arte

Troféu Candango — Foto: Foto: divulgação

Festival de Brasília do Cinema Brasileiro começa nesta segunda-feira (14); confira programação

 G1 DF

55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiroconsiderado o mais longevo do país, começa nesta segunda-feira (14) e vai até o dia 20 de novembro. Ao todo, são 42 filmes selecionados, entre curtas e longas-metragens (veja quais são ao final da reportagem). As sessões acontecem todos os dias, até 19 de novembro, às 20h30.

Além das mostras competitivas, duas mostras paralelas de longas-metragens, sessões hors-concours e sessões ao homenageado da edição, Jorge Bodanzky, fazem parte da programação. Oficinas e debatem também foram anunciados.

" A edição de 2022 está focada no retorno ao ambiente de exibições presenciais e na reconstrução de políticas do audiovisual brasileiro", diz a organização do festival.

Mostra Brasília

Cena do filme Capitão Astúcia, participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução

Cena do filme Capitão Astúcia, participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução

Entre os longas da Mostra Competitiva Nacional foram selecionadas duas produções do Distrito Federal, feito inédito na história do festival:

  • "Mato seco em chamas", de Adirley Queirós e Joana Pimenta, é uma obra futurista que explora os impactos da presença da extrema-direita em ambientes de favela;
  • "Rumo", de Bruno Victor e Marcus Azevedo, fala sobre a trajetória de implementação das cotas raciais em universidades brasileiras.

Também foram selecionados quatro longas e oito curtas-metragens produzidos no Distrito Federal para disputar os 13 troféus Candango e os R$ 240 mil em prêmios concedidos pela Câmara Legislativa do DF, incluindo R$ 100 mil para o melhor longa e R$ 30 mil para o melhor curta, pelo júri oficial.

Na categoria júri popular, o longa vencedor receberá R$ 40 mil e o curta ficará com R$ 10 mil.

Filmes selecionados

Cena do Filme 'Espumas ao Vento', participante da Mostra Nacional — Foto: Reprodução

Cena do Filme 'Espumas ao Vento', participante da Mostra Nacional — Foto: Reprodução

Mostra Competitiva Nacional – Longas

  1. Mato seco em chamas (DF): direção de Adirley Queirós e Joana Pimenta
  2. Espumas ao vento (PE): direção de Taciano Valério
  3. Rumo (DF): direção de Bruno Victor e Marcus Azevedo
  4. Mandado (RJ): direção de João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes
  5. Canção ao longe (MG): direção de Clarissa Campolina
  6. A invenção do outro (SP/AM): direção de Bruno Jorge

Mostra Competitiva Nacional – Curtas

  1. Big bang (MG/RN): direção de Carlos Segundo
  2. Ave Maria (RJ): direção de Pê Moreira
  3. Nossos passos seguirão os seus… (RJ): direção de Uilton Oliveira
  4. Anticena (DF): direção de Tom Motta e Marisa Arraes
  5. Calunga maior (PB): direção de Thiago Costa
  6. Sethico (PE): direção de Wagner Montenegro
  7. Escasso (RJ): direção: Encruza – Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles
  8. São Marino (SP): direção de Leide Jacob
  9. Capuchinhos (PE): direção de Victor Laet
  10. Nem o mar tem tanta água (PB): direção de Mayara Valentim
  11. Um tempo para mim (RS): direção de Paola Mallmann de Oliveira
  12. Lugar de Ladson (SP): direção de Rogério Borges

Mostra Brasília – Longas

Cena do filme 'O Pastor e o Guerrilheiro', participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução

Cena do filme 'O Pastor e o Guerrilheiro', participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução

  1. Capitão Astúcia: direção de Filipe Gontijo
  2. Profissão livreiro: direção de Pedro Lacerda
  3. Afeminadas: direção de Wesley Godim
  4. O pastor e o guerrilheiro: direção de José Eduardo Belmonte

Mostra Brasília – Curtas

  1. Desamor: direção de Herlon Kremer
  2. Super-Heróis: direção de Rafael de Andrade
  3. Plutão não é tão longe daqui: direção de Augusto Borges e Nathalya Brum
  4. Manual da pós-verdade: direção de Thiago Foresti
  5. Tá tudo bem: direção de Carolina Monte Rosa
  6. Virada de jogo: direção de Juliana Corso
  7. Levante pela Terra: direção de Marcelo Cuhexê
  8. Reviver: direção de Vinícius Schuenquer

Sessões especiais

Cena do filme 'Quando a Coisa Vira a Outra' — Foto: Reprodução

Cena do filme 'Quando a Coisa Vira a Outra' — Foto: Reprodução

  • Quando a coisa vira outra (DF): direção de Marcio de Andrade
  • Diálogos com Ruth de Souza (SP): direção de Juliana Vicente

Mostra Reexistências

  • O cangaceiro da moviola (MG/RJ): direção: de Luís Rocha Melo
  • Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor (RJ): direção de Luis Carlos de Alencar
  • Uýra – A retomada da floresta (AM): direção de Juliana Curi
  • Cordelina (PB): direção de Jaime Guimarães

Mostra Festival dos Festivais

  • A filha do palhaço (CE): direção de Pedro Diógenes
  • Três tigres tristes (SP): direção de Gustavo Vinagre
  • Fogaréu (GO): direção de Flávia Neves

Homenagem Jorge Bodanzky

  • Distopia utopia: direção de Jorge Bodanzky
  • Compasso de espera: direção de Antunes FIlho
  • Amazônia, a nova Minamata? direção de Jorge Bodanzky

Matéria publicada originalmente no G1


Jean-Luc Godard é um diretor, roteirista e crítico de cinema franco-suíço | Foto: TV Pampa

Revista online | Godard, o gênio exausto

Vladimir Carvalho*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)

A morte consentida de Jean-Luc Godard pode sinalizar para muitos o final de uma era cinematográfica marcada desde a primeira vanguarda, nos anos 1920, por uma incessante busca de legitimação de uma atividade artística que, de cara, se autodenominava de Sétima Arte, com técnica e linguagem próprias. Cedo seria respaldada pela formação de uma mentalidade que nasceu com os cineclubes, os críticos e as revistas especializadas – o que hoje é conhecido de forma generalizada por cinefilia. Teorias e posturas estéticas renovadoras já se faziam sentir ao tempo do cinema soviético com Sergei Eisenstein, Dovijenko, Dziga Vertov e outros até a explosão que foi o Cidadão Kane, de Orson Welles, nos anos de 1940.

Na década posterior, os franceses jogaram papel importante a partir da ação desenvolvida pela Cinemateca Francesa e com o aparecimento do grupo liderado por André Bazin, grande influenciador e principal crítico da revista Cahiers du Cinéma, que se tornaria célebre e em cujo agitado seio surgiria o até ali desconhecido franco suíço. Ao lado de outros, como François Truffaut, Jacques Rivette, Eric Rohmer e Claude Chabrol, compondo a tendência que seria conhecida, ou apelidada, de “jovens turcos”. Mais tarde, alguns deles se renderiam aos encantos da prática cinematográfica como ativos diretores que defendiam a todo custo a autonomia de um cinema autoral, desde ali, em confronto com o poderio dos produtores que condenavam por princípio o filme clássico francês e valorizavam uma política de autores.

Nesse clima de camaradagem solidária, o futuro autor de Acossado (1960) pontificou-se como um ferrabrás da crítica atento à condução moderadora de Bazin, mas em franco contraste com Georges Sadoul, um marxista militante, que sempre defendeu o cinema soviético não só do período eisensteiniano como também os das gerações posteriores. Godard foi desde sempre um anarquista, pontificando-se na avaliação e cotação dos filmes, no famoso Conseil des Dix, da revista.

Em 1960 Godard vai à “guerra” com uma narrativa desconcertante e uma linguagem inédita até aquele momento. O público delirou com Acossado, e a crítica foi obrigada a reconhecê-lo. Segue-se com igual liberdade estética, Uma Mulher é uma Mulher (1962) e O Desprezo (1963). Depois a política faz a festa em Masculino, Feminino (1966); a moda godardiana continua em Made in USA (1966) e em A Chinesa (1967), que radicaliza em termos de desdramatização e nos aspectos políticos. É um cinema diametralmente oposto aos clássicos americanos, mas que tinha muito da simpatia que os “jovens turcos” nutriam pelos filmes B, nos Cahiers. Porém, ainda não era, claro, o Godard radical e em mutação do Grupo Dziga Vertov, do final dos anos 1960, e que, em Maio de 68, se confunde com os estudantes revoltados, filmando nas barricadas de Paris.

Veja todos os artigos da edição 46 da revista Política Democrática online

E foi nessa rumorosa onda de 1968, num veemente protesto contra a demissão do carismático Henri Langlois, da curadoria mor da Cinemateca Francesa, que o Festival de Cannes foi atropelado e quase não aconteceu. Godard protagonizou a cena principal, pendurado nas cortinas do Palais, impedindo que as sessões começassem, com ampla cobertura da imprensa. Em Paris, a redação dos Cahiers, na rua Marbeuf, virara um comitê de agitação em favor dos estudantes; e a temperatura subiu quando o filme de Jacques Rivette, A Religiosa, foi proibido. Novamente é um empedernido Godard que toma as dores e defende Rivette e seu filme, rompendo com o grande André Malraux, então ministro da Cultura, em carta que passou aos anais como uma irrespondível peça de condenação do Estado gaullista.

Entretanto, no âmbito de certa crítica, “a sua utopia de um cinema marxista, de parceria autoral com a classe trabalhadora, resultou tão frustrada quanto a aliança dos estudantes com os proletários da Renault”, como argutamente observou o crítico e escritor Sergio Augusto.

