arthur lira
Ascânio Seleme: O que esta Casa quer
Houve um período em que a vontade popular influenciava as decisões tomadas pelos deputados
Houve uma época na vida política nacional em que a Câmara dos Deputados subordinava-se ao eleitor. Os movimentos das massas, o clamor das ruas, o rufar dos tambores mexiam com posições enraizadas, transformavam "verdades absolutas" e forçavam deputados a votar de acordo com o pleito manifesto pela maioria. Na votação do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, o então deputado Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara, promulgou o resultado com uma frase emblemática que resumia esse sentimento. “O que o povo quer, esta casa acaba querendo”, disse o deputado.
Muitos outros exemplos comprovam a tese de Ibsen. Inúmeras matérias que contrariavam interesses de governos e de suas bases parlamentares acabaram sendo aprovadas para atender aquele grito rouco que é impossível não se ouvir. O segundo impeachment no Brasil, da ex-presidente Dilma Rousseff, também confirma que é bom não contrariar a vontade do povo. A cassação do odiado Eduardo Cunha, que perdeu a presidência da casa e em seguida o mandato, acabando preso, da mesma forma corrobora a máxima de Ibsen.
Mas, nos dois últimos anos, contrariando a história, os parlamentares aparentemente deram as costas ao clamor popular. O presidente do Brasil que cometeu uma dúzia de crimes de responsabilidade permanece no cargo e, mesmo tendo apenas 37% de apoio popular, não teve na Câmara seu processo de cassação encaminhado. Na noite de segunda-feira, viu-se outro sinal inequívoco de que os senhores deputados e as senhoras deputadas estão se lixando para o que o povo quer ao elegerem o deputado Arthur Lira para a presidência da Câmara. O que importa é o que esta casa quer.
Talvez a explosão das mídias sociais tenha alguma parte nisso, já que os parlamentares falam apenas com os que os apoiam, com puxa-sacos, com sua curriola nos seus estados. Não ouvem o macro, o maior, o todo. O fato é que a Câmara elegeu Lira, candidato apoiado pelo presidente Bolsonaro, que abriu o cofres em favor do deputado condenado em duas instâncias por peculato e lavagem de dinheiro e denunciado por outros crimes, inclusive violência doméstica.
Sua posse lembrou a de Eduardo Cunha, com a gritaria entusiasmada do centrão e do baixo clero. Houve até foguetório na Praça dos Três Poderes ao final da sessão. Em frente ao Congresso, alguns dos mais fiéis seguidores de Bolsonaro rezavam na tarde de ontem pela eleição de Lira.
Nos salões da Câmara, os eleitores do deputado pareciam adestrados, em grande parte. Alguns foram instados a gravar o registro do seu voto sob pena de não levar um prometido “agrado” do Palácio do Planalto, na forma de dinheiro ou cargo público. Lembraram eleitores dos coronéis do passado não muito remoto dos rincões brasileiros. Votaram com o cabresto no focinho, sendo encaminhados na posição que Lira e Bolsonaro apontaram.
A Câmara tem agora no comando uma réplica mais elaborada de Jair Bolsonaro. O primeiro ato do novo presidente da Câmara, excluindo unilateralmente seus adversários da mesa diretora, mostra o caráter vingativo, revanchista e intolerante do deputado. Lira, que se elegeu com as verbas e os cargos do Executivo, pode agora querer dominar o próprio presidente. O primeiro gesto do eleito cria um problema para Bolsonaro, que sonhava com uma Câmara mais pacificada sem Rodrigo Maia. O que Lira fez foi implodir de saída qualquer apaziguamento.
A Casa, que não quer mais o que o povo quer, sob Lira pode também não querer o que o presidente quer. Bolsonaro vai ter que alimentar sem parar a bocarra gigante do deputado que já mostrou que não tolera negativas e não aceita perdas de prazo. O capitão que se cuide, o deputado é que carrega a chave que pode abrir um dos mais de 60 pedidos de impeachment que repousam na mesa que era de Rodrigo Maia.
Merval Pereira: Antilavajatismo
Entre as incoerências explicitadas nos acordos para a eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado não está o interesse pessoal dos parlamentares no fim da Operação Lava-Jato. Ao contrário, o antilavajatismo une a maioria deles, o que facilitou o presidente Bolsonaro ter apoio até do PT na eleição do Senado.
Ao apoiarem a candidatura de Rodrigo Pacheco, os petistas alegaram que não poderiam votar na candidata senadora Simone Tebet, uma clara apoiadora do combate à corrupção e da Lava-Jato, que também, ou principalmente por isso, foi abandonada por seu partido, o MDB, e até mesmo pelo Podemos, que sempre anunciou que gostaria de ter o ex-ministro Sérgio Moro entre seus filiados para lançá-lo candidato à presidência da República. O apoio formal do Podemos foi para Tebet, mas não a maioria de seus votos.
Na Câmara, foi mais fácil a esquerda fechar acordo com a chapa de Baleia Rossi, pois nenhum dos dois candidatos tem simpatias pela Lava-Jato. Não foi preciso rasgar a fantasia. Desde que Bolsonaro partiu para a confrontação com Moro, surgiu um campo enorme de interesses comuns entre os partidos e o Palácio do Planalto.
A posição do DEM, por exemplo, que acabou rachado pela decisão de seu presidente ACM Neto de liberar a bancada para votar em Arthur Lira, provocou efeitos colaterais até mesmo nas prováveis alianças para a disputa presidencial ano que vem. ACM Neto, juntamente com o presidente da Câmara Rodrigo Maia, tinha encontros regulares com o apresentador Luciano Huck e seu grupo político liderado pelo ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung.
Cozinhavam em fogo brando a candidatura de Huck à presidência, que deveria se filiar ao Cidadania, presidido por Roberto Freire, mas ter o DEM como principal partido de sua coligação eleitoral. Com a aproximação do DEM com o governo federal, a possível candidatura de Huck já não é provável, pois o PSDB, que seria outro grande partido a apoiá-lo, tem o governador João Dória como candidato natural.
Maia, que pretende deixar o DEM, tem sido especulado como futuro tucano, e foi rejeitado pelo Cidadania. Uma união do DEM, PSDB e MDB para lançar candidatura única parece descartada no momento, pois dois deles estão se aproximando do governo Bolsonaro e voltando ao berço de onde saíram, o Centrão.
O PSDB tem uma dissidência interna importante representada pelo ex-governador Aécio Neves. Ele conseguiu uma maioria para abandonar a candidatura de Baleia Rossi e aderir formalmente a Arthur Lira, o que só não se concretizou pela interferência do governador João Doria e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Se a oficialização da adesão não aconteceu, provavelmente a maioria dos votos tucanos foi para o candidato do Palácio do Planalto no escurinho da urna de votação.
A possibilidade de construção de novas alianças, sempre à disposição de quem está com os poderes presidenciais na mão, como ressaltam apoiadores do presidente Bolsonaro, é um fato do presidencialismo de coalizão. As eleições de ontem escancararam quão gelatinosa é a ideologia partidária brasileira, e como as posições são trocadas a partir de interesses pessoais.
O a essa altura ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia já teve o sonho de fazer um novo partido de centro-direita, quando o governo Bolsonaro saíra das urnas consagrado, e parecia que o pêndulo havia mudado de direção por período duradouro. Não via viabilidade em um acordo de centro-esquerda.
