, Luiza Erundina (PSOL-SP), André Janones (AVANTE-MG), Fábio Ramalho (MDB-MG), Marcel Van Haten (NOVO-RS) e Capitão Augusto (REP-SP).

Além das emendas palacianas, Lira tem dito aos seus eleitores que terá o poder de indicar até quatro ministros, além de seu séquito de assessores. É o que se chama de ministérios com porteiras fechadas onde é possível administrar primeiro, segundo e terceiro escalões. Na conta estariam os ministérios da Saúde, do Turismo e mais dois que ainda estão sendo discutidos. Para acomodar o grupo de Lira, o Centrão, há ainda a possibilidade de se recriar o Ministério da Previdência, que hoje está sob o guarda-chuva da Economia.

“O Lira joga com a máquina do Governo em seu favor, que culminaria até em uma reforma ministerial”, diz o cientista político Leonardo Barreto. Como seu ativo, ainda é apontado o fato de conhecer “a alma dos deputados do baixo clero”, como diz esse especialista, e por ser um “cumpridor de acordos”. “É aquela coisa de fio do bigode. Por isso, o Centrão está hermético com ele”.

Os ventos do Centrão

Em Brasília, o Centrão costuma seguir dois ventos: o da aprovação/rejeição popular e o do dinheiro. Onde houver recursos, lá estará esse grupo. A eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, assim como o impeachment de Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República tiveram a digital desse grupo fisiológico. Na prática, isso quer dizer que, nas atuais circunstâncias, uma destituição de Bolsonaro dificilmente ocorrerá com Lira no comando da Câmara. Já há ao menos 63 pedidos de impeachment esperando a análise do presidente da Casa. Só haverá uma mudança de rumos se as duas condições primeiras para o Centrão mudem: as promessas ao grupo não seja cumpridas e Bolsonaro sofrer uma desidratação severa de aprovação.

Ainda assim, o termo impeachment voltou ao vocabulário de Brasília, ao menos como instrumento de pressão. Nesta quarta, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que irá exonerar o chefe da assessoria parlamentar da Vice-Presidência da República, Ricardo Roesch, depois que o site Antagonista revelou que ele trocou mensagens com o chefe de gabinete de um deputado federal sobre articulações no Congresso Nacional para um eventual impedimento de Bolsonaro. É bom estarmos preparados”, diz uma das mensagens. Roesch diz que as mensagens não são suas, mas Mourão não cedeu: “Esse assessor avançou o sinal”.

Na quarta-feira, Bolsonaro admitiu que tinha o objetivo de influir na eleição da Câmara. Disse ainda que Lira seria “o segundo homem na linha hierárquica do Brasil” ―na verdade, é o terceiro e com problemas porque é réu em ações penais, e Bolsonaro pulou justamente o vice Mourão da sua conta. Quando indagado sobre essa afirmação do mandatário, Lira disse que “na presidência da Câmara ninguém influi”. “Se eleito, serei independente, altivo, autônomo e harmônico”, afirmou o parlamentar nesta quinta.

Baleia é classificado como uma pessoa com pouca experiência e que ficou presa a Maia, que demorou a definir o seu candidato. “Em seu favor ele tem apoio de 20 dos 27 governadores que entendem que ele terá mais condições de encaminhar uma reforma tributária que seja benéfica aos Estados”, avalia Barreto.

As diferenças entre eles podem ser vistas nas postagens que fazem nas redes sociais. O discurso de Lira é dirigido aos deputados. “Para simplificar: eu sou o candidato da palavra cumprida e do aperto de mão”, disse em uma mensagem o membro do PP. Enquanto que Baleia fala para o público externo e reforça a necessidade de se desvincular do Planalto. “Quem se incomoda com o protagonismo da Câmara nos últimos tempos, na verdade, deseja um Parlamento de joelhos para o Executivo. Somos diferentes”, afirmou.

Dobradinha Bolsonaro-Alcolumbre

No Senado, a atuação do presidente conta com o apoio e a articulação do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O candidato deles, Rodrigo Pacheco, já conta com apoio de mais de 45 dos 81 senadores, o que seria suficiente para garantir a eleição. O número pode ultrapassar os 50 votos. Parte desse suporte ocorreu porque o MDB rachou e abandonou a própria candidata, Simone Tebet (MDB-MS). Neste caso, a cisão ocorreu porque Pacheco e Alcolumbre negociaram com emedebistas um cargo na Mesa Diretora e a presidência de comissões relevantes da Casa, como a de Constituição e Justiça.

Nesta quinta-feira, ela manteve sua candidatura, dizendo que seria uma candidata independente. Reforçou que o jogo atual é muito pesado. E, sem citar nomes afirmou: “Quererem transformar o Senado da República em um apêndice do Executivo”. A imagem de sua entrevista coletiva simbolizava exatamente o momento em que ela vive. Estava sozinha. No dia em que o MDB anunciou que apresentaria o seu nome para a disputa, ela estava cercada de correligionários.

Dois anos atrás, quando abriu mão de ser candidata para apoiar o atual presidente em uma apertada disputa com Renan Calheiros (MDB-AL), Tebet ouviu as seguintes palavras de Alcolumbre da tribuna do Senado: “Se você tivesse vencido em sua bancada, eu não estaria aqui [disputando a presidência]”. No mesmo discurso, disse que ela era “gigante, uma guerreira”. Agora, foi ele quem articulou para derrubá-la.

“Ela é a candidata de um grupo que diz ser diferente e que ajudou a eleger Alcolumbre. Agora, esse grupo está órfão, depois que o atual presidente cedeu aos antigos grupos que sempre comandaram o Senado”, diz o cientista político Leonardo Barreto.

A união Pacheco/Alcolumbre/Bolsonaro conseguiu ainda reunir antagonistas na política nacional. No mesmo barco estão o senador Flávio Bolsonaro (REP-RJ), filho do presidente e investigado pelo esquema de rachadinhas, Ciro Nogueira, o presidente do PP que é investigado por corrupção, e estridentes opositores do Planalto, como senadores do PT, da REDE e do PDT, que volta e meia bradam por impeachment.