A propósito do perfil muitas vezes contraditório do autor de Je Vous Salue Marie (1985), podemos recordar aqui episódio ocorrido durante o Festival Internacional do Filme, o histórico FIF, do Rio de Janeiro. Godard compareceria ao mesmo para a apresentação do seu filme Alphaville. Tudo acertado, pouco depois ele mandou um telegrama desistindo de participar, num gesto de protesto e condenação da ditadura militar no Brasil. Instalada a confusão, surpreendeu a todos, negando peremptoriamente a autoria da mensagem, e atribuindo-a a terceiros. Quando tomou conhecimento da negaça, o crítico Robert Benayon, da revista Positif, rival dos Cahiers, presente ao evento brasileiro, desabafou para quem quisesse ouvir. Para ele, tratava- se de “mais uma daquele fascista!”. Nesse tempo, andava o autor dessas notas, trabalhando como assistente de Arnaldo Jabor, num filme que realizou sobre o FIF, Rio, Capital do Cinema, e ouviu os comentários acerca desse lance, nos bastidores da sede da mostra, no Copacabana Palace.

Essa época no Rio foi muito marcada pelos filmes e paixão pelos diretores da Nouvelle Vague. Uma pequena multidão de cinéfilos não arredava o pé das sessões do Cinema Paissandu, no Flamengo. Ali enturmei-me levado pelas mãos de Cosme Alves Neto e assisti, imerso na euforia da rapaziada, a quase todos os filmes de Godard lançados ali naquele ano de 1968. A cidade tomada pelo alvoroço político e pela revolta em virtude da morte de Edson Luiz, secundarista assassinado pela polícia no restaurante Calabouço, no aterro do Flamengo, estava transtornada. O clima era de insegurança e medo, mas filmes como Tempo de Guerra, de Godard, nos convocavam à ação, e, portanto, era também do Paissandu que partíamos para engrossar as fileiras da célebre Passeata dos Cem Mil. O Maio de 68 estava fresquinho em nossas agitadas cabeças. Mesmo sabendo das restrições ao autor de Masculino, Feminino, taxado até de fascista pelo pessoal da revista Positif, numa linha editorial que confrontava com os Cahiers du Cinéma, eu pouco ligava. Já havia lido os elogios de Georges Sadoul à Aruanda, o filme de Linduarte Noronha, em que atuei como roteirista e assistente, e num rompante juvenil pouco me interessava que Godard o achasse um stalinista superado pelo tempo, que já era tomado pelo revisionismo que resultou das sérias denúncias feitas por Kruschev; nem tomáramos conhecimento das restrições de Lévi Strauss ao franco suíço; tampouco da ojeriza que Jeanne Moreau lhe dedicava. Godard vivia agora a sua febre maoísta junto ao Grupo Dziga Vertov. E era nosso herói.

Muito depois é que tomaríamos conhecimento das peripécias do nosso ídolo quando da realização de seu filme Vento do Leste. Ele proporia a Glauber Rocha, que fazia importante participação na obra, que juntos destruíssem o cinema como arte. O brasileiro, sagaz como sempre, logo sacou que Godard começava a sucumbir à depressão e militava numa espécie de autodestruição, e a sua resposta foi a de que ele, Glauber, ao contrário, optava pela construção de um cinema inovador e de salvação, no Brasil e no Terceiro Mundo.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Um dos maiores nomes do cinema mundial | Foto: Cinevitor
História do cinema brasileiro deve ser lembrada | Foto: Roman Rybaleov/Shutterstock
Vladimir Carvalho, um grande cineasta | Foto: FAP
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
O cinema é um do maiores entretenimento da sociedade | Foto: Fer Gregory/Shutterstock
Jean Paul Godard nos bastidores do filme Ária, em 1987 | Foto: Cinevitor
Cinema brasileiro | Foto: AlexLMX/Shutterstock
Um dos maiores nomes do cinema mundial | Foto: Cinevitor
História do cinema brasileiro deve ser lembrada | Foto: Roman Rybaleov/Shutterstock
Vladimir Carvalho, um grande cineasta | Foto: FAP
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
O cinema é um dos maiores entretenimentos da sociedade | Foto: Fer Gregory/Shutterstock
Jean Paul Godard nos bastidores do filme Ária, em 1987 | Foto: Cinevitor
Cinema brasileiro | Foto: AlexLMX/Shutterstock
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Um dos maiores nomes do cinema mundial | Foto: Cinevitor
História do cinema brasileiro deve ser lembrada | Foto: Roman Rybaleov/Shutterstock
Vladimir Carvalho, um grande cineasta | Foto: FAP
Ticket cinema | Foto: ktsdesign/Shutterstock
O cinema é um dos maiores entretenimentos da sociedade | Foto: Fer Gregory/Shutterstock
Jean Paul Godard nos bastidores do filme Ária, em 1987 | Foto: Cinevitor
Cinema brasileiro | Foto: AlexLMX/Shutterstock
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Gênio consumado, mas profundamente contraditório e iconoclasta, talvez naquele momento já se manifestasse no espírito de JLG o quadro psíquico que o dominou no fim da vida, depois da realização de filmes não tão brilhantes e plenos de vigor, como os daquela fase em que fez sombra a toda uma geração do cinema francês da Nouvelle Vague. Oriundos quase todos dos Cahiers, o qual terminou, é bom lembrar, por apoiar o Cinema Novo brasileiro, especialmente promovendo seus autores mais importantes e mais afinados com o ideário da revista, como é o caso de Glauber Rocha, Cacá Diegues e Gustavo Dahl.

Embora tumultuada, a existência de Godard foi profícua e intensa, mas sua morte assistida parece se justificar pelo cansaço e esgotamento que o vitimou, e sua descida se deu também pela inexorável ação, digamos assim, da força da gravidade em vista do peso de seus 91 anos. Que descanse em paz!

Sobre o autor

*Vladimir Carvalho é um cineasta e documentarista brasileiro de origem paraibana.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Em torno de 22: quarto concerto | Arte: Washington Reis/FAP

“A música me inspira, me dá força e propósito de vida”, diz pianista

Luciara Ferreira*, com edição do coordenador de Audiovisual, João Rodrigues

A mestre em música pela University of Wyoming (EUA) Larissa Paggioli, de 38 anos, conta que a sua trajetória musical teve início ainda na infância. “Meus pais estudavam música como hobby e sempre incentivaram os filhos a participarem de atividades artísticas. Quando criança fiz aulas de ballet, participei de corais e comecei a aprender piano”, acrescenta.

Paggioli ressalta ainda que esses eventos são muito importantes para a sociedade por proporcionarem oportunidades para que as pessoas vivenciem a cultura. A música ao vivo toca as pessoas de uma outra maneira, muito mais direta. “Além disso, nessas ocasiões, o público tem a oportunidade de aprender mais sobre um algum aspecto da arte, estilos, compositores”.

Com a curadoria de Augusto Guerra Vicente, o concerto Obras de música de Câmara de Villa - Lobos para violoncelo constitui a série de cinco apresentações. O evento é uma celebração da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) aos cem anos de modernismo na música brasileira.

“A vida seria muito difícil sem música”, diz curador de concertos da FAP

“Quando ouvi pela primeira vez o violão clássico, me apaixonei”, afirma Álvaro Henrique

Violinista: Executar músicas de grandes compositores é o mais gratificante

O evento acontece neste sábado (13/8), a partir das 16h, na Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP, ambas sediadas em Brasília. O concerto terá a participação do flautista Thales Silva, da violoncelista Norma Parrot, da pianista Larissa Paggioli e do violinista Daniel Cunha. A entrada é gratuita.

Para o professor da Escola de Música de Brasília (EMB) Thales Silva, de 38 anos, música é vibração, é vida. “A sensação de tocar um instrumento como a flauta complementa a minha percepção sobre o ser músico. Me sinto privilegiado em poder emitir sons com meu próprio fôlego, afirma”.

Juntamente com os demais artistas, Norma Parrot, violoncelista da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, é mais uma presença aguardada no concerto. Para a mestre em performance, Villa Lobos foi o único representante da música durante a Semana de Arte Moderna e começou sua vida profissional como violoncelista. “Ele contribuiu para o desenvolvimento técnico e musical do violoncelo com peças que são importantíssimas para o repertório do instrumento”, diz.

Veja, abaixo, galeria de fotos:

Augusto Guerra Vicente e Fernando Calixto na Biblioteca Salomão Malina | Foto: Nívia Cerqueira/FAP
Orquestra | Shutterstock/ Igor Bulgarin
Augusto Guerra Vicente |  Foto: Arquivo Pessoal
Orquestra | Shutterstock/Stokkete
Fernando Calixto no piano do primeiro concerto | Foto: Nívia Cerqueira/FAP
Fernando Calixto | Imagem: Facebook
Orquestra | Shutterstock/Friends Stock
Fernando Calixto | Foto: Arquivo pessoal
Orquestra | Shutterstock/ Igor Bulgarin
Augusto Guerra Vicente | Foto: Arquivo pessoal
Augusto Guerra Vicente e Fernando Calizto na Biblioteca Salomão Malina
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
Orquestra
Fernando Calixto no piano do primeiro concerto
Fernando Calixto
Orquestra
Fernando Calixto
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
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Augusto Guerra Vicente e Fernando Calizto na Biblioteca Salomão Malina
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
Orquestra
Fernando Calixto no piano do primeiro concerto
Fernando Calixto
Orquestra
Fernando Calixto
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
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O quarto convidado a compor o espaço musical é o violinista Daniel Cunha, de 49 anos, que começou na EMB aos 8 anos. Desde então a música tornou-se parte de sua vida, até virar profissão.” Música é a combinação de sons com propósito de tocar a sensibilidade humana. O violino é um meio físico para atingi-la. Parabéns à Biblioteca Salomão Malina pela iniciativa de homenagear a Semana de 22. A cultura agradece”, ressalta.

A série de concertos que teve início em junho é composta por cinco musicais, com o objetivo principal de homenagear os artistas Osvaldo Lacerda, Heitor Villa-Lobos, Glauco Velásquez, Aurélio Melo, entre outros. O último encontro terá a participação da violeira Mariana Costa e do pianista Fernando Calixto, representando obras do compositor Cláudio Santoro.