Mas barrou, por exemplo, a participação do ex-juiz Sérgio Moro das negociações políticas, depois que ele fora chamado para conversas com o governador João Dória e com o presidenciável Luciano Huck. A ponto de ter obrigado Huck a declarar que a turma dele era a de Maia e ACM Neto, alijando Moro. Hoje, Maia está afastado da centro-direita, e ficou mais ligado à esquerda, devido à sua posição de combate direto ao governo Bolsonaro.
Bernardo Mello Franco: Bolsonaro compra seguro contra impeachment e CPI
A vitória de Arthur Lira sela o enlace entre Jair Bolsonaro e o Centrão. É um casamento de interesses, ditado pela gula dos parlamentares e pelo instinto de sobrevivência do governo.
Na campanha de 2018, o capitão definiu o grupo como “a nata do que há de pior” no Brasil. Ao subir a rampa, ele continuou a tratar a turma com desdém.
Partidos como o PP de Lira e o PTB de Roberto Jefferson, acostumados a abocanhar cargos em todas as gestões anteriores, viram-se preteridos na partilha de ministérios e estatais.
Foi uma surpresa amarga para as duas legendas, que haviam oferecido abrigo ao então deputado Bolsonaro por mais de uma década.
O ensaio de independência durou enquanto o presidente se julgava forte o suficiente para governar sem dividir poder com o Congresso. Essa situação mudou com a queda de popularidade e com o cerco judicial aos filhos do capitão.
Fragilizado, Bolsonaro se rendeu ao Centrão e decidiu abrir os cofres para comprar proteção parlamentar. O investimento em Lira representa a contratação de um seguro contra o impeachment, cuja apólice terá que ser renovada periodicamente até 2022.
O Planalto tem muitos motivos para festejar. No médio prazo, o presidente tende a afastar a ameaça de um processo de cassação.
Apesar de seus múltiplos e repetidos crimes de responsabilidade, Bolsonaro deverá continuar na cadeira até o fim do mandato. Mesmo que a sua permanência signifique o aumento de mortes que poderiam ser evitadas se o país tivesse um governante interessado em conter a pandemia.
Lira também deverá bloquear qualquer tentativa de instalação de CPI para apurar a omissão do Planalto no combate ao coronavírus.
Alinhada ao bolsonarismo, a Câmara tende a lavar as mãos diante da crise humanitária em estados como o Amazonas, onde pacientes continuam a morrer sufocados pela falta de oxigênio.
O desperdício de dinheiro público na produção de cloroquina, a negligência na negociação de vacinas e os desmandos do ministro Eduardo Pazuello também deverão continuar impunes.
De brinde, Bolsonaro foi dormir com a notícia da derrota acachapante de Rodrigo Maia, cujo candidato, Baleia Rossi, recebeu apenas 145 votos.
Rifado por seu próprio partido, que o abandonou a menos de 24 horas da votação de ontem, o agora ex-presidente da Câmara arrisca encerrar o mandato como um zumbi.
A julgar pelas expectativas do governo, a vitória de Lira não se limitará a blindar Bolsonaro. O capitão também espera destravar pautas reacionárias como a liberação das armas e o desmonte da legislação ambiental.
No entanto, ele poderá ser obrigado a pagar ainda mais para ver. Discípulo de Eduardo Cunha, Lira sabe como inflacionar o preço de favores e votações. Agora que ele assumiu o volante, o taxímetro do apoio ao governo passará a correr na bandeira dois.
Vera Magalhães: Pior líder mundial? Vamos dar a ele o Congresso!
Jair Bolsonaro é considerado o pior líder mundial no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Sua popularidade está em queda em qualquer pesquisa de opinião que se olhe, em praticamente todos os estratos e regiões. Não existe vacina disponível para a grande maioria da população brasileira. A economia patina após um soluço de recuperação à custa de auxílio emergencial e a desigualdade, depois do mesmo soluço, é maior que no início da pandemia.
Qual a resposta dos senhores parlamentares a esse estado de coisas? Simples: dar a este presidente o comando das duas Casas do Congresso. A que custo? As cifras variam bastante, mas sempre na casa dos bilhões de reais, vindos do Orçamento federal já estourado e de mais sacrifício a gastos que deveriam ser prioritários.
Parece impossível de entender, e é mesmo. A política vai mostrando que não tem nenhum compromisso com as preocupações reais do Brasil, as urgências sociais, de saúde pública, econômicas e institucionais, e que viu na fragilidade de Bolsonaro a chance de lhe arrancar até a cueca na forma de fisiologismo explícito para afastar o fantasma do impeachment, a única coisa que aflige de fato o capitão.
Não importa que, para isso, os partidos implodam suas próprias estruturas e comprometam a própria estratégia para 2022. Como em 2018, as principais siglas mostram incapacidade de projetar as consequências de médio e longo prazo de suas ações, e ignoram a capacidade de Bolsonaro de manter uma base fiel, ainda que minoritária, para construir sua candidatura em cima dos erros dos adversários (além de outros expedientes conhecidos, como fake news, discurso de ódio, negação da política e, agora, rios de dinheiro público).
DEM, PSDB, PSD e MDB adiam ou comprometem em definitivo qualquer possibilidade de construírem uma frente alternativa ao bolsonarismo para 2022. Presos ao imediatismo de cargos e emendas não levam em conta nem o básico: se a economia continuar derretendo e a pandemia avançando, a popularidade de Bolsonaro vai cair ainda mais.
E é por isso, pela vida real, que se impõe, que talvez a vitória esperada do presidente nas eleições das Mesas não se configure um respiro longo ou uma melhora efetiva da governabilidade.
Todas as muitas e caras promessas feitas para angariar votos para Arthur Lira na Câmara começarão a ser cobradas no primeiro dia, com mais virulência quanto maior for o desgaste de Bolsonaro nas pesquisas.
O Orçamento em frangalhos não comporta todos os ministérios e emendas prometidos, e a gritaria não vai demorar, porque o Centrão não tem pruridos de fazer a cobrança em alto e bom som e na forma de votações.
Não será simples também a Lira fazer andar a pauta regressiva que Bolsonaro espera ver transformada em prioridade legislativa: a oposição, depois de um primeiro ano dominado pela discussão da reforma da Previdência e um segundo em que a pandemia ditou o apoio a projetos do governo, agora será ruidosa e atuante, mesmo que saia derrotada hoje.
A discussão sobre a volta do auxílio emergencial vai estressar Paulo Guedes e sua equipe. O governo reclamou muito de Rodrigo Maia, mas vai sentir falta do compromisso que ele sempre teve com o ajuste fiscal diante do comando do rei do Centrão, para quem o teto de gastos é apenas um obstáculo ao cumprimento das promessas de campanha.
E o impeachment? Os 60 pedidos que Maia deixa na gaveta deverão ficar lá como um alerta a Bolsonaro de que, se não ajoelhar no milho e entregar tudo o que prometeu, pode ser colocado na roda pelo hoje aliado.
Neste caso, aliás, não há que se esperar fidelidade: nem o presidente hesitará em culpar o Centrão pela persistência do fracasso de seu governo, nem o Centrão vai titubear se tiver de rifar o presidente caso sua popularidade afunde de vez no pântano da pandemia. É como a parábola do escorpião e do sapo, só que a diferença é que os dois companheiros de travessia têm ferrão.
Míriam Leitão: Duas Casas de costas para o país
O Congresso virou de costas para a sociedade nesta eleição. Enquanto o país está sendo devastado pela pandemia, atingido pela desastrosa gestão da crise, açoitado pelas ofensas do presidente Bolsonaro, a Câmara e o Senado, como se estivessem em outro planeta, negociavam com olhos em outras questões. Houve ecos, alguns poucos, do que realmente aflige o Brasil, mas o que pavimentou o caminho dos candidatos governistas foram verbas e cargos. Os eventos da sucessão no Congresso terão reflexos na política e na economia.
