arthur lira

Folha de S. Paulo: Em 1ª decisão, Lira rebaixa PT, favorece aliados e tira tucanos e Rede do comando da Câmara

Novo presidente da Câmara anulou decisão de Maia que autorizou a formação de bloco de partidos

Danielle Brant , Julia Chaib , Ranier Bragon , Thiago Resende e Gustavo Uribe, Folha de S. Paulo

Apesar do discurso inicial conciliatório e de respeito a todas as forças políticas que o deputado Arthur Lira (PP-AL) adotou na noite desta segunda-feira (1º) assim que foi eleito à presidência da Câmara, seu primeiro ato no posto exclui praticamente todos os adversários de cargos do comando da Casa, trocando-os por aliados.

Além do cargo de presidente, a cúpula da Câmara é formada por outros seis postos —1ª e 2ª vices-presidências, 1ª, 2ª, 3ª e 4ª secretarias. Esse colegiado de sete deputados é responsável por todas as decisões administrativas da Câmara e também por algumas políticas, como o encaminhamento de representações contra deputados.

Em sua decisão, Lira adotou entendimento que, se mantido, rebaixa o PT do terceiro posto mais importante, a primeira-secretaria, para o último, a quarta-secretaria. Já PSDB e Rede, que também integravam bloco adversário a Lira, perdem os postos a que teriam direito (segunda e quarta secretarias).

"Primeiro ato de Arthur Lira foi dar um golpe na oposição para mandar na Mesa da Câmara. Violência contra a democracia. Mostrou que será um ditador a serviço de Bolsonaro", escreveu em suas redes sociais a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

A retirada de adversários em prol de partidos aliados se deu porque Lira indeferiu o registro de candidatura do bloco adversário, de Baleia Rossi (MDB-SP), sob alegação de que o PT perdeu por seis minutos o prazo estipulado para registrar no sistema seu apoio a Baleia.

O PT contesta, afirmando que uma deficiência no sistema o impediu de cumprir o prazo.

Os seis cargos da Mesa são distribuídos de acordo com o tamanho de cada bloco. Sem o PT, o bloco de Baleia só terá direito à última vaga. O de Lira, às cinco primeiras —que devem ser distribuídas a partidos de seu bloco, formado majoritariamente pelo centrão.

Partidos da oposição e outros políticos prometem recorrer nesta terça-feira (2) ao STF (Supremo Tribunal Federal). A possibilidade de judicialização foi discutida em reunião na presidência do MDB, no início desta madrugada.

"Nós não aceitamos esse ato. Os partidos irão, conjuntamente, ao Supremo Tribunal Federal", disse o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), após o encontro dos deputados.

Segundo ele, os partidos que apoiaram a candidatura de Baleia Rossi ficaram sobressaltados com o ato "autoritário, antirregimental e ilegal" de Lira. "Se continuar neste caminho, [Lira] comprometerá a governabilidade da Casa e perderá qualquer condição de presidir esta Casa", disse.

Líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL) afirmou que Lira fez um discurso exaltando a voz do Parlamento e, "em um ato autoritário", anulou um bloco parlamentar e parte de uma eleição que foi acordada e discutida pelo colégio de líderes. "Isso é inadmissível."

Após a confirmação da vitória, Lira fez um primeiro discurso pregando conciliação com adversários na disputa, mas com indiretas ao agora ex-presidente da Casa Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O deputado do PP disse que iniciava a presidência com humildade e prometeu absoluta dedicação ao cargo.

"Estou aqui de pé ao lado desta cadeira do presidente ainda vazia, fazendo esse discurso de pé em homenagem a todos os partidos dos que votaram e os que não votaram em mim", disse. "Prometo respeitar como presidente as forças vivas desta Casa Legislativa."

Lira afirmou que não se confunde com a cadeira de presidente e que jamais irá se confundir. "Sou um deputado igual a todos, não sou nem serei a cadeira que irei ocupar", disse.

Ao longo da campanha, Lira acusou Maia de personalizar a presidência da Câmara.

No discurso, o novo presidente da Câmara pediu um minuto de silêncio às vítimas de Covid-19 no país e defendeu a democracia como uma construção política. "A Câmara é e sempre foi a espinha dorsal do regime democrático."

Lira afirmou que o presidente deve ter neutralidade no cargo e olhar para todos os lados do plenário.

"A arquitetura desta Casa é clara. Tudo aqui deve ser coletivo, a direção deve ser coletiva", ressaltou o novo presidente, que destacou que os Poderes devem atuar com harmonia sem abrir mão da independência.

Ele disse ainda que não cabe ao presidente estabelecer as prioridades dos projetos, e sim aos deputados e à sociedade. "Tenho opiniões, mas, como presidente da Câmara, minha opinião deve refletir a dos demais."

O novo presidente também fez um aceno ao rival derrotado Baleia, a quem chamou de amigo talentoso e líder habilidoso, e afirmou que, encerrada a disputa, todos voltam a ser representantes do povo brasileiro.

Também fez elogios a Maia, sobre quem disse ter discordâncias, mas também pontos em comum.


O Estado de S. Paulo: Parlamentares que trocaram Baleia por Lira receberam verba extra do governo

Dos 235 deputados que dizem votar no candidato apoiado por Bolsonaro, conforme o placar ‘Estadão’, 140 aparecem em planilha do governo; ministro diz que ‘não está havendo nenhuma conversa relativa à negociação de voto’

Breno Pires, Patrik Camporez e Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Parte dos apoiadores do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) que mudou seu voto e passou a apoiar o candidato do governo Bolsonaro na disputa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), foi contemplada com recursos extras do Ministério do Desenvolvimento Regional, segundo uma planilha informal de distribuição de recursos ao qual o Estadão teve acesso. No total, 285 parlamentares puderam indicar o destino de R$ 3 bilhões para seus redutos eleitorais. Todas as autorizações e repasses da planilha foram feitas em dezembro, mês em que o governo intensificou as articulações para eleger seus candidatos.

O candidato do MDB tem dado declarações públicas acusando o governo de cooptar seus eleitores com a distribuição de verbas e cargos, além de demitir apadrinhados dos seus apoiadores acomodados na administração federal. Dos 235 deputados que dizem votar em Lira, conforme o placar Estadão neste domingo, 140 aparecem na planilha do governo indicando R$ 1,2 bilhão em recursos extras para obras em seus Estados (veja a lista ao fim do texto).



Os parlamentares dizem que a liberação de recursos extras neste momento de campanha não está relacionada ao voto no Congresso, mas a acordos anteriores que visam atender necessidades legítimas de seus Estados.

Conforme revelou o Estadão, o governo despejou verbas não rastreáveis por mecanismos de transparência. Nesse modelo, não é possível identificar quem indicou o montante caso haja algum esquema de corrupção envolvendo determinada obra. Os ministérios fazem planilhas informais, que não são acessíveis às autoridades e à sociedade. É o contrário do que ocorre com as emendas parlamentares, onde é possível acompanhar desde a indicação do recurso até a execução da obra.

O líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO), contemplado com R$ 85 milhões de verba extra do Ministério do Desenvolvimento Regional, admitiu ao Estadão que os recursos ajudam a “sensibilizar” os parlamentares a votarem de acordo com o governo. “É evidente que, quando o governo tem essa sintonia e trabalha com municípios e estados, tem uma tendência de que fique com o governo”, afirmou. O senador reconhece a falta de transparência nessa modalidade de repasse, mas recomenda que as pessoas acompanhem as redes sociais dos 513 deputados e 81 senadores, além dos sites das prefeituras (o País tem 5.570 municípios) e dos Estados (são 26 mais o DF) para tentar rastrear quem indicou a verba.

Candidato do governo na Câmara, Arthur Lira tem operado diretamente nas negociações de repasse das verbas. A ofensiva inclui ainda o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o titular do Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, pasta que concentra os projetos que vão receber os recursos.

Responsável pela articulação política, o general Ramos disse ao Estadão que as planilhas não são da Secretaria de Governo. “Não está havendo nenhuma conversa relativa à negociação de voto. Seria até ofensivo, de minha parte, negociar voto em troca de cargos e emendas”, afirmou.

O presidente Jair Bolsonaro, que tem recebido pessoalmente parlamentares, já disse que “se Deus quiser vai influir na presidência da Câmara” e, neste sábado, 30, prometeu desalojar o atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, o que abre espaço para lotear o ministério que cuida do Bolsa Família, uma demanda do Centrão. O presidente não comentou sobre as acusações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e de Baleia Rossi de que seu governo está trocando verbas por votos.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu acabar com o chamado toma lá dá cá e a montar um ministério sem indicações partidárias, acabando com uma prática comum entre seus antecessores. O chamado presidencialismo de coalizão, quando o governo distribui cargos para os partidos em troca de apoio no Congresso, já resultou em esquemas de corrupção como o mensalão e o petrolão (desvendado pela Lava Jato). “Nosso maior problema é o toma lá dá cá e as consequências desse tipo de fazer política são a ineficiência do Estado e a corrupção”, disse o então candidato Bolsonaro na campanha de 2018. 

Deputados ignoram orientação das bancadas e declaram voto em Lira

Ao passo que as conversas com Ramos prosseguiam, parlamentares deixaram de lado a orientação de suas bancadas de votar no deputado Baleia Rossi e declararam voto em Arthur Lira. É o caso de oito deputados do DEM, partido do presidente atual da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), fiador da candidatura de Baleia. Entre os dissidentes do DEM pró-Lira listados na planilha do governo estão Elmar Nascimento, Arthur Maia e Leur Lomanto Júnior, todos da Bahia. Além deles, Carlos Henrique Gaguim (TO), Pedro Lupion (PR) e David Soares (DEM-SP) e Alan Rick (DEM-AC) também estão com Lira. A liderança do DEM foi procurada, mas não se manifestou.

O deputado Alan Rick (DEM-AC) diz que os recursos haviam sido negociados há tempo, sem qualquer relação com a disputa interna da Câmara. De acordo com ele, sua opção contra Baleia explica-se pelo incômodo com a adesão dos partidos de esquerda ao candidato. “É recurso do ano passado e não tem nada a ver com a votação. Não negociei votação. Saí do Republicanos porque queriam fazer bloco com o PT no Acre. Não vou assinar bloco com PT. Não pedi um centavo. Não tem nada a ver com a eleição da Câmara, mas com luta nossa”, disse.

O deputado Pedro Lupion (DEM-PR) também rechaça a relação entra o apoio ao candidato do governo e a liberação de verbas. Segundo ele, o voto pró-Lira é coerente com a postura que adota no Parlamento. “Sou vice líder do governo no Congresso. Apoiei Bolsonaro na eleição e continuo apoiando. Sigo com Arthur Lira desde o lançamento de sua candidatura”, declarou. Procurados, Elmar Nascimento (DEM-BA) e David Soares (DEM-SP) não quiseram comentar.

