armas

Bruno Boghossian: Mapa da morte prova que não existe solução fácil para violência

Endurecimento de leis é insuficiente e expansão de armas pode expandir barbárie

O recorde de mortes violentas registrado no Brasil é mais uma prova de que não há soluções simples para problemas complexos. O aumento do assassinato de mulheres em casa e a disparada dos homicídios no Norte e no Nordeste são sinais de que o país precisa retraçar seu mapa de políticas públicas.

A última edição do Atlas da Violência sugere que o endurecimento de leis é insuficiente para conter a alta desses crimes. O estudo aponta também que o aumento de circulação de armas de fogo poderia impulsionar ainda mais a barbárie.

Segundo o levantamento do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de assassinatos no país chegou a 65 mil em 2017. A taxa de homicídios cresceu 24% em uma década. A matança foi puxada pelas regiões Norte e Nordeste, onde o índice saltou 68%.

Os pesquisadores atribuem os números ao aumento da renda nesses estados —o que estimula o mercado ilegal da droga— e à guerra entre facções criminosas. Grupos que agiam no Sudeste expandiram suas atividades pelo Brasil e entraram em conflito com quadrilhas locais.

Nenhum governante pode se dizer surpreso. O descontrole sobre o tráfico é tratado como parte da rotina dos estados e continua sem resposta.

Os coordenadores do estudo apontam que a maioria dos homicídios jamais é elucidada e fica, portanto, sem punição. Enquanto isso, medidas como o aumento de penas para o narcotráfico, inserido na lei em 2006, não tiveram efeitos visíveis.

Cresceu também o número de assassinatos de mulheres. Foram 1.407 homicídios dentro de casa, um aumento de 38% em dez anos. A pesquisa aponta ainda uma alta das mortes por arma de fogo nesses casos.

Na apresentação dos dados, o presidente do Ipea quis fazer um “reparo” ao estudo. “Como cidadão, me incomoda a impossibilidade de o cidadão de bem ter uma forma de defender a integridade física, de sua propriedade e da sua família”, disse Carlos von Doellinger. Seria melhor que ele olhasse os números com atenção.


Maria Cristina Fernandes: Um país ocupado por bestas e fuzis

Moratória da venda de armas dos EUA iria à raiz da violência

Dois meses antes da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, que hoje completa um ano, a Polícia Federal divulgou um relatório que indicava a venda de armas em lojas e feiras nos Estados Unidos como a principal fonte de fuzis e metralhadoras contrabandeados para o Brasil.

O monopólio de importação de armas dos Estados Unidos é das Forças Armadas e das polícias. A entrada clandestina dá-se por portos e aeroportos e, principalmente, pela fronteira com o Paraguai. O relatório identificou que a maior brecha para o ingresso direto da mercadoria americana no Brasil se dá pela importação de kits com itens avulsos para a montagem de armas.

Na casa de um parceiro do ex-policial militar Ronnie Lessa, um dos presos por suspeita de participação na morte da vereadora carioca e de seu motorista, foram encontrados kits como esses para a montagem de 117 fuzis. Como informa o relatório, seu preço de venda, em território nacional, pode alcançar dez vezes o valor pago nos Estados Unidos, o que pode explicar, em parte, como um ex-policial com soldo de R$ 7 mil mora num condomínio de classe média alta na Barra da Tijuca.

Depois da divulgação desse relatório, a Polícia Federal começou a pressionar o governo federal para que obtivesse, do governo americano, medidas de restrição à venda de armas, especialmente para o Paraguai, como mostrou Marcos de Moura e Souza (Valor, 20/3/2018). As tratativas esbarraram na indústria bélica americana ainda mais fortalecida na gestão Donald Trump.

A visita do presidente Jair Bolsonaro é a primeira de um chefe de Estado brasileiro aos Estados Unidos desde a divulgação do relatório da PF. No encontro com jornalistas na manhã de ontem, o presidente limitou-se a informar a existência de dois acordos a serem assinados, um para o uso comercial da base de Alcântara e outro, de bitributação. Na área de segurança pública, o Itamaraty limita-se a informar que o Brasil tem interesse em compartilhar informações e treinamento em lavagem de dinheiro, terrorismo e narcotráfico, no âmbito do foro de segurança criado no ano passado na gestão Michel Temer.

O intercâmbio jurídico/policial do Brasil com os Estados Unidos avança muito mais celeremente no combate à lavagem de dinheiro do narcotráfico e da corrupção. O distintivo da Swat no uniforme da escolta dos presidiários da Lava-Jato é auto-explicativo. A operação é, em grande, parte, fruto dessa colaboração. Foi na carona dela que o Ministério Público tentou criar uma fundação para gerir o dinheiro recuperado com a corrupção.

Em dobradinha com seus antigos companheiros da Lava-Jato, o ministro da Justiça saiu em defesa da fundação. Como inexiste uma previsão legal para seu funcionamento, porém, Sergio Moro resolveu contorná-la com uma medida provisória destinada a criar uma superagência para gerir os recursos advindos do crime organizado.

Dessa forma, a Lava-Jato perpetuaria uma fonte de recursos, a salvo das desvinculações orçamentárias pretendidas pelo Ministério da Economia. Da mesma forma que as legendas com representação no Congresso Nacional, a parceria entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol também teria seu "fundo partidário".

Ao contrário do que se observa no combate à lavagem de dinheiro da corrupção e na repressão ao narcotráfico, com o qual o Brasil tem intensa colaboração, apesar de ser apenas um entreposto secundário para os Estados Unidos, o governo americano não oferece contrapartida quando se trata de limitar suas exportações de armas para a Tríplice Fronteira.

Não se poderia esperar outra coisa de uma visita cuja agenda foi moldada, em grande parte, pelo assessor de segurança nacional de Trump. John Bolton, que também é integrante atuante da Associação Nacional do Rifle, mais poderoso lobby de armas dos Estados Unidos, foi recebido num café da manhã preparado pelo próprio Bolsonaro quando ele ainda era vizinho de Ronnie Lessa. A presença de um suposto matador de aluguel e contrabandista de armas na vizinhança sem muros do condomínio passou despercebida não apenas da segurança do presidente da República como naquela do poderoso assessor de Trump.