Na política, houve uma mudança de curso importante, diz o cientista político Jairo Nicolau. O governo Bolsonaro aderiu nesta eleição à construção de uma maioria com base em partidos. Isso significa uma reversão daquela ideia inicial, fracassada por inviável, de ignorar os partidos e fazer acordos com as bancadas. É um equívoco avaliar que houve agora a adesão de Jair Bolsonaro ao centrão, ao fisiologismo e à velha política. Ninguém adere ao que sempre foi. Esse é o seu grupo. Bolsonaro é o que ele definia como “velha política”. Pensou que poderia costurar alianças diretamente com as bancadas temáticas. Não deu certo, porque não daria mesmo.
Bolsonaro fez explícita intervenção no Congresso para, desta forma, afastar o fantasma do impeachment. No Senado, conseguiu um feito impressionante. O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi eleito com convincente maioria, juntando votos dos seguidores de Bolsonaro e dos partidos de esquerda. Pacheco conseguiu também tirar do maior partido, o MDB, a presidência da Casa. E o fez com apoios do próprio MDB, que abandonou sua candidata Simone Tebet. Pacheco falou em pacificação, sendo o candidato de um presidente que fez do mote da campanha o gesto de armas apontadas. E elas têm atirado.
A equipe econômica via o dia de ontem como uma vitória que permitirá que ela siga com a sua pauta de reformas. O problema é que são reformas de Itararé. As propostas feitas são fracas e não terão impacto fiscal importante. E a tendência é agora de aumento de gastos, por vários motivos.
Uma das fontes de despesa serão os compromissos assumidos com os deputados e senadores que frequentaram a sala do ministro Luiz Eduardo Ramos, onde foi instalado um balcão de negócios que custarão bilhões de reais. Havia outros balcões em outros ministérios. Em alguns deles se ofereceu recursos não rastreáveis porque extraorçamentários. Essa farra deu ao governo a vitória e uma conta para pagar.
O Congresso vai também aprovar uma nova etapa do auxílio emergencial. Os quatro candidatos que disputaram ontem falaram isso nos seus discursos. Como a pandemia não acabou, e até piorou, ao contrário do que a equipe econômica acreditava que estaria acontecendo neste momento, será necessário mesmo. Já deveria ter sido proposto pela própria equipe.
Não haverá contrapartidas suficientemente fortes para esse novo gasto. A PEC emergencial tem vários gatilhos para serem disparados em momento em que for preciso conter gastos. Mas o governo desidratou a proposta que havia sido incialmente formulada pelo deputado Pedro Paulo, como lembrou ontem em conversa com o blog o economista Sérgio Vale. Um dos pontos é o não aumento dos benefícios vinculados ao salário mínimo, porém isso só poderá ser acionado no ano que vem, porque neste já foram corrigidos.
Das outras reformas, de que o mercado financeiro e a equipe econômica tanto falam, a administrativa foi esvaziada pelo presidente antes de ir para o Congresso, a tributária foi ignorada pela própria equipe que mandou apenas a fusão de PIS e Cofins. A privatização da Eletrobras, o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, diz que é contra.
É da natureza do centrão ser governista. Foi nos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. Mas seu apoio é negociado a cada projeto e seu preço costuma ser alto. Curta e baixa é a sua lealdade. No racha do DEM, uma parte voltou à sua natureza de centro fisiológico, abandonando a ideia de ser centro programático entre polos. O PSDB, com raras exceções, ficou no muro onde sempre esteve.
É da natureza do centrão ampliar gastos. Portanto, a vitória de ontem de Bolsonaro foi mais uma derrota para a equipe econômica. O pior, contudo, foi essa dissonância entre o sofrimento do país e os acordos opacos feitos pelo Congresso.
Valor: Com centrão, agenda econômica não ganha impulso, diz cientista político
Centrão deve ajudar a barrar impeachment e investigações de irregularidades, mas não tem votos para garantir o avanço da agenda econômica nem de pautas conservadoras
Cristiane Agostine, Valor Econômico
SÃO PAULO - A provável vitória do Centrão no comando da Câmara dos Deputados, com a eleição de Arthur Lira (PP-AL), deve ajudar o presidente Jair Bolsonaro a barrar não só um processo de impeachment contra ele, mas também investigações de irregularidades no governo federal em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). No entanto, não garante a aprovação de projetos de interesse do presidente, nem o avanço da agenda econômica e de pautas conservadoras. Na análise do cientista político Carlos Pereira, professor da FGV, a consolidação da aliança de Bolsonaro com o Centrão não dará ao presidente o controle das votações nem a certeza de governabilidade.
O Centrão, diz o cientista político, é a “maior minoria” na Câmara: tem apoio suficiente para impedir o impeachment, mas não tem votos na Câmara para dar maioria simples nem qualificada para aprovar projetos.
Pereira avalia a aliança com o Centrão como um “estelionato eleitoral” do presidente. A defesa da agenda anticorrupção e as críticas à “velha política” e às práticas do “toma-lá-dá-cá”, que marcaram a campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018 e o primeiro ano do governo, caíram por terra, diz o professor da FGV. O presidente deu um “cavalo de pau” na forma de se relacionar com o Legislativo, ao trocar o tom belicoso por um acordo com o partidos como PP, PL e Republicanos, com a oferta de cargos e recursos vultuosos. A vitória de Lira, afirma Pereira, é sinônimo da derrota das bandeiras defendidas por Bolsonaro e, ao mesmo tempo, a vitória do presidencialismo de coalizão no Brasil.
O avanço da agenda econômica dependerá mais do empenho do governo do que do novo presidente da Câmara, independentemente de quem for eleito. Na avaliação de Pereira, as pautas de interesse da equipe econômica não foram aprovadas por falta de articulação política e por erros do governo. Se o presidente não aprovar reformas como a administrativa e tributária, diz o professor, não poderá mais culpar o Congresso por divergências e assinará uma “sentença de incompetência”.
Para o cientista político, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), errou ao não usar a ameaça de abertura de impeachment contra Bolsonaro para fortalecer a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) contra Lira.
A seguir, trechos da entrevista ao Valor ontem, antes da votação na Câmara e no Senado.
Valor: A vitória de Lira coroa o fortalecimento do Centrão, com o retorno do protagonismo na Câmara depois de Eduardo Cunha?
Carlos Pereira: É uma vitória de Bolsonaro, não do Centrão. Bolsonaro fez uma mudança radical, deu cavalo de pau na política que implementou inicialmente com o Legislativo. Ele teve uma postura desde o início do governo de muito confronto com o Legislativo e acreditou que poderia governar através de conexões diretas com sua base eleitoral, passando os partidos e o Congresso. Ele colheu tempestade, muitas derrotas no Legislativo e viu crescer a possibilidade real de que seu governo terminasse de forma prematura pelo impeachment. Diante das sinalizações que o presidencialismo multipartidário deu, fez uma mudança radical, um cavalo de pau, e passou a querer governar com os partidos, montando uma coalizão com Centrão. O Centrão soube aproveitar essa inflexão. Estavam disponíveis a participar de uma coalizão dependendo do que fosse ofertado em troca.
Valor: Essa coalizão garante governabilidade? E enterra as possibilidades de um impeachment?