Programação

Veja abaixo a agenda da série de concertos “Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira”, que acontece na Biblioteca Salomão Malina, localizada Conic, em Brasília (DF).

Data: 13/8

Concerto 4:  Obras de música de Câmara de Villa-Lobos para violoncelo

Obras de Heitor Villa-Lobos com:

Violoncelo: Norma Parrot

Violino: Daniel Cunha

Flauta: Thales Silva

Piano: Larissa Paggioli

27/08, 16h Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira

Concerto 5:  Desdobramentos do modernismo: Cláudio Santoro em Brasília

Obras de Cláudio Santoro com:

Viola: Mariana Costa Gomes

Endereço da biblioteca: SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). CEP: 70393-902

WhatsApp: (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web)

*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do coordenador de Audiovisual, João Rodrigues.


Em torno de 22: terceiro concerto | Arte: FAP

Violinista: Executar músicas de grandes compositores é o mais gratificante

João Vítor*, com edição da coordenadora de Mídias Sociais, Nívia Cerqueira

O músico Daniel Cunha, de 49 anos, afirma que, na profissão, o mais gratificante é “tocar com outros músicos e executar músicas de grandes compositores do repertório universal”. O violinista integra o grupo Quarteto Capital que se apresentará no sábado (30/7), a partir das 16h, na Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ambas em Brasília.

Sob curadoria do músico e integrante do quarteto, Augusto Guerra Vicente, o evento é aberto ao público e faz parte da programação dos cinco concertos em homenagem aos cem anos de modernismo na música brasileira, projeto idealizado pela Fundação Astrojildo Pereira. O grupo musical apresentará obras de Villa-Lobos, Osvaldo Lacerda, Glauco Velásquez, Ernst Mahle, Aurélio Melo e Vicente da Fonseca.

Estes e outros compositores são as maiores influências de Cunha na música. No entanto, ele lembra de seus professores de violino como parte de sua história. Além de Vicente e Cunha, o Quarteto Capital é composto pelos violinistas Daniel Marques e Igor Macarini. 

Veja, abaixo, galeria de fotos:

Augusto Guerra Vicente e Fernando Calixto na Biblioteca Salomão Malina | Foto: Nívia Cerqueira/FAP
Orquestra | Shutterstock/ Igor Bulgarin
Augusto Guerra Vicente |  Foto: Arquivo Pessoal
Orquestra | Shutterstock/Stokkete
Fernando Calixto no piano do primeiro concerto | Foto: Nívia Cerqueira/FAP
Fernando Calixto | Imagem: Facebook
Orquestra | Shutterstock/Friends Stock
Fernando Calixto | Foto: Arquivo pessoal
Orquestra | Shutterstock/ Igor Bulgarin
Augusto Guerra Vicente | Foto: Arquivo pessoal
Augusto Guerra Vicente e Fernando Calizto na Biblioteca Salomão Malina
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
Orquestra
Fernando Calixto no piano do primeiro concerto
Fernando Calixto
Orquestra
Fernando Calixto
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
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Augusto Guerra Vicente e Fernando Calizto na Biblioteca Salomão Malina
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
Orquestra
Fernando Calixto no piano do primeiro concerto
Fernando Calixto
Orquestra
Fernando Calixto
Orquestra
Augusto Guerra Vicente
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Com o apoio da família, Daniel Cunha começou a tocar aos 8 anos de idade. “Minha mãe me matriculou na escola de música. Lá pude experimentar flauta e piano antes de decidir seguir só com o violino”, diz e acrescenta que também toca em orquestra e é professor particular.

Daniel Marques, de 37 anos, por sua vez, ingressou na Escola de Música de Brasília aos 7 anos, mas escolheu a viola quando tinha 8. “São raros os músicos que começam a tocar viola tão cedo. Nem minha família sabia de fato o que era o instrumento”, diz o violista e produtor musical.

“Tudo que tenho, devo à música”, declara Augusto Guerra Vicente. Ele é mestre em Música Brasileira pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), participa de vários grupos musicais e integra a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional.

O projeto tem Villa-Lobos como o principal artista representado, tanto por meio de suas próprias obras quanto por obras de compositores que o influenciaram ou que por ele foram influenciados. De acordo com Vicente, pode-se dizer que Villa-Lobos é o primeiro compositor preocupado em dar uma cara própria à música brasileira. “Muito influenciado pelas ideias de Mário de Andrade”, analisa.

“Quando ouvi pela primeira vez o violão clássico, me apaixonei”, afirma Álvaro Henrique

Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira é uma série de cinco concertos sobre a origem do modernismo do Brasil. O primeiro, aconteceu em 25/6, e contou com a participação do pianista Guiomar Novaes, que abordou a origem do modernismo do Brasil em um recital de piano solo . O segundo, intitulado Violão como instrumento nacional,  teve a apresentação do violonista Álvaro Henrique. No  dia 30/7, o Quarteto Capital fará o terceiro concerto, um recital que  abordará os desdobramentos do modernismo na música brasileira. A quarta apresentação vai mostrar uma miscelânea de obras de música de câmera de Heitor Villa-Lobos. Por fim, o compositor Cláudio Santoro, fechará a série em Brasília.

Programação

Veja, abaixo, detalhes da série de concertos "Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira", que acontece na Biblioteca Salomão Malina, localizada Conic, região central de Brasília (DF).

Data: 30/07,16h

Concerto 3:  Desdobramentos do modernismo: o nacionalismo brasileiro

Quarteto Capital – Obras de Villa-Lobos, Osvaldo Lacerda, Glauco Velásquez, Ernst Mahle, Aurélio Melo e Vicente da Fonseca

Violino I: Daniel Cunha

Violino II: Igor Macarini

Viola: Daniel Marques

Violoncelo: Augusto Guerra Vicente

13/08, 16h

Concerto 4:  Obras de música de Câmara de Villa-Lobos para violoncelo

Obras de Heitor Villa-Lobos com:

Violoncelo: Norma Parrot

Violino: Daniel Cunha

Flauta: Thales Silva

Piano: Larissa Paggioli

27/08, 16h Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira

Concerto 5:  Desdobramentos do modernismo: Cláudio Santoro em Brasília

Obras de Cláudio Santoro com:

Viola: Mariana Costa Gomes

Endereço da biblioteca: SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). CEP: 70393-902

WhatsApp: (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web)

*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão da coordenadora Mídias Sociais, Nívia Cerqueira. Título editado.


Cem anos de modernismo na música brasileira | Arte: FAP

“Quando ouvi pela primeira vez o violão clássico, me apaixonei”, afirma Álvaro Henrique

Luciara Ferreira*, com edição do coordenador de Audiovisual da FAP, João Rodrigues

O violão é o mais nacional dos instrumentos. Como um violonista, a música para Álvaro Henrique é acima de tudo a linguagem das emoções. “Tocar um instrumento, qualquer um, é poder falar este idioma”, conta para acrescentar que quando ouviu pela primeira vez se apaixonou pelo instrumento.

Na intenção de diminuir a timidez, Henrique, que está produzindo um novo trabalho musical nos Estados Unidos, tem o incentivo do pai para estudar o instrumento de seis cordas. No início, ele tinha resistência ao violão popular. “O violão é o mais nacional dos instrumentos, mas em 1922 não foi valorizado”, afirma.  

O músico está confirmado para participar do segundo concerto da série de eventos Em torno de 22: Cem anos de modernismo na música brasileira. O evento será neste sábado (9/7), a partir das 16 horas, na Biblioteca Salomão Malina, vinculada à Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. A entrada é gratuita.

Conheça a Biblioteca Salomão Malina

Apesar de não valorizado nacionalmente em 1922, o músico vê a correção em 2022. “É importante não apenas para a cultura brasileira em geral, mas também um retrato do avanço que violonistas de todo o Brasil tiveram nos últimos 100 anos”, ressalta.

O solista teve como influência os guitarristas Kazuhito Yamashita, Pavel Steidl e Franz Halasz para desenvolver sua musicalidade. “Saímos de um instrumento de vadios para ser um exemplo de excelência mundial”, assevera.

Organizado em cinco programas, a origem do modernismo do Brasil foi tratada no primeiro concerto com algumas das obras apresentadas pelo pianista Guiomar Novaes na Semana de 22. O evento, realizado 25 de junho, contou com um recital de piano solo.

https://www.youtube.com/watch?v=dOhC4wn8Zw0

“Recordar 1922 é sempre de suma importância. Esse ano marcou um momento de virada na História da Arte Brasileira, principalmente no que incutiu de ideias com respeito à formação de uma arte com ‘cara’ brasileira. Então, faz-se necessário rememorar o seu legado”, acrescenta o curador do evento Em torno de 22, Augusto Guerra.

Afinal, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi tão importante assim?

“A vida seria muito difícil sem música”, diz curador de concertos da FAP

Entenda a importância da música na Semana de Arte Moderna

O violoncelista explica que a música sempre esteve presente, pois vem de uma família de músicos.” Com 15 anos, passei a ser bolsista da Orquestra Jovem de Brasília e aos 19 me tornei profissional, de modo que posso dizer que tudo que aconteceu até hoje em minha vida girou em torno dessa arte”, concretiza.

Como inspiração para sua desenvoltura na música, Guerra considera como ídolo o compositor e violoncelista Heitor Villa-Lobos, pela forma de como inseriu a música brasileira no cenário mundial e teve o estímulo de seu pai instrumentista, Antônio Guerra Vicente. Ele que foi o fundador do curso de violoncelo da Universidade de Brasília (UnB).

Em palavras de incentivo para aqueles que têm vontade de aprender a tocar um instrumento novo como o violão, Augusto destaca que é necessário ter muito estudo, muita disciplina e perseverança. Além disso, é necessária a orientação de um professor ou especialista com boas referências.