Se as gigantescas resistências da indústria de armas americana sempre podem ser alegadas para as dificuldades de se arrancar uma moratória nas exportações americanas para a região, o mesmo não se pode dizer da liberalização da posse de armas no país. Depois de editar decreto que facilitou a posse de armas nos primeiros dias de seu governo, o presidente agora se dedica a um projeto de lei para ampliar o porte.

Ao justificá-lo, falou de seu costume de só conseguir dormir com uma arma na cabeceira mesmo depois que se mudou para a casa mais vigiada do Brasil. É mais ou menos a mesma lógica que guiou o comportamento de seu filho na posse. A despeito das dezenas de milhares de policiais e militares mobilizados para a defesa do pai, Carlos Bolsonaro postou-se armado às suas costas no trajeto que o levou ao Palácio do Planalto.

É leviana a vinculação da família do presidente ao atentado contra a vereadora, mas a ideia de que o Estado não é capaz de prover segurança e os cidadãos precisam fazer justiça com as próprias mãos está na raiz histórica de jagunços e milicianos.

É precipitado também afirmar que as mortes em Suzano decorreram do decreto de Bolsonaro. O massacre de Realengo, no Rio, em 2011, quando um ex-aluno entrou numa escola e matou 12 estudantes, deu-se na vigência do estatuto original do desarmamento. É, no mínimo, irracional, no entanto, que, ante uma tragédia do gênero, o presidente fale em um projeto de lei para facilitar o porte de armas, o vice-presidente atribua o crime ao vício dos jovens em videogames e o senador do PSL, Major Olímpio (SP), diga que o crime poderia ter sido evitado se os professores e serventes pudessem portar armas.

A maior parte das mortes nas escolas deu-se por armas de calibre 38, mas foi a presença de um inusitado arco e flecha em Suzano que deu forma à tragédia que se abateu sobre o Brasil. Ao instrumento, o dicionário também dá o nome de 'besta'.


José Serra: Armas e investimentos

Redução da insegurança pública implica ampliar o sistema carcerário e endurecer as leis penais

O Decreto 9.685, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, facilitou a posse de armas no País, tornando mais simples o processo para ter um equipamento desses em casa ou em estabelecimento comercial. Como já escrevi em artigo neste espaço, a medida pode representar, não obstante suas intenções, uma espécie de tiro no pé. Ao invés de aumentar a segurança das pessoas, poderá inadvertidamente promover mais violência e mais mortes. Aliás, como reconheceram setores do próprio governo, ela não visa tanto a melhorar a segurança pública, mas a cumprir uma promessa de campanha.

Teria sido uma boa oportunidade para o presidente Bolsonaro se inspirar em Juscelino Kubitschek num dos seus melhores momentos: “Costumo voltar atrás, sim; não tenho compromisso com o erro”. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Mesmo diante de evidências que recomendavam o contrário, o chefe do Executivo assinou o decreto facilitando a posse de armas. A meu ver, isso poderá aumentar a criminalidade, em vez de reduzi-la, ao contrário do que deseja o presidente. Para reduzir a violência no País precisamos de polícias mais bem equipadas e, sobretudo, de uma atuação concertada entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nos três níveis da Federação.

Com o novo decreto, bastará ter residência em área rural ou urbana localizada em Estado com índice superior a 10 homicídios por 100 mil habitantes durante o ano de 2016 para se comprovar a efetiva necessidade de possuir quatro armas de fogo em casa. Como não há unidade da Federação com índice de criminalidade inferior a dez, pode-se dizer que um comprovante de residência – conta de luz ou água – passou a ser o critério para dispor de um pequeno arsenal em casa.

Vale lembrar que o novo decreto manteve critérios previstos em normas anteriores para o pleno direito de posse de arma. Além de ter uma residência – própria ou alugada –, a pessoa deve ser aprovada em teste de habilidade e de psicologia, ter no mínimo 25 anos e uma ficha limpa de processos criminais.

O governo defende a medida projetando uma desejada (por todos) redução da criminalidade no País. Argumenta que, estando armadas, as pessoas podem se defender de assaltos e outras formas de violência sacando a arma em legítima defesa. Tudo se parece com os filmes de ação, em que o mocinho vence o bandido com rapidez, habilidade e autocontrole.

Deixando de lado as telas do cinema e encarando a vida real, tomemos alguns números do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2018. Em 2017 foram mortos 371 policiais no Brasil – 290 no horário de folga. Se um policial com porte de arma não consegue reagir de forma efetiva a um ataque, o que acontecerá com um cidadão não treinado para enfrentar um assalto? Infelizmente, o efeito surpresa está do lado dos bandidos, não do cidadão de bem.

A partir de agora, mais armas estarão nas mãos de criminosos. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, mais da metade das armas roubadas no Estado são levadas de casas e comércios. Haverá, assim, aumento do mercado ilegal, em que as roubadas serão vendidas a outros criminosos. Sem contar que transgressores em início de carreira, ainda não processados, serão usados pelo crime organizado para adquirir novo armamento.

Os esforços para reduzir a insegurança pública deveriam centrar-se na ampliação do número de vagas do sistema carcerário brasileiro, juntamente com o endurecimento da legislação penal. O aumento do encarceramento é a forma mais direta – embora insuficiente – de neutralizar o risco de crimes. Ninguém assalta diretamente da cadeia.

Em 2014 a população prisional era de 622 mil pessoas, para 372 mil vagas disponíveis, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Isso representa uma taxa de ocupação de 167%! O País apresentou um crescimento da taxa de encarceramento de 126% desde 2001. E o aprisionamento no Brasil tende a se manter nos próximos anos.

Não nos podemos iludir com as famosas soluções fáceis e erradas, contra as quais alertava Henry Mencken. A facilitação do porte de armas é dessas medidas que seduzem o leigo e deixam apavorados os conhecedores da matéria. Não por menos, são frequentes as manifestações de preocupação de policiais, civis e militares, com a expansão do número de armas em circulação.