Pereira: Não está claro se essa coalizão poderá dar maioria consistente e sustentável ao governo no Legislativo, mas pelo menos é capaz de dificultar iniciativas que o governo julga não desejáveis como o impeachment. O Executivo está oferecendo execução de emendas individuais e coletivas, espaço no governo, ministérios.
O presidente se torna dependente dessas figuras que são ideologicamente amorfas e fica mais vulnerável”
Valor: Mas a vitória de Lira afasta um eventual impeachment?
Pereira: Fica mais difícil, mas vale salientar que esse alinhamento entre o Executivo e o Legislativo, na figura dos presidentes da Câmara e do Senado não é a exceção, mas sim a regra. Raramente os presidentes da República não dispõem da preferência dos presidentes das Casas do Legislativo. Só aconteceu três vezes desde a Nova República. Aconteceu com Collor, com a eleição de Ibsen Pinheiro para a Câmara - Collor ignorou esse processo e recebeu impeachment do Legislativo. Com Lula, no segundo mandato, quando perdeu popularidade depois do mensalão e perdeu capacidade governativa. Severino Cavalcanti venceu, mas logo caiu ao ser pego em escândalo de corrupção. E com Dilma, quando o governo também errou ao peitar de frente Eduardo Cunha, insistindo na candidatura de Arlindo Chinaglia. Nesses três episódios em todos esses anos de democracia o presidente teve essa arena de animosidade com os presidentes das Casas Legislativas. No restante, os presidentes têm tido capacidade de influenciar no processo eleitoral e eleger presidentes da Câmara e do Senado comprometidos com a agenda do presidente.
Valor: Essa interferência não reduz a independência do Congresso?
Pereira: O grande receio desse alinhamento é que o Legislativo perca a capacidade fiscalizatória, de constranger, de restringir o presidente diante de eventuais desvios. Isso é preocupação relevante, mas o alinhamento entre os presidentes das duas Casas do Legislativo e do presidente não é o único elemento que define o grau de subordinação do Legislativo ao Executivo. Há outros aspectos. O fato de o presidente da Câmara ser do mesmo partido ou da coalizão ou do arco de alianças do presidente não significa subserviência. Mas é uma preocupação, sim. Existe esse risco.
Valor: Mas o presidente terá maior controle da agenda no Legislativo com um aliado no comando...
Pereira: Não diria controle, mas maior influência. Em última instância, a decisão continuará sendo de Lira e de Pacheco. Bolsonaro terá que negociar com essas figuras importantes, mas é melhor negociar com alguém do seu campo do que da oposição. O ganho de Bolsonaro é de articulação, mas não significa necessariamente que vai passar o rolo compressor e que a decisão dele vai prevalecer sempre. Há um controle endógeno, que é a fragmentação política. Os partidos têm muita dificuldade de agir de forma coesa.
Valor: Um aliado no comando pode barrar não só impeachment, mas também investigações, CPIs...
Pereira: Pode, desde que seja premiado a contento. Tem que levar em consideração a gerência da coalizão. Montar a coalizão não é fácil, mas mais difícil ainda é gerir a coalizão. É uma coalizão minoritária. O Centrão não tem votos suficientes para dar maioria nem simples nem qualificada. Tem a maior minoria, pode dificultar o impeachment, mas não tem maioria para aprovar o que Bolsonaro quer. Bolsonaro necessariamente vai precisar dos votos da oposição para aprovar sua agenda. O que o Centrão pode ofertar para Bolsonaro é uma agenda muito mais negativa do que positiva. Ele pode dificultar um impeachment, mas é muito difícil que Centrão consiga oferecer a aprovação de uma agenda ultraconservadora, anti-gay, pró-arma, de costumes se Bolsonaro quiser levar para frente. O Centrão não tem votos para aprovar isso. Tem quantidade de votos para vetar coisas, mas não para aprovar coisas.
Valor: Essa blindagem é confiável? O apoio tende a ser duradouro?
Pereira: Lira é jogador estratégico. Está observando os retornos para ele e para um conjunto de forças que estão jogando hoje. Se mais na frente Lira ou Pacheco perceberem que Bolsonaro não gerencia bem a coalizão, não recompensa de acordo com o peso proporcional de cada um dos parceiros, se monopoliza o jogo, os termos dessa negociação podem mudar. No governo Dilma, o PMDB foi maltratado, era desproporcional a alocação de recursos e de poder entre os parceiros, apesar de os parceiros terem o mesmo peso no Legislativo.
Valor: Bolsonaro foi eleito com um discurso contra a “velha política”, mas essa aliança com o Centrão derruba essa bandeira, não?
Pereira: Sim, com certeza. É um estelionato eleitoral. Bolsonaro desceu do pedestal do discurso dele da antipolítica, de que é o limpo, o poderoso’, de que não vai negociar com as armas do presidencialismo multipartidário, porque igualava isso a corrupção. Agora, joga com as mesmas armas ou armas piores do presidentes anteriores. Obviamente ele comete um estelionato eleitoral de marca maior. Mas isso não se dá pela preferência do presidente, mas sim porque percebeu que se continuasse jogando do jeito anterior, ele talvez não terminasse o mandato dele. Houve um aprendizado institucional, percebeu que o presidencialismo multipartidário é mais forte do que ele.
É muito difícil que Centrão consiga oferecer a aprovação de agenda ultraconservadora, de costumes, pró-arma
Valor: E o desgaste político?
Pereira: Bolsonaro negocia com o Centrão em troca de recursos, de cargos, e isso se choca com o discurso de que jamais faria isso. Obviamente terá custo político e eleitoral com seus eleitores, que cobram a coerência. Mas do ponto de vista institucional, da democracia, é muito melhor ter um presidente que negocia e se subjuga às regras e ditames do presidencialismo multipartidário do que um presidente que nega tudo isso e diz que vai derrubar as instituições, que desrespeita o Judiciário e o Congresso. Bolsonaro perde o jogo ao cometer estelionato eleitoral, perde o discurso e a agenda renovadora. Mas, em última instância, quem venceu foram as regras do jogo do sistema político brasileiro.
Valor: Lira tem sido um antagonista na pauta anticorrupção na Câmara. Essa é outra bandeira de Bolsonaro que foi derrubada?
Pereira: Não resta dúvida. A agenda anticorrupção do governo foi por terra. Mas já tinha ido com a saída de Sergio Moro. Quem votou em Bolsonaro na expectativa de que fosse aprovar uma agenda anticorrupção, dançou. E esse eleitor já abandonou Bolsonaro. A vitória de Lira é o sinônimo da derrota de Bolsonaro, do que ele representava. Mas é uma vitória para o presidencialismo de coalizão no Brasil.
Valor: Como ficará a agenda econômica? Rodrigo Maia era um aliado de Paulo Guedes, mas Lira vai em sentido contrário, com a defesa de medidas que geram maior gasto público. As reformas devem passar?
Pereira: Acho que pouco muda. O que vai definir é a preferência mediana do Congresso e não a presidência das Casas. E a preferência mediana do Congresso é muito favorável ao equilíbrio das contas públicas, equilíbrio macroeconômico, controle inflacionário, redução da carga tributária. Então, independentemente do eleito, nada muda na pauta econômica. A agenda econômica não avançou mais não em função de Maia, mas sim em função do governo, que foi tímido, teve problemas de coordenação, teve incompetência. Não conseguiu avançar na agenda liberal que prometeu na campanha por erros do próprio governo, não pelo Legislativo. O Legislativo não será empecilho para que o presidente consiga, se assim o quiser, colocar para frente uma agenda econômica vigorosa, que seja consistente com o ajuste fiscal, equilíbrio das contas públicas, controle inflacionário. Se Bolsonaro e Guedes colocarem para frente essa agenda, não terá problemas para aprová-la, porque a maioria do Congresso é favorável.