Programação

Veja, abaixo, detalhes da série de concertos Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira, com a curadoria de Augusto Guerra Vicente, no Espaço Arildo Dória, dentro da Biblioteca Salomão Malina, no Conic, região central de Brasília (DF).

09/07, 16h

Concerto 2: O violão como instrumento nacional 

Violão Solo: Álvaro Henrique – Obras de Villa-Lobos, Guerra-Peixe, Dilermando Reis e Baden-Powell 

30/07,16h
Concerto 3:  Desdobramentos do modernismo: o nacionalismo brasileiro

Quarteto Capital – Obras de Villa-Lobos, Osvaldo Lacerda, Glauco Velásquez, Ernst Mahle, Aurélio Melo e Vicente da Fonseca

Violino I: Daniel Cunha

Violino II: Igor Macarini

Viola: Daniel Marques

Violoncelo: Augusto Guerra Vicente

13/08, 16h

Concerto 4:  Obras de música de Câmara de Villa-Lobos para violoncelo

Obras de Heitor Villa-Lobos com:

Violoncelo: Norma Parrot

Violino: Daniel Cunha

Flauta: Thales Silva

Piano: Larissa Paggioli

27/08, 16h Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira

Concerto 5:  Desdobramentos do modernismo: Cláudio Santoro em Brasília

Obras de Cláudio Santoro com:

Viola: Mariana Costa Gomes

*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, coordenador de Audiovisual da FAP, João Rodrigues


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Revista online | Com Claude Lévi-Strauss: a arte plumária dos índios 

Ivan Alves Filho* 

“Prezado Senhor, concordo com nosso encontro. Peço apenas que o senhor entre em contato novamente comigo dentro de dois meses. Estou particularmente sobrecarregado de trabalho no Collège de France, devido à retomada de meus cursos. Receba as minhas melhores saudações”. Foi esse o teor da carta que o maior mestre da antropologia do século 20, Claude Lévi-Strauss, me enviara, há mais de quarenta anos, em reposta a uma consulta minha. Meu objetivo era entrevistá-lo para a revista de cultura Módulo, dirigida por Oscar Niemeyer. Para viabilizar isso, vali-me da amizade existente entre o antropólogo e a escritora siberiana radicada na França Lydia Lainé, sua antiga colega de turma na Sorbonne, no curso de filosofia. 

Esperei acontecer os dois meses e fui conversar com o velho sábio. O encontro se realizou em seu gabinete de trabalho, no Collège de France, a principal instituição universitária da Europa. Silenciosa, apinhada de livros e revistas de cultura, a sala de Lévi-Strauss mais parecia um santuário. O velho sábio leu durante alguns minutos as questões que eu levara por escrito e começou imediatamente a respondê-las. “As questões são excelentes. O senhor está de parabéns”, disse ele, gentilmente. Eu tinha apenas 27 anos de idade e não pude disfarçar meu contentamento com seu comentário. Mas ele só aumentava a minha responsabilidade. 

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Lévi-Strauss discorreu sobre tudo – ou quase tudo. Falou da prática artística dos povos ditos primitivos, dos seus mitos. Revelou-se um admirador das sociedades sem classes, ele, um velho defensor do socialismo, formado ainda nos embates ideológicos do final da década de 20. Emocionou-se, ainda, ao descrever sua vida no Brasil, sua convivência com os índios do Mato Grosso. Ao relembrar os nambiquara, sua voz ficou embargada e seus olhos se encheram de lágrimas. Aquilo me comoveu muito: Lévi-Strauss pertence àquela raça de sábios que se envolve emocionalmente com o objeto de seus estudos. 

Porém, o que mais me surpreendeu foi sua firme defesa dos postulados materialistas. Confessou ter dois livros de cabeceira. O primeiro deles, A contribuição à crítica da economia política, de Karl Marx. O outro, Viagem ao Brasil, de Jean de Léry, um relato que praticamente inaugura a antropologia moderna, em meados do século XVI. Aprendi com Claude Lévi-Strauss que os fenômenos da superestrutura – tais como a arte e os mitos – refletem sempre o que se passa na infraestrutura de uma sociedade determinada. Vale dizer, eles têm sempre uma raiz concreta, não se podendo separar o imaterial do material. Para alguém que sofreu a acusação de desenvolver seu sistema de pensamento – o estruturalismo – fora da realidade histórica, isso não é pouco. 

Claude Lévi-Strauss morreu quando completou um século de vida. Quase já não escrevia mais. Guardo com carinho as duas cartas que me escreveu, uma delas manuscrita, devidamente emoldurada por mim. Ao pensar no velho sábio, me vem à mente um belo poema de Worsworth: 

Assim como uma imensa pedra que às vezes vemos encolhida no topo nu de uma montanha...semelhante a uma coisa dotada de sensibilidade, qual um animal marinho...aquecido ao sol; assim parecia este homem, nem completamente vivo nem completamente morto ou de todo adormecido, em sua extrema velhice". 

Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
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Saiba mais sobre o autor

Foto: reprodução
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*Ivan Alves Filho é historiador e documentarista

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.


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RPD 33 || Lilia Lustosa: O Brasil verdade de Capô

No último dia 29 de maio, Maurice Capovilla, grande nome da cinematografia brasileira, nos deixou e foi bailar em outros palcos… O cinema brasileiro ficou menos doce e menos alegre. 

Capovilla, ou simplesmente Capô, como gostava de ser chamado, foi um cineasta e roteirista de mão cheia, responsável por alguns marcos de nossa cinematografia. Em 2017, tive a oportunidade de trocar alguns e-mails com ele, quando fiz a curadoria de um evento para a Embaixada do Brasil na Argentina. A ideia era promover o reencontro das figuras que compuseram um projeto que reúnia cineastas brasileiros e argentinos, entre 1964 e 1965, e que entrou para a história como Brasil Verdade. Dessa união, nasceram quatro documentários de média metragem, produzidos pelo fotógrafo e empresário Thomaz Farkas: Subterrâneos do Futebol, dirigido por Capô; Viramundo, de Geraldo Sarno; Memória do Cangaço, de Paulo Gil Soares; e Nossa Escola de Samba, do argentino Manuel Horácio Gimenez. Filmes considerados hoje como as primeiras amostras de cinema-direto em nosso país. 

Mas a história do Brasil Verdade começa um pouquinho antes, quando dois jovens cineastas brasileiros conhecem um tal argentino Fernando Birri que havia montado uma escola de cinema em sua Santa Fé natal, depois de ter chegado de uma temporada de estudos no Centro Sperimentale de Cinematografia em Roma. Mesmo com poucos recursos, os dois partem numa odisseia e, entre ônibus e barcos, chegam até a cidade argentina. Com a cara e a coragem, batem à porta do tal Birri para pedir-lhe um estágio. Só queriam aprender a fazer filmes! O que ignoravam é que aquele mestre barbudo viria a se tornar a figura mais importante do Nuevo Cine Lationamericano. Os dois jovens eram Maurice Capovilla e Vladimir Herzog, jornalista e cineasta morto em 1975 na prisão do DOI-CODI, assassinado pelo regime militar que reinava soberano em nosso país. Quando Birri foi expulso da Universidad del Litoral por causa de seus pensamentos de esquerda, foi em São Paulo que ele encontrou abrigo, junto aos seus amigos brasileños

Capô foi também testemunha ocular do nascimento do Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro de maior expressão dentro e fora de nosso país. Ele estava lá naquela famosa sessão do Cine Coral, em que o documentário paraíbano Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, foi projetado antes de La Dolce Vita (1960), de Fellini, na ocasião do encerramento do Festival do Cinema Italiano e da simultânea abertura da Primeira Convenção Nacional da Crítica Cinematográfica. À época, o jovem Capô trabalhava na Cinemateca Brasileira, uma das organizadoras do evento, ao lado do grande Paulo Emilio Sales Gomes. 

Os anos se passaram e Capô continuou sua jornada, revezando-se entre o documentário e a ficção, nunca perdendo de vista o povo brasileiro, sua cultura e suas mazelas. Em 1967, realizou seu primeiro longa-metragem de ficção: Bebel, Garota-Propaganda, com roteiro dele mesmo,baseado no conto “Bebel que a Cidade Comeu”, de Ignácio de Loyola Brandão. Seu segundo longa, O Profeta da Fome (1970), inspirou-se no texto-manifesto de Glauber Rocha, “Estética da Fome”. Nele, Glauber sugere que nossa miséria seja transformada em nossa própria estética, em uma arma capaz de apontar ao colonizador o estado real do colonizado. O filme de Capô, que trazia um faquir como protagonista, interpretado por José Mojica Marins (o Zé do Caixão), usa justamente essa fome como espetáculo. Uma representação dolorosamente revolucionária do brasileiro. 

Além de cineasta, Capô foi também um militante engajado, integrou o CPC – Centro Popular de Cultura e o Comitê Internacional do Cinema Novo contra a censura nos anos 1960, além de um entusiasta defensor da educação como veículo de transformação da nossa gente. Exerceu o magistério na UnB, na ECA-USP e na Escola Internacional de Cinema e TV em Santo Antonio de los Baños, em Cuba, também participou diretamente da criação do Instituto Dragão do Mar, em Fortaleza, o mais importante centro de ensino de dramaturgia e cinema do Nordeste.  

Mas seu coração era grande e nele havia espaço também para a TV, meio que não discriminava e do qual sabia extrair o melhor. Trabalhou no Globo Shell e no Globo Repórter, foi ainda responsável pela exibição dos primeiros telefilmes brasileiros na Rede Record, no início dos anos 1980. 

O Brasil perde um grande homem, e o cinema brasileiro, um de seus mais entusiastas defensores. Obrigada, Capô! Viva Capô! Voe alto e leve sua alegria para outras dimensões desse imenso universo. 

Mais sobre a autora:

Lilia Lustosa é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne e doutoranda nesta mesma instituição de ensino superior.