Para o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), essa insólita união é pontual, representa um rechaço de seu partido a Simone Tebet e a uma aprovação à garantia que Pacheco teria dado à oposição para ocupar espaços em comissões e ter voz no plenário. “Uma coisa é a política eleitoral daqui para fora. A outra é a que ocorre aqui. Nossas diferenças ideológicas não estão em jogo nesta eleição”, afirmou Carvalho.


O Estado de S. Paulo: Planalto libera R$ 3 bi em obras a 285 parlamentares em meio à eleição no Congresso

Estadão teve acesso a planilha interna do governo com nomes de 250 deputados e 35 senadores contemplados; Luiz Eduardo Ramos, articulador político do Planalto, está à frente das negociações

Breno Pires e Patrik Camporez, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Diante da disputa pelos comandos da Câmara e do Senado, o governo abriu o cofre e destinou R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras em seus redutos eleitorais. O dinheiro saiu do Ministério do Desenvolvimento Regional. O Estadão teve acesso a uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos “extras”, que vão além dos que já têm direito de direcionar.

A oferta de recursos foi feita no gabinete do ministro Luiz Eduardo Ramos. A Secretaria de Governo, que o general comanda, virou o QG das candidaturas dos governistas Arthur Lira (Progressistas-AL), que disputa o comando da Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do Senado. Nesta quarta, 27, o presidente Jair Bolsonaro disse que “se Deus quiser vai participar e influir na presidência da Câmara”, com a eleição de Lira para a vaga ocupada hoje por seu adversário Rodrigo Maia (DEM-RJ). Além de verbas, o governo também tem oferecido cargos a quem aceite votar nos dois nomes do governo, segundo relatos de parlamentares. 

Dos 208 deputados que já declararam apoio a Lira, conforme o “Placar da Eleição” do Estadão, 125 nomes já estão na planilha da Secretaria de Governo, considerando apenas os que já garantiram fatias do Orçamento para projetos de seus interesses. Ao todo, 41 dos parlamentares estiveram em ao menos uma reunião no Palácio com Ramos desde dezembro, quando começaram as campanhas nas Casas. Na comparação com o placar da eleição para o Senado, dos 33 votos declarados para Pacheco, 22 nomes de senadores aparecem na planilha.

A planilha, informal e sem timbre, inclui repasses de recursos do orçamento da União que não são rastreáveis por mecanismos públicos de transparência. São os chamados “recursos extra orçamentários”, no linguajar usado no Congresso. Neste tipo de negociação, os valores são repassados a prefeitos indicados por deputados ou senadores sem que o nome do deputado fique carimbado, como ocorre com a emenda parlamentar tradicional. Desta forma, se houver alguma irregularidade na aplicação dos recursos não é possível saber se há algum envolvimento do parlamentar que direcionou a verba para determinada obras.

Na condição de líder do Progressistas, Lira foi priorizado com o direcionamento de R$ 109,5 milhões para serem distribuídos a projetos indicados por seus colegas de partido. Ele direcionou outros R$ 5 milhões a obras de pavimentação e drenagem de ruas no município de Barra de São Miguel (AL), onde seu pai, Benedito Lira, é prefeito. Procurado pela reportagem, o deputado não quis responder às perguntas relacionadas à planilha.

PARA ENTENDER

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A Casa Civil também foi procurada para comentar e se Bolsonaro tem conhecimento da planilha. A pasta se limitou a dizer que, “sobre este tema, a reportagem deveria procurar a Secretaria de Governo”, chefiada por Ramos. O ministro afirmou que as planilhas não são da sua pasta. “Não está havendo nenhuma conversa relativa a negociação de voto. Seria até ofensivo, de minha parte, negociar voto em troca de cargos e emendas”, disse o general.

Ter aliados nos comandos da Câmara e do Senado é considerado determinante nos planos de reeleição de Bolsonaro, em 2022. O presidente admite interferir na disputa para conseguir impor sua agenda ideológica nos dois últimos anos de mandato. Como mostrou o Estadão, a intenção é também barrar eventuais CPIs que mirem seu governo, filhos e apoiadores ou o avanço de pedidos de impeachment. 

O “toma lá, dá cá” de recursos públicos em troca de apoio, porém, vai de encontro ao que o presidente pregou durante a campanha eleitoral de 2018. “O nosso maior problema é o político. São as indicações políticas. É o ‘toma lá dá cá’ e as consequências desse tipo de fazer política são a ineficiência do Estado e a corrupção", afirmou Bolsonaro na época, em um dos vídeos de sua campanha.

Os recursos comprometidos pelo balcão de negócios do Planalto saíram das conversas entre Ramos, articulador político de Bolsonaro, e congressistas. Os valores já estão empenhados no Orçamento, a primeira etapa para que o pagamento seja efetivamente feito. A engenharia do ministro supera em volume, em muitos casos, as tradicionais emendas parlamentares – limitadas a um total de R$ 16,3 milhões por parlamentar – e compartilha, num acordo sem transparência, a gestão orçamentária de ministérios. Para efeito de comparação ao montante gasto nestas negociações, o governo federal empenhou, em todo o ano de 2020, R$ 3,9 bilhões em emendas para a área da atenção básica da saúde pública. 

Lira tem influência em todas as etapas do processo de liberação de recursos. Ele negocia diretamente com o Planalto e tem apadrinhados em postos chaves no próprio Ministério de Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados, como na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). O secretário nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, Tiago Pontes Queiroz, listado como autoridade competente para alguns dos contratos da Codevasf, foi indicado à pasta no ano passado por Lira e pelo presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI).

Deputados ouvidos pela reportagem relataram que o grupo político de Lira tem orientado os parlamentares a se dirigirem pessoalmente ao gabinete de Ramos no Planalto. Em reunião a portas fechadas, contam, o ministro questiona se o parlamentar estaria disposto a declarar voto no candidato do PP em troca do empenho de dinheiro do orçamento em obras em seu reduto. Após sinalizar interesse no acordo, o nome do deputado é imediatamente incluído na planilha de monitoramento dos repasses das verbas.