Valor: O senhor vê um ambiente mais favorável para as reformas administrativa e tributária?
Pereira: Vai depender do Executivo. Se tiver capacidade de gerir esse jogo e ter celeridade na proposição da agenda, o Congresso não será obstáculo. Com Lira ou Baleia Rossi, não vejo impacto tanto na agenda de reformas econômicas como administrativas. O que acho pouco provável é agenda relacionada a costumes, a agenda conservadora, que muitos têm receio. O Congresso é muito diverso e o presidente não terá maioria para construir essa vitória. Do ponto de vista econômico, vai depender do governo. Se não tiver mudanças, governo não poderá mais culpar o Congresso. Se essas reformas não ocorrerem, o governo assina sua sentença de incompetência.
Valor: A gestão de Rodrigo Maia foi vista como uma espécie de freio a ações antidemocráticas do presidente. Sem esse limite na Câmara e com um líder do Centrão no comando da Câmara, o que se pode esperar? De onde virá esse limite?
Pereira: Isso ainda não está claro. A presidência da Câmara e do Senado não são os únicos elementos de veto para o Executivo. Há também o tamanho da coalizão e a gerência da coalizão, por exemplo. Esses elementos estarão em movimentação, mesmo quando o presidente tem a presidência da Câmara e do Senado aliados de primeira hora, fiéis. Essa coalizão não é majoritária, mas sim minoritária. Não capacita o governo a colocar para frente uma agenda muito distante do que a maioria do Congresso deseja, do que a maioria vem a desejar. A maioria do Congresso não faz parte da coalizão do presidente. O presidente ainda tem que remar contra. Vai ter que negociar e se dobrar não só à maioria da Câmara, mas também ao próprio Centrão. E cada vez mais o Centrão se torna importante para Bolsonaro, para a continuidade do governo. Com isso, o presidente se torna dependente dessas figuras que são ideologicamente amorfas e fica mais vulnerável. Fica refém dessas figuras.
Valor: Como analisa a articulação de Maia em torno da candidatura de Baleia Rossi? Quais erros foram cometidos?
Pereira: O erro de Maia foi não ter utilizado o instrumento do impeachment há muito tempo. A única saída para que o candidato de Maia fosse vencedor era ter usado crivelmente a ameaça de aceitar alguns dos pedidos de impeachment. Tinha o poder e não usou. Como não fez isso, não tinha nada a ofertar e daí dançou. A desidratação da candidatura de Baleia Rossi era esperada, porque a única coisa que poderia ele ofertar era espaço na Mesa Diretora da Câmara e nas comissões, mas Lira podia ofertar isso também e mais: ministérios, espaços no governo, execução de emendas, outras políticas públicas. A candidatura de Lira ficou mais atrativa. O que pegou foi a oportunidade de retornos que possam conferir sobrevivência eleitoral nas próximas eleições. Quanto mais recursos financeiros e eleitorais puder acumular nesse processo, maiores as chances de reeleição. Maia, mesmo sendo experiente, cometeu esse erro básico de não perceber o que estava em jogo e quais os poderes tinha. Se queria fazer sucessor, deveria ter usado a bala do impeachment na mão. Mesmo se não fosse aprovado, a ameaça iria deixar o Executivo em uma posição defensiva e não proativa e ofensiva como se deu nesse processo. Usar essa ameaça nas últimas horas soou como mal perdedor.
Valor: O senhor vê reflexos para 2022 dessas alianças que foram costuradas na disputa pela Câmara e pelo Senado?
Pereira: Está se costurando um campo mais orgânico de Bolsonaro com Centrão, além de um campo de centro-direita e a esquerda. Mas nem sempre ter poder no Congresso significa ter poder eleitoral. Se Bolsonaro souber jogar o jogo, aprovar reformar, se o Brasil começar a crescer de novo, aí essa articulação que começa a se formar com a eleição de Lira e Pacheco pode se configurar em uma aliança eleitoral. Mas se o governo não gerencia bem, se a economia continua patinando, o desemprego continua alto, a pandemia continua forte, com o número de mortes aumentando e sem uma vacinação eficiente, aí o jogo será outro. As peças estão se movendo tendo como horizonte 2022, mas se Centrão vê que a economia não decola, que popularidade do presidente cai, não será surpresa que Lira e líderes deem uma banana para Bolsonaro e embarquem em uma candidatura de oposição.
Valor: O DEM e PSDB saíram divididos das eleições para o Legislativo. Houve divergências no MDB no Senado. Como avalia a situação desses partidos agora? E a composição de uma frente desses partidos para 2022 ficará comprometida?
Pereira: Com a dissidência dentro do DEM, Rodrigo Maia deveria sair do partido e buscar uma alternativa. Do contrário, vai virar parlamentar de baixo clero. Não vai ganhar mais um centavo do governo Bolsonaro. De forma geral, sobre as alianças para 2022, não creio que o apoio a Lira ou a Pacheco configuram um apoio a Bolsonaro em 2022. Não se pode confundir isso. Não se deve avaliar que os deputados do DEM, PSDB, DEM que votaram no candidato do Bolsonaro, votarão no Bolsonaro.
Carlos Melo: Rodrigo Maia, novos presidentes e grandes desafios
Atividade dinâmica, a política é cruel. Há três meses, o Dem saía das urnas municipais quase consagrado – era o mais vistoso. Rodrigo Maia colhia os maiores louros. O então presidente da Câmara posicionava-se como o aglutinador do chamado “centro”, o “sujeito do diálogo” pelo qual, não sem motivo, muitos clamavam. Com vistas em 2022, Maia seria a ponte desde o centro direita até o centro esquerda. Independente do candidato à presidência desse amplo espectro, certo é que Maia seria um dos articuladores do que se pretendia “uma frente ampla”.
A fama que Maia construiu não foi imerecida: no longo período em que se manteve à frente da Câmara, deu extraordinário salto de importância; interveio no debate nacional, propôs. No mais, não se deixou levar pelo canto que lhe oferecia o lugar de Michel Temer; articulou o teto de gastos e a reforma da Previdência – com todos seus erros, acertos e inevitabilidades –, defendeu as prerrogativas do Congresso Nacional e seu papel de freio e contrapeso ao bolsonarismo.
A possibilidade de continuar no centro da cena, foi-lhe, porém, corretamente negada pelo Supremo. O papel da aglutinação foi-lhe retirado pelos próprios correligionários do Dem, pelos parceiros do PSDB e de outros partidos em que, entre a fidelidade ao líder e a fidelidade a seus próprios interesses, ficaram naturalmente consigo mesmos. Como demonstrou O Estadão (aqui), as verbas do governo tiveram poder irresistível diante do apetite dos parlamentares. Sem conexão com o Executivo, Maia (e Rossi) tornou-se pão dormido; no curto prazo, não apeteceria aquele tipo de paladar; deixou de ser perspectiva de poder.
Para reaver a esperança de exercer papel relevante em 2022, o emotivo ex-presidente terá que se reconstruir. Rapidamente, numa dinâmica mais vertiginosa que sua queda. Como diz a canção, se seu mundo caiu, carece aprender a levitar. E haverá ambiente para isso.