O Estado de S. Paulo: Poeta e letrista Capinan faz 80 anos e será tema de série documental

'O Silêncio que Canta por Liberdade' tem Úrsula Corona e vai estrear no canal Music Box Brazil no segundo semestre

Eliana Silva de Souza, O Estado de S.Paulo

O poeta e letrista José Carlos Capinan, ou simplesmente Capian, que completa 80 anos nesta sexta-feira, 19, serátema central da série documental O Silêncio que Canta por Liberdade. Com estreia programada para o segundo semestre, no canal Music Box Brazil, produção resgatará sua trajetória artística do letrista durante a ditadura militar. 

Dirigida pela atriz Úrsula Corona e idealizado por Omar Marzagão, série terá oito episódios e contará com documentos originais, imagens de arquivos e depoimentos sobre censura e repressão imposta na música nordestina no período da ditadura no Brasil. 

Silêncio que Canta por Liberdade traz depoimentos de produtores, instrumentistas e intérpretes, como Gal Costa Gilberto Gil. Mas é o próprio Capinan que aparece para falar, por exemplo, sobre o surgimento do samba e suas raízes nos porões dos navios negreiros. 

Um dos nomes de destaque do Tropicalismo, Capinan assinou a letra de canções que se tornaram populares pelo Brasil afora, mas que, muitas vezes, não tem seu nome citado. Ponteio marca sua parceria com Edu Lobo, que ganhou o Festival da Canção de 1967.  Entre outras composições, só para citar algumas, que ele colocou sua poesia, tem Água de Meninos, parceria com Gilberto Gil; O Acaso não Tem Pressa, com Paulinho da Viola; Cidadão, com Moraes Moreira; Moça Bonita, com Geraldo Azevedo; Movimento dos Barcos, com Jards Macalé; Papel Marchê, com João Bosco; Pitanga, com Marlui Miranda. 

O Tempo e o Rio

(Edu Lobo e Capian)

O tempo é como o rio

Onde banhei o cabelo

Da minha amada

Água limpa

Que não volta

Como não volta aquela antiga madrugada

Meu amor, passaram as flores

E o brilho das estrelas passou

No fundo de teus olhos

Cheios de sombra, meu amor

Mas o tempo é como um rio

Que caminha para o mar

Passa, como passa o passarinho

Passa o vento e o desespero

Passa como passa a agonia

Passa a noite, passa o dia

Mesmo o dia derradeiro

Ah, todo o tempo há de passar

Como passa a mão e o rio

Que lavaram teu cabelo

Meu amor não tenhas medo

Me dê a mão e o coração, me dê

Quem vive, luta partindo

Para um tempo de alegria

Que a dor de nosso tempo

É o caminho

Para a manhã que em seus olhos se anuncia

Apesar de tanta sombra, apesar de tanto medo

Apesar de tanta sombra, apesar de tanto medo


Muncab: Live-show celebra os 80 anos do poeta e compositor baiano José Carlos Capinan

Encontro reúne de conversa, arte poesia e música com Jards Macalé, Roberto Mendes e Gereba, na próxima sexta-feira, 19/2, às 19h, no perfil do youtube da Muncab. Na ocasião, será lançado a nova edição do Caderno de Música. A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) apoia a divulgação do evento

O baiano José Carlos Capinan, poeta, músico e intelectual com trajetória extensa nas diversas linguagens artísticas e culturas, completa 80 anos na próxima sexta-feira, 19 de fevereiro, e será homenageado pelo Espaço Boca de Brasa Muncab (Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira) com uma programação recheada com o que ele mais gosta: arte, conversa e música. Para este momento que celebra a vida e obra dessa figura icônica da música popular brasileira, estão confirmadas as presenças dos artistas Jards Macalé, Roberto Mendes e Gereba.

O evento online “Palco Aberto Boca de Brasa” será transmitido a partir das 19h, no perfil do Muncab no Youtube e contará com a apresentação do jornalista Leonardo Lichote, especialista na área músical. Também será realizado o lançamento da edição do Caderno de Músicas com participação do artista - revista mensal focada em MPB e uma minissérie onde Capinam narra o surgimento de suas principais canções. “É uma honra poder mediar esse evento que homenageia um dos nomes eternamente expoentes da arte baiana e brasileira, que tanto influenciou e influencia a sociedade através da música, da arte e da linguagem, desde os tempos da ditadura até agora, com outros grandes nomes brasileiros”, enfatiza Leonardo.

Confira o evento ao vivo, dia 19/2, às 19h!


Para Capinan, seus oitenta anos são só o começo de tantas ideias que lhe permeiam para pôr em pratica. “Nunca me imaginei capaz dessa trajetória, fui fazendo, atravessando o tempo com parceiros, e acabou acontecendo. Criar é uma espécie de potência, um tesão pelo belo, divertida forma de se entender a vida, de compreender o humano. E a natureza do mundo, às vezes tão difícil que só pela arte se pode chegar perto do seu sentido”, destaca o poeta.

“A vida entendida na sua verdadeira dimensão nos obriga a um gesto humilde de celebrá-la. nada consegue reduzi-la, devemos nos render à sua grandeza e mistério, celebrando, agradecendo e abraçando-a”, finaliza.

O evento é realizado pelo Muncab (Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira), a Amafro, o Espaço Cultural Boca de Brasa, da Prefeitura de Salvador, e conta com co-realização da Nubas e da Estandarte Produções e apoio do Caderno de Música.

Minissérie – Com cinco capítulos, a produção mostra Capinan narrando como foram produzidas suas canções mais icônicas, entre elas ‘Viramundo’, ‘Miserere nóbis’, ‘Soy loco por ti América’, ‘Papel Machê’, ‘Tempos quase modernos’ e ‘Yaya Massembá’. A direção é deJamile Coelho e produção da Estandarte Produções.

Cadernos de Música - A cada mês, uma das edições é dedicada a um nome consagrado da música brasileira e a outra/o artista reconhecida/o pela crítica e por seus pares. O conteúdo é formado por uma longa entrevista inédita (ou raríssima) com o músico e um ensaio sobre sua obra. O assinante recebe duas edições mensais, impressas em papel pólen, tamanho 17cm x 17cm, capa dura e formato quadrado (como a capa de um vinil).

Já foram publicados números de artistas como Elza Soares, Tom Jobim, Adriana Calcanhotto, Tom Zé, Jorge Mautner, Nara Leão, Hermeto Pascoal, Ana Frango Elétrico e Thiago Amud. A Cadernos de Música é vendida exclusivamente por assinatura e custa R$49 mensais. A obra pode ser adquirida através do site da plataforma Revistas de Cultura.

Sobre Capinan - Com passagem na comunicação, na gestão pública, na música, no cinema e nas artes, José Carlos Capinan é um daqueles nomes referência em diversos temas. Atualmente, dirige o Muncab e tem se concentrado em abrir as portas e a interatividade do Museu diante da pandemia e das dificuldades no setor cultural a nível federal.

Formado em Teatro, Medicina, Pedagogia e Direito tem na trajetória roteiros, letras e textos para a Sinfonia da Cidade de Salvador, produções de shows de Gal Costa, Macalé, Luiz Gonzaga, além de parcerias e composições com Tom Zé, João Bosco, Caetano Veloso, Edu Lobo, Fagner, Francis Hime, Geraldo Azevedo, Gereba, Gilberto Gil, João Bosco, Macalé, Moraes Moreira, Paulinho da Viola, Robertinho do Recife, dentre outros. Entre os seus muitos hits, destaque para alguns como Soy Loco Por Ti América, Papel Machê, Ladainha e Viramundo.

Serviço
O quê? Palco Aberto Boca de Brasa – 80 anos do poeta e compositor José Carlos Capinan (roda de conversa, música, arte, poesia e história) e lançamento do Caderno de Música.
Participação: Jards Macalé, Roberto Mendes e Gereba
Mediação: Leonardo Lichote (jornalista musical)
Quando: Dia 19 de fevereiro às 19h
Onde: Perfil do Muncab no Youtube
Informações: Estandarte Produções


RPD || André Amado: Os grandes escritores e o término de suas obras

André Amado analisa como os grandes autores garantem, por meio da técnica literária, o interesse do leitor até o fim das tramas de suas histórias

Se dependesse de consenso, obra alguma dos grandes escritores terminaria. Vejam só.

Com a autoridade de ter sido o autor de A Room With A View (1908) e Howards End (1910) e reconhecido como o decano dos críticos literários, E. M. Foster estimava que as histórias devessem ter começo, meio e fim. Ilustrava com As mil e uma noites, em que a narrativa seguia a cronologia de o jantar vir depois do almoço; a terça, depois da segunda; e a decadência, depois da morte.

Henry James (1843-1916) chamava o último capítulo de um livro de wind-up (arredondamento), quando se distribuíam prêmios, pensões, maridos, esposas, filhos, milhões, parágrafos acrescentados e comentários alegres. Já Italo Calvino (1923-85) dribla a ironia de James e distingue tipos diferentes de término das narrativas: quando o herói supera as adversidades, morre ou amadurece; e, no caso dos romances policiais, quando se descobre o culpado. De maneira geral, para Calvino, o final de um romance deveria ocorrer sempre que contribuísse para evitar a repetição, na mesma linha do que dissera Jane Austen (1775-1817): o romancista não tem como ocultar o momento em que a história acaba.

Outros escritores seriam até mais contundentes. Atribui-se a Flaubert (1821-80), por exemplo, a sentença de que é burrice querer concluir uma história. Para Ricardo Piglia (1941-2017), sem finitude não há verdade, declaração quase idêntica à de Stephen Koch (1968- ): se não houver final, não há história. Carlos Mastronardi (1901-76) arrematou: Não temos uma linguagem para os finais; talvez uma linguagem para os finais exija a total abolição das linguagens.