A maior dissidência registrada, no entanto, foi a do PSL, partido que elegeu o presidente Jair Bolsonaro. A sigla anunciou no dia 21 de janeiro apoio à candidatura de Arthur Lira. Isso ocorreu duas semanas após a liderança do partido ter participado do lançamento da campanha de Baleia Rossi. Segunda maior bancada da Câmara, o PSL tem 52 deputados. Desses, 16 que estão na planilha do governo declararam voto a Lira, de acordo com o placar do Estadão

PSDB, que declarou e ainda mantém apoio a Baleia, tem ao menos seis deputados que estão na planilha do governo que, contrariando orientação partidária, declararam voto em Arthur Lira. São eles: Mara Rocha (AC), Adolfo Viana (BA), Luiz Carlos (AP), Edna Henrique (PB), Celso Sabino (AP) e Rose Modesto (MS).

O deputado Adolfo Viana (PSDB-BA) diz que é importante ter o apoio do governo para levar recursos às regiões carentes da Bahia. No entanto, ele diz que os recursos extras aos quais teve acesso não prejudicam sua independência para escolher em quem votar. “Não teve nada condicionado. Não vejo problema em estarmos buscando recursos para as cidades que representamos. A gente busca o apoio do governo federal, mas não existe o ‘toma lá, dá cá’. Precisamos de apoio do governo, o Estado é carente. Mas nem por isso somos controlados”, disse.

No campo da esquerda, as legendas manifestaram apoio a Baleia Rossi, mas não impediram as dissidências. Gil Cutrim (PDT-BA) revelou voto em Lira. Ele poderá indicar R$ 2 milhões de verbas extras para obras, conforme a planilha a que o Estadão teve acesso. No PSB, os dissidentes são Liziane Bayer (RS), contemplada com R$ 2,6 milhões, e Felipe Carreras (PE), R$ 2 milhões. Em dezembro, uma indicação feita pelo parlamentar de ações da Codevasf, teve sinal verde do Ministério do Desenvolvimento Regional.

“Não tenho conhecimento do assunto e de nenhuma lista. Se não for algo forjado, como uma lista folclórica que estava circulando, e esse recurso existir e for liberado para o governo de Pernambuco, você (repórter) está dando uma grande notícia”, disse Carreras ao Estadão. “Meu apoio a Arthur nunca esteve condicionado à liberação de emendas”, garantiu. 

Estadão procurou as lideranças na Câmara do Avante, DEM, PP, Pros, PRB, PSDB, Podemos e PSL, mas elas não quiseram comentar os repasses a deputados das siglas. No Senado, a reportagem procurou as lideranças do DEM, Podemos, PP, PT, Republicanos, Pros e PSD, que também não se pronunciaram.

Ramos dá aval  aos ‘recursos extras orçamentários’

Os pagamentos são feitos pelos chamados “recursos extra orçamentários”, sempre com o aval do ministro Luiz Eduardo Ramos. Há casos em que os valores liberados correspondem a acordos anteriores ao período eleitoral, mas que só agora foram honrados, em meio às articulações para a eleição no Congresso.

Embora os poderes sejam independentes, o governo tenta interferir na disputa para colocar aliados nos comandos das Casas Legislativas de forma que possa dominar a agenda de votações. Bolsonaro se queixa que Maia barrou sua agenda ideológica prometida na campanha.

Maia focou o último ano em aprovar uma agenda econômica e medidas para ajudar a combater a pandemia do novo coronavírus. Partiu do Legislativo, por exemplo, aprovar uma ajuda emergencial para pessoas de baixa renda afetadas economicamente pela crise na saúde. O governo era contra inicialmente e só aderiu a essa agenda quando percebeu que o Congresso iria impô-la de qualquer maneira.

O trâmite para a liberação das verbas tem sido providenciado em tempo “recorde”, segundo parlamentares que têm participado das conversas, a portas fechadas, com Ramos revelaram de forma confidencial ao Estadão. O gabinete do ministro, no quarto andar do Palácio do Planalto, mesmo prédio onde despacha Bolsonaro, tornou-se uma espécie de “QG” do “Balcão de negócios” de apoio a Lira e Pacheco. De acordo com as consultas feitas nos sistemas de pagamento no governo, os empenhos de verbas (primeiro passo para a liberação) ocorrem em menos de uma semana após a visita ao gabinete do ministro.

No último dia 9 de dezembro, por exemplo, o deputado Zé Vitor (PL-MG) teve uma reunião a portas fechadas no gabinete de Ramos. “Eu estive lá, acho que foi… não me recordo. Acho que foi para tratar alguma questão… ambiental. Nós temos um monte de eventos. Eu sou coordenador de meio ambiente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Acho que foi para tratar de alguma participação do governo em algumas ações nossas lá”, disse.

Três dias depois, chegou aos sistemas do Ministério de Desenvolvimento Regional uma proposta de R$ 700 mil, com o nome do deputado, para realização de obras viárias no município de Serra do Salitre (MG). Essa foi uma das 22 propostas listadas na planilha de Ramos, ao lado do nome de Zé Vitor, na condição de aprovadas. O parlamentar pode direcionar R$ 22,5 milhões.

Ao Estadão, Zé Vitor informou que a última vez que conversou com Lira foi em Belo Horizonte, há uma semana. “Comigo não tratou desse assunto (troca de apoio). Estou falando a verdade para você. Pode ter certeza”. Questionado se a planilha do governo, com os nomes dos parlamentares, seria uma forma de manter o controle de quem está sendo beneficiado, Zé Vitor discordou. “Não acho que é controle, é alguma organização, não é? Até para ter um mínimo de um ambiente organizado”.

A engenharia criada por Ramos para atender aliados ignora regras básicas da divisão do orçamento previstas em lei e permite o fatiamento, entre aliados, do dinheiro reservado aos ministérios. Apenas no PL, 14 deputados que declararam apoio em Lira, aparecem na planilha de Ramos. Eles foram beneficiados com o repasse de R$ 291,7 milhões.

Braço direito de Lira, o líder do PL na Câmara, deputado Wellington Roberto (PB), foi o parlamentar do seu partido mais contemplado pelo governo, com R$ 81,5 milhões. A sigla destinará um total de R$ 321 milhões. Em 2016, o deputado estava em lado oposto de Bolsonaro, quando votou contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT), com quem o atual presidente rivaliza.

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Segundo o deputado, a liberação de verba extra é algo “natural”. “Até porque quando o parlamento é eleito pelas suas bases, ele já assume compromissos de trazer ações oriundas do governo federal ou do governo do estado, é para ajudar seu município”, afirmou. “Essa coisa que está sendo trazida, agora, só porque é época de eleição da mesa, só para tentar, na verdade, dar uma conotação diferente da responsabilidade do governo federal”, completou. “O governo federal é o guarda-chuva central. O governo tem que ajudar sim os Estados e municípios.”

Procurada, a liderança do PL afirmou que o governo é quem deveria explicar a listagem de deputados numa planilha. “A Liderança do PL confirma que os deputados citados na suposta lista são filiados à legenda liberal. Entretanto, esclarece que a inclusão de nomes em qualquer listagem só pode ser explicada por quem fez a suposta lista”, afirmou.

Conforme revelou o Estadão, caciques partidários têm sido mais contemplados do que os deputados do chamado baixo clero – por não terem influência nas decisões, embora seus votem valham como os dos demais. Para incômodo de quem apoia Lira, o governo usou escalas diferentes na distribuição das verbas extras na Câmara. Um seleto grupo de 47 deputados foi contemplado, cada um, com recursos a partir de R$ 5 milhões para obras. Numa faixa intermediária, 39 puderam destinar entre R$ 2,5 milhões a R$ 4,9 milhões. A lista dos que aparecem abaixo desses valores é formada por 50 parlamentares.

A soma dos valores destinados atendendo a indicações desses 139 deputados que abriram seus votos é de R$ 1,197 bilhão. Além deles, no entanto, outros 15 deputados que já declararam apoio ao candidato governista constam na planilha do governo e indicaram transferências que somam R$ 59,2 milhões. No caso desses, porém, as propostas constam como “não empenhadas por falta de tempo hábil”. 

No Senado, a soma dos recursos das obras indicadas pelos 24 parlamentares pró-Lira chega a R$ 945,85 milhões. O senador Acir Gurgaz (PDT-RO) aparece na planilha como destinatário de R$ 12,6 milhões do orçamento. À reportagem, ele disse que o apoio em Pacheco não tem relação com as verbas do governo. “Até porque esse recurso foi empenhado para 2020, antes de qualquer candidatura à presidência do Senado”.

O senador Zequinha Marinho, do PSC do Pará, também aparece na planilha do governo e declara apoio a Rodrigo Pacheco. O parlamentar, no entanto, nega que o nome dele na planilha tenha a ver com a eleição no Senado. “Só gostaria de lembrar que a candidatura do senador Rodrigo Pacheco é algo recente”, disse.





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O presidente da Câmara consolidou a imagem de seriedade, se contrapôs à abjeta agenda reacionária de Bolsonaro, e focou nas reformas liberais. Mas a vitória de seu sucessor, Baleia Rossi, parece improvável, e a partir daí Maia terá de se perguntar: Quem e o quê fui? Aonde errei?

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, construiu em pouco tempo uma das mais promissoras carreiras da história parlamentar do Brasil. Contrariando prognósticos de quem se dizia especialista em eleições congressuais, em 14 de julho de 2016 se elegeu presidente da Câmara dos Deputados para exercer um mandato-tampão de sete meses em razão da prisão do antecessor Eduardo Cunha. Cunha havia sido o dínamo que deu energia, oxigênio e musculatura aos movimentos inicialmente desconexos de setores recalcados da sociedade brasileira que começaram a reivindicar o impeachment da presidente Dilma Rousseff tão logo foram fechadas as urnas de 2014. Para se safar da escalada de investigações contra si e, ao mesmo, converter-se em alternativa de poder real, Cunha inventou o processo de impedimento presidencial sem a existência de um crime de responsabilidade.

Executada a missão do golpe parlamentar imposta pelo andar de cima da sociedade, deposta Dilma, Cunha caiu em desgraça e foi preso semanas depois. O establishment político e empresarial entrou em parafuso —quem articularia a aprovação da agenda liberal-conservadora urdidas nos convescotes do mercado financeiro e nos cafés-com-algo-mais das torres de vidro da Faria Lima? “Maia” era a resposta e parecia mesmo uma solução.

Dono de um diferencial competitivo raro entre políticos de primeira linha, o deputado do Democratas sempre soube ouvir os interlocutores. Tenha-se claro que ouvir não é sinônimo de escutar. Em política, quando um cacique o ouve é porque ele concede a você a deferência de prestar atenção no que é falado em meio a uma conversa. Maia sempre soube compreender o que lhe era dito e, em rotina ordinária, jamais deixou de dar respostas diretas: sim ou não, segue ou não segue tal ou qual articulação. Parece óbvio, mas agir assim é comportamento escasso em Brasília. Na capital da República, dissimulações e tergiversações são regra e não conduzem a soluções. Problemas sem soluções redundam, em geral, em taxímetros que permanecem ligados e a registrar o custo do acesso a alguém que abra portas no coração do poder.