Nesta terça-feira, Câmara e Senado amanheceram com novos presidentes, ambos apoiados por Jair Bolsonaro — quem, um dia, estimulou sua turba a fechar as duas Casas. Terá mudado de ideia? O tempo dirá. O processo político não depende apenas da vontade dos atores; menos ainda das confabulações em torno de cargos e emendas. Bem ou mal, há uma sociedade com expectativas, interesses, desesperos e, às vezes, indignação. Os desafios para contentá-la são gigantes. Já a dimensão do entendimento dos problemas do país e a efetividade da ação governamental para resolver múltiplas crises é ínfima.
A situação interna se deteriora, o respeito externo ao país derrete. Paciência e resignação têm limites; os leões da morte, do desemprego e da fome rugem. E o centrão ouve mal. Tome-se o programa (sic) que Arthur Lira expôs da tribuna, ao defender a candidatura e mesmo as platitudes mencionadas, já eleito: foram discursos de, para e pelo “baixo clero”. No máximo, espumas sobre o país, democracia, autonomia do Legislativo. Nada muito além disso. Não falou para o Povo. Antes, dirigiu-se a seus pares — o seu povo verdadeiro. Ao que tudo indica, isso não bastará. Se houver, o engenho e a arte — que têm faltado — haverá espaço para vários Maias.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Eliane Cantanhêde: Dupla vitória de Bolsonaro
Aliados de Bolsonaro se unem no Congresso, adversários de 2022 se autodestroem e perdem
O que a eleição municipal de 2020 uniu a eleição para as presidências da Câmara e do Senado desuniu: MDB, DEM e PSDB, os três carros-chefes de uma candidatura de centro em 2022, agora empacam, sem bússola e sem piloto. O desastre, enorme, pode ser personalizado em Rodrigo Maia, que implodiu sua corrida para um lugar ao sol entre os principais articuladores políticos do País.
A vitória do presidente Jair Bolsonaro é muito maior do que apenas a garantia de aliados cômodos e ativos na Câmara e no Senado, agora sob a condução do deputado Arthur Lira (PP-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Já é espetacular, mas vai além. De um lado, o resultado nas duas Casas do Congresso deixa Bolsonaro numa situação bastante confortável. De outro, desmonta, já nos alicerces, a construção de uma sólida opção de centro.
O clima do Planalto, ontem, era de festa. O general Luiz Eduardo Ramos jurava que não comprou votos coisa nenhuma, apenas conduziu a distribuição “normal” de emendas. E que não trocou, nem trocaria, cargos por votos, só fez a “equalização” das vagas de governo: se o apoiador de Arthur Lira no Estado tal não tinha vaga nenhuma, mas o aliado de seu adversário Baleia Rossi (MDB-SP) tinha duas... Ora, tinha de melhorar essa balança aí.
O fato é que o governo entrou pesado, sim, e Bolsonaro se empenhou pessoalmente, sim, nas duas disputas, mas é preciso admitir que as forças políticas tiveram, como sempre têm, seus movimentos próprios, com sua dinâmica particular. Ou seja: contaram nos resultados, também, os acordos intramuros da Câmara e do Senado, as guerrinhas intestinas nos partidos, as divergências ideológicas.
Se o Planalto despejou R$ 3 bilhões em emendas “extras” para 250 deputados e 35 senadores, houve 250 deputados e 35 senadores que estavam pensando mais em suas vantagens do que em votar no que julgavam melhor para o País. Ou recebiam o favor aqui, para trair o voto ali. Vá se saber.
E o que aconteceu no DEM é uma verdadeira aula de política. Quando o então prefeito ACM Neto deu o troféu de campeão de votos a Bruno Reis, seu candidato à sua sucessão em Salvador, o que o mundo político vislumbrou foi uma forte aliança de Neto com o também eleito Eduardo Paes (Rio), Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre para amalgamar uma sólida aliança de centro para 2022.
O que se vê, dois meses e meio depois, é Maia para um lado, Alcolumbre para outro e ACM Neto liderando a maior rasteira de um partido num dos seus principais líderes – o próprio Maia. Sem a presidência da Câmara, sem fazer o sucessor, sem o seu partido, sem interlocução com Alcolumbre e histérico com Neto, ele vai precisar se reconstruir.
Se o DEM rachou, o que dizer dos parceiros potenciais para 2022? O MDB do Senado não teve o menor prurido, ou decência, ao jogar a candidata Simone Tebet (MS) aos leões e o MDB da Câmara não se uniu devidamente em torno de Baleia Rossi. O PSDB, rachado no Senado entre Tebet e as benesses de Rodrigo Pacheco, por um triz, não repetiu o passo trôpego do DEM na Câmara. Foi, voltou, foi de novo e disse que ficou com Maia e Baleia.
Política é assim. Bolsonaro foi o grande derrotado em novembro, levou um tombo com a posse de Joe Biden, outro com a falta de vacinas e um terceiro com a asfixia de Manaus e, assim, caiu nas pesquisas e passou a conviver com o fantasma do impeachment. Quanto mais ele descia a ladeira, mais a “opção de centro” subia. Pois não é que as posições se inverteram?
Agora, é acreditar nas juras de amor à democracia, à República e à Federação que todos os candidatos fizeram. Mas Pacheco fez o discurso da unidade no Senado, Lira partiu para a guerra na Câmara. Por seis minutos.
Ricardo Noblat: Congresso escolhe caminhar em direção oposta a do país
Bolsonaro ganhou – e o Centrão mais do que ele
Jair Bolsonaro pagou uma fortuna ao Centrão para derrotar o que lhe pareceu ser o germe de uma aliança de parte da esquerda e da direita para minar suas chances de se reeleger em 2022.
A partir de agora, pagará outra para que o Centrão apoie no Senado e na Câmara dos Deputados os projetos do seu governo que não conseguiram avançar quase nada por culpa dele mesmo.
Uma vez de novo candidato a presidente, pagará uma terceira fortuna no mercado futuro para evitar que o Centrão se bandeie para o lado de seus possíveis adversários.
Deu Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para presidente do Senado, como previsto. Deu Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara depois que o DEM largou de mão Baleia Rossi (MDB-SP).
Foi o enterro da Nova Política prometida por Bolsonaro há dois anos, e a ressurreição com todo o seu esplendor da Velha onde, por sinal, Bolsonaro se criou durante quase 30 anos.
Eleito, Pacheco falou em Senado independente, em auxílio emergencial para os brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia, mas não só, e em reformas na economia.
Lira falou em Câmara “independente, mas harmônica”. Quer dizer: uma Câmara que, de preferência, aprove todas as pautas de interesse de Bolsonaro e que evite contrariá-lo.
Lira e o Centrão não podem garantir que será assim. Primeiro porque não detém votos suficientes para fazer todas as vontades de Bolsonaro. Segundo porque o Centrão não é uma coisa só.
Pesou na eleição de Lira o dinheiro gasto pelo governo na compra de votos, mas pesou também a diferença dos perfis de Lira e de Rossi, e o modo como Rodrigo Maia (DEM-RJ) escolheu Rossi.
Lira é um rato de plenário. Rato no sentido de que vive ali circulando por toda parte, participando de todas as rodas de conversa, cumprimentando todo mundo. É muito habilidoso.
Nunca distinguiu entre colegas notáveis e colegas do baixo clero. Rossi, como líder do MDB, fazia o oposto. Vivia no seu gabinete. Aparecia nas reuniões de líderes. Nunca foi popular.
O patrocinador de Lira foi Bolsonaro, que quando quer ser simpático no trato com ex-colegas, sabe ser. O patrocinador de Rossi foi Maia, um centralizador sisudo e às vezes de maus bofes.