Alberto Manguel (1948- ) acrescenta um complicador. Resgata a Divina comédia para revelar o truque de Dante – o propósito da peregrinação é contar as aventuras. Vale dizer, a narrativa da viagem consiste em situar no final o começo. É o que também pensa Allan Poe. Em “Assassinatos na rua Morgue” (1841), o desfecho da história determina a ordem e a causalidade dos eventos narrados no começo. Trata-se da técnica do closure (fechamento), pela qual o escritor se fixa no desfecho e constrói a narrativa de trás para frente, buscando, assim, assegurar-se do controle completo do desenvolvimento da trama e da santidade do mistério, que só poderá ser revelado no último momento, tornando-se quase um personagem invisível da trama.

Tudo bem. Enfim o consenso parece formar-se: a retenção do segredo da história garante o interesse do leitor. Melhor técnica para o fechamento da obra, impossível. Só que Patricia Merivale e Susan Sweeny (1999) exploraram outras opções que batizaram de história metafísica de detetives, segundo a qual o objetivo da investigação não seria mais encontrar uma resposta clara para o enigma perfeito dado a priori, mas decifrar o sentido do próprio texto. Em “La muerte y la brújula”, Jorge Luiz Borges reforçaria a transgressão: desafia a estrutura da narrativa fechada, ao não resolver os mistérios e a suscitar outros mistérios igualmente impenetráveis.

Garcia-Roza (1936-2020) admirava Allan Poe e Borges e, por isso, convidou ambos para enriquecer sua visão da literatura. De um lado, recusou que o autor pudesse sozinho desfazer as intrigas e decodificar a trama das histórias. Para ele, existiriam tantos autores de uma obra quanto leitores. Daí não ser mais possível uma única interpretação. Ao leitor, a tarefa, portanto, de produzir sua própria interpretação. De outro, Garcia-Roza citava Poe (A essência de todo crime permanece oculta, “O homem da multidão”, 1940) para ressaltar o conceito de inescrutabilidade, significante que não permitia simplificação. Em uma palavra, mistérios podem ser explicados, mas a interpretação de um enigma requer nova interpretação e, assim, sucessivamente, sem fim. Não há, pois, solução para o enigma. Nunca.

Como todo escritor de gênio, Ian McEwan não chega a celebrar o consenso sobre o término de uma obra, mas, de alguma maneira, nos explica porque a alternativa é até mais convincente. Em Atonement (2001), Briony demora a vida toda para entender que não tem como chegar a final algum para a história que está contando, o que, por sua vez, acaba afetando a própria forma final da obra que o leitor tem em mãos, na qual ele tampouco encontra um fim satisfatório, bem fechado como aqueles das histórias fabulosas em que a Briony acreditava tão piamente, quando criança (Tatiana Souza, tese de doutorado apresentada à Universidade Estadual da Paraíba).

Podem-se encerrar as provocações reunidas neste artigo com a reflexão de Leyla Perrone-Moisés, segundo a qual um livro sobre a literatura contemporânea não pode ter conclusão, porque o contemporâneo é o inacabado, o inconcluso. Pode-se, ainda, recorrer ao bruxo do Cosme Velho e reviver o final inesquecível de Memórias Póstumas: Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

*André Amado é embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online


Eliane Brum: A vagina que salvou o Réveillon do Brasil

Ao cobrir a terra arrasada pelo canavial com uma buceta de 33 metros, a obra da artista Juliana Notari interrompeu a farra bolsonarista

Jair Bolsonaro planejou e executou uma coreografia de “macho” para abrir 2021. A bordo de uma lancha, aproximou-se da Praia Grande, no litoral paulista, onde centenas de banhistas se amontoavam apesar de o país já estar chegando aos 200.000 mortos por covid-19. Depois de acenar para adultos e crianças, atirou-se no mar e nadou até a multidão. Atravessou a massa de gente como se fosse ungido por ela, ovacionado por gritos de “mito! mito!”. Funcionou tanto que ele até repetiu o batismo dias mais tarde, na segunda vez caminhando pela areia como o Messias do seu nome do meio. A cena calculada tem grande potencial simbólico. Horrorizou o mundo em transe pandêmico, mas não envergonhou uma parte significativa do Brasil. Se a eleição fosse hoje, Bolsonaro teria chances consideráveis de se reeleger.

E então, outro gesto aconteceu. Outra imagem ganhou o mundo. A vagina de 33 metros de altura por 16 metros de largura e 6 metros de profundidade da artista Juliana Notari, abrindo em vermelho a terra arrasada pelos canaviais de Pernambuco, se impôs. No noticiário internacional, havia a imagem do presidente com sinais de sociopatia desafiando o vírus e a racionalidade com seu “histórico de atleta”. E, ofuscando esse espetáculo falocêntrico, a vagina vermelha se expandiu, multiplicou-se como imagem e ocupou muito além da terra em que foi esculpida e recoberta por concreto armado e resina. Se não fosse por ela, Bolsonaro mais uma vez abriria o ano controlando a narrativa do Brasil.

Nada poderia ser mais transgressor no país dominado pelo bolsonarismo, o que diz o seu nome e o que não diz, do que essa buceta gigante. Não há maior ato de resistência, no Brasil onde os corpos humanos foram convertidos em obscenidade pela moral dos imorais e, portando, têm sido violados continuamente, do que abrir a terra esgotada, a terra pisoteada, a terra ferida como o corpo de tantas mulheres, com a escultura de uma vagina. A arte, que a obscenidade de Bolsonaro e das milícias digitais de extrema direita tentaram tornar obscena, salvou o início de um ano que quase certamente será ainda mais difícil do que o de 2020. Há disputa. E sabemos onde ela está.

Uma obra de arte não é em si nem para si. Há a intenção do artista e há o que ela se torna no encontro e no confronto com o olhar de cada um, um encontro e um confronto que podem atravessar as épocas, transmutando-se a cada contexto. A arte é aquela que, antes de ser, se torna. E só se torna se for aberta aos mundos.

A pernambucana Juliana Notari há pelo menos duas décadas faz um trabalho muito consistente na intersecção entre o feminino e a violência. Dessa vez, chamou a vagina gigante de “Diva” e definiu-a como uma “vulva/ferida”. Ao divulgar em 31 de dezembro a obra que passou 11 meses esculpindo para a Usina de Arte, um parque artístico-botânico na cidade de Água Preta, em Pernambuco, sofreu um ataque brutal nas redes sociais. Só no Facebook o post já recebeu 27 mil comentários, parte deles reduzidos a agressões. Por romper o cotidiano e atravessá-lo, a artista foi atacada violentamente. A reação já faz parte da obra. Até um “Punhetaço” foi marcado pelas redes sociais pelos machos com medo de buceta. A sua, a nossa Diva, já entrou para a história das vaginas que perturbam o mundo com sua potência.

Escolho me encontrar com a vulva ferida a partir do confronto do ato de Bolsonaro e da obra de arte de Notari. Talvez porque a obscenidade de Bolsonaro, num momento em que a pandemia volta a se agravar também no Brasil, nos feriu logo no irromper de 2021. Calculadamente, ele fez sua demonstração de força para mostrar quem manda e enterrar todas as ilusões de que a virada de um ano possa interromper o exercício do mal. Bolsonaro é o presidente. E, por ser o presidente, não há ninguém no país mais responsável do que ele para conduzir o Brasil na maior crise sanitária em um século. E ele tem nos conduzido para a morte com a cumplicidade de milhões de brasileiros.

Os cúmplices não são apenas os que votaram em Bolsonaro, nem são apenas os que declaram nas pesquisas que seu governo é ótimo ou bom ou mesmo regular, no momento em que mais de 50 países já começaram a vacinar suas populações e o Brasil ainda não conseguiu sequer comprar seringas. Ser bolsonarista é mais do que ter votado ou pretender votar em Bolsonaro. O bolsonarismo virou um modo de agir no mundo que se baseia na produção calculada de mentiras e na imposição da vontade do indivíduo sobre as necessidades do coletivo, portanto pela imposição do mais forte pela violência. É por isso que o bolsonarismo é ainda mais perigoso do que Bolsonaro —e persistirá muito além dele. Tenho me surpreendido com a quantidade de pessoas que aderiram ao bolsonarismo nessa pandemia, ao acreditar que sua pretensa liberdade os autoriza a ameaçar todos os outros. Não existe a liberdade de matar.

Bolsonaro não trabalha com eleitores, mas com seguidores que votam. E é para eles que produz imagens. Desde o início da pandemia, ele atua para fazer uma associação perversa: a de que só os fracos morrem de covid-19. Os fortes, grupo que ele acredita representar, quando contaminados têm apenas uma “gripezinha”. Bolsonaro e o bolsonarismo já deixaram mais do que explícito quem consideram fracos: as mulheres, os LGBTQ+, os negros, os indígenas. Também já tornaram explícito quem são os fortes, os do topo da cadeia alimentar: os homens, “machos” porque héteros, os brancos.

Ao nadar para ser ungido pelo povo, numa demonstração de força, como fez no primeiro dia do ano, ele é o macho que desafia as ondas, o vírus, as instituições internacionais, a ciência, a ética, a racionalidade e a própria verdade. É o homem sem amarras, livre porque a única vida que importa é a dele. Quando na segunda cena, essa caminhando sobre a areia, ele carrega crianças no colo, a mensagem é a de que só os fortes merecem viver. Se os bebês forem contaminados, os “melhores” sobreviverão. É também por isso que ele pode dizer “e daí?” diante dos mortos ou, mais recentemente, “não dou bola”, referindo-se ao fato de seu governo ainda não ter garantido a vacina à população e estar atrás de tantos países, incluindo a Argentina, que já começaram a imunizar seus habitantes. Quando ele abraça pessoas sem máscara, espalhando perdigotos em seus rostos, ele está dizendo: se você é forte, merece viver; se for fraco, dane-se.

Também não é por acaso que, em suas declarações, ele costuma forjar uma associação pejorativa com raça e gênero. Como ao defender que aqueles que quiserem ser vacinados deveriam assinar um termo de compromisso responsabilizando-se pelos supostos efeitos colaterais. A mensagem é explícita: “Se você virar um chimpanz... se você virar um jacaré, é problema de você [sic]. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles [os laboratórios] não têm nada a ver com isso”.