Cunha liderava uma bancada outrora estimada em 300 almas penadas prontas a depenar quem para elas encomendasse reza. Tinha para tal a destreza dos velhos donos de frota de táxi. Os taxímetros estavam sempre ligados — e na bandeira 2! Muitas vezes, havia a cobrança de taxa extra como, por exemplo, aquelas que muitos aceitam pagar aos frotistas que carregam malas. Sentado na cadeira do antecessor, Rodrigo Maia desligou os taxímetros, extinguiu os pontos de cobrança de frete e de extras e ordenou o extermínio da plantação de jabutis. Na Câmara de Eduardo Cunha os quelônios davam safra em árvores e se reproduziam nas entrelinhas dos textos legais semeados, em geral, a partir de escritórios de advocacia ou de centrais de lobby regiamente remunerados para a faina.

Avesso ao adjetivo “liberal”, uma implicância boba, posto que ele é uma das maiores lideranças da direita liberal do País, depois de tocar fogo no estoque de taxímetros das comissões da Câmara dos Deputados, Maia ganhou fôlego para alçar voo rumo a outro patamar de altitude. Convenceu Michel Temer, o artífice da deposição de Dilma e que herdou a cadeira presidencial, a estabelecer um teto para os gastos públicos e a enviar para o Congresso propostas de reformas das leis trabalhistas, tributárias e previdenciárias.

Convertido em segundo na linha sucessória de Temer, o presidente da Câmara usou os dois olhos, os dois ouvidos e a inteligência rápida para virar o grande polo de soluções de Brasília. Enquanto corria com a tramitação das reformas, cuidou de se aproximar com habilidade de ministros dos tribunais superiores e conseguiu — por meio de vistas grossas — a permissão para pleitear uma reeleição em fevereiro de 2017 que poderia ter sido considerada ilegal. Mas, à guisa de nomes melhores no Parlamento e porque se tentava reunificar uma nação fraturada pelo impeachment sem crime de responsabilidade, Maia foi reeleito e turbinou a aprovação de reformas constitucionais de vezo liberal.

A primeira delas a passar foi a sindical, e desmontou o funcionamento dos sindicatos no Brasil. A segunda, a trabalhista. Alterando mais de uma centena de artigos e dispositivos constitucionais e da Consolidação das Leis do Trabalho, a reforma trabalhista teve o condão de desorganizar a rede de proteção do Estado aos trabalhadores formais brasileiros. Foi um efeito colateral perverso agravado pela peculiaridade de o “capitalismo” brasileiro ser tocado por executivos e investidores com imensa aversão a risco: põe todo o custo social do capitalismo no Estado e só investem quando têm certeza de que receberão benesses e beneplácitos na forma de renúncias fiscais, prazos paternais para devolver empréstimos a bancos públicos e certeza de que inadimplências tributárias serão perdoadas. Interlocutores advertiram Maia de que o tiro sairia pela culatra, com ampliação do desemprego e redução da Rede de Proteção Social — além de redução na arrecadação da Previdência Social. O presidente da Câmara ouviu-os, porém não os escutou daquela vez.

Em maio de 2017, Rodrigo Maia precisou vestir às pressas o uniforme resistente a fogo dos bombeiros e correr para salvar Michel Temer do incêndio gerado a partir de uma célula de autocombustão no subsolo do Palácio do Jaburu. Num diálogo tão sórdido quanto grotesco, enquanto fazia as vezes de “Presidente da República”, cargo que tomara de Dilma Rousseff, Temer pedia ajuda ao empresário Joesley Batista e ouvia dele que estava na corrente no mínimo pragmática criada para dar tranquilidade a Eduardo Cunha. O ex-presidente da Câmara, prócer do impeachment sem crime de responsabilidade de 2016, sempre foi amigo e correligionário de Temer e estava vivendo as agonias do xilindró graças a acusações de corrupção, peculato e advocacia administrativa.

Divulgados os diálogos impróprios do subsolo do Jaburu, Temer cogitou renunciar ao cargo ao qual ascendera depois de uma bem-sucedida conspiração parlamentar, jurídica e classista. Estava decidido a fazê-lo quando recebeu um recado de Maia: a conversa com Joesley Batista fora um erro injustificável, mas a renúncia naquele momento jogaria o País num limbo constitucional indigesto e desconhecido.

Assustado com o protagonismo que passaria a ter — caso Temer renunciasse mesmo, seria nomeado Presidente da República e teria de convocar uma eleição no prazo de 60 dias —, Maia deu um salto gigantesco de maturidade política ao mesmo tempo em que cometeu o que alguns consideram seu primeiro grande erro no acerto de contas com a História. Temer refugou, ficou no cargo, decidiu enfrentar a oposição e Rodrigo Janot, o atrapalhado (para dizer o mínimo) Procurador Geral da República. Janot podia ser considerado atrapalhado, mas tinha agenda. E, pela agenda dele, passava a desmoralização da política e dos políticos, tarefa à qual se dedicou com denodo junto com a “Força Tarefa” montada em Curitiba pelo Ministério Público e chefiada por trás dos panos da farsa da Lava Jato pelo então juiz Sérgio Moro.

Na esteira do “fico” de Temer, Rodrigo Maia virou uma espécie de líder do Governo e primeiro-ministro ao mesmo tempo em que chefiava a Câmara dos Deputados. Ministros de Estado, integrantes dos tribunais superiores, plutocratas da Faria Lima e executivos do mercado financeiro passaram a enxergar nele a encarnação do poder, de todo o poder que se é capaz de reunir em Brasília. Não era assim, o próprio Rodrigo Maia tinha a consciência de que as coisas não se davam assim. Entretanto, o figurino era-lhe confortável. Na capital do Brasil, as aparências contam mais que as essências. E ter um infinito poder aparente resolve muitos problemas. Quem conhece os meandros brasilienses, porém, sabe que são glórias transitórias. Tudo passa.

Por duas vezes mais, Maia pôde flertar com a possibilidade de virar presidente-tampão da República e até disputar no cargo uma eventual reeleição em 2018. Tais oportunidades surgiram quando o plenário da Câmara rejeitou duas vezes dar prosseguimento à investigação de denúncias feitas pela PGR contra Temer. Em agosto de 2017 a primeira denúncia foi arquivada por 263 votos contra ela e 227 a favor. Outubro daquele mesmo ano, por 251 votos contra e 233 a favor, num placar mais apertado que refletia o desgaste do governo em virtude do colapso gerencial de Michel Temer, os deputados voltaram a recusar a ação do Ministério Público contra o homem que exercia a Presidência. Se Rodrigo Maia tivesse cedido os dedos de apenas uma das mãos a favor dos mapas de caminhos conspiratórios que lhe foram oferecidos à época daquelas votações, Temer teria caído e a história de 2018 seria bem outra. O presidente da Câmara conservou-se leal ao conjunto ora desconexo de políticos e de interesses que levara o grupo ao poder embora fosse já um crítico contumaz dos erros do Palácio do Planalto e tivesse assentada a certeza de que o diálogo de Michel Temer com Joesley Batista no subsolo do Jaburu inviabilizara a agenda econômica que haviam planejado. Tanto foi assim que a reforma da Previdência precisou esperar a eleição de 2018 para ser debatida a sério e aprovada no Congresso. A reforma tributária, contudo, segue parada e a proposta urdida por Maia com economistas dos mais variados matizes e por amplo espectro partidário, não é prioridade do atual Governo.

Empossado Jair Bolsonaro, um político pérfido, de discurso perverso, e que sempre fez oposição pela extrema-direita a Rodrigo Maia e ao pai dele, César Maia, ex-prefeito do Rio, o presidente da Câmara disputou nova reeleição para presidir a Câmara dos Deputados. Em fevereiro de 2019, foi reeleito com folga. Os papéis distribuídos pelo destino, entretanto, eram já diversos. Ao contrário de Temer e apesar de entabular um discurso repulsivo contra a política, os políticos e as instituições, Bolsonaro tinha consigo a legitimidade do voto popular — recebeu mais de 57 milhões de votos no segundo turno de 2018 — e um vice-presidente também eleito em sua chapa. Maia não poderia mais protagonizar a personagem de líder do governo e primeiro-ministro enquanto vestia o terno (e as camisas polo) de presidente da Câmara.

Ao se contrapor à abjeta agenda reacionária “de costumes” de Bolsonaro, e também porque conferia organicidade e inteligência à agenda econômica do governo eleito, Rodrigo Maia paulatinamente foi atraindo a intolerância e a ojeriza do presidente da República e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ignorante dos hábitos e dos ritos da política, Guedes dinamitou as pontes que poderiam ligá-lo a Maia e deixou que se tornasse caudaloso o rio de ódio entre eles. Bolsonaro, por sua vez, agindo por instintos animais, portou-se como chefe da matilha de lobos famintos integrada por seus filhos — 01, 02 e 03 — e nunca perdeu oportunidade de tentar humilhar Maia.

Bolsonaro, uma vez mais, foi desmentido pelos fatos: foi na Câmara dos Deputados, a partir de debates e projetos legislativos liderados por Rodrigo Maia, que o Estado brasileiro conseguiu exibir uma estratégia mínima de combate efetivo à propagação letal do coronavírus covid-19 durante a pandemia. O auxílio emergencial de 600 reais, entregue diretamente a 38 milhões de brasileiros alocados nos estratos inferiores da pirâmide social, salvou vidas, a economia popular e ao menos retardou a discussão à vera do impeachment de Jair Bolsonaro porque lhe deu sobrevida de popularidade. Sob protestos da equipe econômica de Guedes e por insistência da Câmara, o auxílio foi aprovado pelo Congresso. Toda a estrutura de comunicação e trocas logísticas entre os estados da federação, cujos governadores se revelaram muito mais maduros e preparados que o presidente, foi estimulada e, muitas vezes, formatada pela Câmara.

O presidente da Câmara consolidou a imagem de seriedade e de desprendimento perante parte da sociedade — a parte que sempre o incensou e interessou. Até se ganha eleição sem eles, ou contra eles, mas não se governa o Brasil prescindindo deles. Collor e Dilma sentiram na pele a desconexão que tinham com esse “andar de cima”, produzida no curso de seus mandatos. Fernando Henrique e Lula, eleitos e reeleitos, que governaram oito anos, regozijam-se com méritos de nunca terem cruzado o rubicão ou dinamitado as pontes que existem para tal travessia. E Rodrigo Maia é um exímio construtor dessas pontes.

Mas, os sinais de hostilidade a Maia dados por Bolsonaro foram captados no Congresso e não deixaram de tirar força política do presidente da Câmara. Vem dessa trajetória tortuosa o patente enfraquecimento institucional do político que melhor encarnou a possibilidade de a sua geração chegar efetivamente ao poder à frente dos próprios sonhos e bandeiras, esgrimindo projetos singulares e modernos para o País.

Convencido de que nenhum dos 61 pedidos de impeachment presidencial que foram endereçados à Presidência da Câmara seria aprovado no plenário da Casa, Maia guardou todos na gaveta do reservado de sua sala. Quem o suceder, os herdará; posto que ele tampouco irá arquivá-los. Ante os arreganhos bolsonaristas contra a Constituição, contra o Parlamento e contra si, Maia não os fez andar por um cálculo tão frio quanto controverso: não passariam porque o presidente conta ainda apoio consistente no Congresso e, uma vez rejeitado, o impeachment fortaleceria o presidente da República.

Agir friamente à luz da tragédia sanitária e humanitária do País e ante o cotejamento das ações que podiam ter sido levadas a cabo para arrefecer e frear o contágio e a mortandade provocados pela covid-19, e não o foram, por um Jair Bolsonaro colérico e obscurantista, resultou no recrudescimento das críticas por equívoco dos cálculos políticos. A lealdade devida a Temer não estava posta em cena para justificar o bloqueio ao andamento de ao menos um dos pedidos. Compilação efetuada pelo jornal Folha de S. Paulo levantou a existência de ao menos 23 crimes de responsabilidade passíveis de impeachment em atos e omissões de Bolsonaro, no exercício do mandato, e que foram decisivos para recrudescer a dispersão do vírus e as mortes em decorrência do coronavírus.

Cautela é ferramenta essencial na construção da trajetória de qualquer estadista. Ao driblar uma derrota patente que poderia se converter em fortalecimento de seu adversário político, Maia talvez tenha errado no uso equilibrado da ousadia que, por sua vez, também é atributo necessário a quem está na estrada e dando o norte — como ele. Mas, se o impeachment não teve início por meio de sua caneta, a construção da maioria necessária a aprová-lo passará, necessariamente, pelo espectro de canais de diálogo de largo diapasão que abriu nos diversos setores da sociedade e em todos os partidos políticos.

Aos 50 anos, tendo sido presidente da Câmara dos Deputados por quase cinco anos, Rodrigo Maia teve todas as chances de entregar o cargo a um aliado e pedir que o sucessor cuidasse de seu legado. Sairia do posto muito maior do que entrou. Quando evitou conspirar contra Temer e fazer com que as denúncias da PGR contra o homem que derrubou Dilma Rousseff fossem consideradas procedentes pelo plenário da Casa, recusando as tentações de se tornar presidente da República pela via indireta, usou a favor da própria biografia a lei da lealdade.

A lei da lealdade é uma regra intangível e consuetudinária da arte de fazer política que torna maiores aqueles que são leais aos aliados e, sobretudo, aos adversários. Havia clareza e lógica nos argumentos das denúncias da Procuradoria da República que podiam levar à queda de Temer e à sua ascensão à Presidência. Rodrigo Maia conservou-se fiel ao grupo que derrubara Dilma, obra consumada em sociedade, e trabalhou para manter Temer na cadeira palaciana. A lealdade pregressa, entretanto, não foi respondida à altura pelos pares. Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Temer preso quando 51 milhões de reais em espécie foram flagrados num apartamento dele em Salvador, dizia que era preciso sempre “estar sendo” alguma coisa em Brasília porque quando alguém bate à porta a pergunta que se faz é “quem é?” e não “quem foi?”.

A partir do dia 2 de fevereiro Rodrigo Maia terá de se confrontar com a própria sombra e perguntar: quem e o quê fui? Aonde errei? A vitória de Baleia Rossi, candidato dele, parece improvável neste momento nas calculadoras de votos de quem sabe contá-los nos processos legislativos. Arthur Lira, o nome escalado pelo Palácio do Planalto e pela família Bolsonaro para herdar a cadeira da presidência da Câmara, está ávido para religar os taxímetros da Praça Eduardo Cunha, localizada na esquina da Esplanada dos Ministérios com a cúpula do Plenário Ulysses Guimarães. Ali, há taxistas loucos por retomar o delivery legislativo cujo guichê foi fechado por Maia.

(*) Jornalista, autor de “Trapaça – Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro” e editor do canal youtube.com/c/LuísCostaPintoPlataformaBrasilia


O Globo: Aliados de Bolsonaro, Lira e Pacheco chegam com vantagem para a eleição no Congresso

Após a saída do DEM do bloco de Baleia Rossi, ampliou-se a dianteira do candidato do PP na Câmara

Bruno Góes e Julia Lindner, O Globo

BRASÍLIA —  Com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) chegam com amplo favoritismo para a eleição, hoje, que definirá os novos presidentes de Câmara e Senado. Na noite de ontem, a Executiva Nacional do DEM, partido do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), anunciou a ruptura com o bloco de Baleia Rossi (MDB-SP) na Casa. Maia é o principal fiador da candidatura do emedebista.

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Com a mudança, ampliou-se a dianteira de Lira na composição partidária. Seu bloco reúne 11 siglas e 255 deputados. Já o de Baleia tem 10 legendas, totalizando 209 parlamentares. Os blocos são importantes porque balizam a divisão dos demais cargos na Mesa Diretora. Mas o voto é secreto, e os deputados não são obrigados a seguir a orientação partidária.A Flourish hierarchy chart

O líder do DEM, Efraim Filho (PB), afirmou que ele e o presidente da sigla, ACM Neto, fizeram uma “avaliação de cenário” e concluíram que a independência seria o melhor encaminhamento. Maia lamentou a decisão.

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— Prevaleceu a posição histórica de um partido de direita. Trabalhamos pra trazê-lo (para o) caminho de centro, mas a natureza de direita prevaleceu — reagiu Maia, que negou reflexo na candidatura de Baleia por considerar os votos “cristalizados”.

Lira e seu grupo, porém, trabalham ainda para trazer de volta o Solidariedade e estimulam dissidências no oposicionista PSB. O candidato do PP teve durante a campanha apoio efetivo do governo, com entrega e promessa de cargos e recursos. No campo governista, há uma força-tarefa para tentar decidir a eleição no primeiro turno.

Aposta no segundo turno

Aliados de Baleia reconhecem a situação como delicada, mas apostam que há chance de vitória, caso a eleição seja levada para o segundo turno. Em posição fragilizada, o candidato do MDB tentava recuperar o apoio do PSL, o que poderia lhe dar de volta o maior bloco.

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Baleia almoçou ontem com integrantes de oposição e recebeu parte da bancada feminina. Já Lira conversou com parlamentares de PL e Podemos, recebeu deputadas que o apoiam, e tinha jantar marcado com o governador do Rio, Cláudio Castro (PSC), e o presidente do PSD, Gilberto Kassab.

Os dois candidatos concederam também entrevistas à Globonews. Baleia afirmou não ser “de oposição", mas disse que não “fugirá” à responsabilidade de analisar pedidos de impeachment.

— É prerrogativa do presidente da Câmara a análise (do impeachment). Eu não fugirei às minhas responsabilidades de analisar. A análise será feita com todo o critério, à luz da Constituição — afirmou.

Lira, por sua vez, afirmou que é a pressão social que decide se há ou não a abertura.

— O impeachment é um processo político. Nenhum presidente pauta um impeachment, um impeachment pauta um presidente. Se tivermos inflação de 200%, protestos nas ruas, caos social, isso vem naturalmente — disse.

Senado: Apoio do PT

Rodrigo Pacheco recebeu uma declaração pública de “simpatia” de Bolsonaro e teve integrantes do governo articulando em seu favor, mas recebeu também o suporte da oposição. Sua liderança ficou tão folgada em relação a Simone Tebet (MDB-MS) que o partido dela decidiu na semana passada liberar a bancada para negociar cargos na Mesa Diretora.

Encabeçada pelo atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a estratégia de campanha de Pacheco foi se antecipar aos movimentos dos adversários, tendo conseguido apoio do PSD e PT antes mesmo dos emedebistas decidirem seu candidato. Após Simone entrar na disputa, partidos que eram contados como aliados dela racharam, como Podemos e PSDB.

Com o embarque do MDB na campanha, mesmo que sem apoio oficial, Pacheco também passou os últimos dias buscando uma forma de acomodar a legenda na Mesa. O principal entrave é o PSD quer a mesma vaga desejada pelo MDB, a vice.

Sem respaldo nem em seu partido, Simone passou a direcionar a campanha para fora do Senado, em encontros com empresários e figuras políticas de fora da Casa, como Marta Suplicy.

Ontem, os dois mantiveram a postura da campanha. Pacheco esteve em um almoço com outros 30 parlamentares promovido pelo senador Weverton Rocha (MA), líder do oposicionista PDT. Simone, por sua vez, passou o tempo com a família, mais reclusa, e conversou com o ex-senador Pedro Simon (RS) por telefone. 


O Estado de S. Paulo: Maia ameaça com impeachment de Bolsonaro; PSDB e Solidariedade devem rifar Baleia

Ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, de que a maioria dos deputados do partido apoiaria a candidatura de Lira para o comando da Câmara, Maia cogitou até mesmo deixar a sigla

Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A decisão da Executiva do DEM de desembarcar do bloco de apoio à candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a disposição do PSDB e do Solidariedade de seguir o mesmo caminho levaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a ameaçar aceitar um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. A eleição que vai escolher a nova cúpula da Câmara e do Senado está marcada para esta segunda-feira, 1.º.

Ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, na noite deste domingo, 31, de que a maioria dos deputados do partido apoiaria a candidatura de Arthur Lira (Progressistas-AL) para o comando da Câmara, e não Baleia, Maia ficou irritado. O presidente da Câmara ameaçou até mesmo deixar o DEM. A reunião ocorreu na casa dele, onde  também  estavam líderes e dirigentes de partidos de oposição, como o PT, o PC do B e o PSB, além do próprio MDB.

Maia encerra o mandato à frente da Câmara nesta segunda-feira, 1º, e, segundo apurou o Estadão, afirmou que, se o DEM lhe impusesse uma derrota, poderia, sim, sair do partido e  autorizar um dos 59 pedidos de afastamento de Bolsonaro. Integrantes da oposição que estavam na reunião apoiaram o presidente da Câmara e chegaram a dizer que ele deveria aceitar até mais de um pedido contra Bolsonaro.

ACM Neto passou na casa de Maia antes da reunião da Executiva do DEM justamente para informar que, dos 31 deputados da legenda, mais da metade apoiava Lira. Pelos cálculos da ala dissidente, 22 integrantes da bancada estão com Lira, que é líder do Centrão.

O PSDB e o Solidariedade têm reuniões marcadas para esta segunda-feira, 1º e, diante da fragilidade da candidatura de Baleia, também ameaçam rifá-lo. “Ou mostramos força e independência apoiando claramente o Baleia ou adeus às expectativas de sermos capazes de obter alianças e ganhar as próximas eleições. Se há algo que ainda marca o PSDB é a confiança que ele é capaz de manter e expressar. Quem segue a vida política estará olhando, que ninguém se iluda", disse recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um grupo de WhatsApp da bancada tucana.

O ex-senador José Aníbal foi na mesma linha. “O PSDB assumiu compromisso com Baleia. Espero que cumpra. De outro modo, é adesão ao genocida”, afirmou Aníbal neste domingo, 31.

Maia lançou a candidatura de Baleia à sua sucessão em dezembro, com o respaldo de uma frente ampla, que incluiu  partidos de esquerda. Na ocasião, o líder do DEM, Efraim Filho (PB), assinou um documento no qual o partido avalizava o nome do MDB.