‘É muito mais’

Uma parte dos nomes citados na planilha do governo é dissidente de partidos que apoiam a campanha do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), adversário de Lira na disputa. Nela estão os deputados da bancada baiana do DEM ligados ao ex-prefeito de Salvador ACM Neto, como Leur Lomanto (R$ 12 milhões), Arthur Oliveira Maia (R$ 7,5 milhões) e Paulo Azi (R$ 6,5 milhões). Os parlamentares posaram para fotos com Lira na segunda-feira passada, durante jantar em Salvador. Na manhã de quarta-feira, Lomanto foi ao Planalto conversar com Ramos. Por sua vez, Paulo Azi, presidente do partido na Bahia, esteve com o chefe da Secretaria de Governo em dezembro. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM), Simone Tebet (MDB), Major Olímpio (PSL) e Jorge Kajuru (Cidadania) são os candidatos à presidência da Casa; saiba como estão distribuídos os votos para a sucessão de Davi Alcolumbre por Estado e por partido

À reportagem, Arthur Maia admitiu que o envio de fatias do orçamento aos Estados foi tratado com os deputados. Ele, no entanto, negou que as conversas tivessem relação com a eleição na Câmara. O parlamentar disse ainda desconhecer a citação de seu nome na planilha. “Da minha parte não tem nada a ver”, afirmou. Em relação aos recursos atrelados a ele, o deputado citou que, além desse valor, conseguiu outros recursos. “Está errado, é muito mais do que isso ao longo de 2020. Porque você sabe: tem as emendas parlamentares, mas depois tem algumas liberações. Agora, não tem nada a ver com a candidatura de Arthur Lira”, disse. “Me perdoe, você está me humilhando dizendo que só consegui R$ 7,5 milhões para a Bahia”, ironizou. 

Planilha mostra modelo de gestão sem regras

A planilha informal de controle de recursos extras da Secretaria de Governo revela, pela primeira vez, a impressão digital de deputados e senadores em contratos que são divulgados sem citações de nomes. Diferentemente das emendas parlamentares, os sistemas de rastreamento do dinheiro público não vinculam as verbas extraordinárias ao deputado ou ao senador que as indicou. O Estadão só chegou à identidade dos congressistas porque eles estão nominados nessa planilha informal. A destinação do crédito extra, que deveria primar por critérios técnicos, expõe um modelo de gestão sem critérios claros e formais. 

Para formalizar o direcionamento dos recursos, o governo aproveitou os Projetos de Lei do Congresso (PLN) 29 e 30, aprovados em novembro e dezembro do ano passado, que totalizaram um crédito suplementar de R$ 12,4 bilhões a diversas áreas da administração. Foi desse valor que o Planalto retirou os recursos empenhados a obras sugeridas pelos parlamentares, isto é, reservados  para aplicação sem necessidade de novas autorizações.

Parlamentares ouvidos pela reportagem observam que a distribuição de recursos em meio a disputas no Legislativo vai além e ocorre também em pastas como Turismo e Infraestrutura. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a estimar, em entrevista, um gasto total do governo de R$ 20 bilhões para eleger Lira. Ele questiona de onde o governo vai tirar esse dinheiro para cumprir as promessas feitas parlamentares, uma vez que Orçamento deste ano está bastante limitado.

Datada de 12 de janeiro, a planilha obtida pela reportagem junto a interlocutores do governo tem 71 páginas com descrições - muitas vezes em linguagem informal - de propostas de contratos que foram indicados pelos parlamentares. O documento detalha a situação atual de cada proposta. Ao lado do valor acordado, estão citadas as origens dos recursos - na maior parte deles, os projetos de lei do Congresso (PLNs) 29 e 30, além de outros de números não descritos. Os PLNs são usados pelo governo para abrir créditos extras no Orçamento sem desrespeitar regras fiscais. A reportagem confirmou no Portal Mais Brasil, que concentra as informações de repasses de verbas federais a Estados e municípios, que os contratos citados na planilha estão em execução.

Pela portaria 424 do Ministério do Planejamento, de 2016, as normas de transferências de recursos da União para prefeituras preveem que os projetos devem ser selecionados de maneira técnica e recomendam que haja chamamento público no prazo mínimo de 15 dias para que interessados apresentem as propostas. A planilha “Segov 2020 Extra”, no entanto, indica que esse prazo não foi obedecido em muitos casos. Os contratos e convênios para obras foram assinados, às pressas, em dezembro, muitos deles somente dois dias após serem indicados pelos parlamentares.

Além desses recursos já empenhados, a planilha da Secretaria de Governo aponta uma série de indicações feitas por deputados que não tiveram o dinheiro garantido, em valores somados de R$ 707 milhões. Desse volume, R$ 585 milhões não foram empenhados ou redirecionados "por falta de tempo hábil".

Num jantar com deputados de diversas siglas, na segunda-feira passada, no Espírito Santo, Lira foi questionado sobre a possibilidade de o Planalto não conseguir manter os acordos com os parlamentares. O candidato prometeu que, assim que for eleito, vai colocar para votação um novo PLN para abrir mais créditos extraordinários. Por meio de sua assessoria, Lira disse que a “campanha” não irá rebater “invenção sem cabimento com o único propósito de baixar o nível nesta reta final”.

Influência

Deputados e senadores buscam verbas federais para aumentar a influência em seus redutos e garantir a reeleição nas urnas. Com os recursos, eles passam a ter liderança em relação a prefeitos e outros chefes políticos locais. É, por conhecer esse atalho na busca de poder político, que o próprio presidente Jair Bolsonaro tem usado o telefone na cobrança de apoios explícitos a Lira. No começo da semana, ele exigiu que o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) impedisse o filho, o deputado Fernando Bezerra Filho (DEM-PE), de participar de um evento público da campanha de Baleia Rossi.

O senador foi contemplado com R$ 125 milhões. Mas, no seu caso, a presença na lista não tem ligação direta com as disputas das mesas diretoras do Legislativo. Ele já é líder do governo no Senado. Esse é a situação ainda dos deputados licenciados e ministros Tereza Cristina e Fábio Faria (Comunicações), que indicaram R$ 24 milhões e R$12,8 milhões, respectivamente. Assim como de aliados influentes do Planalto, como os senadores Davi Alcolumbre (DEM-AP) – R$ 277 milhões – e Ciro Nogueira – R$ 135 milhões –, cujos apoios vão além das alianças nas eleições do Congresso.

As transferências de valores previstos na planilha do governo incluem também partidos que ainda não decidiram qual candidato vão apoiar. É o caso do Podemos, que terá uma reunião com Lira no domingo à tarde. O deputado José Nelto (GO) esteve com o ministro da Secretaria de Governo nesta quarta-feira, 27. À reportagem, o parlamentar relatou que o ministro não pediu apoio ao candidato do Planalto, mas o questionou se a bancada do partido havia definido em quem votaria. Nelto teve R$ 13 milhões liberados no fim do ano. A destinação seriam obras na cidade de Formosa-GO. “Uma obra técnica”, disse.

O deputado afirmou à reportagem que a liberação de recursos extras tem sido comum no governo Bolsonaro. “Isso não foi feito só agora, foi feito em 2019, foi feito em 2020, eu comandava a bancada (do Podemos) e liberei no fim de ano R$ 50 milhões de cada parlamentar. Era de PLN, o mesmo modus operandi. Não sei se tinha em governos anteriores, porque este é meu primeiro mandato”, disse. O parlamentar avalia que não se trata de compra de apoio político. “Eu não tenho compromisso algum. Não há posição ainda. Qualquer candidato terá de assumir compromisso de colocar em votação as pautas do nosso partido, para obter nosso apoio.”

Os demais parlamentares citados na reportagem também foram procurados, mas não se manifestaram até o momento. 



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Alon Feuerwerker: Teste de resiliência

Adversários vão trabalhar com afinco o desgaste de Bolsonaro

Este ano de 2021 vai merecer um rótulo já bem usado: “decisivo”. Atravessar politicamente vivo é condição sine qua non para Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo. E vai ser um ano daqueles. Mesmo que a vacinação se prove um sucesso, seus efeitos macro só devem ser sentidos em (muitos) meses. Um período suficientemente longo para os adversários trabalharem com afinco o desgaste presidencial.

Três ameaças rondam o Palácio do Planalto. Um agravamento da Covid-19, um repique da recessão e uma instabilidade institucional — essa última podendo vir do Legislativo ou do Judiciário. Para atravessar o ano, o presidente e seu governo precisarão mostrar capacidade operacional e política num cenário de turbulências, em que deixar o avião no piloto automático não será opção.

Sobre o agravamento dos índices da pandemia aqui no Brasil, mesmo países com vacinações muito mais agressivas enfrentam pioras de curto prazo nos índices da Covid-19. E há as novas variações do Sars-CoV-2. E junto vem a dúvida sobre se as vacinas produzidas a partir do vírus “velho” servem para combater os novos. Ou quanto tempo levará para adaptar os imunizantes, se isso for necessário para que sejam eficazes contra as novas variantes.

A segunda onda da Covid-19 terá necessariamente impacto na economia. Pois a reação natural das autoridades locais vai ser apertar o torniquete do isolamento e do distanciamento sociais. Haverá reação popular, então se pode prever movimentos de sístole e diástole, por um período em que a única certeza será a incerteza sobre que medida governadores e prefeitos vão tomar no dia seguinte ao anúncio de novos números.

E tem o fim do auxílio emergencial e demais medidas protetoras da economia popular na pandemia. Aqui, é previsível o Congresso Nacional recriar algo parecido. Mas os parlamentares tentarão impedir que Jair Bolsonaro, ao contrário da vez anterior, fature politicamente sozinho as benesses para o povão. A dúvida? Qual será a reação do mercado financeiro a um eventual furo no teto de gastos?

E a chacoalhada institucional? Ela estará contratada se os candidatos apoiados pelo presidente não vencerem as disputas pelo comando das duas Casas do Congresso Nacional. Principalmente a da Câmara dos Deputados. Saberemos em dias o que vai acontecer. Mesmo vitórias oficialistas não devem impedir que a oposição, agora anabolizada pela aliança entre a esquerda e a direita não bolsonarista de olho em 2022, coloque minas prontas a explodir no campo presidencial.

Se Jair Bolsonaro sair vitorioso das votações do dia 1º de fevereiro, poderá contar com a pressão do empresariado para o Legislativo voltar a dar foco à agenda liberal, em vez de paralisar-se numa guerra política sem solução de curto prazo. Já os políticos, mais ainda os que disputam com o presidente o apoio do establishment, têm planos próprios e não vão dar trégua.

Também por saberem que Bolsonaro mostrou em ocasiões anteriores possuir resiliência, ou seja, a capacidade de voltar à forma e ao tamanho originais depois de uma crise.

E talvez ele nunca tenha precisado tanto disso quanto vai precisar agora.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723


Murillo de Aragão: O jogo do impeachment

Tema renasce em razão dos pedidos contra Bolsonaro

 Desde 1992, como analista político, convivo com a questão do impeachment. Naquele ano, quando Fernando Collor entrou na mira do Congresso, nosso call foi o de que o impeachment seria inevitável. No caso do mensalão, escândalo envolvendo a compra de apoio no Congresso pelo governo que veio a público em 2005, tivemos uma abordagem mais cautelosa. O impeachment de Lula, então presidente da República, não era óbvio, apesar da gravidade das acusações.

No final do primeiro mandato do governo Dilma Rousseff, por causa da Operação Lava-Jato e da mastodôntica incompetência política da presidente, o impeachment reapareceu como possível no radar político. Deu no que deu. Já no governo de Michel Temer, quando ocorreu o episódio JJ (Joesley Batista e Rodrigo Janot), muitos apostaram que o impeachment seria aprovado. Nosso call foi o de que isso não aconteceria. E não aconteceu.

Para avaliar a questão, devemos examinar três aspectos críticos: a popularidade do presidente, sua base política e o motivo do pedido. Obviamente, um presidente popular é menos vulnerável ao impeachment, independentemente da gravidade do motivo. Temer, porém, embora não fosse popular, sobreviveu aos pedidos de abertura do processo contra ele por causa de um aspecto fundamental: ele tinha uma base política no Congresso.