A pretensão de Bolsonaro é fazer do Congresso um anexo do Palácio do Planalto, onde ele despacha no terceiro andar. Não é certo que consiga mesmo que continue pagando caro por isso.
Senadores e deputados só pensam na reeleição ou na eleição para outros cargos. O mais bobo deles conserta relógio suíço usando luvas de boxe, como disse um dia o deputado Ulysses Guimarães.
Presidente da República pode pedir a um parlamentar o que quiser, só não pode pedir ou esperar que ele politicamente se suicide. Não haverá um único capaz de atendê-lo.
Com Pacheco e Lira, o Congresso escolheu caminhar na direção oposta à que o país dá sinais de que caminha ao distanciar-se de Bolsonaro. Mais adiante os dois poderão se reencontrar – ou não.
Para onde irá Rodrigo Maia? E o DEM de ACM Neto?
Na direção dos ventos
Nada de convidar para a mesma mesa, pelo menos nem tão cedo, o deputado Rodrigo Maia (RJ), que ontem se despediu com lágrimas da presidência da Câmara, e ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, o partido de Maia.
Os dois pareciam se entender apesar das diferenças de estilo – Maia estourado e centralizador, ACM Neto calmo e disposto a fazer a vontade da maioria do seu partido. O rompimento se deu quando Maia escolheu Baleia Rossi (MDB-SP) para sucedê-lo.
Candidato ao governo da Bahia em 2022, ACM deu ouvidos aos deputados baianos que preferiam apoiar Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, deixando Maia pendurado no pincel. Maia anunciou que sairá do DEM, para onde ainda não sabe.
O destino de Maia só importa a ele e aos seus eleitores. O do DEM importa aos demais partidos que esperavam contar com a companhia dele para a formação de uma frente capaz de impedir a eventual reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
O DEM com Rodrigo negociava com o CIDADANIA e outras legendas o possível apoio à candidatura do apresentador de televisão Luciano Huck. Mas não descartava apoiar a candidatura do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Sem Rodrigo, ou com um Rodrigo murcho, o DEM poderá tomar outro rumo. O partido tem dois ministérios no governo Bolsonaro – o da Agricultura e o da Cidadania. Tinha três quando o médico Luiz Henrique Mandetta era ministro da Saúde.
Poderá abiscoitar o Ministério da Educação ou outro qualquer, desde que queira aproximar-se ainda mais de Bolsonaro. O avô de ACM Neto apoiou todos os governos da ditadura militar de 64, e quando viu que ela estava no fim, aderiu à oposição.
Neto aprendeu com ele a se antecipar à mudança de direção dos ventos. Seus próximos passos poderão indicar para que lado eles irão soprar.
Hélio Schwartsman: Bolsonaristas deveriam revoltar-se
Se eu fosse um deles (deus me livre), já estaria na rua quebrando tudo
Se eu (Deus me valha e guarde!) fosse bolsonarista, já estaria na rua quebrando tudo. É que há um limite para o número de vezes que uma pessoa pode deixar-se enganar sem comprometer a autoimagem. E, no caso dos admiradores do mito, esse limiar já ficou para trás em qualquer análise objetiva.
A cereja do bolo é o esforço bilionário do presidente de distribuir verbas e cargos entre congressistas para tentar assegurar aliados no comando da Câmara e do Senado. O próprio Bolsonaro, durante a campanha, dizia que o presidente que troca cargos por apoio no Parlamento merece o impeachment (declaração de 27 de outubro de 2018). E quem é um bolsonarista para discordar de Bolsonaro?
Não foi só na antipolítica que o ex-militar cuspiu em seu eleitorado. Ele também o fez em relação à pauta anticorrupção (foi Bolsonaro, não Temer, quem enterrou a Lava Jato) e à agenda econômica liberal (cadê o R$ 1 trilhão em privatizações?) para ficarmos só nos grandes temas.
Figurativamente, alguns grupos de bolsonaristas já começaram a quebrar tudo. É o caso da molecada do MBL, que passou recentemente a defender o impeachment.
Como não sou bolsonarista, não me sinto traído. Não posso nem dizer que tenha ficado surpreso com a quebra de promessas. Quem acreditou que o rei dos esquemas de baixo clero da Câmara (Wal do açaí, apartamento funcional "para comer gente") iria atuar contra a corrupção o fez por conta e risco.
Devo, porém, confessar que estou dividido em relação à minha torcida. Em nome da decência, adoraria ver Bolsonaro impedido —e penso que iniciar o processo é um imperativo moral. Mas, para que o afastamento se torne uma hipótese realista, a economia e a pandemia precisariam piorar. A conta consequencialista, que faltam elementos para resolver, é se o Brasil perde mais com um agravamento agudo das condições econômicas e sanitárias ou com a permanência de Bolsonaro até 2022.
Afonso Benites: Lira sela vitória dupla de Bolsonaro no Congresso, mas deixa Planalto refém do Centrão
Deputado do Progressistas de Alagoas vence Baleia Rossi por 302 a 145. Como primeiro ato, presidente dissolve bloco de seu opositor e cancela eleição de seis dirigentes da Casa
Quatro anos atrás, o então deputado federal Jair Bolsonaro concorria à presidência da Câmara e resolveu fazer uma “denúncia”. Disse ele: “Sabemos que o Executivo sempre interferiu nos trabalhos desta Casa, em especial por ocasião das eleições. Hoje temos uma Câmara que não cria leis, que não fiscaliza e que não representa os anseios do povo. O Poder Legislativo se apresenta subserviente ao Executivo e submisso ao Judiciário”. Sua candidatura de protesto rendeu 4 votos.
O vencedor na ocasião foi Rodrigo Maia (DEM-RJ), que contou com o apoio de boa parte do Centrão, o grupo fisiológico de centro-direita. O jogo virou. Agora é Bolsonaro, ocupante da Presidência, que colhe os louros de ter agido abertamente para interferir na eleição da Câmara e celebra nesta segunda-feira a vitória contundente do líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), como novo comandante da Casa, formulador da agenda estratégica do Legislativo brasileiro e, não menos importante, dono da prerrogativa de por ou não em análise pedidos de impeachment.
Arthur Lira derrotou em primeiro turno, com 302 votos contra 145, o candidato de Maia e da oposição, Baleia Rossi (MDB-SP). O resultado faz com que Bolsonaro se una ainda mais ao Centrão, a quem ofereceu até quatro ministérios, dezenas de cargos no segundo e terceiro escalões, além de entregar pelo menos 3 bilhões de reais em emendas extraorçamentárias. Se, por um lado, o presidente começa seus dois últimos anos de mandato com uma relação mais azeitada com o Congresso ―o presidente também emplacou um aliado, Rodrigo Pacheco, na presidência do Senado―, por outro, fica refém de grupo que não é conhecido pela lealdade, mas pelo extremo pragmatismo: se os ventos dos recursos públicos secarem e os da popularidade do Planalto minguarem de vez, Lira pode deixar de ser a blindagem que que o ultradireitista almeja contra um processo de destituição.
A aliança do presidente com Lira também sela de vez o fim do discurso de rejeição da “velha política” e contra desvios de conduta que marcou a campanha eleitoral bolsonarista. Ao longo da corrida para a Presidência da República, Bolsonaro e seu entorno criticavam severamente o Centrão. O hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, cantarolou em um evento: “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”. Foi uma paródia da canção que troca a palavra ladrão por Centrão.