A discussão mais difícil e realista é sobre como endurecer as leis penais, aplicá-las sem condescendência, desbaratar o crime organizado e construir, ampliar e reformar os presídios. Segundo recente estudo do Tribunal de Contas da União, o custo para acabar com a superlotação dos presídios nos próximos 18 anos é de R$ 19,8 bilhões, para construção de mais penitenciárias. Além disso, serão necessários R$ 95,8 bilhões para manter o sistema durante o mesmo período, incluindo a aquisição de equipamentos de segurança, como bloqueadores de celulares.

É forçoso admitir que a crise fiscal compromete os investimentos no sistema carcerário. Hoje as unidades prisionais estaduais apresentam graves deficiências decorrentes da falta de recursos. Com isso as transferências financeiras do governo federal se tornam essenciais para a expansão do sistema prisional. Os Estados, de modo geral, não têm no momento capacidade para financiar a ampliação de vagas e a compra de equipamentos de segurança nos presídios.

Ampliar a abrangência da posse de armas, em vez de reduzir os índices de criminalidade, causará um aumento da violência. Precisamo-nos concentrar em ações que verdadeiramente enfrentem os problemas da segurança pública, como, por exemplo, o elevadíssimo déficit de vagas nos presídios brasileiros. Para isso não precisamos de mais armas à disposição da sociedade, mas de mais investimentos no sistema prisional brasileiro.

*José Serra é senador (PSDB-SP)


Denis Lerrer Rosenfield: Armas e direitos

A ideia de que povo armado piora o índice de homicídios é falácia desarmamentista

Quem é contra o direito à legítima defesa? Não, certamente, a imensa maioria dos brasileiros que votaram no hoje presidente Jair Bolsonaro. Tiveram consciência da necessidade de resgate de um direito republicano que fora usurpado por sucessivos governos, com base em posições de esquerda e no politicamente correto. Saliente-se, aliás, que boa parte dos que são contra esse direito vive em condomínios com forte segurança e circula em carros blindados. É a elite, embora seu discurso seja supostamente antielitista!

O novo governo, em seu decreto, foi extremamente sensato, regrando objetivamente a posse de armas, deixando pouca margem para interpretações subjetivas ou politicamente corretas. Disciplinou a posse em domicílios e estabelecimentos comerciais de tal modo que cada pessoa possa ter quatro armas. Aliás, nem muito é, pois se uma família possuir duas ou três casas e igual número de negócios, sua cota já estará preenchida. Trata-se, diria, de um direito primeiro, o de a pessoa poder, em seus lugares próprios, usufruir sua vida, defendendo seu corpo, sua família e seu patrimônio.

Sem isso o cidadão fica claramente desprotegido, à mercê de qualquer ameaça. Quem se beneficia dessa situação são os bandidos, os criminosos, que podem invadir qualquer domicílio e estabelecimento sem medo algum. Meliantes têm “direito” à violência e à apropriação de corpos e bens alheios!

O Estatuto do Desarmamento cometeu a proeza de desarmar as pessoas de bem, deixando os criminosos à vontade, esses se armam a seu bel-prazer. Isso quando não são auxiliados por esses representantes do politicamente correto, que correm em seu apoio toda vez que são mortos, feridos ou presos. Quando um policial morre, silêncio absoluto; quando um criminoso sofre o mesmo destino, surge imediatamente uma imensa barulheira, como se seus supostos direitos não tivessem sido observados. É um mundo invertido!

Os politicamente corretos adoram estatísticas, sobretudo para triturá-las e enganar os incautos. O fracasso do Estatuto do Desarmamento é patente. Temos 15 anos de sua vigência e a taxa de homicídios ultrapassa 60 mil por ano. Mais do que o número de soldados americanos mortos no Vietnã! Falar que a nova política governamental vai piorar a situação soa risível!

A ideia de que povo armado piora o índice de homicídios é outra falácia desarmamentista. Segundo dados do site GunPolicy.Org, estima-se que existam entre 2 milhões e 3 milhões de armas de fogo em mãos civis na Suíça, cuja população é de pouco mais de 8 milhões de pessoas. Proporcionalmente, esse país é um dos cinco mais armados do mundo. Pois bem, em 2015 a Suíça registrou apenas 18 homicídios por arma de fogo.

No caso do Paraguai, país vizinho, os números são igualmente importantes. O país tem quase 7 milhões de pessoas e mais de 1 milhão de armas de fogo em mãos civis. Em 2014 o Paraguai registrou 318 mortes por armas de fogo. Proporcionalmente, há mais armas de fogo em mãos civis no Paraguai do que no Brasil, porém há muito mais mortes por armas de fogo no Brasil do que no Paraguai. A taxa de mortes por armas de fogo no Brasil foi de 21,2 por 100 mil em 2014; no Paraguai, 4,7 por 100 mil também em 2014. Interessante, não?

Os desarmamentistas costumam argumentar que após o Estatuto do Desarmamento houve significativa queda na taxa de crescimento de homicídios por armas de fogo. Ou seja, ainda que as taxas tenham mantido a tendência de crescimento, teria havido expressiva desaceleração, o que não deixaria de ser, em todo caso, paradoxal!

Acontece que essa desaceleração só é percebida quando se observam os dados nacionais, em que o Estado de São Paulo, onde as mortes por armas de fogo desabaram no período, ajuda a derrubar o índice nacional. E desabaram por uma política de Estado, centrada principalmente na inteligência e na repressão ao crime. Agiram contra os criminosos, e não contra as pessoas de bem!

Há, porém, muitos Estados onde os homicídios por armas de fogo aumentaram vertiginosamente em plena vigência do estatuto e desse Zeitgeist desarmanentista. Vejamos: de acordo com o Mapa da Violência, em 2004 a Bahia tinha 11,7 homicídios por 100 mil habitantes. Em 2008 o índice subiu para 26,4. Em 2010 alcançou 32,4. O Estatuto do Desarmamento é de dezembro de 2013, promulgado pelo ex-presidente Lula, hoje condenado e na cadeia.

Estados como Rio Grande do Norte e Maranhão registraram aumento de homicídios por armas de fogo de, pela ordem, 379,8% e 300% no período de 2004-2014. Também houve crescimento expressivo no Pará, 96,9%; em Goiás, 70,6%; e no Rio Grande do Sul, 38,6%.