O terceiro elemento da equação é o motivo. Por incrível que pareça, esse é o menos importante. Salvo um motivo extravagante e inquestionável, um presidente da República não sofre impeachment apenas por ter cometido uma falta ou um crime. Em se tratando de julgamento político — e não jurídico —, a conjuntura e as circunstâncias, assim como o seu apoio político, são o que mais pesam no início e ao longo da tramitação.

Nos casos de Collor e Dilma, houve uma conjunção de fatores determinantes: baixa popularidade; fragilidade política no Legislativo; e existência de motivo. Collor e Dilma eram impopulares nas ruas, na imprensa e no Parlamento. Já Lula era popular nas ruas e entre deputados e senadores. Temer era impopular na imprensa e na opinião pública, mas forte o suficiente no Congresso para impedir o avanço do processo.

No alvorecer de 2021, o tema volta ao debate pela existência de dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. No entanto, a questão não é simples. Muitos desses pedidos visam apenas ao desgaste político pensando no futuro. Outros são feitos na base do “vai que cola”.

A possibilidade de impeachment de Jair Bolsonaro, no momento, não parece viável, já que o apoio político a ele e a sua popularidade lhe servem de proteção. As circunstâncias teriam de piorar muito para que tanto a sua base política quanto a sua popularidade se tornassem tóxicas à sua permanência no Palácio do Planalto.

Deixando a fria análise de lado, acredito que, para o país, mais um processo de impeachment seria extremamente desgastante. Por outro lado, as crises políticas devem ser resolvidas. E de preferência com negociação, entendimento e sempre dentro das regras constitucionais.

Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723


Eliane Cantanhêde: Vitória do chiclete

Como Pazuello e Forças Armadas, Congresso adere ao ‘Bolsonaro manda, todos obedecem’

Parabéns, presidente Jair Bolsonaro! Quanto mais erra escandalosamente em todas as frentes de combate à pandemia, com um saldo macabro acima de 220 mil mortos e 9 milhões de infectados, mais ele vai se revelando um craque sem escrúpulos no jogo da velha política. Interfere em outro Poder, não desperdiça em emendas e cargos e está a dias de botar no bolso os presidentes da Câmara e Senado. De quebra, embaralhou o tabuleiro da oposição para 2022.

Centrão e a direita estão unidos e de barriga cheia, enquanto o PT trincou vergonhosamente as esquerdas no Senado e o DEM da Bahia traiu miseravelmente Rodrigo Maia na Câmara. É assim que o PT vai inviabilizando uma frente de esquerdas, ao mesmo tempo em que o DEM do ex-prefeito ACM Neto dá as mãos ao DEM de Davi Alcolumbre para queimar a largada de uma candidatura de centro em 2022. A reeleição de Bolsonaro agradece.

Nunca se viu o presidente irritado, ao menos chateado, diante do avanço do coronavírus e das mortes de milhares de brasileiros. Sempre que ele aparece bravo, aos palavrões, é porque a PF e o Ministério Público descobriram mais uma dos filhos ou porque a imprensa revelou mais um chiclete e um leite condensado milionários. O País que se dane. Só importa o que dói nele e na família.

Depois de “cuidar” dos órgãos de investigação do governo, Bolsonaro agora avança pelos outros Poderes. O ministro Kássio Nunes está a postos no Supremo, o deputado Arthur Lira (PP-AL) vai trancar o impeachment na Câmara e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) se prepara para enquadrar o Senado.

O Congresso vira a página de independência do Executivo e abre capítulos de vitórias de Bolsonaro. A CPI da Saúde é natimorta, a das Fake News perde fôlego, a “boiada” do Meio Ambiente vai passar e os retrocessos em armas, gênero e orientação sexual são favas contadas. Ficará evidente a simbiose entre Legislativo e Executivo, ou a submissão da pauta do Congresso aos interesses e crenças pessoais de Bolsonaro.

Na economia? Bem... Desde a campanha, a dupla personalidade do governo é óbvia, basta confrontar a vida e obra de Bolsonaro no Exército e na Câmara com o discurso dele como candidato e depois presidente. E, assim como Pazuello é escudo na Saúde, Ernesto Araújo na política externa e Ricardo Salles no Meio Ambiente, Paulo Guedes é na economia.

Nada anda. As reformas administrativa e tributária estão amarelando e dois símbolos das privatizações jogaram a toalha, o secretário de Desestatização e agora o presidente da Eletrobrás. Guedes engole as desfeitas do chefe e rebate a culpa para Rodrigo Maia, o Congresso, a esquerda. Todo mundo tem culpa, menos o presidente – que a vida inteira agiu na direção exatamente oposta à do seu ministro da Economia.

Quanto mais a popularidade cai e a pressão por impeachment sobe, mais Jair Bolsonaro adapta seu discurso às conveniências, joga o governo nas mãos de ministros e assessores e vai se revelando o verdadeiro Jair Bolsonaro. Bom de lábia, palavrão, velha política, estatização e ideologia de fundo de quintal. E ele tem estratégia e alvo certo, o Congresso, sem se descuidar do Supremo. Em julho, Kássio Nunes ganha reforço.

Até agora fundamentais contra as investidas golpistas e retrocessos bolsonaristas, Congresso e Supremo serão os pilares de Bolsonaro, apesar da absurda incompetência e da má-fé na contratação de vacinas, na condução da pandemia, no investimento em cloroquina, nas rachadinhas e chicletes. Em vez de impeachment, Bolsonaro colhe vitórias. Como Pazuello e Forças Armadas, o Congresso adere ao “um manda, o outro obedece”. O próximo deve ser o Supremo. Depois, não adianta chorar sobre o leite derramado. Nem condensado.


Ricardo Noblat: Os fatos teimam em contrariar as falas do presidente

Diário do dia de ontem

O dia em que o presidente Jair Bolsonaro disse que “está fazendo a coisa certa e que não é fácil fazer a coisa certa “foi também o dia em que ele, em live no Facebook, reforçou o desejo de que as torcidas voltem a frequentar os estádios. Em suas palavras:

Temos que voltar a viver, pessoal. Sorrir, fazer piada, brincar. Voltar (o público) nos estádios de futebol o mais cedo possível, que seja com uma quantidade menor, 20%, 30% da capacidade do estádio.