Diante do racha, ACM Neto atuou para amenizar a crise. Saiu da casa de Maia e foi direto para a sede do partido. Conduziu a reunião da Executiva pedindo para que o DEM ficasse oficialmente neutro. Além das ameaças de Maia, partidos de oposição afirmaram que, com o abandono de Baleia por parte do DEM, também a esquerda poderia desembarcar da candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando do Senado. Até agora, Pacheco é o favorito para a cadeira de Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O candidato do Progressistas chegou a anunciar em sua agenda que, nesta segunda, 1.º, receberia o apoio do DEM, às 9h30. A operação, porém, foi abortada por ACM Neto, que pediu aos correligionários para não humilharem Maia.

Nos bastidores, deputados comentavam neste domingo que o racha pode afastar o apresentador Luciano Huck do DEM. Huck planeja entrar na política para disputar a eleição para a Presidência, em 2022, e tem flertado tanto com o DEM como com o  Cidadania ao defender uma frente de centro para derrotar Bolsonaro.

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Histórico político das relações entre o Planalto e os presidentes das Casas oscila entre lealdade e traição

O empenho de Jair Bolsonaro nas eleições do Congresso nesta segunda (1º) é uma jogada de sobrevivência. Depois de ter usado o enfrentamento como arma política, o presidente mudou os cálculos: quer aliados nas presidências da Câmara e do Senado para construir uma agenda e permanecer no poder.

A história mostra que a relação entre os chefes do Congresso e o Palácio do Planalto pode mudar os rumos de um governo. O poder desses parlamentares determina se a plataforma de um presidente será implantada ou até se ele deve ser derrubado.

Dilma Rousseff (PT) soube que ter um rival no comando da Câmara pode ser fatal. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se protegeu graças à escolha de um nome para esse mesmo posto. E Fernando Collor (PRN) percebeu que até a indiferença dos chefes do Congresso pode ser um problema nas horas de fragilidade.

Todos eles, além de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB), também souberam que a fluidez política desses personagens define o tamanho do poder de um presidente da República.



COLLOR E IBSEN (1992)

Um presidente sem força no Congresso pode ter que governar no escuro, principalmente em tempos de crise. Foi o caso de Fernando Collor no caminho para o impeachment.

Na eleição para o comando da Câmara, em 1991, Collor não teve influência. Eleito pelo minúsculo PRN, ele só observou a escolha de Ibsen Pinheiro (MDB).

"O Collor não tinha condições de se intrometer", conta Renan Calheiros (MDB), que foi líder do governo no início do mandato.

A relação era protocolar, e a distância se tornou rivalidade nas semanas que antecederam a abertura do impeachment, em setembro de 1992. O presidente da Câmara frustrou o governo ao definir que aquela votação seria aberta --e não secreta.

"Não houve nenhuma tentativa de demover o Ibsen", diz Jorge Bornhausen, ministro de Collor.

Num pronunciamento na TV no fim de agosto, Collor atacou o Congresso e disse que os parlamentares não aprovavam os projetos do governo. O presidente da Câmara já concordava com o processo, mas os atritos o tornaram um entusiasta público.

Ibsen montou um palanque na Câmara e recebeu pessoalmente o pedido de impeachment apresentado no dia 1º de setembro. A Câmara aprovou o afastamento, e Collor renunciou antes do fim do processo no Senado.

FHC E ACM (2001)

Um presidente não dorme tranquilo nem quando há partidos aliados na cúpula do Congresso. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tinha uma coalizão larga, mas viveu uma relação terrível com Antônio Carlos Magalhães (PFL), que comandou o Senado (1997-2001).

O vínculo FHC-ACM refletiu o princípio político de que as ligações do poder variam de acordo com interesses de ocasião, como cargos e outras ferramentas de influência.

O PFL fazia parte da coalizão que elegeu o tucano. Quando estava satisfeito, ACM trabalhava a favor: ele foi personagem fundamental, por exemplo, nas articulações do Planalto para impedir a quebra de sigilo bancário do ex-chefe de campanha de FHC, numa investigação tocada pelo Congresso.

ACM também criou problemas para o governo como presidente do Senado. Usou o poder de pautar projetos para retardar a votação de medidas provisórias e acelerar a derrubada de vetos do Planalto. Era também um contumaz fabricante de dossiês que atingiam o governo.

"Antônio Carlos levou a vida inteira chantageando", escreveu FHC sobre o então senador, em seus diários. "Tem uma inveja infinita de mim e gostaria mesmo é de ser presidente."

LULA E ALDO (2005)

A disputa pela presidência da Câmara em setembro de 2005, na esteira do mensalão, é um exemplo acabado de como as escolhas no Congresso podem determinar os rumos de um governo.

"Aquela disputa tinha nível dez de importância", afirma Jaques Wagner (PT), que era o articulador político de Lula. "Havia um movimento para emparedar. Queriam infernizar a vida, fazer CPI, interditar o governo."
Naquela época, a oposição aproveitou a crise e deu força a José Thomaz Nonô (PFL) para chefiar a Câmara. Fragilizado, o governo Lula (PT) desarmou candidaturas do partido e apoiou Aldo Rebelo (PC do B).

"A ideia corrente era que a vitória da oposição significaria a abertura do processo de impedimento", diz Aldo. "Havia uma radicalização, era um ambiente tumultuado."

O Planalto temeu perder a disputa e ficar na mão de rivais. Nonô e Aldo empataram em 182 votos no primeiro turno. No segundo, o deputado do PC do B teve uma vitória apertada: 258 a 243.

"Lula se salvou de qualquer tentativa de impeachment porque elegeu o Aldo Rebelo", avalia Jorge Bornhausen, que em 2005 era senador pelo PFL e crítico do então presidente.

DILMA E CUNHA (2015)

O destino de Dilma Rousseff (PT) foi traçado exatamente a partir de uma disputa pela presidência da Câmara. A eleição de 2015 mostrou como as coalizões políticas podem ser volúveis.

No ano anterior, o MDB e o centrão haviam feito parte da chapa que reconduziu a petista ao Planalto. Um mês depois da posse, o governo rivalizava com esse mesmo grupo pelo comando da Câmara.

Eduardo Cunha (PMDB) reuniu o apoio do chamado baixo clero e de caciques de partidos que faziam parte da base de Dilma. Assim, ele derrotou o candidato do governo, Arlindo Chinaglia (PT).

"Aquela disputa foi um erro básico. Deveríamos ter construído uma candidatura alternativa", diz o deputado José Guimarães (PT), que se tornou líder do governo dias depois.

Primeiro, Cunha ativou o que os petistas chamavam de pauta-bomba, projetos de lei que aumentavam os gastos de um governo que tinha cofres vazios. "Ele começou o desgaste com a pauta-bomba, com o impeachment sempre acenando na gaveta", avalia Jaques Wagner, que foi ministro de Dilma.

O presidente da Câmara usou a caneta e autorizou o processo de afastamento da presidente no fim daquele ano. Foi uma retaliação ao PT, que decidiu votar a favor do prosseguimento da cassação do mandato de Cunha no Conselho de Ética da Câmara.

TEMER E MAIA (2017)

Michel Temer (PMDB) viveu uma relação peculiar com a Câmara. Os deputados salvaram seu governo, mas o presidente se enfraqueceu e viveu num parlamentarismo branco, em que o Congresso passou a dar as cartas.

A delação de executivos da JBS jogou tensão na praça dos Três Poderes. Se a Câmara desse aval à denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente por corrupção, o emedebista seria afastado, e o poder cairia nas mãos de Rodrigo Maia (DEM) --chefe da Casa e nome seguinte na linha sucessória.

Maia não era adversário do Planalto, mas os canais entre os dois eram preenchidos de intrigas. Na noite em que a delação foi divulgada, ministros do governo foram à casa do presidente da Câmara para discutir a saída de Temer.

Em momentos delicados, a cúpula do Congresso se torna um polo de atração das disputas de poder. Maia, segundo seus aliados, poderia ter convencido os deputados a afastarem Temer do cargo, mas não se moveu.

"Essa relação tem muito a ver com temperança e personalidade. Nós não enxergávamos [em Maia] uma atitude que pudesse tangenciar a deslealdade", diz Antônio Imbassahy (PSDB), ministro da articulação política de Temer.


Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, centrão tenta voltar ao comando da Câmara seis anos após vitória de Cunha

Líder do bloco é o favorito para vencer, nesta segunda, disputa marcada por promessas de emendas e cargos

Danielle Brant , Julia Chaib , Gustavo Uribe e Ranier Bragon, Folha de S. Paulo

As eleições desta segunda (1º) no Congresso podem levar de volta ao comando da Câmara dos Deputados o grupo de siglas conhecido como centrão, montado por Eduardo Cunha (MDB-RJ) em 2014 e, atualmente, responsável pela base de sustentação do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Apoiado pelo presidente da República, Arthur Lira (PP-AL) é o favorito na disputa e tem hoje o papel de líder inconteste do centrão, posto que foi de Cunha —presidente da Câmara de fevereiro de 2015 a maio de 2016, quando foi afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal e acabou, depois, sendo cassado e preso em decorrência da Operação Lava Jato.

Seu principal concorrente é Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara e hoje um dos principais adversários de Bolsonaro.

No Senado, o favoritismo é de Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), que não integra o centrão, mas teve a candidatura costurada pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e também tem a simpatia e o apoio de Bolsonaro e do centrão. Ele tem como principal rival a emedebista Simone Tebet (MS).

flerte entre o centrão e o governo virou relacionamento sério no ano passado, no início da pandemia, quando Bolsonaro precisou negociar cargos com partidos como PP, PL e Republicanos para barrar a possibilidade de um impeachment.

Independentemente do resultado, a aliança Bolsonaro-centrão já enterrou de vez o discurso do presidente da República, explorado à exaustão durante a campanha eleitoral, de que não se renderia ao que chamava de a velha política do “toma lá, dá cá”.

"Qualquer presidente que, porventura, distribua ministério, estatais, ou diretorias de banco para apoio dentro do Parlamento está infringindo o artigo 85, inciso II da Constituição”, disse Bolsonaro, por exemplo, no dia 27 de outubro de 2018, um dia antes do segundo turno das eleições.

O trecho citado pelo então candidato define como crime de responsabilidade atos do presidente da República que atentem contra a o livre exercício do Poder Legislativo.

“Se eu, por exemplo, apresento o ministério para um partido com objetivo de comprar voto, qualquer um pode então me questionar que estou interferindo no exercício do Poder Legislativo", disse à época.

Também em 2018, o hoje ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, chegou a cantarolar “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão” em um encontro do PSL.Agora, tudo isso mudou. Para atender o centrão, o governo faz promessas de liberação de bilhões em emendas parlamentares e chegou a cogitar até a recriação de ministérios, contrariando outro discurso da campanha, o do enxugamento da máquina pública.

Uma das danças das cadeiras que estão praticamente sacramentada é a saída de Onyx Lorenzoni do Ministério da Cidadania e a ida para a Secretaria-Geral, hoje ocupada pelo interino Pedro Marques de Souza.

O governo acertou que a Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, ficará com um nome indicado pelo Republicanos. São cotados os deputados João Roma (BA) e Márcio Marinho (BA), ambos do partido.

"Se tiver um clima no Parlamento, pelo o que tudo indica as duas pessoas que nós temos simpatia devem se eleger, não vamos ter mais uma pauta travada, a gente pode levar muita coisa avante, quem sabe até ressurgir os ministérios, esses ministérios"​, declarou Bolsonaro na última sexta-feira (29). No sábado (30), ele recuou.

A expectativa do centrão é que, até o final do ano, o presidente entregue ao bloco partidário cargos de destaque no primeiro e segundo escalões, o que enfrenta forte oposição tanto do núcleo militar como do ideológico do Palácio do Planalto. Os dois grupos prometem resistir à ofensiva das siglas.

Apesar da resistência, integrantes do centrão vislumbram a possibilidade de ficarem com o comando do Ministério da Saúde e ainda torcem pela recriação de pelo menos duas pastas: Trabalho e Cidades.

O governo também tem prometido emendas para parlamentares que apoiarem seus candidatos na disputa de segunda-feira. Segundo as informações do governo, já foram cadastrados os pedidos de cerca de 600 municípios, que registraram demandas que giram em torno de R$ 650 milhões.

Essa verba, que sai do cofre do governo e vai para as prefeituras, leva o carimbo dos parlamentares, que usam a notícia parta se cacifar eleitoralmente em seus redutos. São pedidos relativos ao Ministério do Desenvolvimento Regional, ao Ministério do Turismo e ao Ministério da Agricultura.

Para o centrão, além dos cargos no Executivo, é importante deter comando na Mesa diretora da Câmara, que é formada pela presidência, duas vices e quatro secretarias.

Pelo acordo firmado no bloco de Lira, o PL deverá disputar a primeira vice-presidência, com o deputado federal Marcelo Ramos (AM). As demais candidaturas seriam distribuídas entre Republicanos, PSD e PROS.

O PSL, que de última hora trocou de lado na disputa legislativa e vinha negociando a primeira-vice-presidência, deve ficar com um posto menor. Isso se não houver uma reviravolta que coloque o partido novamente no bloco de Baleia Rossi. A expectativa, inclusive, é que haja uma guerra de listas nesta segunda entre os grupos do PSL que apoiam Lira e Baleia.

Bolsonaro tem dito ainda que acredita que, com Lira, a chamada pauta de costumes deve avançar na Câmara, otimismo que não é compartilhado por assessores presidenciais. No passado, Lira já disse que ela não é prioridade para o país e, em conversa reservada na semana passada, reafirmou a opinião.

Por causa disso, o líder do centrão não deve receber o voto, pelo menos no primeiro turno, de todos os deputados bolsonaristas. Alguns deles têm afirmado em caráter reservado que votarão em candidatos avulsos, como Fábio Ramalho (MDB-MG).

Nos encontros das últimas semanas, Lira tem afirmado ainda que não será submisso ao presidente e ressaltado que não é de seu perfil acatar ordens, apesar de ter observado que pretende evitar embates públicos, como os protagonizados por Maia e Bolsonaro.

A opinião de alguns aliados do deputado é que, caso eleito, a tendência é que haja uma relação harmônica no começo, mas que dificilmente ela se manterá estável a partir do segundo semestre.

Já a equipe econômica espera que antes de 2022, ano eleitoral, o Poder Legislativo aprove as reformas administrativa e tributária. A primeira, como tem salientado Lira, é a sua prioridade. A segunda, contudo, enfrenta dificuldades.

Para aliados de Lira, o ideal é que ela seja reiniciada, com a mudança do atual relator, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que apoia a candidatura de Baleia. E que novos mecanismos sejam discutidos, o que deve inviabilizar uma votação neste ano.

Integrantes de partidos de centro traçam prognóstico negativo com relação à pauta da Câmara. Líderes ouvidos pela Folha avaliam que não haverá clima para votar nenhuma matéria econômica de relevância. Assim, nem a tributária e nem a reforma administrativa devem ser aprovadas até o ano que vem.

Outro ponto de possível desgaste, na opinião de assessores do governo, é a relação entre Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Apesar de ambos terem afinado o discurso recentemente, Lira já defendeu mais de uma vez medidas que aumentam os gastos públicos.

Apesar da mácula no discurso, a opção de Bolsonaro de negociar com o centrão é pragmática. O bom relacionamento com os novos presidentes da Câmara e do Senado ajudaria a manter afastados o risco de abertura de um processo de impeachment —Maia deixa o cargo com cerca de 60 em análise, por exemplo.

Também reduz as chances de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar, por exemplo, a conduta do governo na pandemia de Covid-19.

Essa blindagem foi importante em governos anteriores, como no primeiro mandato do petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Hoje, o centrão ocupa a diretoria de importantes órgãos na máquina federal. O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), tem como presidente e diretores indicados de partidos como PL, PP e Republicanos. A Funasa (Fundação Nacional da Saúde), por sua vez, é ocupada por um aliado do PSD. Há ainda indicados do centrão em secretárias estratégicas dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Regional, entre outros.

O papel da oposição na disputa também foi colocado em xeque, em especial após a decisão de partidos de esquerda de apoiar Pacheco no Senado. Ao tomar a decisão, o PT argumentou que a questão era circunstancial e afirmou que o candidato não estaria “comprometido com a necropolítica do atual governo”, nas palavras do senador Humberto Costa (PE).

Na Câmara, formalmente os partidos de oposição se alinharam a Baleia Rossi, mas alguns deputados, reservadamente, já confidenciaram a seus pares que votarão em Lira, mesmo sendo o candidato de Bolsonaro. A dissidência é grande em partidos como PSB, no qual parlamentares já declararam intenção em votar no líder do centrão.

A campanha do presidente do MDB, no entanto, ainda conta com a possibilidade de reverter algumas dessas baixas e levar a disputa para segundo turno. Se isso ocorrer, afirmam, o jogo muda.

A expectativa de aliados de Rossi é a de que haja muitas traições do grupo que apoia Lira. A diferença, dizem, é que o líder do PP não sabe quais são esses votos porque, diferentemente dos membros do bloco de Rossi, os parlamentares não se manifestam publicamente contra o candidato de Bolsonaro, por medo de retaliação.

COMO SERÁ A ELEIÇÃO NO CONGRESSO

CÂMARA

  • Os blocos de apoio dos candidatos deverão ser formados até meio-dia de segunda (1°)
  • 17h é o prazo máximo para registro das candidaturas dos deputados que querem disputar a eleição
  • A sessão em que ocorrerá a eleição está prevista para começar às 19h. Cada candidato a presidente —são oito— terá dez
  • minutos para discursar
  • A votação ocorre em urna eletrônica. Serão 21 espalhadas pelos salões Verde e Nobre —historicamente, eram 14
  • Por causa da pandemia, foram adotados cuidados. A votação ocorrerá em blocos de cinco deputados por urna. Cada um terá três minutos para votar
  • Haverá higienização após cada votação
  • Se nenhum nome obtiver pelo menos 257 votos, haverá segundo turno

Candidatos

  • Arthur Lira (PP-AL)
  • Baleia Rossi (MDB-SP)
  • Alexandre Frota (PSDB-SP)
  • André Janones (Avante-MG)
  • Fábio Ramalho (MDB-MG)
  • Luiza Erundina (PSOL-SP)
  • Marcel V. Hattem (Novo-RS)
  • General Peternelli (PSL-SP)

SENADO

  • Não há prazo para formação de blocos.
  • Às 14h, começa a chamada sessão preparatória (em que ocorre eleição). O presidente do Senado então pergunta se há novas candidaturas, além das cinco já protocoladas
  • Candidatos terão dez minutos para discursar, antes da votação
  • Serão quatro urnas: duas no plenário e duas fora, para senadores considerados de grupo de risco. A votação será em cédulas de papel
  • Será eleito o candidato que tiver 41 votos. A expectativa é que a sessão termine às 17h

Candidatos

  • Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
  • Simone Tebet (MDB-MS)
  • Jorge Kajuru (Cidadania-GO)
  • Lasier Martins (Podemos-RS)
  • Major Olimpio (PSL-SP)

Monica de Bolle: A política econômica de Guedes e a Covid-19

O que significa “responsabilidade fiscal” se ela viola o direito à vida de uma parte da população brasileira neste momento?

 “Quer criar auxílio de novo? Tem de ter muito cuidado, pensar bastante. Se fizer isso, não pode ter aumento automático de verbas para a educação e segurança pública porque a prioridade passou a ser a guerra (contra a Covid). Pega as guerras aí para ver se tinha aumento de salário, se tinha dinheiro para a saúde e educação. Não tem, é dinheiro para a guerra.” Essas palavras são de Paulo Guedes em recente matéria da Folha de S.Paulo.

É bom lembrar que a metáfora da guerra é inadequada para a pandemia, uma crise sanitária com desdobramentos singulares na economia. O ministro deveria saber disto: na guerra, o capitalismo implica a produção intensiva de certos bens. Mas a fala também deixa ver a ideia que Guedes tem do capitalismo. Ela tem relação com um fenômeno que fez Arendt afirmar, sobre o imperialismo em suas Origens do totalitarismo, que “a expansão não era uma fuga apenas para o capital supérfluo. Mais importante do que isso, a expansão protegia os donos do capital contra a ameaça de se manterem, eles próprios, completamente supérfluos e parasitários”. Arendt, tão citada por liberais, era uma crítica da centralidade da economia na política, da política econômica como uma forma de administração da vida. Se cabe alguma analogia entre a pandemia no Brasil e a guerra é que o governo que Guedes integra e ao qual dá racionalidade administra a morte.

Desde o início da pandemia, a política econômica de Guedes contextualiza a epidemia no Brasil e aponta as escolhas que devem ser administradas em tal situação.

Auxílio ou saúde?

Auxílio ou segurança pública?

Auxílio ou educação?

A descontinuidade e os contrassensos deveriam ser visíveis, mas muitos se esforçam para fazer vista grossa. Não há antagonismo entre saúde e auxílio, por exemplo. Se o governo de fato quisesse tomar medidas para proteger a população e frear as cadeias de transmissão — agora mais do que necessário, com a presença de novas variantes do vírus — estaríamos impondo quarentenas e cordões sanitários em várias partes do país. Para tanto, necessitaríamos do auxílio emergencial e, claro, de mais recursos para o SUS e para os hospitais colapsados em vários estados, sem oxigênio.

Mas a política econômica de Guedes nunca enxergou a saúde pública e a sustentação da economia como aspectos intrínsecos do problema e positivamente relacionados. Depois de passarmos alguns meses no início da pandemia argumentando que não havia antagonismo entre saúde e economia, o negacionismo prevaleceu. Muitos já comentaram o ocorrido, inclusive eu. Foi há pouco, apenas em novembro de 2020, que um dos principais assessores de Guedes no Ministério da Economia negou a presença de nova onda pandêmica no país, citando “estudos epidemiológicos” feitos pela equipe de economistas. Àquela altura, as variantes detectadas no Reino Unido e na África do Sul já alarmavam os cientistas. E, pouco depois, tomaríamos conhecimento da variante P.1 do vírus, a que surgiu em Manaus. À época, ainda dava tempo de prorrogar o decreto de calamidade, permitindo que o auxílio fosse renovado e que mais recursos fossem destinados para a saúde. Mas o mesmo assessor de Guedes declarou que a renovação do auxílio seria ruim para os mais pobres pois contribuiria para elevar a dívida brasileira, o que poderia criar condições para uma crise fiscal futura.

Parte do mercado, do empresariado e da imprensa abraçou a visão de Guedes e de seus assessores não nominalmente, mas pela insistência na “responsabilidade fiscal”, nas reformas, na integridade do teto de gastos em plena pandemia. Tudo em nome da “expansão”, do crescimento econômico a que Arendt se refere e que, no contexto atual, produz seres supérfluos, à semelhança do processo que ela analisa. Ao fazer essa opção ante uma epidemia descontrolada, tornam-se parasitas de todo o sistema político e econômico. Tornam-se, também, parasitas dessas vidas que se foram. São palavras duras. Mas considerem: O que significa “responsabilidade fiscal” se ela viola o direito à vida de uma parte da população brasileira neste momento? Não no futuro, no presente, agora. Enquanto escrevo penso nas mortes que ocorreram nestes minutos. É disso que se trata.

Responsabilidade fiscal? É óbvio que esse tema é importante. Contudo, é mais importante do que salvar vidas em meio a uma crise humanitária? Estamos todos cegos, ou simplesmente permitimos que nos manipulassem para que víssemos no cenário de absoluta tragédia que nos cerca algo de normalidade dos tempos? Bolsonaro não é o único responsável pelo calvário brasileiro. Seus ministros são responsáveis. Guedes é responsável. A política econômica de Guedes é responsável. E, como tal, ela é indefensável. Que isso fique bem claro para quem ainda queira defendê-la.

*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins


Demétrio Magnoli: Manaus é a prova de que já não dispomos de um governo funcional

Os doentes do Amazonas não morreram do coronavírus, mas do desleixo, da incúria, da inépcia, do desinteresse criminoso

Jair Bolsonaro comete crimes de responsabilidade diversos desde que subiu a rampa do Planalto. Dezenas de pedidos de impeachment protocolados na Câmara ainda aguardam encaminhamento, pois Rodrigo Maia sabe que o destino do presidente não será decidido no tabuleiro das leis, mas no da política. A tragédia de Manaus marca uma reviravolta no cenário: depois das mortes por asfixia, o impeachment transitou do éter dos sonhos para a esfera das possibilidades.

A histeria do impeachment é, hoje, a maior ameaça ao impeachment. O Congresso não impedirá o presidente pelo chiclete ou pelo leite condensado. Os escândalos culinários provavelmente indicam um rastro de esquemas corruptos ligados a superfaturamentos, fornecedores fantasmas e lavagem de dinheiro. Contudo, a investigação do labirinto demandaria meses, obscurecendo o crime maior que tem o potencial de abreviar o pesadelo nacional.

Manaus é a prova de que já não dispomos de um governo funcional. Nos países modernos, retirantes não perecem de inanição na beira da estradas, não porque a miséria foi extirpada mas porque o Estado é capaz de mobilizar meios emergenciais para evitar o desenlace fatal. As mortes por falta da cilindros de oxigênio nos remetem a um passado mais ou menos distante, quando famélicos desabavam, exaustos e desamparados, fugindo das secas nordestinas. Na época, faltavam-nos aviões, helicópteros, estradas, caminhões e recursos financeiros. Hoje, tudo isso existe: o que falta é governo.

Os doentes do Amazonas não morreram do coronavírus, mas do vírus do desleixo, da incúria, da inépcia, do desinteresse criminoso. As sondagens de opinião evidenciam que o povo entendeu a cadeia de comando: Pazuello, general de ópera bufa, não passa de um estafeta do autêntico culpado. Não é casual que, dias atrás, um tanto apavorado, sob zurros de uma chusma de lambe-botas, o ocupante do cargo presidencial tenha batido seus próprios recordes na olimpíada da malcriação.

Impeachment é, essencialmente, uma decisão política. Só se impedem presidentes cujas taxas de aprovação caíram às profundezas abissais. Bolsonaro continua longe dessa zona escura e fria, mas submerge em velocidade acelerada. Os sinais de alarme, que começaram a soar no Planalto na hora do nocaute imposto por Doria na batalha da vacina, dispararam quando emergiram as aterradoras cenas manauaras.

De lá para cá, o governo entrou no modo pânico. O presidente rastejou aos pés dos chineses para implorar por suprimentos vacinais e, nos círculos internos do poder, cogita-se oferecer em sacrifício público os corpos lacerados do trapalhão da Saúde e do místico ocultista do Itamaraty. No atual estágio da crise, Bolsonaro já não pode salvar-se a si mesmo: para voltar à tona, depende da incompetência de seus adversários.

Impeachment é a soma de um crime de responsabilidade com uma narrativa política persuasiva. Dilma caiu pois contou-se uma história (verdadeira, aliás) sobre estelionato eleitoral, caos econômico e corrupção política. No caso de Bolsonaro, a sanitização do Planalto exige a releitura da história da pandemia sob a lente de aumento da agonia dos hospitais de Manaus. O oxigênio —ou melhor, a falta letal dele— confere sentido ao negacionismo perene, à sabotagem do distanciamento social, ao curandeirismo do “tratamento precoce” e ao atraso da imunização.

Há cinco anos, petistas inconformados asseveravam que o uso do instrumento constitucional do impeachment debilita as democracias. A verdade é bem mais complexa. Sucessivos impedimentos de chefes de Estado certamente iluminam instabilidades dos sistemas democráticos. Mas a remoção de presidentes catastróficos é a derradeira ferramenta de defesa da democracia. O Brasil, apesar de tudo, não merece o governo da ultradireita boquirrota e delirante. Uma praga por vez é suficiente.


Míriam Leitão: Ação deliberada de espalhar vírus

Crime de epidemia. Essa é a acusação feita a Jair Bolsonaro na representação encaminhada à Procuradoria-Geral da República para que ele ofereça denúncia contra o presidente. “Da mesma forma que alguém que agrave uma lesão existente responde por lesão corporal, presidente que intensifica a epidemia existente responde por esse crime. Jair Bolsonaro sempre soube das consequências de suas condutas, mas resolveu correr o risco.”

Esse crime é previsto no artigo 267 do Código Penal. “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos” e a punição é prisão de 10 a 15 anos, podendo agravar-se a pena se houver morte. Torna-se então crime hediondo.

Houve outras ações às quais essa representação se refere e que apontaram vários artigos do Código Penal que ele teria infringido, como o 132, que é pôr em perigo a vida ou a saúde de outrem.

O grupo de procuradores aposentados — alguns exerceram até recentemente postos elevados no Ministério Público — e um desembargador que entrou com a ação apoiou-se em pesquisa. Recentemente publicado, o estudo faz uma linha do tempo dos atos e palavras do presidente da República nesta pandemia, para assim mostrar que houve uma ação deliberada do presidente de contaminar o máximo de pessoas, na suposição de que assim se atingiria a tal “imunidade de rebanho”.

A representação foi apresentada ao Procurador-Geral da República pela, até recentemente, procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat, pelo ex-PGR Claudio Fonteles, por dois ex-procuradores federais dos Direitos do Cidadão, Álvaro Augusto Ribeiro Costa e Wagner Gonçalves, o subprocurador-geral aposentado Paulo de Tarso Braz Lucas e o desembargador aposentado do TRF da 4ª Região Manoel Lauro Volkmer de Castilho.

O começo da cronologia que apresentam é o dia 7 de março. Havia seis infectados no Brasil. O presidente foi a Miami, área de risco para a pandemia. “No dia 15 daquele mês, já de volta ao Brasil, convoca e participa de manifestações políticas com grande aglomeração, sempre sem máscara, tendo contato físico com manifestantes, desrespeitando a recomendação da quarentena após retorno. E, mais grave, pelo menos desde a véspera do evento, ou seja, em 14 de março, já era pública a informação de que parte da comitiva presidencial tinha sido infectada pelo novo coronavírus. Portanto, Bolsonaro foi para a manifestação ciente de que poderia ser um vetor de propagação de um vírus até então de baixa presença no território nacional.” A longa fila de eventos em que o presidente estimulou a contaminação, à qual a representação se refere, está na pesquisa CEPEDISA/FSP/USP e Conectas Direitos Humanos.

O mundo inteiro está sendo atingido pela mesma tragédia sanitária. Mas o ponto sustentado pelos autores da ação é que aqui houve mais. “No caso do Brasil, ao evento natural somou-se a ação criminosa de um presidente da República, que expôs, desde o início da pandemia até os dias atuais, a população a um risco efetivo de contaminação”, diz o texto da representação.

O procurador-geral Augusto Aras pode simplesmente ignorar o documento em sua mesa? Não pode. Ele pode arquivar, mas ele tem obrigação de tomar providências. Ignorar uma representação como essa é uma impossibilidade institucional, me explica um especialista.

Conversei com outro procurador que permanece no serviço público e perguntei que chances tem essa ação de avançar. Aras, como já disse explicitamente, acha que essa não é a sua função, apesar de ser. O problema é que o próprio Aras pode ser acusado de prevaricação, por deixar de cumprir seu dever. E pode ser acusado pelos seus colegas.

— O artigo 51 da lei complementar 75/1993, lei orgânica do MPU, diz que “a ação penal pública contra o procurador-geral da República, quando no exercício do cargo, caberá ao subprocurador-geral da República que for designado pelo Conselho Superior do Ministério Público” — explicou um procurador.

Aras não tem maioria no CSMP. A ação seria diretamente levada ao Supremo Tribunal Federal. Aras tem esperança de ser indicado para uma vaga no STF. Concorre com outros dois fortes candidatos, o ministro da Justiça, André Mendonça, e o ministro do STJ Humberto Martins.

Bolsonaro se blindou, mas tem tido, como diz a representação, inúmeras “condutas criminosas” durante esta pandemia. E nessa ação foi acusado de crime grave.


Ascânio Seleme: Bolsonaro corrupto

O capitão, que foi eleito prometendo varrer a corrupção de Brasília, montou ele próprio um esquema para se defender e proteger as falcatruas de seus filhos e aliados

Já se falou quase tudo do governo de Jair Bolsonaro. Da sua índole intolerante e antidemocrática, da sua beligerância permanente, das baixarias que produz em escala industrial, dos seus inúmeros crimes de responsabilidade, da sua fraqueza moral, dos atentados que comete contra a vida humana no tratamento que dispensa à pandemia do coronavírus. Agora, pode-se também afirmar que esse governo é corrupto. O capitão, que foi eleito prometendo varrer a corrupção de Brasília, montou ele próprio um esquema para se defender e proteger as falcatruas de seus filhos e aliados.

São várias as evidências desse esquema ao redor do presidente. Bolsonaro controla tanto a Procuradoria-Geral da República quanto a Polícia Federal com absoluto rigor. Apesar de manter a aparência de independência, Augusto Aras e Rolando Alexandre de Souza fazem o que for preciso para não desagradar ao presidente. Outras instituições do Estado, além da PF, são usadas sem constrangimento. Tanto o Ministério da Justiça quanto a Advocacia- Geral da União foram instrumentalizadas por Bolsonaro para defender ele mesmo, os seus três zeros e a sua turma.

Com o centrão no comando da pauta do governo, o que teremos até o desfecho deste lamentável mandato será apenas mais um governo corrupto. Sabe-se desde já que na Câmara Bolsonaro vai comer pelas mãos de Arthur Lira (corrupção ativa, lavagem de dinheiro, violência doméstica) e seus parceiros. Lira deve ganhar a presidência da Casa, mas mesmo que perca, será o guia do capitão naquele plenário. No Senado, com Rodrigo Pacheco ocorrerá o mesmo. Como noticiou o Estadão na quinta-feira, o deputado já anunciou que, sendo eleito, vai torpedear CPIs contra o Planalto. Duas já estão na sua mira, a das Fake News e a da Saúde. E o senador avisou que não gosta de CPIs. Oras.

O governo vai voar em céu de brigadeiro e só sentirá turbulência se não soltar lastro toda vez que for exigido pelos aliados gulosos. Vai precisar se livrar de muito peso, é bom que se diga. Já sinalizou inclusive que pode criar novos ministérios para abrigar a turminha. Bolsonaro vai fazer concessões, nenhuma dúvida, mas não terá sequer uma agenda que consiga pelo menos balancear possíveis estragos que vierem a ser feitos por larápios. Como se viu na demissão do presidente da Eletrobrás, nem a agenda liberal sobreviveu a dois anos de governo. Fora o escancaramento na liberação de armas e munições, a pauta conservadora também não anda, porque a turma não é tão besta assim. O que vai sobrar é o velho toma-lá-dá-cá.

A Transparência Internacional divulgou esta semana o ranking atualizado de percepção de corrupção em que avalia 180 países. ªO Brasil ficou na 94ª posição, a pior de toda a América Latina. No ano passado, bateu seu recorde histórico. Este ano, melhorou três pontos em cem, mas continua em patamar mais baixo do que todos os anos anteriores. A explicação é simples. Segundo a ONG, a principal causa é a interferência política de Bolsonaro nos instrumentos de combate à corrupção, como nas já citadas AGU, PGR e PF. Também por influência do capitão foram fritadas as operações Lava Jato e Greenfield.

Mas, e daí? Qual a surpresa? Antes mesmo de ser eleito presidente, Bolsonaro já se valia dos cofres públicos para enriquecer. Ao ser flagrado desviando verba do auxílio moradia da Câmara, disse ao jornal “Folha de S. Paulo” que usava o dinheiro público “para comer gente”. Um corrupto de largo espectro, inclusive moral.

PF instrumental

Você, que temia ver a Polícia Federal ser instrumentalizada por Bolsonaro, esqueça. Já era, já foi. Ou alguém acha mesmo que com todas as ferramentas de que dispõe, inclusive com autorização para quebrar sigilos bancários, o órgão não conseguiria encontrar elementos para indiciar as pessoas que participaram e financiaram os atos antidemocráticos do ano passado? O relatório da delegada Denisse Dias Ribeiro enviado ao ministro Alexandre de Moraes deveria ser devolvido com advertência formal.

Michel Temer dois

Jair Bolsonaro adotou o método Michel Temer de governar. Quem está do seu lado, ganha cargo. Quem está contra, ou ameaça ficar contra, é cortado. É isso o que vem ocorrendo com cargos públicos federais ocupados por aliados de parlamentares que vão votar em Baleia Rossi para a presidência da Câmara. Estão sendo demitidos. Mas para por aí a semelhança entre os dois presidentes. Temer era tolerante e democrático, além de muito bem educado. Bolsonaro é aquilo que você sabe.

Dona Azenate

Falcatruas em compras não é novidade nas Forças Armadas brasileiras. Já no longínquo ano de 1991, O GLOBO noticiava que o Exército havia comprado fardas e roupa de cama e banho com preços bem acima dos praticados pelo mercado. A reportagem de Ricardo Boechat e Rodrigo França Taves rendeu aos dois o prêmio Esso, maior honraria jornalística daquela época. E agora, aparece a dona Azenate Barreto Abreu como intermediária de compras superfaturadas de leite condensado para o Ministério da Defesa. Ela nega, diz que vendeu apenas duas caixas. Segundo reportagem do Jornal de Brasília, Azenate é dona de três salas no subsolo de um prédio comercial no setor Sudoeste do Distrito Federal de onde saíram R$ 45 milhões em compras governamentais. Governos corruptos, como foi o de Fernando Collor em 1991, podem gerar um certo enfraquecimento moral coletivo.

Neto de peixe

O ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, deve apoiar o candidato de Bolsonaro na disputa para a presidência da Câmara. Vai de Arthur Lira, contra a articulação encaminhada pelo seu partido. Ele age com aquela cara de quem quer cargo. Aos que lhe cobram por dar aval ao antidemocrático Bolsonaro, Acmzinho diz que se o seu avô deu apoio a generais, por que ele não poderia se alinhar com um capitão.

Joga fora no lixo

A agressão de Bolsonaro aos jornalistas na quarta passada, quando ele mandou todos para a pqp, mostra o tamanho da lixeira em que o presidente do Brasil vai acabar sendo jogado. Alegando falsamente que a imprensa o acusou de comprar R$ 15 milhões em leite condensado, disse que as latas serviriam “para enfiar no rabo de jornalista”. Sabe qual o problema do capitão? Ele lê tudo pela ótica odienta da sua timeline. Os jornais nunca atribuíram ao presidente a compra do leite, embora tenham relatado que havia indícios de superfaturamento. Uma vez que não lê jornais e não assiste a telejornais, o que ele acompanhou foi a repercussão da história nas redes sociais. E então explodiu no mar de esgoto que se viu.

Vergonha Flamengo

A imagem dos jogadores do Flamengo rindo como se fossem velhos amigos de Bolsonaro deve-se colocar na conta do presidente do clube Rodolfo Landim. O vereador gazeteiro Marcos Braz também tem culpa. Ele estava naquela tarde de sexta em Brasília puxando o saco do presidente enquanto os seus colegas trabalhavam em favor dos cidadãos do Rio. Foram Landim e Braz que contrataram Aleksander Santos para ser o diretor de relações institucionais do clube. E este, um ex-guardião de Crivella, fez a ponte do Flamengo até o capitão.

Faltam cubanos

Não se pode negar que os 18 mil médicos cubanos do programa “Mais médicos” do governo Dilma seriam muito úteis hoje. Eles trabalharam em mais de quatro mil municípios e sua área de abrangência cobria 63 milhões de brasileiros. Que reforço espetacular representariam na linha de frente do combate ao coronavírus.

Boa iniciativa

Uma surpresa na Delfim Moreira. A construtora Gafisa cedeu o espaço em que vai levantar um prédio para que o artista plástico Raul Mourão exponha duas de suas megaobras interativas. Vale visitar. Fica entre a João Lira e a José Linhares.

Correção

Na semana passada, me referi a um bate papo online frustrado que se daria entre Gean Loureiro, prefeito de Florianópolis, e Júlio Garcia, presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Disse que o talk não ocorreu em razão da prisão de Garcia horas antes do encontro. Errei. Júlio Garcia foi preso, sim. Nenhum problema aí. O erro foi ter identificado o prefeito Loureiro como governador do estado.


Merval Pereira: Só até a beira

Assim como a velhice pode ser considerada uma boa situação levando em conta a alternativa, que é a morte, também o presidente Bolsonaro ter vendido a alma ao Centrão pode ser uma boa alternativa para ele, diante da ameaça do impeachment. Nesse primeiro momento, a simbologia da provável vitória dos dois candidatos que apoia, na Câmara Arthur Lira, e Rodrigo Pacheco no Senado, indica que Bolsonaro está dono da situação.

Negociou verbas, nomeações, prometeu cargos, está estudando uma reforma ministerial para o Centrão. Um dos atingidos pode até mesmo ser o General Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, que vem fazendo a negociação política do Palácio do Planalto.

O Centrão está de olho em ministérios com poder político, como também o Gabinete Civil, ocupado por outro General, Braga Neto. Mas querem outros ministérios estratégicos, como o da Cidadania, que coordena o Bolsa Família e o provável novo auxílio emergencial, e o da Indústria e Comércio, que seria recriado, desmontando o espírito do ministério da Economia, onde Paulo Guedes centraliza as ações econômicas.

Se Guedes engolir mais essa, é previsível que venha a enfrentar desafios à sua orientação, como já acontece com Rogério Marinho no ministério do Desenvolvimento Regional. Mas como se trata do Centrão, não se pode dizer que o presidente da República estará permanentemente blindado, protegido. Além de ter a goela grande, que vai exigir do governo mais e mais vantagens à medida que a situação política piore, há a corrida presidencial que já começará a se delinear a partir do segundo semestre.

Até lá saberemos se o ex-presidente Lula, como é provável, terá sua condenação no caso do triplex anulada por decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), se Luciano Huck deixará a Globo para se assumir candidato, dois marcos importantes para a definição do quadro. Lula terá que batalhar ainda pela anulação de outra condenação em segunda instância, a do sítio de Atibaia, mas ganhará força política se se confirmar a primeira anulação.

Vamos ver no decorrer da campanha eleitoral, ainda este ano, como ficará a popularidade de Bolsonaro nas pesquisas, que servem de parâmetro para o mundo político analisar a chance de cada um. Se começar a perder popularidade, se a economia não decolar e a crise social aumentar, a situação vira, e ele fica refém do Centrão e nas mãos dos dois presidentes que elegeu. É uma jogada de risco, mas tinha que ser feita, dentro do critério que adotou, a velha política do toma lá, dá cá, o velho hábito do Congresso brasileiro.

O presidente Bolsonaro não tem capacitação para liderar um governo com bases em programas, valores éticos que inibam os clientelistas. Ao contrário, quando tentou se livrar dos políticos, acusando-os de fomentarem a corrupção, o que queria era ficar livre dos controles institucionais, desmobilizar o Congresso. Quando ameaçou o Supremo Tribunal Federal (STF), através de suas turbas amestradas, tinha o mesmo objetivo, colocar-se acima das instituições.

Como não deu certo, pois as instituições mostraram-se resilientes, ele deixou o sistema de pesos e contrapesos para fazer o mesmo que os governos anteriores que criticava: criar um ambiente propício aos interesses fisiológicos. A diferença dessas eleições para a anterior é que naquela, como Bolsonaro estava com a proposta de não depender dos partidos, e criticava muito a velha política, rejeitando acordos com o Congresso, a Câmara e o Senado votaram pela independência, pela autonomia.

No Senado, Davi Alcolumbre derrotou velhas lideranças tradicionais como Renan Calheiros e José Sarney, apresentando-se como a cara nova da nova política. No decorrer do mandato, vimos que não havia novidade nenhuma, era exatamente a mesma coisa, seis por meia dúzia. Mas, de qualquer maneira, o espírito daquela vez era de confrontação com o palácio do Planalto, em defesa do Legislativo. Agora, estamos vendo uma submissão ao governo federal em troca de vantagens pessoais. Mas uma conhecida frase política é que "ninguém vai segurando o caixão até dentro da sepultura. Vamos até a beira”.