Logo, a diminuição no estoque de armas não causou a diminuição dos homicídios. Tampouco o lema “mais armas, mais mortes”, frequentemente enunciado pelos defensores do desarmamento, é verdadeiro. O Brasil possui muito menos armas em mãos de civis na comparação com os EUA, mas quase seis vezes mais homicídios por armas de fogo. Diz-se que nos EUA existem mais de 350 milhões de armas. Fosse o lema verdadeiro, os EUA seriam o pior lugar para viver no planeta!

Por último, há uma questão moral em jogo. Instrumento não mata! Quem mata é quem o manuseia. Há mais mortes por automóveis do que por armas de fogo! Vamos bani-los? O que se faz? Estabelecem-se regras para a direção de veículos, da mesma maneira que se passa a fazer, agora, com a flexibilização do Estatuto do Desarmamento! Facas tornaram-se, nestes últimos anos, um instrumento usado para assassinatos. Alguém pensa em suprimi-las? Imagine-se cozinhar sem facas!

Pessoas que fazem mau uso de suas armas, assim como de seus veículos ou de suas facas, devem ser responsabilizadas por suas ações. É o processo de escolha em ato. Cada um deve assumir o que faz. Não cabe ao Estado tutelar o comportamento individual!

*Professor de filosofia na UFRGS.


El País: Decreto sobre posse de armas de Bolsonaro é “inconstitucional”, diz órgão do MPF

Procuradoria considera decreto de Bolsonaro "compromete a Segurança Pública" e pede ação de Raquel Dodge

Por Gil Alessi, do El País

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enviou nesta sexta-feira uma representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alegando que as mudanças na concessão da posse de armas aprovadas pelo presidente Jair Bolsonaro são “inconstitucionais”. No texto, a entidade, que é ligada ao Ministério Público Federal, afirma que o decreto assinado pelo capitão na terça-feira “amplia de modo ilegal e inconstitucional as hipóteses de registro, posse e comercialização de armas de fogo, além de comprometer a política de segurança pública”. Agora cabe a Dodge analisar se leva a questão ao Supremo Tribunal Federal, para que a Corte delibere sobre o assunto.

O decreto de Bolsonaro foi seu principal aceno ao eleitorado e à bancada da bala do Congresso desde que tomou posse este ano. A ampliação da posse (possibilidade de ter armas em casa) e porte (andar armado) foram bandeiras de campanha do militar.

No texto encaminhado para Dodge os procuradores afirmam que o decreto representa uma “usurpação da função legislativa pelo poder Executivo, o que afronta o princípio da separação de poderes”. Além disso, o decreto de Bolsonaro “enfraquece as atribuições da Polícia Federal quanto ao exame dos fundamentos de necessidade de porte de arma na declaração”.

Um dos principais pontos contestados pela Procuradoria foi a ampliação do escopo do que viria a ser efetiva necessidade — uma justificativa necessária para que a Polícia Federal autorize a posse. O texto do decreto considera que “residentes em área rural”, “residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência”, ou seja, localizadas em Estados com índices de homicídio que superam dez por 100.000 habitantes e “titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais” se enquadram na descrição de efetiva necessidade. Na representação os procuradores alegam que com esta mudança, "fica presumido que todos os residentes podem solicitar a posse".

"A iniciativa de ampliar a posse de armas de fogo reforça práticas que jamais produziram bons resultados no Brasil ou em outros países. Sua adoção sem discussão pública, ademais, atropela o processo em andamento de implantação do Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, fruto de longa discussão democrática e caminho para uma redefinição construtiva do modo de produzir segurança pública no País", ressaltam os procuradores Deborah Duprat e Marlon Alberto Weichert. De acordo com eles, "as próprias autoridades de segurança pública rotineiramente orientam que a posse de uma arma de fogo aumenta o risco de vitimização letal do cidadão que sofre uma abordagem criminosa".

O pedido enviado a Dodge finaliza citando números da violência no Brasil: "Espera-se do Estado brasileiro, em todos nos níveis federativos, um efetivo, articulado e profissional esforço para enfrentar a inaceitável situação de uma violência endêmica que ceifa, anualmente, mais de 60.000 vidas no País. Para problemas difíceis não há soluções fáceis".

Esta não é a primeira movimentação contra o decreto de Bolsonaro. Na quinta-feira o núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo acionou o MPF para que ele se mobilize no sentido de anular o texto do capitão. Eles alegam que alterações deste porte no Estatuto do Desarmamento só poderiam ser feitas via Congresso. Além da defensoria, PT e PSOL também afirmaram que devem acionar o Supremo para tentar derrubar o decreto.


Ricardo Noblat: É fraude!

Bolsonaro está longe de honrar sua palavra

Doravante, o presidente Jair Bolsonaro dirá que cumpriu sua mais polêmica promessa de campanha – a de liberar a posse de armas para os brasileiros, o que poderá tornar sua vida mais segura.

Mas isso não passa de uma fraude. Só uma minoria tem condições econômicas para comprar e habilitar-se a ter uma arma que custa, no mínimo, algo como R$ 4 mil, fora outras despesas.

E o entendimento universal, com base em pesquisas e estudos conhecidos, ensina que a posse de armas por si só não torna a vida mais segura. É justamente o contrário.

A minoria capaz de arcar com os custos de uma arma, e do treinamento para usá-la, não carecia de um decreto presidencial para poder comprá-la. A maioria carente de segurança continuará carente.

Ao entrar em vigor em 2004, o Estatuto do Desarmamento estancou o ritmo de crescimento de homicídios no Brasil – de 8,1% ao ano entre 1980 e 2003, para 2,2% de 2004 a 2014.

Nos anos 2000, nos três Estados onde foi maior a diminuição dos homicídios (SP, RJ e PE), foi também maior a redução na difusão de armas de fogo. O contrário aconteceu onde a difusão foi maior.

Se não reverteu a tendência de crescimento da taxa de homicídios que em 2016 ultrapassou o patamar de 62 mil, o Estatuto reduziu o ritmo de alta. Sem ele, o número de mortes teria sido ainda mais expressivo.

Quanto maior for o número de armas em poder das pessoas, maior será o número delas em poder dos bandidos. Foi o que constatou a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Tráfico de Armas.

Àquela altura, 86% das armas apreendidas nas mãos de bandidos haviam sido adquiridas respeitando-se todas as exigências da lei, e depois simplesmente desviadas para uso criminoso.

A inviolabilidade do direito à vida e à segurança é direito dos brasileiros consagrado na Constituição. Bolsonaro segue devendo sua contribuição para que tal direito seja assegurado.

Bolsonaro, o senhor de Sérgio Moro

A primeira derrota do ex-juiz

O ex-juiz Sérgio Moro passou no primeiro teste desde que trocou a toga pela condição que ele diz ser temporária de ocupante de um cargo político e de servidor de um governo – no caso, titular do Ministério da Justiça do presidente Jair Bolsonaro.

Se dependesse de suas sugestões, o decreto que afrouxou as regras para a posse de armas no país assinado, ontem, pelo presidente, não teria sido tão permissivo quanto foi, mas fazer o quê? Com a toga, Moro era senhor de sua vontade. Sem ela, Moro agora tem um chefe.

Numa prova que já se acostumou com a ideia, que contraria a esperança alimentada por muitos de que ele seria capaz de frear os instintos mais primitivos de Bolsonaro, Moro engoliu a seco o desprezo do presidente por recomendações que lhe fizera.

Uma delas: a de que se limitasse apenas a duas as armas de fogo a serem compradas por quem as quisesse. Poderão ser quatro. Outra recomendação: que não fosse automática a renovação do registro para quem já dispõe de armas registradas. Será automática.

Moro também foi obrigado a ouvir calado como se concordasse com elas afirmações do tipo que se cumpria a vontade dos brasileiros por mais armas – a maioria de fato é contra. Ou de que mais armas nas mãos das pessoas tornam a vida mais segura – é o contrário.

Timidamente, informou que no seu ministério não há nenhum estudo em curso para que se possa também liberar o porte de armas fora de casa ou no ambiente de trabalho – mas há um projeto nesse sentido que foi aprovado na Câmara e que deverá ser votado no Senado.


Vera Magalhães: Armas e a realidade

As reações não unânimes entre os apoiadores da flexibilização da política concernente a armas ao decreto que flexibiliza a posse mostram que a questão vai muito além da simples efetivação de uma proposta de campanha. É complexa e envolve muitos meandros políticos e jurídicos.

A solução adotada pelo governo encontrou restrições de parte da bancada da bala e de ativistas pró-armas, entre eles o mais conhecido no meio, Benê Barbosa, do MVB. Para esse grupo, o decreto foi “tímido” e ficou “aquém” do prometido ao longo da trajetória de parlamentar e candidato de Jair Bolsonaro.

Ao deixar para o Congresso a alteração do Estatuto do Desarmamento no que concerne ao porte de armas – quando setores do governo chegavam a falar, logo após a posse, que também isso seria definido por decreto –, Bolsonaro ouviu as ponderações do titular da Justiça, Sérgio Moro, que deixou claro que não era juridicamente possível adotar esse caminho. Ou, nas palavras do titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, à coluna ontem, não havia “brecha” para mexer no porte por decreto.

O texto do decreto, no entanto, contrariou alguma dose de cautela que a versão inicial sugerida pela Justiça continha. O caso mais explícito é a quantidade de armas facultada a cada “cidadão de bem”, como classifica Bolsonaro. Pela minuta da equipe de Moro, seriam no máximo duas. O decreto fala em quatro, mas pode estender esse limite indefinidamente a partir de critérios para lá de subjetivos.

As questões deixadas de fora do decreto serão encaminhadas por diferentes instrumentos, esclarece Onyx. Segundo ele, o porte rural será resolvido pelo projeto do deputado Afonso Hamm (PP-RS), que foi aprovado pela Câmara e está no Senado. O ministro afirmou que será pedida urgência na votação do projeto.

Já a abertura do mercado de armas de fogo para empresas não nacionais deve ser feita por meio de uma medida provisória.

O mesmo instrumento deverá ser usado para propor o recadastramento de armas de quem não renovou o registro – Onyx evita chamar de anistia.

Por fim, o porte urbano de armas ainda está em estudo no governo. A avaliação do Planalto é de que o texto do projeto do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), que revoga o Estatuto do Desarmamento, é “amplo demais”. A ideia é apresentar outro, a partir da estaca zero, ou abraçar um projeto menos abrangente.

PREVIDÊNCIA
Bolsonaro vai levar ‘lição’ para estudar em Davos

Jair Bolsonaro receberá no domingo de Paulo Guedes, antes de embarcar para Davos, na Suíça, onde participará do Fórum Econômico Mundial, uma apresentação detalhada da proposta de reforma da Previdência. A ida, a volta e parte da viagem, na qual o presidente estará acompanhado do ministro da Economia, serão usadas para discutir os cenários, detalhar a proposta e convencer Bolsonaro da melhor forma de encaminhá-la.

A notícia de que a reforma ficaria só para depois da viagem tinha sido uma ducha de água fria no mercado, que começa a ficar cético com os sucessivos adiamentos da discussão e o crescimento, no seio do próprio governo, de lobbies para excetuar carreiras de servidores, como os militares, da proposta. Com a “lição de casa” no primeiro compromisso internacional, a ideia é que Bolsonaro volte da Suíça com a diretriz clara do escopo da reforma, seu cronograma de tramitação no Congresso e a forma de resistir à pressão corporativa.


Bruno Boghossian: Bolsonaro paga dívida com decreto das armas, mas ignora crise da segurança

Plataforma pró-armas despreza risco de milícias, traficantes e colapso em presídios

Nos breves cinco minutos que usou para apresentar o decreto que facilita a posse de armas, Jair Bolsonaro achou desnecessário falar de segurança pública.

Para o presidente, o “cidadão de bem” que tiver quatro pistolas pode “ter sua paz dentro de casa”. Nada foi dito sobre milícias que extorquem e matam, traficantes que dominam favelas e bandidos que comandam o crime de dentro dos presídios.

Bolsonaro acelerou a edição do decreto para cumprir uma promessa de campanha. Pagou uma dívida com seu eleitorado fiel e animou sua base política na largada do mandato.

Ainda que a permissão se justifique em alguns casos, como nas zonas rurais, a medida é basicamente ineficaz para a redução da violência e dos índices de criminalidade.

Coube a Sergio Moro o constrangimento de levar o país ao mundo real. Em nota divulgada mais tarde, o ministro lembrou que sua pasta elabora projetos para combater o crime e afirmou que a flexibilização da posse de armas não provocará “necessariamente” um aumento do número de homicídios. Alguns estudos apontam que, sim, isso costuma ocorrer.

Uma mudança visível na segurança leva tempo e depende do Congresso, mas Bolsonaro abre mão de elencar prioridades e de mostrar empenho em implantar políticas que vão além de curativos superficiais.

O governo ainda fez uma trapaça técnica para permitir a liberação daposse de armas em todo o país. A taxa de homicídios que serve de critério para a permissão abrange todos os estados. A autorização será mantida mesmo que esses índices caiam.

Bolsonaro não apenas ignorou propostas de valorização das polícias, investimentos em inteligência e compra de equipamentos. Ele também dobra a aposta ao sinalizar que o governo vai trabalhar pela liberação do porte de armas nas ruas.

A solução armamentista alimentada por clubes de tiro tem a densidade de uma piscina inflável. O governo molha os pezinhos, mas corre o risco de se afogar depois no mar revolto da crise da segurança.


Míriam Leitão: Falta uma política contra o crime

Facilitar a posse de arma não forma uma política de segurança, pode dar a ilusão de cumprimento de promessa eleitoral, mas ainda faltam medidas efetivas

O polegar e o indicador esticados em forma de arma. Esse foi o símbolo da campanha do presidente Jair Bolsonaro. A decisão de ontem é compatível com o que ele disse em palavras e gestos durante a campanha. Só não é uma política para combater a violência que tira mais de 60 mil vidas no país. Há uma dissonância entre o voto majoritário que o levou à Presidência e a pesquisa de opinião em que a maioria não apoia a posse de arma.

É fácil entender essa diferença. O presidente foi eleito porque atraiu o eleitorado com uma série de promessas e significados. Ele conseguiu encarnar o antipetismo mais do que qualquer outro. Definiu-se pelo não ser. Mas ainda há muito que ele precisa dizer e decidir para que se saiba o que será o seu governo.

O presidente optou, orientado pelos seus ministros, a baixar um decreto para a flexibilização da posse de armas, contornando o Congresso, e assim usar a caneta para entregar o que prometeu.

A liberação de posse para “pessoas de bem”, como disse o presidente, embute imensos riscos. Um deles é o de armar o crime. O presidente sabe por experiência própria que os bandidos conseguem com facilidade desarmar a pessoa assaltada, mesmo as que têm treinamento. As estatísticas mostram que o que aconteceu em 1995 com o então deputado Bolsonaro não foi caso isolado. Há inúmeros assaltos nas ruas e em casa em que as armas legais são levadas pelo assaltante e passam a integrar o arsenal do crime. Outro risco é o de aumento da violência contra a mulher, que tem apresentado números epidêmicos. A maioria dos crimes ocorre dentro de quatro paredes.

O país vive uma sangrenta luta pela posse da terra, em que grileiros se apoderam, pela força das armas, de terras indígenas e invadem terra pública usando capangas. Sempre foi assim, mas agora pode aumentar. Existe infelizmente uma conexão entre alguns produtores de áreas de fronteira agrícola com o crime de grilagem. Os elos dessa cadeia vão lavando o crime. Mas à base de muita violência. Hoje qualquer pessoa que se disser proprietário rural, mesmo que sua terra tenha origem ilegal, pode comprar mais de quatro armas. E o recadastramento se dá 10 anos depois. Isso tudo no meio dos vários sinais de enfraquecimento da agenda de proteção dos índios, ou do meio ambiente. Nos crimes urbanos, não há qualquer evidência de que o aumento de posse de armas irá reduzir a taxa absurda de homicídio no Brasil.

Falta ao governo Bolsonaro uma política de segurança, um projeto para enfrentar as várias complexidades do crime no Brasil. Facilitar a posse de arma ou impedir a punição dos policiais que matam em serviço não formam uma política de segurança e é isso que está fazendo falta desde o princípio. Se uma das promessas de Bolsonaro ao eleitorado foi a de que ele enfrentaria e derrotaria o crime, com que medidas ele pretende fazer isso? Como em outras áreas, não há nessa um conjunto de propostas, uma lista de prioridades com as quais seu governo informe como mudará a conjuntura brasileira. E o pressuposto de qualquer cidadão, de qualquer pagador de impostos, é de que o Estado o proteja e não de que ele tenha que se defender sozinho, armando-se.

Até agora tudo o que se viu foi a grande especulação em torno das ações da Taurus. Durante todo o ano passado, as ações da empresa oscilaram na casa de R$ 2. De setembro para frente, com a perspectiva de vitória de Bolsonaro, elas dispararam. No dia 20 daquele mês, já haviam dobrado para R$ 5,30 e continuaram a escalada até o pico de R$ 12,00 em 19 de outubro. Em apenas dois meses, a valorização chegou a 440%. Nos dias seguintes à vitória do candidato do PSL, as ações já passaram por uma correção, caindo para R$ 4,79. Subiram a R$ 8,40 no início deste mês e ontem fecharam em queda de 22%, a R$ 6,45.

Enquanto o mercado faz a festa com o compra e vende de ações da fabricante de armas, o presidente pode dizer que cumpriu o que prometeu, mas o país permanece vivendo uma onda crescente da violência. O principal defeito do decreto é que ele passa a impressão de que Bolsonaro cumpriu o que prometeu. Mas o que estava embutido no gesto da arma na mão era a ilusão de que haveria uma resposta eficiente para o grave problema da violência no Brasil. Ainda não há.


O Globo: Toffoli diz que Constituição não impede mudança nas regras para a posse de armas

Para presidente do Supremo, decreto do governo Bolsonaro que pretende flexibilizar acesso a armamento e restrições à progressão de pena não atingem cláusulas pétreas

Por Carolina Brígido, de O Globo

BRASÍLIA — A intenção do governo Bolsonaro de mudar as regras sobre posse de armas e endurecer o sistema de progressão de pena a condenados pode não encontrar resistência no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, acredita que toda política pública pode ser alvo de mudança, desde que não ofenda cláusula pétrea da Constituição — ou seja, aquelas regras que não podem ser alteradas.

Para Toffoli, é juridicamente possível deixar o preso atrás das grades por mais tempo, como defende o governo Bolsonaro. Hoje, para um condenado trocar o regime fechado pelo semiaberto, por exemplo, precisa cumprir no mínimo um sexto da pena. O Planalto quer aumentar o tempo para essa transição.

Toffoli também explicou que políticas que facilitem o acesso da população a armas podem, em tese, ser alteradas por novas legislações. O governo Bolsonaro planeja editar um decreto sobre o tema, e o texto está sendo analisado na Casa Civil. Toffoli ponderou, no entanto, que não pode haver mudança em cláusulas pétreas e citou como exemplo a pena de morte, que é vedada pela Constituição.

— Qualquer política pública pode ser formatada, desde que não ofenda cláusula pétrea. Por exemplo: alterar regime de progressão de pena é possível, a Constituição não impede. Alterar a política de armamento da população, a Constituição também não impede. Estabelecer pena de morte: aí a Constituição impede, é cláusula pétrea — disse o ministro ao GLOBO.

Como já disse em outras ocasiões, Toffoli quer deixar o protagonismo para os novos Executivo e Legislativo, eleitos pela população. Ficariam na conta do STF só decisões essenciais para garantir a democracia e a liberdade de expressão. Ainda assim, alguns temas serão inevitáveis, como a reforma da Previdência. Se aprovada no Congresso Nacional, certamente será questionada no STF. A recomendação de Toffoli é que seja negociada uma reforma para reduzir regras, e não ampliar, como uma forma de gerar menos contestação judicial.

— Todas as reformas vieram para o STF. Isso é o resultado de uma Constituição muito ampla. Talvez o caso seja de reformas que diminuam o tamanho da Constituição, e não que aumentem. Porque, quanto mais aumenta, mais você dá margem para contestação jurídica, para conflito jurídico. Esse é um dos problemas das nossas reformas: elas geralmente tendem a aumentar o número de dispositivos da Constituição — ponderou.

Toffoli também defendeu a liberdade de imprensa e disse que o STF sabe conviver com as críticas.

— Se você tem uma imprensa manietada, censurada, ou se você tem um Judiciário que não é independente, você vai ter o autoritarismo de alguma forma. E quem garante a imprensa livre no Brasil é o Supremo. Mesmo que muitas vezes o Supremo seja criticado pela imprensa tradicional, ou ministros sejam criticados, é unânime aqui a defesa da liberdade de imprensa e de uma imprensa livre — declarou Toffoli.

CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA NA PAUTA

Ao falar sobre ataques sofridos pelo tribunal nas redes sociais, especialmente no fim do ano, quando foi aprovado um reajuste salarial para juízes da ordem de 16,38%, ou ainda antes, a partir de decisões que levaram à soltura do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do empresário de ônibus do Rio Jacob Barata, Toffoli diz que as críticas à Corte são do jogo democrático. Mas ele alerta para o fato de que elas não podem resvalar para práticas criminosas:

— É a covardia do anonimato das redes sociais. Tem mentiras, fake news. Temos que nos acostumar: numa sociedade democrática, a crítica também faz parte. A pessoa tem todo o direito de não gostar desta ou daquela pessoa. Isso faz parte da democracia. O que não pode ter é ato violento e ato desrespeitoso, do ponto de vista calunioso.

O presidente do Supremo afirmou ainda compreender quem fica descontente com decisões judiciais, mas não se deve chegar ao ponto de pedir o fechamento de um tribunal por conta da discordância com a decisão proferida.

— Tem que deixar claro que os juízes não acordam de manhã e dizem: “Vou julgar isso aqui”. Vem alguém pedir ao Judiciário. Então fechar o Judiciário é fechar o acesso do exercício da cidadania, é fechar a democracia. Isso nenhum governo autoritário no Brasil fez, em nenhum momento da História — sustenta.

Apesar de ter julgamento sobre as prisões de segunda instância marcado para abril, o STF deve ter o papel penal reduzido este ano. Com a transferência de processos da Lava-Jato para a primeira instância, por causa da mudança na regra do foro especial, o tribunal tende a se ocupar mais de temas constitucionais.

Para o primeiro semestre de 2019, estão previstos julgamentos importantes para a sociedade, como a obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos de alto custo para quem não tem condições financeiras e também o processo que trata da criminalização da homofobia. Além de lidar diretamente com os direitos das pessoas, as causas têm em comum o fato de que o Congresso Nacional não legislou sobre os assuntos, por falta de consenso político.


O Globo: Decreto sobre posse de armas deve afetar 169 milhões de brasileiros

Cruzamento de dados feito pelo GLOBO mostra que 3.179 cidades têm taxa de homicídios superior à linha de corte em estudo pelo governo Bolsonaro

Dados do IBGE e do Ministério da Saúde cruzados pelo GLOBO mostram que pelo menos 169,6 milhões de pessoas — quatro em cada cinco brasileiros — podem ser diretamente afetadas caso seja confirmada no texto a possibilidade de acesso mais fácil a armas por moradores de cidades com taxas de homicídios superiores a dez mortes para cada 100 mil habitantes. Ao todo, 3.179 dos 5.570 municípios estão acima desta linha de corte.

 

Segundo o texto do decreto, ainda em análise, os interessados podem ter até duas armas em casa. A efetiva necessidade de possuir um armamento passa a incluir automaticamente residentes em áreas rurais, proprietários ou responsáveis legais por estabelecimentos comerciais, além de servidores públicos que tenham funções com poder de polícia.

No caso de residências onde vivem crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental, o texto preliminar prevê a obrigação de que o proprietário da arma tenha um cofre para guardá-la. O decreto manterá outras exigências para a obtenção da posse, como a idade mínima de 25 anos e a comprovação de capacidade técnica e psicológica para manusear o armamento.

Em 13 estados, mais de 90% da população vive nas cidades afetadas diretamente pela nova legislação. Nesse grupo estão o Rio de Janeiro, que sofreu uma intervenção federal na segurança pública em 2018, além de Bahia, Pernambuco e Ceará — que passa por uma onda de ataques articulados por facções criminosas nos últimos dias.

A norma também vai facilitar o acesso a armas de fogo em 39 das 41 maiores cidades brasileiras — ficam de fora apenas Santo André e São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Somente nessas metrópoles vivem mais de 60 milhões de pessoas.

Nas menores cidades, menos da metade da população das cidades com menos de 10 mil moradores se enquadra neste critério. Porém, o decreto abre a possibilidade para a obtenção da posse de armas também nessas localidades, já que acaba com a comprovação de efetiva necessidade para todos os residentes em zonas rurais.

Após uma reunião com Bolsonaro na manhã de quinta-feira, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse apoiar a flexibilização do porte de armas no país.

— Sou favorável. Parece que sai amanhã (sexta-feira) — afirmou o governador.

Brecha pode facilitar posse em todo o Brasil

Há uma brecha maior no decreto para que ainda mais pessoas tenham o acesso a armas facilitado. Caso o critério utilizado pelo governo federal seja o das taxas de homicídios dos estados ao invés dos municípios, todo o país seria incluído, de acordo com dados compilados no Anuário da Violência 2018.

Em 2017, a taxa de homicídios no Brasil foi de 30,8 mortos a cada 100 mil habitantes. Até mesmo São Paulo — estado com 10,7 mortes a cada 100 mil habitantes, a menor do país — se enquadra no parâmetro do decreto.

Para Melina Risso, diretora de Programas do Instituto Igarapé, a nova regulamentação de posse de armas terá consequências negativas para a segurança porque vai “na contramão” do que mostram os estudos sobre o tema:

— A primeira questão é o que decreto vai contra o que as evidências científicas mostram. Quanto mais armas em circulação, mais crimes.

Melina ainda destaca a falta de informações sobre o número de pedidos de posse de armas aceitos e negados nos últimos anos:

—Nós não sabemos quantos pedidos foram negados e nem os motivos para isso.

Em 2018, a Polícia Federal concedeu, entre pedidos novos e revalidações, 258.427 registros de posse de arma para a população civil no Brasil — 48.330 foram novos registros e 210.097 foram revalidações.

Bene Barbosa, presidente da ONG Movimento Viva Brasil avalia que o decreto não resolve todos os problemas do Estatuto do Desarmamento, mas é positivo:

— Já é um avanço, porque mostra uma intenção de mudar. Pelo menos é um critério objetivo, porque até agora tínhamos critérios subjetivos para a posse.


O Globo: Bolsonaro planeja decreto para ampliar posse de arma no Brasil

Pelo Twitter, ele disse que direito de ter arma em casa seria garantido a cidadãos sem antecedentes criminais

RIO — O presidente eleito, Jair Bolsonaro , planeja editar um decreto para facilitar a posse de armas no país. No Twitter, Bolsonaro disse que pretende garantir a posse de armas a quem não possui antecedentes criminais. A equipe de transição já está preparando o decreto, que está praticamente pronto e poderá ser editado a qualquer momento, a depender da decisão de Bolsonaro, segundo um dos responsáveis pela elaboração do texto.

"Por decreto pretendemos garantir a POSSE de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registo definitivo", escreveu o presidente na rede social.

Segundo o auxiliar, a ideia do decreto é "flexibilizar (as regras) no que for possível dentro da lei" para ampliar os casos em que são permitidos a posse de arma. A explicação é que a generalização do posse de armas para quem não tem pendências legais é uma promessa de campanha. Portanto, não haveria surpresas no anúncio do presidente eleito. A medida atenderia a um pedido de parte da população que se sentiria mais segura com a possibilidade de ter uma arma.

- Se é uma promessa de campanha, ele tem que cumprir - disse um dos auxiliares de Bolsonaro.

A posse é diferente do porte de armas. De acordo com a lei, a posse é a autorização de manter a arma apenas no interior da casa ou no local de trabalho do proprietário, desde que seja o responsável legal pelo estabelecimento. O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho, e é proibido, exceto para membros das Forças Armadas, polícias, guardas, agentes penitenciários e empresas de segurança privada, entre outros.

O Estatuto do Desarmamento prevê requisitos para que o civil adquira arma de fogo — como não ter antecedentes criminais, não responder a inquérito policial ou processo criminal, comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica. Determina também que é preciso "declarar a efetiva necessidade". O mesmo requisito consta do decreto, baixado em 2004, que regulamenta o estatuto.

Hoje, a Polícia Federal faz uma análise para verificar se o interessado tem de fato necessidade de ter a arma. Os defensores da extinção do Estatuto do Desarmamento sempre reclamaram de uma postura supostamente enviesada da PF de negar os pedidos alegando que a "efetiva necessidade" não estaria comprovada.

A ideia é retirar esse poder de análise da PF, deixando claro que basta o interessado atender aos critérios objetivos de documentação para ter direito à posse de arma.

Não será a primeira vez que regras de controle de arma de fogo são modificadas por decreto presidencial. O presidente Michel Temer fez uma série de mudanças, na base de decretos e portarias, na regulamentação do Estatuto do Desarmamento . Ele ampliou de três para cinco anos o prazo de validade da posse de arma de fogo. Por meio do decreto, a medida não precisa ser discutida pelo Congresso e começa a valer após a publicação no Diário Oficial.

Agora, Bolsonaro promete conceder registro definitivo. A medida não foi detalhada pelo futuro presidente. Mas pode significar que, uma vez obtida a posse de arma, não será mais necessário apresentar periodicamente as comprovações exigidas, como de habilidade técnica, aptidão psicológica e antecedentes criminais.