Foi também o dia em que Bolsonaro aconselhou a um grupo de devotos admitido nos jardins do Palácio da Alvorada:

Se eu fosse um dos muitos de vocês, obrigados a ficar em casa, ver a esposa com três, quatro filhos, e eu não ter, como chefe do lar, como levar comida para a casa, eu me envergonharia. Sempre disse que a economia anda de mãos dadas com a vida.

E foi também o dia que em visita a Propriá, na divisa entre Sergipe e Alagoas, ele discursou para uma pequena multidão:

A Europa e alguns países aqui da América do Sul não têm vacina. Sabemos que a procura é grande. Nós assinamos convênios, fizemos contratos desde setembro do ano passado com vários laboratórios. As vacinas começaram a chegar. E vão chegar, para vacinar toda a população em um curto espaço de tempo.

Nesse dia, o Brasil registrou o terceiro maior número de novas mortes por covid-19 em um intervalo de 24 horas. Foram 1.439 óbitos e 60.301 novos casos da doença. No total são 221.676 óbitos até agora e 9.060.786 pessoas contaminadas.

E o Instituto Butantã revelou que tem 54 milhões da vacina Coronavac em estoque, mas que o governo federal não quer dizer se irá comprá-las ou não. Há Estados e países interessados em comprar, mas o silêncio do Ministério da Saúde é um empecilho.

E o Lowy Institute, centro de estudos baseado em Sydney, na Austrália, apontou em relatório que o Brasil foi o país que teve a pior gestão pública durante a pandemia. Ficou na última posição entre 98 governos avaliados.

Ainda nesse dia, recém-nomeado assessor especial do Ministério da Saúde, o general Ridauto Fernandes afirmou que Manaus tem quase 600 pacientes de Covid-19 na fila de atendimento e que, caso evoluam para quadros graves, “vão morrer na rua”.

Em reunião da comissão externa do coronavírus na Câmara dos Deputados, Fernandes enfatizou que o gargalo está na falta de oxigênio. “Abre o leito, bota o paciente e ele vai morrer asfixiado no leito. E aí, vai adiantar abrir o leito?”.

O alerta do general foi ampliado por Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, em entrevista à TV Cultura. Ao comentar a disseminação da nova variante do coronavírus detectada em Manaus, Mandetta previu:

Provavelmente, a gente vai plantar essa cepa em todos os territórios da federação e daqui a 60 dias a gente pode ter uma mega epidemia. 

Pergunta que não cala: a quem os militares devem obediência?

Pandemia é uma guerra

O presidente da República manda a imprensa enfiar latas de leite condensado (você sabe onde) e desce ao nível mais baixo da cadeia alimentar dos seres vivos. Para manter o mesmo diapasão: alguém aqui imaginou ver general e coronéis interventores do Ministério da Saúde fazendo c* doce para comprar mais vacinas do Butantan?

Logo as únicas que o país produz até agora no decorrer de uma pandemia que não para de piorar. Não passa pelo terreno baldio que eles carregam em cima do pescoço que, se demorar a comprar, a China e a Sinovac não terão mais insumos para fornecer este ano? E que a produção é limitada e todo o mundo corre atrás?

Existe corte marcial no Brasil, como em todos os países do mundo que têm forças armadas, para julgar crimes de guerra e contra a humanidade? Combater a pandemia é um tipo de guerra. Angela Merkel, chanceler da Alemanha, disse que a pandemia é o pior evento enfrentado pela humanidade desde a Segunda Guerra.

O povo brasileiro ainda faz parte da humanidade? Os generais e coronéis do Ministério da Saúde não enfrentarão nenhum julgamento? Ou vamos, de novo, anistiar geral e criar outra Comissão Nacional da Verdade para expor seus crimes daqui a cinquenta anos em cima de uma montanha de cadáveres?

O pretexto da luta contra o comunismo absolveu no passado torturas e mortes. E agora? Alegar “obediência devida” a um superior hierárquico no limite da insanidade absolverá outra vez? O Exército acredita mesmo que está desvinculado do ministério militarizado da Saúde e comandado por um general da ativa?

Se o Brasil estivesse em um conflito bélico, e as vidas dos soldados corressem grave risco, os generais refugariam mais munição e armamento? Pediriam quatro meses para pensar a respeito? Os soldados ainda teriam uma vantagem sobre nós: poderiam desertar e sumir no mundo. Nós não temos para onde fugir.

As Forças Armadas brasileiras juram obediência à Constituição e lealdade ao povo ou a um indivíduo que, por palavras, exemplos e ações induz à morte os que o elegeram e também os que votaram contra ele?


Reinaldo Azevedo: Lira não é só o antirreforma; ele é a contrarreforma

Deputado encarnaria antiliberalismo na sua modalidade reacionária

É evidente que considero desastrosa para o país a eventual vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara. E de várias maneiras. Com ele, eleger-se-ia não só a antirreforma, mas a contrarreforma.

Se já há dificuldade para emplacar no Congresso qualquer coisa que possa lembrar, de longe, uma pauta liberal, o parlamentar encarnaria esse antiliberalismo na sua modalidade reacionária.

Uma mágoa de Jair Bolsonaro com Rodrigo Maia (DEM-RJ) faz sentido. O atual presidente da Câmara, de fato, criou obstáculos civilizatórios para que o outro levasse adiante sua agenda fúnebre na Casa --que Lira, se vencer, promete retomar.

Bolsonaro admite —com o despudor com que anseia enfiar leite condensado na parte terminal do aparelho digestivo da imprensa— que resolveu meter a mão grande na disputa. Seu escolhido é uma espécie de Eduardo Cunha redivivo nos transes da ventura e nos dons do pensamento.

Há, no entanto, uma diferença: Cunha fez-se presidente da Câmara na contramão da tentativa de Dilma Rousseff de emplacar um nome. Bolsonaro, consta, pode ser mais feliz na empreitada, mas isso não muda a natureza e o caráter do seu parceiro. Perderá ganhando ou perdendo.

Lira foi um dos algozes no governo na Câmara ao longo de 2019. Ele e o presidente começaram a trocar juras de amor eterno no começo de 2020. No dia 19 de abril do ano passado, num ato golpista em frente ao QG do Exército, em Brasília, o "Mito", na prática, incitou as tropas a aderir a um autogolpe, sob seu comando.

Discursou: "Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou para trás. Nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, têm que ser patriotas e acreditar e fazer a sua parte para que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder".

No dia seguinte, recebeu Lira no palácio para marcar "o fim da patifaria". Ambos fizeram uma selfie. Imagino um deles soprando aos ouvidos do outro: "Acho que este é o começo de uma bela amizade", como Rick, o amoralista charmoso e do bem, em conversa com Louis, o policial corrupto, no fim do filme "Casablanca". "Quem é o Rick da relação, Reinaldo?" Ninguém.

O "velho ficou pra trás"? Reportagem do Estadão evidencia que 250 deputados e 35 senadores foram premiados com R$ 3 bilhões, além das emendas parlamentares previstas, em obras para seus redutos. Maia estima as promessas em R$ 20 bilhões. Não há esse dinheiro.

Presidente fraco e destrambelhado azeita o mercado das adesões. A sua eficiência está em ser incompetente, o que dificulta a formação de base de apoio —e observo que isso nosso mandatário não tem nem terá. Sem a adesão orgânica de partidos ou parlamentares, resta ir às compras. E, como é sabido, o centrão não dá nem empresta. Vende.

Dilma chegou a ter a maior base de apoio das democracias no Congresso. Parte considerável era formada por esses patriotas. Aquele espetáculo grotesco do "eu digo sim (ao impeachment) em nome da minha mãe, do meu cachorro e da perereca da vizinha presa na gaiola" era a turma em ação.

Enquanto escrevo, Bolsonaro, Lira e os contemplados pelas verbas cantam seu triunfo. Se o deputado do Progressistas (que nome!!!) derrotar Baleia Rossi (MDB-SP), não leva só a presidência da Câmara. Também terá um refém em cativeiro: o presidente da República.

Por mais que seja apaixonado por si mesmo, o "Mito" não é tolo o bastante para acreditar que seu governo é bom. Deve ter noção dos desastres em curso e sabe que o futuro não é sorridente. Quer a garantia de que o presidente da Câmara jamais porá para tramitar um pedido de impeachment.

O centrão é essa garantia? Enquanto Bolsonaro dividir com o grupo o governo e as verbas, sim. Se o troço desandar, sempre se pode evocar o "fato novo" e dar o cavalo de pau no que foi dito no dia anterior. Saindo tudo como quer o presidente, mal posso esperar para ver Paulo Guedes a debater com Lira a "recuperação em V".


César Felício: A dificuldade que virá

Rodrigo Maia foi um presidente da Câmara independente. Embora apoiado por Bolsonaro, Arthur Lira não tende a ser servil caso eleito

Será uma enorme surpresa para todos os observadores da cena política se na próxima segunda-feira o deputado Arthur Lira (PP-AL) não se eleger presidente da Câmara, no primeiro ou no segundo turno. A polêmica agora é dimensionar a magnitude deste evento no transcurso do governo Bolsonaro, questão em que é extremamente importante prestar atenção em quem está saindo de cena e quem está entrando. Comecemos por quem sai.

Rodrigo Maia foi um presidente da Câmara singular, não apenas pelos cinco anos e meio que ficou no cargo. Ele dependeu pouco tanto de Michel Temer quanto de Bolsonaro para conquistar o que conquistou. Foi eleito pela primeira vez em um mandato tampão, na atabalhoada saída de Eduardo Cunha do cargo, primeiro por força de uma decisão judicial e depois da renúncia na fracassada tentativa de preservar o mandato.

Em julho de 2016, ele se apoiou em uma coligação branca com as oposições para derrotar o candidato do Centrão, Rogério Rosso (PSD-DF). É um pouco o que tenta repetir agora, ao urdir a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP). Ainda muito tributário de Cunha, mas bastante interessado em quebrar esta dependência, o então presidente Michel Temer pouco pôde fazer para interferir no processo.

Maia assumiu sem dívidas com o Planalto. A reeleição em 2017 foi viabilizada por uma exceção aberta pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2019 tinha o direito de permanecer assegurado e Bolsonaro sequer ousou articular contra ele.

A interlocução azeitada com a esquerda nunca o impediu de ser protagonista de uma pauta favorável ao mercado: teto de gastos, reforma trabalhista, marco do saneamento, reforma da previdência e por aí vai. Esta agenda, em muitas ocasiões, pairou acima dos descaminhos do presidente da República de turno.

Com a ascensão de Bolsonaro, Maia tornou-se também o interlocutor privilegiado do ministro Paulo Guedes com a classe política, mas isso durou muito pouco tempo. Manteve essa condição até virar um ator político fundamental em uma engrenagem que ainda está a se provar eficaz: a de que é possível bater Bolsonaro em 2022 sem que se devolva o poder para a esquerda. A partir de então virou o inimigo número dois do bolsonarismo. O número um é o governador João Doria.

Na história da Câmara dos Deputados, a maioria dos presidentes não tem esse perfil independente. O mais comum é chegarem ao poder sustentados pelo Planalto. Maia teve mais poder que um presidente da Câmara normal, mas daí a fazer o sucessor é um grande salto.

Antes da pandemia, ele era um interlocutor dos deputados com o poder central. Teve papel central no avanço do Congresso sobre o Orçamento, até torná-lo quase impositivo. É preciso lembrar o que acontecia no Brasil entre fevereiro e março do ano passado: Bolsonaro estimulava manifestações pelo País contra o Legislativo, tendo como mantra um palavrão dito pelo general Heleno. O pano de fundo era o controle dos recursos orçamentários. Foi neste quadro que se iniciou a emergência sanitária. Este papel negociador de verbas e de cargos foi migrando com força para o Centrão, personificado por Lira.

O andamento da campanha mostrou flancos abertos no coração da base de Maia: o eixo PSDB/DEM. “A campanha é uma lástima. O Lira sente o chão do plenário. O Baleia, abraçado ao Maia, apostou tudo nas cúpulas, quando a eleição de mesa diretora é uma ocasião rara em que a base impera”, comentou o tucano Danilo Forte (CE).

Para o deputado Arthur Maia (BA), integrante do DEM e sem parentesco com o presidente da Câmara, faltou inclusive diálogo com as cúpulas, a começar do próprio partido de ambos. “Ele não consultou ninguém no partido para construir a candidatura do Baleia. No ano passado, sem fazer uma única reunião no DEM, apostou em um golpe institucional para viabilizar sua própria reeleição no Supremo. Ele se acha proprietário da sigla”.

É uma referência à canhestra articulação comandada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para reinterpretar a Constituição e viabilizar a reeleição das mesas. A jogada não deu certo e foi derrotada no Supremo por 7 votos a 4. Rodrigo Maia paralisou a escolha de seu sucessor para aguardar o desfecho dessa trama. Agora, o presidente da sigla, o baiano ACM Neto, assistiu serenamente a adesão de toda seção do DEM de seu Estado à candidatura de Lira.

O futuro de Rodrigo Maia é nebuloso. “Penso que ele submerge. Ele perdeu espaço político no seu partido e a narrativa no mercado de que tinha um compromisso visceral com a agenda liberal, ao se afastar do Guedes”, opina o consultor Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

Sobre quem deve entrar: Arthur Lira é um cumpridor de acordos, isso é quase um chavão nos corredores da Câmara. Vai lidar como presidente da Casa com uma pessoa que não é conhecida por essa característica, o presidente Jair Bolsonaro, ou seja, há um perigo ali na esquina

. Ele provavelmente vai estabelecer na Câmara como prioridade uma das pautas caras ao bolsonarismo, que é a que conflui com a bancada da bala. “Facilitação da venda de armas e votação do excludente de ilicitude vão para o primeiro plano”, acredita Queiroz. Também deve colocar na ordem do dia a reforma administrativa, para quebrar o poder das corporações do funcionalismo. A partir daí, tudo dependerá de uma relação transacional, que pode ser perigosa para Paulo Guedes.

Em uma conversa em agosto do ano passado, Lira demonstrou grande preocupação com a importância de se manter mecanismos de ajuda assistencial e muita consciência do poder que pode chegar às suas mãos. “Sou de Alagoas. Sei da dificuldade que virá”, comentou.

Ele ressaltou que o Parlamento é muito, muito poderoso. “O Congresso pode alterar qualquer regra”, disse na ocasião. “Os presidentes das Casas são muito fortes. O sistema é parlamentarista. E acordos precisam ser cumpridos. Se não, não passa. Ninguém se sustenta se não houver acordo”.

É evidente que Lira não está disposto a entregar coisas de graça ao presidente e isso pode ter repercussões na execução do Orçamento, na distribuição de cargos e no poder individual de cada ministro. Não há nenhum ministro que reúna tanto poder e que dialogue tão mal com o Congresso como Guedes.

“Trata-se de um profissional. Ele sabe ter uma conversa séria. Joga o jogo. Mas se está afinado com Bolsonaro em tudo eu não sei. Este cara é um enigma”, sintetizou um alto executivo de uma instituição financeira que teve com ele um contato recente.


Folha de S. Paulo: Baleia acusa Lira de mentir e vê rival de salto alto em disputa na Câmara

Candidato de Rodrigo Maia afirma também que adversário está cantando vitória antes do tempo

Danielle Brant, Folha de S. Paulo

Candidato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à Presidência da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem plantando notícias mentirosas e está de “salto alto” na disputa, afirma seu adversário na corrida eleitoral, deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

Baleia, presidente do MDB, é o nome apoiado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para sucedê-lo. Nos últimos dias, ganharam força notícias de que o bloco de Maia estaria enfrentando defecções importantes, inclusive dentro do DEM, partido do deputado.

A eleição acontece nesta segunda-feira (1º), no plenário da Câmara.

Em entrevista após participar de uma rodada de perguntas promovidas pela frente parlamentar contra a corrupção nesta quinta-feira (28), Baleia afirmou que seu adversário está desesperado.

“Quem está ganhando a eleição não precisa mentir. E os nossos adversários estão mentindo muito, e isso é sinal de desespero”, afirmou. O presidente do MDB disse que está conversando com deputados e descartou qualquer possibilidade de o DEM migrar para o bloco de Lira —aliados do líder do centrão calculam ter dois terços de apoio no partido de Maia, que nega.

“Vejo um desespero muito grande por parte do nosso adversário. Vejo plantações de notícias mentirosas, vejo eles de salto alto, cantando vitória”, afirmou. “E vejo também uma interferência brutal do Palácio do Planalto na tentativa de diminuir o debate da Câmara, de fragilizar o trabalho dos parlamentares.”

Na quarta-feira (27), o próprio Bolsonaro admitiu interferência nas eleições à Presidência da Câmara.

Para tentar eleger Lira, o Planalto tem, desde o final do ano passado, acenado com cargos e emendas e ameaçado retirar de funções na máquina federal indicados políticos de deputados federais de siglas como MDB e DEM.

Em reação, Maia afirmou que essa intervenção vai deixar sequelas para os lados envolvidos na disputa.

“É um alerta aos deputados e deputadas que a intenção do presidente é transformar o Parlamento num anexo do Palácio do Planalto, o que enfraquece o mandato de cada deputado e cada deputada e, principalmente, o protagonismo da Câmara dos Deputados nos debates com a sociedade.”

O presidente da Câmara estimou que o Executivo tenha prometido cerca de R$ 20 bilhões em emendas extraorçamentárias para tentar assegurar apoio a Arthur Lira (PP-AL).

Nesta quinta, Baleia afirmou ainda que pretende votar a reforma tributária, relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ainda no primeiro trimestre. Segundo ele, caso as mudanças já tivessem sido aprovadas, a montadora Ford não teria deixado o país.

“Nós temos a saída da Ford como algo muito forte nesses últimos tempos. Se nós tivéssemos a simplificação tributária pela PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 45, da união dos cincos impostos federais, estadual e municipal, já implementada, com certeza a Ford não sairia. Nós não estaríamos vivendo esse processo de desindustrialização que nós estamos vivendo hoje.”

O presidente do MDB disse ainda ser favorável à regulamentação do lobby. “Esse é um tema que já se arrasta na Câmara há muito tempo”, disse. “Não entendo por que ainda não houve deliberação do assunto.”