Bolsonaro já declarou que não tomará a vacina. É o “macho” que nada para abraçar o povo exatamente porque o povo não importa. Toda a sua campanha foi alicerçada no ataque aos corpos que ele considera “errados” ou “fracos” porque não são o seu. Já vamos para o quarto ano, contando o da eleição, sendo violentados pelas declarações de Bolsonaro, que fala obsessivamente de orifícios, de pênis e de ânus, convertendo os corpos em objetos e dividindo o mundo entre aqueles que portam buracos e aqueles que têm o poder de enfiar coisas nos buracos. Para homens como ele, a única relação possível entre um corpo e outro corpo é a da violência. Tanto o pênis quanto as armas são falos empunhados para fazer buracos nos corpos dos que considera mais fracos ou inferiores.

Antes do batismo do macho protagonizado no litoral paulista, sua última declaração midiática foi ironizar a tortura sofrida por Dilma Rousseff pelas mãos de agentes do Estado durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Logo depois do Natal, ele disse a apoiadores: “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio-X”.

Não é uma escolha aleatória. A única mulher presidenta do Brasil foi destituída por um impeachment em cuja votação Bolsonaro, então deputado federal, homenageou o mais notável torturador e assassino da ditadura, associado a dezenas de mortes e a centenas de sessões de tortura de opositores políticos. Bolsonaro fez questão de adicionar uma perversão a mais: “Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”.

Enaltecer o torturador, demonstrar prazer com a tortura da mulher que está empenhado em destituir do cargo e depois duvidar de seus ferimentos é o gozo do perverso. É assim que se comportam os torturadores e também os assassinos. Bolsonaro torturou Dilma durante o impeachment e, dias atrás, a torturou mais uma vez. Para mostrar que pode. Porque pôde, no passado, e por isso se elegeu —e porque pode no presente, porque faz tudo isso e segue sem ser perturbado por um processo de impeachment.

Essa é a mensagem que pretende vender e, como faz parte da estupidez de tantos comprar gato por lebre se achando o maior esperto do mundo, milhões de brasileiros acreditam. Como tudo em Bolsonaro, a imagem de força e de potência é só mais uma fake news ou, em bom português, uma mentira. Basta ir ao youtube ver Bolsonaro fingindo fazer flexões de braço para ver que ele é tão atleta quanto é cristão. Na terça-feira (5), afirmou publicamente sua impotência: “O Brasil está quebrado e não consigo fazer nada”. Os mais de 60 pedidos de impeachment que poderiam tirá-lo do governo que corrompe para botar quem consegue fazer alguma coisa estão dormindo na gaveta de Rodrigo Maia (DEM).

A força de Bolsonaro é a dos fracos: a violência, seguidamente armada. Violentar, corromper e mentir é só o que esse arremedo de homem consegue fazer. Bolsonaro fracassou como militar, sua carreira como deputado é uma vergonha e um desperdício de dinheiro público, ao tornar-se presidente, tornou-se o pária do mundo, como afirma seu próprio chanceler, motivo de piada de um lado a outro da Terra que ele acha que é plana.

Como descobrimos, porém, há milhões de brasileiros dispostos a acreditar em qualquer mentira e a chamar de “mito” um mentiroso. Assim, a virada do ano é tempo de balanço e de estabelecer metas de Ano-Novo também para Bolsonaro. Em seus atos, ele garantiu ao seus iguais que poderão seguir abusando de mulheres como Mari Ferrer, vítima de estupro que foi violentada mais uma vez durante o julgamento ao ser tratada como culpada. Em seus atos, o presidente do Brasil está reafirmando que os homens poderão seguir dizendo que o acusado de estupro não tinha condições de perceber que a vítima estava inconsciente e seguir julgando o comportamento da vítima em vez do ato do estuprador. Essa é a mensagem sempre que ele publicamente humilha uma mulher com palavras ou gestos ou decisões.

Na concepção de mundo do bolsonarismo não há relação que não termine com um outro subjugado e desumanizado. Bolsonaro tornou o Brasil um grande experimento pornográfico. O homem no cargo máximo do país brinca de nos matar. Ao mergulhar nas águas do mar, para muitos um ritual de purificação, ele renasce para mais um ano como senhor da morte. Tenho convicção de que as gerações futuras vão nos perguntar por que não fomos capazes de impedi-lo de seguir matando. Essa acusação assombrará os que hoje estão vivos para muito além da vida.

A vagina gigante atravessou a farra bolsonarista. De concreto armado e resina, ela é mais real do que o corpo de Bolsonaro nadando de braçada no Brasil. Enquanto o corpo de Bolsonaro se converte em objeto, arma, instrumento de morte, a obra de arte desobjetifica os corpos das mulheres ao denunciar suas feridas e revelar sua potência. Não se encarnasse na terra arrebentada do canavial pernambucano, a vagina não teria efeito algum. Pela potência transgressora da arte, já não era mais uma vulva de concreto e resina, mas as bucetas de todas nós, mulheres brasileiras, mulheres do mundo, pulsando naquele chão. Vermelhas do sangue de nossas companheiras mortas no Natal do feminicídio de 2020, quando o nascimento de Cristo foi homenageado por seis homens com a destruição dos corpos das companheiras. Porque podem.

Bolsonaro chegou ao poder e se mantém no poder porque representa a visão de mundo de milhões de brasileiros. E chegou depois de um processo em que, mesmo antes de ser arrancada da presidência, Dilma Rousseff foi objetificada em adesivos nos quais era exposta de pernas abertas sobre os tanques de gasolina e as mangueiras eram ali enfiadas para estuprar a presidenta. Chegou ao poder por um processo em que milícias digitais como o MBL criminalizaram obras de arte, fecharam exposições, chamaram artistas de pedófilos e foram responsáveis por alguns deles terem sido ameaçados de morte e até hoje estarem sob trauma. O que os brasileiros vivem hoje não aconteceu de repente nem começou com Bolsonaro.

Ele nos governa porque a sociedade brasileira está mentalmente adoecida. Bolsonaro é ao mesmo tempo produto e produtor dessa doença. Sempre tentei compreender como pessoas aparentemente comuns permitiram, algumas vezes na história humana, que o horror de Estado fosse consumado contra outros, às vezes seus vizinhos. Que tipo de loucura as possuiu que fez tantos se calarem, colaborando com o extermínio por ação ou omissão. Estamos vendo isso acontecer há anos bem diante dos nossos olhos, em todas as telas. Responderemos por isso.

A vagina que denuncia essa sociedade adoecida não está em qualquer terra. É esculpida no Brasil violado diariamente por Bolsonaro e pelo bolsonarismo. É escavada na terra arrasada pela monocultura da cana de açúcar, marca histórica do patriarcado e do coronelismo que moldaram violentamente o Brasil e fincaram raízes tão profundas que até hoje ainda persistem e se renovam. Naquela terra há sangue escravo, há memórias do estupro das mulheres negras, há marcas das botas dos machos e dos joelhos das fêmeas. Antes das mulheres, a natureza foi ali estuprada. Que hoje uma vagina gigante e vermelha como o sangue menstrual habite e ceve essa terra que também é mulher me parece extraordinariamente potente.

Antes dessa Diva, Juliana Notari havia feito, em 2018, a obra que chamou de “Amuamas”. A curadora e professora de arte Clarissa Diniz explica lindamente como foi essa intervenção num ensaio na revista Continente. “Foi num grande e ancestral corpo de uma Sumaúma (árvore sagrada para muitos dos povos da floresta, com a capacidade de absorver água de grandes profundidades e distribuí-la para plantas da vizinhança) que Juliana inscreveu outra de suas feridas. Desta vez, não numa parede, mas num corpo vivo; nas gigantes raízes aéreas da árvore. Por isso, para a artista, Amuamas foi essencialmente um rito. Após entalhar a Samaúma, revelando sua madeira avermelhada, Juliana pintou a ferida aberta com seu próprio sangue menstrual, coletado ao longo de nove meses. Do encontro entre os rubros da árvore e os da artista, forjou-se uma ferida em comum, comungando dores e identificando, no corpo uma da outra, traumas compartilhados.”

Vale lembrar que Bolsonaro declarou em seu primeiro ano de governo que a floresta amazônica é “a virgem que todo tarado de fora quer”, mostrando que tanto a floresta quanto as mulheres são femininos que devem ser violados e esvaziados de sentidos. Árvores como a Sumaúma escolhida pela artista Juliana Notari podem lançar até mil litros de água por dia na atmosfera apenas pela transpiração, num processo de uma beleza extraordinária que faz com que a floresta seja a grande reguladora do clima ao sul do mundo. Bolsonaro, porém, é o homem que inspirou o “dia do fogo” e fez a floresta queimar nas telas do planeta. Ele encarna o personagem do bandeirante e do colonizador, que violenta o corpo da natureza e todos os outros corpos que encontra na natureza, como o dos indígenas. É também aquele que, em plena emergência climática, acha que os recursos naturais são infinitos e que seus amigos podem seguir explorando, arrebentando e matando a natureza. Bolsonaro é fraco justamente porque não aceita limites.

Ao comentar sua mais recente intervenção artística nas redes sociais, a artista Juliana Notari escreveu: “Em ‘Diva’, utilizo a arte para dialogar com questões que remetem a problematização de gênero a partir de uma perspectiva feminina aliada a uma cosmovisão que questiona a relação entre natureza e cultura na nossa sociedade ocidental falocêntrica e antropocêntrica. Atualmente, essas questões têm se tornado cada vez mais urgentes. Afinal, será a mudança de perspectiva da nossa relação entre humanos e entre humano e não-humano que permitirá com que vivamos mais tempo nesse planeta e numa sociedade menos desigual e catastrófica”.

Em uma das fotos, ela posa junto à obra de arte com alguns dos 20 homens que a ajudaram a esculpir a vagina na terra. É uma imagem eloquente: a de uma mulher branca comandando homens negros com uma enxada na mão. Várias pessoas apontaram essa contradição, o que torna a obra ainda mais interessante. A expressão imagética do racismo estrutural do Brasil que pode ter sido reproduzida pela artista que a denuncia em sua obra acrescenta novas camadas e novas questões à Diva. Sobre essa imagem, o compositor e produtor cultural Afonso Oliveira escreveu: “É simbólico ela colocar trabalhadores negros para fazer essa obra. Mas não é apenas simbólico do ponto da perpetuação da escravidão. É simbólico também do ponto de vista da subversão do macho. Sem eles essa buceta não existiria, nem a obra, nem o símbolo”. Já o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor do excelente Bacurau, comemorou no Twitter: “Viva Juliana Notari, por botar homens pra fazer um bucetão de 30 metros na Zona da Mata pernambucana, em plenos anos Bolsonaro. As reações à obra são espelho, um sucesso”.

Houve quem desejasse a Juliana Notari que fosse punida com “uma ferida na vulva” por colocar concreto e resina na terra. Toda a crítica é possível, mas é impossível ignorar que aquela terra já havia sido violada pela monocultura mais emblemática do patriarcado escravocrata e colonialista, a da cana de açúcar. A ferida que a vagina nela abre denuncia essa outra ferida, muito mais antiga e persistente e, ao mesmo tempo, a cura, ao devolver-lhe sentido e portanto vida.

Alguém escreveu lindamente na página de Juliana Notari, no Facebook, que havia mostrado a obra a seu filho de 7 anos. O menino ainda não assombrado pela violência viu ali uma “tulipa, uma piscina, uma rede” onde se jogar. “Não sendo ele (sexo feminino representado na obra) um em si para si, pude vê-lo bem melhor pelos olhos da criança de 7 anos: tulipa, piscina, rede. Flor, água, descanso, pensei. Se não fosse nossa incapacidade crônica de criar lentes (modos de socialização) mais límpidas talvez tivéssemos menos que lidar com as distorções da beleza de uma vagina (lugar de onde todo o ser humano saiu, diga-se de passagem com o perdão do trocadilho) esculpida na terra, num terreno do interior de um estado do Nordeste, que simboliza o tipo de poder e propriedade que engendrou nosso patriarcado em seu modelo mais aviltante das qualidades humanas das mulheres”.

A vagina, também como imagem e como palavra, tem sido violada através dos séculos. Atacada, escondida, censurada, deletada. Essa que é nossa origem de tantas maneiras conta o mundo de ruínas, em ruínas, construído por homens. Em 2013, escrevi nesse espaço uma coluna chamada “Vagina”, sobre os mais recentes escândalos provocados pelos que nela não suportam se ver. “Não é tremendamente instigante que, neste ponto da aventura humana, a vagina das mulheres ainda assombre tanto que a violência contra ela parece ter recrudescido?”, eu perguntava.

Um ano antes, a loja virtual da Apple havia censurado a vagina como palavra, ao silenciá-la com asteriscos no título do livro de Naomi Wolf: V****: uma biografia (Geração Editorial). Também o crítico de arte Jorge Coli teve interrompida a transmissão pela Internet de sua palestra pela Academia Brasileira de Letras. Foi censurado no momento em que pronunciou a palavra “buceta” e mostrou A origem do mundoo famoso quadro do francês Gustave Courbet, que retrata uma vagina entre coxas abertas. Esse quadro, talvez a vagina mais atacada da história da arte, tem uma trajetória que conta os problemas dos homens com a buceta. Ao longo de sua vida, o quadro esteve coberto por um véu, às vezes uma cortina, em outras uma outra pintura. Só foi exposto sem nada ocultando-o depois que a família de seu último dono, o psicanalista francês Jacques Lacan, o doou ao Museu D’Orsay, em Paris.

É possível que Naomi Wolf tenha razão ao dizer que “a revolução ocidental sexual falhou”. Ou, pelo menos, “não funcionou bem o suficiente para as mulheres”. Em sua biografia da vagina, Naomi Wolf a compreende como “o órgão sexual feminino como um todo, dos lábios ao clitóris, do introito ao colo do útero”. Esse todo forma uma complexa rede neural, na qual há pelo menos três centros sexuais —o clitóris, a vagina, o colo do útero, e possivelmente um quarto, os mamilos. Naomi defende que a vagina não é apenas carne, mas um componente vital do cérebro feminino, ligando o prazer sexual amoroso à criatividade, à autoconfiança e à inteligência da mulher.

A conclusão é óbvia e não é nova, nem por isso menos importante: massacrar a vagina —ignorando-a ou tornando-a algo sujo, proibido e chulo, seja pelas palavras ou pelas ações— massacra as mulheres na inteireza do que são. Ao aniquilar a vagina, aniquila-se a mulher inteira, sequestra-se a sua potência. “Ao contrário do que somos levados a crer, a vagina está longe de ser livre no Ocidente nos dias de hoje”, diz Naomi. “Tanto pela falta de respeito como pela falta de entendimento do papel que ela exerce.”

A vagina esculpida por Juliana Notari tornou-se parte dessa história. No Brasil dominado pelo bolsonarismo, os sentidos dos ataques à buceta alcançam camadas ainda mais profundas. Muitos apostam que, com o fim da renda emergencial que contemplou dezenas de milhões de brasileiros, a popularidade de Bolsonaro cairá. É provável. Mas apenas em parte. Como já escrevi num artigo anterior, uma parcela significativa o elegeu para garantir um outro salário: o psicológico. Em 1935, o pensador negro W.E.B Du Bois, um dos maiores intelectuais do século 20 nos Estados Unidos, criou essa expressão para explicar a função do racismo, ao dar ao branco ferrado a sensação de superioridade por ter alguém em situação pior do que a dele, no caso o negro.

O fenômeno dos déspotas eleitos —como Bolsonaro, Donald Trump e outros— pode ser explicado por esse conceito ampliado para as mulheres e para os LGBTQ+. Para que o salário psicológico tenha efeito, é preciso seguir subjugando um outro, em especial num momento em que os subjugados habituais passaram a protestar com mais veemência. Também por isso Bolsonaro se disciplina para manter constantes os ataques racistas, homofóbicos e misóginos. Bolsonaro calcula e cria notícias para manter o valor de compra e venda do salário psicológico.

Assim como os Estados Unidos vão lidar com o que Trump representa para muito além do governo de Joe Biden, o adoecimento mental da sociedade brasileira, do qual Bolsonaro ao mesmo tempo é produto e produtor, ainda poderá lhe dar um segundo mandato. Tanto Trump quanto Bolsonaro não são apenas um, mas muitos. Não basta tirá-los do poder pelo impeachment, pela responsabilização de seus crimes ou pelo voto. É necessário mudar a cultura que deforma as mentes, fazendo com que vejam monstruosidades em vaginas e passem a destruir mulheres de várias maneiras e também literalmente, como aconteceu com Marielle Franco. O mais importante é educar pessoas para que não sejam dependentes de salário psicológico, dependentes a ponto de aderir àquele que as destrói. As subjetividades não são efeitos colaterais. Ao contrário: elas movem o mundo.

Sim, a obra criada por Juliana Notari é uma ferida de 33 metros que denuncia uma ferida imensamente maior. Pela potência da arte, essa ferida feita de concreto armado e resina se converte em carne, vagina. E gera vida nesse Brasil esmagado pela banalização da morte de quase 200 mil pessoas. A gigantesca vagina vermelho-sangue salvou nosso Réveillon do Nado do Macho que Mata depois do Natal do Feminicídio. Apontou onde está a cura do Brasil.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago).

Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum


Mauricio Huertas: Sobre a polêmica da “arte” do homem nu no MAM

Toda arte é livre! Como eu respondo ou reajo à arte é o “x” da questão. Sou livre mas não para sair por aí me exibindo pelado num ônibus, ou tocando outras pessoas

Sobre toda esta polêmica do artista nu no Museu de Arte Moderna e mais um Fla x Flu estabelecido nas redes sociais, como já virou moda:

Se eu acho que arte deve ser livre, sem censura e libertária, pode ser irreverente, provocativa, contestadora, até incômoda e que nos faça refletir? Sim.

Se eu acho que o nu pode estar contextualizado nesta arte (mesmo se for mera opinião subjetiva do artista), sendo ou não a intenção chocar e gerar reações contrárias? Sim.

Se eu acho que o artista pode questionar sem limites o poder e a ordem, desafiar as autoridades, contestar as regras estabelecidas? Sim.

Pode tratar de religião, sexualidade, família, política, etnia? Pode tudo.

Então obviamente pode colocar uma criança, desde que autorizada pelos pais, a tocar a “obra”, que se trata de um homem nu no meio de um museu? Não! 👎 Não me parece adequado nem sensato.

Nesse caso bastaria a contemplação. Ninguém precisou tocar a Mona Lisa ou o David de Michelangelo para aquilo ser reconhecido como arte e fazer história. Ah, mas e a liberdade do artista e do público??? Calma lá!!! Quer tocar a “obra”? Seja maior de idade e tenha discernimento.

Toda arte é livre! Como eu respondo ou reajo à arte é o “x” da questão. Sou livre mas não para sair por aí me exibindo pelado num ônibus, ou tocando outras pessoas. Quebrar regras não significa cometer um crime. Então o mínimo bom senso vale também para a arte, principalmente envolvendo uma criança.

Ter opinião que não agrade A ou B também não me faz dono da verdade, nem me enquadra como direitista ou esquerdista, liberal ou conservador, retrógrado ou progressista.

Penso simplesmente com a responsabilidade e o equilíbrio de um pai, e como entendo que deve ser a educação de uma criança e a relação civilizada em sociedade, com total liberdade mas respeitando as diferenças. É uma posição pessoal. Só isso.