Ex-integrante da elite da tropa de choque de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara preso pela Operação Lava Jato, o novo presidente da Casa é réu no Supremo Tribunal Federal pelo crime de corrupção passiva. Ele é acusado de receber 106.000 reais em propina de Francisco Colombo, então presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos que queria o seu apoio para seguir no cargo. O crime teria ocorrido em 2012 e até hoje seu julgamento não foi concluído. Por ser réu, Lira não pode ocupar a cadeira presidencial, mesmo sendo o segundo na linha sucessória. Caso Bolsonaro e o seu vice Hamilton Mourão se ausentem temporariamente do país, renunciem ou morram, o deputado não poderia assumir a cadeira presidencial.
O apoio que poderia parecer um contrassenso para a base bolsonarista, não o foi, em um primeiro momento. Levantamento do Departamento de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas mostra que a base conservadora de Bolsonaro se engajou na candidatura de Lira. Em grupos pró-governo no WhatsApp e no Telegram, monitorados pela reportagem, também não havia nenhuma crítica à mudança de discurso de Bolsonaro. O principal argumento era de que Lira seria um opositor a Maia, chamado de algoz de Bolsonaro, e encarnação, junto com a mídia, do “sistema” que o impede de governar. O discurso foi usado inúmeras vezes, como no início do ano, quando o presidente disse que o “Brasil estava quebrado” e que ele não conseguia fazer nada. Agora, veremos como essa caixa de ressonância se ajusta aos novos métodos do Planalto.
Golpe contra adversário e último choro de Maia
Tido como um negociador duro assim como Cunha, Lira tomou uma decisão controversa como primeiro ato no comando da Casa. Dissolveu o bloco de seu principal adversário, Baleia Rossi, formado por PT, MDB, PSDB, PSB, PDT, Solidariedade, PCdoB, Cidadania, PV e Rede, e cancelou a eleição de outros seis cargos da Mesa Diretora. Argumentou que o bloco foi inscrito ilegalmente para a disputa na tarde desta segunda-feira, depois do horário-limite para a inscrição de concorrentes, às 12h, e mesmo assim chancelado por Maia. O novo presidente da Câmara marcou a nova eleição para os cargos para às 16h desta terça-feira, mas o caso pode acabar sendo levado ao STF.
Todo o movimento de Lira visa evitar que partidos de esquerda que apoiaram a candidatura de Rossi, como o PT, tenham a prioridade em escolher qual cargo irá ocupar. O novo presidente da Câmara e seus aliados entendem que, como eles têm um maior número de partidos, caberia ao seu grupo escolher as posições primeiro. Como de costume, o Centrão está de olho em cargos. Dessa vez, o grupo de Lira quer a 1ª vice-presidência e a 1ª secretaria, esta que é uma espécie de prefeitura da Casa, e também é responsável pelas finanças. O objetivo é deixar cargos irrelevantes aos petistas, como a 4ª secretaria ou uma suplência.
Na coroação de Lira não faltaram homenagens ao chamado baixo clero da Câmara como provocações a Rodrigo Maia, que terminou um dos mais longevos períodos de comando da Casa da história brasileira de maneira melancólica. O líder do Centrão afirmou que privilegiará a coletividade em detrimento a pessoalidade dada por Maia na condução da Casa. Iniciou sua fala em pé, ao lado da cadeira de presidente da Câmara, que ele disse não ser um trono de um absolutista. “De pé, em homenagem a todos os presentes, de todos os partidos, aos que votaram e aos que não votaram em mim. É um gesto de respeito a este plenário, o verdadeiro e único presidente da Câmara”, afirmou aos seus pares. Prometeu que o Legislativo será independente, harmônico e responsável, que olhará à direita, ao centro, e à esquerda ―o quanto seguirá os interesses do Planalto é uma pergunta ainda em aberto.
Já Maia teve seu último ato como protagonista de primeira linha em Brasília. O deputado do DEM atraíra as atenções durante todo o dia desde que, prevendo a derrota acachapante de seu candidato com a participação do seu próprio partido, ventilou a possibilidade de pôr em análise um dos pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro, um passo que jamais cogitou fazer no último ano. À tarde, negou: “Eu nunca disse que ia dar (andamento ao processo). Vocês (da imprensa) ficam ouvindo as pessoas e não confirmam comigo”, afirmou à Agência Câmara. Na cadeira de presidente da Câmara pela última vez, chorou. A Maia, Lira reservou uma frase feita de peso simbólico: “A História irá julgar o seu legado.”Adere a
Alon Feuerwerker: Vento a favor do governo
O governo e o presidente Jair Bolsonaro conseguiram na tarde e na noite de ontem duas vitórias decisivas: ver eleitos para a presidência das casas do Congresso dois aliados. Haverá naturalmente a necessidade de negociações políticas em torno da pauta legislativa, mas essa é uma realidade posta permanentemente.
Serão negociações duras, porém com uma diferença em relação ao quadro anterior, principalmente na Câmara. Serão negociações feitas com aliados.
A chamada centro-direita votou em Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018 para derrotar o PT, mas previsivelmente foi se afastando do presidente ao longo dos dois primeiros anos do mandato. Em parte por diferenças na condução das políticas governamentais, e na maior parte pelo desejo de buscar alternativa própria em 2022.
Não à toa, a oposição mais vitriólica a Bolsonaro passou a ser a da direita, ou centro-direita, tradicional. E que para a eleição de ontem apostou tudo no candidato apoiado pelo agora ex-presidente da Câmara dos Deputados. Apenas para ver o grosso das suas bases capturadas pela agressiva articulação política do Palácio do Planalto.
A aliança da direita não bolsonarista com a esquerda na tentativa de fazer o presidente da Câmara enfrentava um problema estrutural. Nos estados, essas duas correntes são habitualmente adversárias. Diz a sabedoria que toda política é em última instância local.
Se não foi simples para o PT explicar por que apoiava quem liderou o impeachment de Dilma Rousseff, tampouco era fácil para o PSDB, o MDB e o DEM explicar por que estavam aliados ao PT. O primeiro ainda pôde argumentar com o antagonismo entre o presidente da República e o governador de São Paulo, candidato ao Planalto. O segundo tinha o postulante à vaga em disputa ontem.
Mas para o Democratas certamente não era natural. A realidade comprovou.
Ainda restam a preencher os demais cargos da mesa, e distribuir as presidências das comissões. Será preciso esperar para ver como vai ser desatado o nó regimental em que o novo presidente da Câmara se baseou para anular a escolha ontem dos outros postos. Talvez seja resolvido ainda hoje.
Mas algumas coisas já podem ser ditas. O impeachment de Jair Bolsonaro transformou-se numa escalada de rocha vertical para a oposição. Fatos políticos geram tendências inerciais. A vitória de ontem faz o processo político agora correr a favor e não contra o presidente da República. A oposição precisará de bem mais do que tem hoje para reverter isso.
E as reformas? O governo se verá na contingência de negociá-las com o Congresso. Mas essa já era a realidade anterior. Bolsonaro nunca teve uma maioria automática e continua não tendo. A diferença agora é que o comando da Câmara não mais é parte de uma articulação cujo objetivo central é criar problemas para ele e no limite removê-lo.
É provável que os dois primeiros pontos de atenção do Congresso sejam novas medidas emergenciais econômicas para a pandemia e a vacinação contra a Covid-19. Outras reformas, estruturais, devem entrar na pauta, mas sempre de forma negociada com o comando das casas e com os líderes. Vamos aguardar para ver a ordem de prioridades.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação