aquecimento global
Eletricidade com energia limpa precisa dobrar até 2030 para limitar aquecimento global
ONU News*
O mundo deve dobrar a oferta de eletricidade gerada de fontes de energia limpa nos próximos oito anos para limitar o aumento da temperatura global. Já os investimentos nesse sentido precisam triplicar para colocar o mundo no caminho de emissão líquida zero até 2050.
As recomendações proveem de agências internacionais. Se isso não acontecer, o risco é que as mudanças climáticas, o clima mais extremo e o estresse hídrico prejudiquem a segurança energética e até o fornecimento de energia renovável em nível global.
Resiliência da infraestrutura energética
A Organização Meteorológica Mundial, OMM, coordenou a análise que defende a relevância do acesso a informações e serviços confiáveis sobre tempo, água e clima para reforçar a resiliência da infraestrutura energética e atender a demanda que cresce 30% na última década.
Para o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, o setor energético gera cerca de três quartos das emissões globais de gases de efeito estufa. A transição para formas limpas, como solar, eólica e hidrelétrica e melhorar a eficiência energética é essencial para prosperar no século 21.
O chefe da agência lembra que alcançar a neutralidade de carbono líquido até 2050 é um objetivo que só pode ser alcançado se for duplicado o fornecimento de eletricidade de baixa emissão nos próximos oito anos.
O tempo e a mudança do clima são os desafios do que requer uma transformação completa do sistema energético global.
Alavanca estratégica
O relatório anual Estado dos Serviços de Clima cita oportunidades para redes de energia verde para ajudar a combater as mudanças climáticas, melhorar a qualidade do ar, conservar os recursos hídricos, proteger o meio ambiente, criar empregos e proteger o futuro coletivo.
Estima-se que até 2050, as necessidades globais de eletricidade aumentarão ao longo dos anos, sendo a eletrificação uma alavanca estratégica para atingir as metas de neutralidade de carbono que requerem energia renovável, com destaque para a solar.
Para os países africanos é enfatizada a oportunidade de se aproveitar o potencial inexplorado e porque a região é um dos principais intervenientes do mercado. O continente que abriga 60% dos melhores recursos solares do mundo, tem apenas 1% da capacidade fotovoltaica instalada.
Comentando o relatório contando com apoio de 26 organizações, o secretário-geral da ONU pediu que mais seja feito. António Guterres ressalta que uma ação climática ousada pode gerar US$ 26 trilhões em benefícios econômicos até 2030.
Adaptação climática
No entanto, cita o baixo investimento em energia renovável, especialmente nos países em desenvolvimento e pouca atenção dada à importância do clima serviços de energia para apoiar tanto a adaptação climática quanto as decisões sobre como reduzir os gases de efeito estufa.
A análise destaca que a mudança climática afeta diretamente o fornecimento de combustível, a produção de energia, bem como a resiliência física da infraestrutura energética atual e futura.
Ondas de calor e secas já estão pressionando a geração de energia existente, tornando ainda mais importante reduzir as emissões de combustíveis fósseis. Tudo diante do impacto de eventos climáticos, hídricos e climáticos extremos agora mais frequentes e intensos.
Em janeiro, quedas maciças de energia após uma onda recorde de calor em Buenos Aires, Argentina, afetaram cerca de 700 mil pessoas.
Usinas
Entes, em novembro de 2020, a chuva gelada revestiu as linhas de energia no Extremo Oriente da Rússia e centenas de milhares de casas ficaram sem eletricidade por vários dias.
Em 2020, 87% da eletricidade global gerada por sistemas térmicos, nucleares e hidrelétricos dependia diretamente da disponibilidade de água.
O relatório destaca ainda que um terço das usinas termoelétricas que dependem da disponibilidade de água doce para resfriamento está em áreas de alto estresse hídrico. O mesmo ocorre em 15% das usinas nucleares existentes, uma parcela que deverá aumentar para 25% nos próximos 20 anos.
Texto publicado originalmente no portal da ONU News.
Por que Europa enfrenta onda de calor recorde, com incêndios e mortes?
BBC News Brasil*
Dados ainda não confirmados indicam que a noite de segunda para terça-feira foi a mais quente já registrada no Reino Unido. As mínimas registradas foram de 25°C, superando o recorde anterior de 23,9°C, registrado em agosto de 1990.
Na segunda-feira (18/7), a temperatura mais alta no Reino Unido foi registrada em Suffolk, na Inglaterra: 38,1°C. O número ficou pouco abaixo do recorde do Reino Unido de 38,7°C, estabelecido em 2019.
Grande parte da Inglaterra está no alerta máximo para o calor.
Na França, também foi emitido um alerta de calor extremo. O norte da Espanha registrou temperaturas de 43°C na segunda-feira. Incêndios florestais provocaram mortes na França, Portugal, Espanha e Grécia, e forçaram milhares de pessoas a deixar suas casas.
Duas pessoas morreram em incêndios florestais na região noroeste de Zamora, na Espanha, e os trens na área foram interrompidos por causa de fogo perto dos trilhos. Um casal de idosos morreu ao tentar escapar de incêndios no norte de Portugal.
Aquecimento global
Por que o calor é tão extremo na Europa? A maioria dos cientistas que trabalha com clima afirma que a resposta para essa pergunta é o aquecimento global.
O Met Office estima que a probabilidade de haver calor extremo na Europa aumentou em dez vezes por causa das mudanças climáticas.
As temperaturas médias mundiais aumentaram um pouco mais de 1°C além dos níveis pré-industrialização, no século 19.
Um grau pode não parecer muita coisa. Mas este é o período mais quente da história dos últimos 125 mil anos, de acordo com o órgão de ciência climática da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Já se sabe o que está por trás disso — as emissões de gases de efeito estufa causadas pela queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que retêm o calor em nossa atmosfera. Eles contribuem para aumentar a concentração de dióxido de carbono para os níveis mais altos em 2 milhões de anos, de acordo com o IPCC.
Então, o que vai acontecer com o clima?
A meta estabelecida pela ONU é limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Isso poderia evitar os impactos mais perigosos das mudanças climáticas.
Para fazer isso, as emissões precisam atingir o seu pico até 2025 — ou seja, em apenas dois anos e meio.
As emissões de CO2 das matrizes de energia aumentaram 6% em 2021, atingindo 36,3 bilhões de toneladas, o nível mais alto de todos os tempos, estima a Agência Internacional de Energia.
As emissões precisariam cair em, no mínimo, 43% até o final desta década, de acordo com o IPCC.
O mundo teria de reduzir as emissões líquidas anuais a zero até 2050. Isso significa cortar os gases de efeito estufa o máximo possível e ainda encontrar maneiras de extrair CO2 da atmosfera.
É um enorme desafio — muitos acreditam ser o maior que a humanidade já enfrentou.
No ano passado, líderes mundiais fizeram promessas na COP 26, uma grande conferência da ONU na Escócia. Se todas as promessas dos governos fossem realmente implementadas, ainda assim as temperaturas subiriam cerca de 2,4°C em relação aos níveis pré-industriais até o final do século.
Mas mesmo que consigamos reduzir as emissões para essa meta ambiciosa de 1,5°C, os verões do Reino Unido continuarão a ficar mais quentes.
"Em algumas décadas, este verão [de 2022] pode vir a ser considerado frio", diz a climatologista Friederike Otto, professora da Universidade Imperial College London, na Inglaterra.
Para o professor Nigel Arnell, cientista climático da Universidade de Reading, também na Inglaterra, devemos esperar ondas de calor cada vez mais longas no futuro.
O que países como o Reino Unido, que enfrentam temperaturas recordes, estão fazendo? Muito pouco, segundo o Comitê de Mudanças Climáticas (CCC), que assessora o governo sobre mudanças climáticas.
Um relatório do CCC sobre as ações do Reino Unido alerta que as políticas atuais do governo dificilmente darão resultado. Segundo o texto, o governo estabeleceu muitas metas e implementou muitas políticas, mas alerta que há "poucas evidências" de que as metas serão cumpridas.
E o país não estaria fazendo o suficiente para se preparar para as ondas de calor mais frequentes e intensas no futuro.
Ondas de calor causaram mais 2 mil mortes em 2020, de acordo com a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.
*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.
Revista online | O que o Brasil pode ganhar com o novo mercado de carbono
Cácia Pimentel e Ana Pimentel Ferreira*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
A descarbonização da economia mundial é uma necessidade evidente em virtude da atual utilização desmedida de energia fóssil. Em especial, o uso intensivo de carvão e de petróleo gerou uma liberação de carbono na atmosfera que excede tremendamente a capacidade de reabsorção dos gases de efeito estufa (GEE) pelo planeta, especialmente o carbono e o metano. Muitas de nossas atividades cotidianas deixam um rastro de contaminação que favorece o aquecimento na Terra e gera insegurança alimentar e hídrica. Além disso, as principais economias do mundo mantêm forte padrão de dependência de energia fóssil para alimentar suas atividades produtivas, sobretudo, transporte e indústria. O carvão e os derivados de petróleo, como diesel, gasolina e gás natural, somam cerca de 80% da energia consumida no mundo, especialmente pela China, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Índia.
A solução, porém, não é deixar de produzir riqueza econômica, mas mudar a forma de produção dessa riqueza. Pensando nisso, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que passam pela descarbonização da economia e pela implementação de mecanismos de reparação socioambiental e de controle das emissões de carbono. Um desses mecanismos é o mercado de carbono, instrumento de transação comercial dos créditos certificados de redução de emissões de GEE. Espera-se que o mercado de carbono se some a outros instrumentos regulatórios, com o fim de alcançar a neutralidade climática e reduzir as probabilidades de um aquecimento climático acima de 1,5º C, considerando os níveis pré-Revolução Industrial. No entanto, o cenário atual é que as principais economias do mundo estão aumentando os subsídios à indústria fóssil, o que aponta para um cenário de mais 3,2º C de aquecimento até o fim deste século.
Em linhas gerais, as regras desse novo mercado permitem que os países que não ultrapassarem o valor de emissão de GEE, estabelecido na Contribuição Nacionalmente Determinada (da sigla em inglês NDC), depositada na ONU, possam vender esse crédito aos países que extrapolarem suas emissões. No âmbito interno, esse mecanismo impulsiona os governos a incentivarem o mercado nacional a transacionar seus créditos certificados de emissão, de forma a auxiliar o cumprimento dos compromissos internacionais. Em 2022, o Brasil apresentou na ONU meta indicativa de reduzir, até 2025, suas emissões de GEE em 37% abaixo dos níveis de 2005, assim como reduzir em 50% até 2030. Por isso, o mecanismo de precificação e comercialização do carbono pode ser uma solução fundamental para atingir as metas estabelecidas na ONU.
O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) foi recentemente inaugurado pelo Decreto n. 11.075/22, conforme já previa a Lei n. 12.187/2009. O normativo orienta que, para serem comercializados, os créditos certificados sejam registrados no Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), uma espécie de plataforma para registrar os dados de emissões e consolidar o comércio e a transferência de créditos de carbono. As regras de operacionalização do novo sistema ainda dependem de atos e planos conjuntos dos Ministros do Meio Ambiente e da Economia. Ademais, resta saber como se dará o financiamento público e privado para a estruturação desse novo mercado.
O mercado de carbono é um avanço rumo à descarbonização e poderá impulsionar o empresariado brasileiro, gerar oportunidades de negócios e empregos verdes, mitigar impactos climáticos por meio do desincentivo ao desmatamento e, ainda, impulsionar a inovação tecnológica. Estima-se que o Brasil, em razão de suas vantagens comparativas, poderá suprir até 37% da demanda global por crédito de carbono. Porém, o sucesso depende de como serão conduzidos os próximos passos. Para isso, é fundamental que haja readequação do ambiente regulatório, diminuição gradual dos subsídios concedidos à indústria fóssil e um ambiente de governança multinível que permita a participação ativa dos diversos grupos de interesse, de modo a tornar o Brasil mais competitivo no mercado internacional e alçá-lo à inconteste posição de referência mundial no desenvolvimento econômico sustentável.
Sobre as autoras
*Cácia Pimentel é doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora de Direito e Sustentabilidade na Columbia University e mestre em Direito pela Cornell University.
*Ana Pimentel Ferreira é mestranda em Economia Ambiental e graduada em Ciência e Tecnologia do Meio Ambiente pela Universidade do Porto, Portugal.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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COP26: Os principais fracassos e vitórias do acordo final da cúpula sobre clima
Acordo assinado tenta garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil
O texto estabelece a necessidade de redução global das emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, na comparação com 2010, e de neutralidade de liberação de CO2 até 2050 - quando emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são totalmente compensadas por reflorestamento e tecnologias de captura de carbono da atmosfera.
Alguns trechos do acordo foram muito elogiados por ambientalistas e observadores presentes à conferência, como a exigência para que as nações apresentem já no ano que vem novos compromissos de redução de gases do efeito estufa.
Mas, no último momento, por forte pressão da Índia e da China, os países concordaram em esvaziar um dos principais trechos do texto, que falava em abandono gradual do uso de carvão e subsídios a combustíveis fósseis. Em vez de se comprometerem a acelerar a "eliminação", o acordo fala em acelerar a "diminuição" dessas fontes altamente poluentes de energia. Mesmo assim, ONGs ambientais e especialistas dizem que esse trecho continua a representar um avanço histórico.
No que diz respeito a apoio financeiro a países pobres, no entanto, a sensação é de que houve pouca evolução. Para alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, há um "desequilíbrio" nas responsabilidades, com nações ricas cobrando resultados e ambição, sem entregar o dinheiro prometido para financiar as regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas.
Os países mais vulneráveis também pediam um fundo para "perdas e danos", para usar quando se vissem diante de emergências climáticas inevitáveis, como furacões, inundações e secas prolongadas. Mas União e Europeia e Estados Unidos bloquearam essa proposta.
A BBC News Brasil lista aqui os avanços no texto e o temas que falharam em ambição por falta de consenso.
Diminuição de combustíveis fósseis
O acordo firmado na COP26 defende a necessidade de "acelerar" a transição energética para fontes limpas. Também pede que os países "acelerem" os esforços para reduzir subsídios "ineficientes" a combustíveis fósseis e o uso de carvão que não use tecnologia de compensação de emissões.
O texto anterior falava em "eliminar" o uso de carvão, o que para especialistas e ONGs internacionais, como Greenpeace e WWF, seria um avanço histórico, já que seria primeira vez que a menção ao fim do uso de fontes poluidoras de energia "sobrevivia" ao acordo final de uma cúpula do clima.
Por causa da grande pressão de países que defendem de energia a carvão e de grandes exportadores de petróleo, como Arábia Saudita, Índia, China e Rússia, já havia um temor de que o trecho fosse retirado durante as negociações. No final das contas, foi esvaziado. O presidente da COP26, Alok Sharma, chegou a se emocionar ao dizer que lamenta que as negociações tenham resultado nessa última versão sobre combustível fósseis, mas destacou que era preciso chegar a um consenso.
"Esta é a primeira vez que uma decisão na Convenção do Clima reconhece explicitamente a necessidade de transição de combustíveis fósseis para renováveis. Já tínhamos visto propostas nesse sentido em rascunhos de decisões anteriores, como do próprio Acordo de Paris, mas elas não sobreviveram em texto final", disse à BBC News Brasil Natalie Unsterstell, especialista em política climática e integrante do Grupe de Financiamento Climático para América Latina e Caribe.
Ao mesmo tempo, diz, "é um reflexo direto de que os combustíveis fósseis estão perdendo sua licença social, isto é, sua licença para existir."
Além disso, durante a COP26, um grupo de 40 países, incluindo Reino Unido, Canadá e Polônia, assinou um acordo paralelo para eliminar o uso de carvão mineral de sua matriz energética entre 2030 e 2040. Mas a lista não inclui os dois maiores emissores do mundo: China e Estados Unidos.
Muitos ativistas também criticam o fato de não haver qualquer data ou meta de percentual para eliminação de combustíveis fósseis no texto final. E representantes do Brasil lamentaram que não tenha sido firmado um compromisso paralelo durante a COP26, em que países desenvolvidos se comprometessem com um prazo para a transição de energia suja para fontes renováveis.
Na primeira semana da cúpula do clima, foram assinados compromissos paralelos sobre zerar desmatamento até 2030 e reduzir a emissão de metano em 30% até 2030, mas um acordo semelhante não foi feito sobre transição de energia de fontes poluidoras para energia limpa.
"Teria sido interessante que houvesse um compromisso como o que assinamos sobre florestas, mas alcançando a área de energia e combustíveis fósseis, as maiores fontes de poluição. E o termo 'ineficiente' é vago. O que seria um subsídio ineficiente para combustível fóssil? Tinha que ser 'eliminar subsídio'", criticou um negociador brasileiro.
Metas mais ambiciosas em 2022
Para especialistas, uma das principais vitórias do acordo final é incluir a necessidade de países apresentarem até o final de 2022 novos compromissos de redução de gases do efeito estufa. Isso porque as metas apresentadas até agora por cada país não seriam suficientes para limitar o aquecimento da Terra a 1,5°C, conforme previsto no Acordo de Paris, assinado em 2015.
Um estudo de pesquisadores do Climate Action Target divulgado durante a cúpula do clima analisou esses compromissos e concluiu que a temperatura do planeta aumentaria 2,4°C se dependermos das metas de curto prazo apresentadas pelos países.
"É muito importante esse trecho do acordo de exigir mais ambição de todos os países já em 2022", disse à BBC News Brasil a gerente de Política Global e Climática da WWF, Fernanda Carvalho.
Com isso, os países deverão elaborar e submeter até o fim do ano que vem uma nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), como é chamado o documento com metas voluntárias nacionais.
Outro ponto do acordo que representou um avanço, conforme especialistas, é a parte que regulamenta o monitoramento dos compromissos assumidos. Pelo acordo, todo ano os países devem apresentar um relatório sobre o andamento das NDCs, ou seja, dos compromissos assumidos por cada país.
Assim, será possível saber quem está cumprindo ou não as promessas feitas ao mundo. Além disso, ministros do Meio Ambiente deverão se reunir anualmente para discutir as metas climáticas de curto prazo, que devem ser efetivadas até 2030.
Bom monitoramento de metas, fraco controle de dinheiro
Se, por um lado, mecanismos para monitorar o cumprimento das metas avançaram, negociadores do Brasil dizem que o mesmo não aconteceu com o controle de financiamento de países ricos a nações mais pobres.
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai tentavam emplacar nas negociações a previsão de um comitê permanente para controlar o pagamento dos US$ 100 bilhões anuais que países ricos se comprometeram a pagar entre 2020 e 2025, para financiar ações contra o aquecimento global em países em desenvolvimento.
A ideia era que esse comitê acompanhasse a entrada do dinheiro, quanto cada país está pagando e para qual finalidade. Mas países ricos, principalmente a União Europeia, bloquearam a proposta.
"Os países ricos pressionaram por um mecanismo robusto de monitoramento do cumprimento das metas, mas não aceitam o mesmo para o controle de quanto estão entregando em financiamento a países pobres", criticou um negociador brasileiro.
Fracassou pleito por US$ 1,3 trilhão a países pobres
O dinheiro na mesa, ou seja, o financiamento de países ricos a ações de combate ao aquecimento em países mais pobres, é considerado o ponto de maior fragilidade do acordo final da COP.
O texto reconhece que é necessário que países ricos contribuam com "bem mais" do que os US$ 100 bilhões por ano que haviam prometido dar em financiamento a países em desenvolvimento entre 2020 e 2025.
Mas o documento não estabelece uma cifra. Até agora, os US$ 100 bilhões prometidos não foram cumpridos pelos países desenvolvidos e, segundo previsões, esse valor só deve começar a entrar em 2023.
Países em desenvolvimento faziam pressão por uma versão do acordo que previa até US$ 1,3 trilhão em financiamento anual até 2030. O texto também não contemplou uma reinvindicação intermediária para que o financiamento de países desenvolvidos somassem US$ 600 bilhões até 2025.
O texto prevê, porém, que países definam até 2024 o valor do financiamento anual que deve passar a ser concedido a países em desenvolvimento a partir de 2025. E destaca que a cifra deve ser significativamente maior que os US$ 100 bilhões que deveriam ter sido pagos entre 2020 e 2025.
"Infelizmente, os países desenvolvidos não vieram preparados para essa COP. É frustrante ver o movimento real dos países desenvolvidos. Que eles tivessem se preparado para essa COP de forma clara, que eles já tivessem reservados em seus orçamentos recursos relevantes para fazer uma transição justa", criticou o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, à em entrevista à BBC News Brasil.
"Infelizmente, em relação a financiamento, todos aqui da COP saem frustrados que não tenhamos chegado a um valor maior que os US$ 100 bilhões, que já não são suficientes para uma transição justa. Esperamos que nas próximas COPs os países desenvolvidos e maiores poluidores assumam a sua responsabilidades perante a esse desafio e a essa questão global."
Fracasso da reivindicação de um fundo a países afetados
Um dos pontos mais sensíveis da negociação era o pleito dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas pela criação de um fundo de "perdas e danos", para ajudar essas nações a lidar com emergências climáticas que não podem evitar.
Estados Unidos e União Europeia foram os principais países a bloquear a proposta. Em vez de definir recursos e um fundo específico para compensar os países pelo impacto que já sofrem com mudanças climáticas, o acordo fala em "fortalecer parcerias" entre países desenvolvidos, países em desenvolvimento, e instituições financeiras para ajudar na resposta a danos provocados pelas mudanças climáticas.
O documento também reconhece que é preciso mais ajuda em a países vulneráveis e reconhece que eles já estão sofrendo os efeitos do aquecimento global.
"Para nós, (financiamento para) perdas e danos é uma questão de sobrevivência. As Maldivas vão aceitar o texto do acordo, mas pedem que os países ricos possam transpor as palavras e agir. Hoje aqueles que têm mais opções decidem quão rápido é necessário agir", disse a representante das Maldivas - que estão entre as ilhas sob risco de sucumbir diante do aumento do nível do mar - na reunião plenária em que países apresentaram suas opiniões sobre a proposta de acordo.
Saldo é positivo?
Apesar de ter verem fracassos no texto, principalmente na ausência de valores para financiar ações climáticas em países em desenvolvimento, ambientalistas e especialistas em políticas climáticas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o saldo é positivo.
"Nunca antes eu tinha visto uma decisão da COP contemplando tanto as preocupações de pessoas reais e permeado pelo progresso que está ocorrendo na economia real. Diplomacia é incremental. Então é ótimo ver um pacote que reconhece o que já está acontecendo e precisa ser acelerado, como a mudança da opinião pública sobre combustíveis fósseis", disse Natalie Unterstell.
Para Unterstell, apesar do esvaziamento do trecho que fala de carvão e combustíveis fósseis, é a primeira que um texto da COP26 reconhece o problema específico provocado pelas emissões de fontes sujas de energia. "O ideal seria falar em abandono (do uso de carvão e combustíveis fósseis). É o que a economia real está tentando buscar e realizar, e o que a ciência precisa que aconteça. Mas diplomacia é incremental e morosa", wopinou a especialista em política climática.
Manuel Pulgar-Vidal, diretor de Clima e Energia da WWF, também afirmou que houve "progresso" no acordo da cúpula do clima. "Temos que reconhecer que houve avanço. Existem agora novas oportunidades para os países entregaram o que eles sabem que precisa ser feito para evitar uma catástrofe climática."
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59274397
Atuais promessas de emissões resultam em aumento de 2,7 ºC, alerta ONU
Promessas de reduzir as emissões de gases de efeito estufa deveriam ser sete vezes maiores, diz ONU
A poucos dias da COP26, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que os novos compromissos da comunidade internacional são insuficientes para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, que podem causar neste século uma elevação da temperatura do planeta em 2,7 ºC em relação à era pré-industrial – quase o dobro da meta de 1,5 ºC.
O alerta consta no Emissions Gap Report de 2021, publicado nesta terça-feira (26/10) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) cinco dias antes da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) – principal fórum político para enfrentar o crise climática –, em Glasgow, Escócia.
"A fim de ter uma chance de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC, temos oito anos para reduzir quase pela metade as emissões de gases de efeito estufa. O relógio está correndo ruidosamente", enfatizou a diretora executiva do Pnuma, Inger Andersen, após a divulgação do relatório, intitulado The heat is on (O aquecimento está ligado).
Segundo o documento, que está em sua 12ª edição, as emissões previstas por 120 países e as medidas de mitigação anunciadas ainda são insuficientes para atingir o objetivo traçado pelo Acordo de Paris de 2015: limitar a menos de 2 ºC (idealmente, a 1,5 ºC) o aumento da temperatura em relação ao período pré-industrial.
Para atingir esse objetivo, seria necessária uma redução anual adicional, acima dos compromissos atuais, de 28 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (medida cuja sigla em inglês é GtCO2e, usada para quantificar a massa dos gases-estufa a partir de seu potencial de aquecimento).
Emissões reais bem longe do ideal
Porém o relatório estima que, na taxa atual, as emissões globais anuais serão de cerca de 60 gigatoneladas de GtCO2e em 2021. Diante desse cenário, os compromissos assumidos por 49 países, em conjunto com a União Europeia, para chegar a um estado de neutralidade de carbono – zero emissões líquidas de CO2 – poderiam fazer "uma grande diferença" e reduzir o aquecimento global em mais 0,5 ºC.
No entanto, os planos atuais são "muito ambíguos" e não estão refletidos na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), um documento apresentado por cada país, contendo as emissões e políticas esperadas.
O Pnuma destaca ainda a necessidade de reduzir as emissões de metano – o segundo gás de efeito estufa que mais contribui para o aquecimento global –, já que os compromissos atuais resultariam em apenas um terço da redução necessária para atingir a meta de 1,5 ºC. O relatório compara, ainda, as reduções de emissões reais com as necessárias para desacelerar o aquecimento global.
Antecipando a reunião de duas semanas que começa em Glasgow, na Escócia, no domingo, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou que as concentrações de gases-estufa atingiram um recorde em 2020 e que o mundo está "bem longe" de conter o aumento das temperaturas.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/atuais-promessas-de-emiss%C3%B5es-resultam-em-aumento-de-27-%C2%BAc-alerta-onu/a-59632993
Aquecimento global: mudanças podem ser irreversíveis entre 2040 e 2050
Produção agrícola pode cair 30% sem redução de emissões até 2030
Akemi Nitahara / Agência Brasil
A capacidade de adaptação dos países às mudanças causadas pelo aquecimento global pode acabar, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam drasticamente reduzidos nesta década. Segundo relatório da Chatham House, think tank (instituições que se dedicam a produzir conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos) britânica de pesquisa sobre o desenvolvimento internacional, fundada em 1920, as mudanças podem ser irreversíveis entre 2040 e 2050.
O alerta está na Avaliação de Riscos das Mudanças Climáticas, documento desenvolvido para subsidiar as tomadas de decisões dos chefes de Governo e ministros antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), marcada para ocorrer de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.
Para o pesquisador sênior do Programa de Meio Ambiente e Sociedade da Chatham House, Daniel Quiggin, um dos autores do relatório, as metas estabelecidas por muitos países para neutralizar as emissões de carbono e a maior ambição com relação às metas nacionais de redução de gases de efeito estufa são uma esperança. Embora, segundo ele, não passem de promessas.
“Muitos países não têm políticas, regulamentações, legislação, incentivos e mecanismos de mercado proporcionais para realmente cumprir essas metas. Além disso, os NDCs [da sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada] revisados globalmente ainda não fornecem uma boa chance de evitar o aquecimento em 2ºC. Devemos lembrar que muitos cientistas do clima estão preocupados que, além dos 2ºC, uma mudança climática descontrolada possa ser iniciada”, alerta.
As metas nacionais foram determinadas a partir do Acordo de Paris, tratado negociado durante a COP21, em 2015, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. O acordo rege a redução de emissão de gases de efeito estufa a partir de 2020, para tentar manter o aquecimento global abaixo de 2ºC até o fim do século, num contexto de desenvolvimento sustentável.
Quiggin alerta que as metas definidas ainda não garantem a neutralidade do carbono.
“O balanço zero líquido das emissões depende de tecnologias de emissão negativa, que atualmente não são comprovadas empiricamente em escala comercial. Em resumo, as metas que os países buscam estão se movendo na direção certa, mas ainda não conseguem evitar a devastadora mudança climática. E as políticas de apoio às metas existentes são insuficientes para atingir essas metas”, disse.
Ondas de calor
A avaliação, lançada essa semana em Londres, aponta que a falta de medidas concretas por parte dos governos pode levar a temperaturas extremas a partir da década de 2030, causando 10 milhões de mortes ao ar livre. Ondas de calor anuais podem afetar 70% da população mundial e 700 milhões de pessoas estarão expostas a secas severas e prolongadas todos os anos.
O documento também alerta para a redução de 30% na produção agrícola até 2050 e que 400 milhões de pessoas não poderão mais trabalhar ao ar livre por causa do aquecimento global. Para 2040, há uma expectativa de perda de rendimento de pelo menos 10% nos quatro principais países produtores de milho: Estados Unidos, China, Brasil e Argentina.
Na virada do próximo século, um aumento de 1 metro no nível do mar pode aumentar a probabilidade das grandes inundações em cerca de 40 vezes para Xangai, 200 vezes para Nova York e mil vezes para Calcutá.
Segundo Quinggin, os atuais esforços globais para conter o aquecimento dão ao mundo menos de 5% de chance de manter o aquecimento abaixo de 2°C.
“Sem ações radicais em todos os setores, mas especialmente dos grandes emissores, temperaturas extremas, quedas dramáticas nos rendimentos agrícolas e secas severas prolongadas provavelmente resultarão em milhões de mortes adicionais na próxima década. Ainda há uma janela de oportunidade real (embora ela esteja se fechando) para uma ambição muito maior de todos os governos, para evitar os impactos mais catastróficos das mudanças climáticas”.
A avaliação da Chatham House indica que o ritmo atual dos esforços de descarbonização podem segurar o aquecimento até 2100 em 2,7°C, mas a chance de a temperatura média do planeta subir 3,5°C é de 10%. O pesquisador explica que as restrições de mobilidade ocorridas por causa da pandemia da covid-19 contribuíram apenas momentaneamente para a redução das emissões.
“Nós consideramos isso, mas dado que as emissões se recuperaram muito rapidamente, e agora estão subindo novamente, o breve alívio oferecido pelos bloqueios nas emissões foi insuficiente para mudar nossa avaliação do ritmo e gravidade das mudanças climáticas”, explica.
A Avaliação de Riscos das Mudanças Climáticas é o primeiro de uma série de relatórios de pesquisa aprofundados que a Chatham House vai lançar até a COP26, analisando as consequências do aquecimento do planeta e indicando as ações que precisam ser tomadas para evitar o desastre climático. O trabalho é feito por cientistas e analistas políticos no Reino Unido e na China.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/aquecimento-global-mudancas-podem-ser-irreversiveis-entre-2040-e-2050
IHU Online: O oceano é crucial em nossas vidas e precisa de cuidado
Ao perdermos a qualidade do ambiente marinho, perdemos benefícios para as pessoas e inúmeras oportunidades de desenvolvimento de atividades socioeconômica
"É preciso mais atenção aos desafios do oceano, pois, embora a temática esteja presente na agenda internacional, não há muito a comemorar", escreve Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e responsável pela Cátedra UNESCO para Sustentabilidade dos Oceanos, em artigo publicado por EcoDebate, 17-09-2021.
Eis o artigo.
Ao perdermos a qualidade do ambiente marinho, além de colocar em risco os serviços ecossistêmicos e benefícios providos para as pessoas, reduzimos oportunidades de desenvolvimento de atividades socioeconômicas sustentáveis e ameaçamos o simbolismo do mar em nossa cultura.
Fonte de inspiração para a música, a literatura, as artes plásticas e as mais diversas manifestações da cultura popular, o oceano desempenha um papel crucial em nossas vidas. Mas, mesmo com sua enorme importância para a economia, a saúde, a alimentação, a ciência, o bem-estar, entre outras áreas, e frente aos reconhecidos serviços ecossistêmicos essenciais para a manutenção da vida no planeta, o oceano ainda parece distante de muitos de nós. Sem conhecê-lo, deixamos de estabelecer a conexão necessária para protegê-lo.
Desde a Rio 92, a histórica conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, realizada no Rio de Janeiro em 1992, líderes mundiais buscam formas de fazer frente aos desafios e ameaças que o oceano enfrenta. No entanto, a mobilização internacional ganhou um pouco mais de força apenas em 2009, quando foi estabelecido o Dia Mundial do Oceano, lembrado no dia 8 de junho, que surgiu com o intuito de celebrar a nossa ligação com o mar, bem como aumentar a conscientização sobre a necessidade de cuidar melhor dele.
Esse hiato de 17 anos teve consequências para a saúde do oceano. A degradação é como um câncer que rapidamente se alastra e que demanda imediata remediação. Demorar em tomar atitudes pode ser a diferença entre a vida e a morte. E quanto antes as medidas forem tomadas, inclusive na prevenção, melhor tende a ser o resultado. Essa morosidade em cuidar do oceano pode ser considerada como negligência da humanidade em relação a um grande aliado de sua existência. Por outro lado, essa demora pode também ilustrar uma falta de clareza dos líderes mundiais sobre esse papel central do oceano na sustentabilidade do planeta.
Recentemente, o movimento em prol do oceano recebeu reforços. Além de contar com um dia para lembrar sua importância, em 2017, a ONU propôs que a década entre 2021 e 2030 fosse dedicada à Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. Surgia assim a proposta de somar esforços em nível global entre os governos nacionais, convidando também a sociedade civil organizada a se engajar na luta por um oceano limpo e saudável.
É preciso mais atenção aos desafios do oceano, pois, embora a temática esteja presente na agenda internacional, não há muito a comemorar. A qualidade do ambiente marinho continua sendo perdida ao longo do tempo. Infelizmente, o mar torna-se um grande sumidouro dos rejeitos gerados pelas atividades humanas, como o esgoto, o lixo e os poluentes industriais, a exemplo do petróleo e do mercúrio, e também sofre com outros tipos de agressões. Extinções de espécies que sequer foram conhecidas pela ciência; invasão de espécies exóticas; destruição de ambientes como manguezais e recifes de coral; pesca irregular, ilegal e não reportada; e mudanças do clima correspondem a importantes ameaças que ilustram a ampla crise que assola o oceano.
Essas alterações se desdobram em catástrofes para a humanidade. Ao perdermos a qualidade do ambiente marinho, perdemos benefícios providos para as pessoas e inúmeras oportunidades de desenvolvimento de atividades socioeconômicas, como turismo, pesca e aquicultura. Estamos falando de cerca de 20% do Produto Interno Bruto do Brasil, valor que depende direta e indiretamente do oceano. Estamos falando de oportunidades para ampliar a oferta de alimento e a segurança alimentar para o planeta. Estamos falando de condições para gerar milhões de empregos e produzir a energia limpa e renovável que tanto precisamos para caminharmos na direção de uma economia de baixo carbono e combatermos os efeitos das mudanças climáticas.
"Ao perdermos a qualidade do ambiente marinho, perdemos benefícios providos para as pessoas e inúmeras oportunidades de desenvolvimento de atividades socioeconômicas, como turismo, pesca e aquicultura" - Alexandre Turra Tweet
Mas perdemos mais ainda. Perde-se o próprio simbolismo que o oceano tem para a humanidade. Sem o simbolismo do oceano não teríamos a suíte dos pescadores de Dorival Caymmi, os quadros de José Pancetti, os romances de Jorge Amado, os contos populares compilados por Câmara Cascudo e as aventuras de Júlio Verne.
Essa simbologia move inúmeras pessoas a conhecer o mar. Cito duas histórias que repercutiram amplamente e que ilustraram a magia que o mar exerce sobre as pessoas. Em 1995, Maria do Carmo Jerônimo, mineira de 124 anos, conheceu o mar. Tendo sido escrava até os 17 anos, aguardou muito tempo até ter podido realizar esse desejo, uma segunda alforria, que só se igualava à sua vontade de conhecer o Papa.
Em 2021, Pâmella Rocha, uma menina goiana de 9 anos, também conheceu o mar. Com um câncer em fase avançada e que levou à amputação de uma de suas pernas, Pâmella tinha um enorme desejo de estar próxima ao mar. E ela o fez. Junto com sua família e diversos apoiadores, o sonho virou realidade e ela veio a conhecer o que achava que era uma “grande represa”. “Foi maravilhoso ver os olhinhos dela brilhando”, registrou sua mãe, Vannina Rocha.
A exemplo de dona Maria do Carmo e de Pâmella, cerca de 70 milhões de brasileiros nunca tiveram a oportunidade de ver, sentir e se banhar no mar. De sentir a energia das ondas, o sal no corpo, a brisa na face e a areia salpicando na pele. De ver o sol nascer, “emergindo” de um horizonte oceânico.
"Podemos aproveitar a Década do Oceano para refletirmos e para nos questionarmos sobre o que de fato conhecemos sobre ele, sobre o entendimento que temos a respeito da importância dele para nossas vidas e sobre o papel de nossas atitudes cotidianas na saúde do oceano" - Alexandre Turra Tweet
Podemos aproveitar a Década do Oceano para refletirmos e para nos questionarmos sobre o que de fato conhecemos sobre ele, sobre o entendimento que temos a respeito da importância dele para nossas vidas e sobre o papel de nossas atitudes cotidianas na saúde do oceano. Mas, mais que isso, que possamos resgatar o simbolismo do oceano em nossas vidas, renovando a importância dele para a garantia da nossa saúde e a necessidade de seu uso sustentável para superarmos as mais desafiadoras adversidades e progredirmos enquanto humanidade. Falando em simbolismo, considerando o planeta como um ser vivo, certamente o oceano seria sua alma. E sem alma jamais seremos um planeta efetivamente vivo!
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Fonte: IHU Online
http://www.ihu.unisinos.br/612958-o-oceano-e-crucial-em-nossas-vidas-e-precisa-de-cuidado
ONU alerta que pandemia não freou aquecimento global
Chefe das Nações Unidas diz que será impossível alcançar meta do Acordo de Paris sem cortes de emissões imediatos e em grande escala
Um relatório sobre as mudanças climáticas divulgado pela ONU nesta quinta-feira (16/09) alerta que a pandemia de covid-19 não diminuiu o ritmo das mudanças climáticas.
A desaceleração econômica e os lockdowns relacionados ao coronavírus causaram apenas uma queda temporária nas emissões de CO2 no ano passado, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
"Houve quem pensasse que os lockdowns devido à covid teriam um impacto positivo na atmosfera, mas não foi o caso", disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, em entrevista coletiva.
O documento reúne os últimos dados científicos e descobertas relacionadas às mudanças climáticas, afirmando que, entre janeiro e julho, as emissões globais de CO2 associadas ao uso de combustíveis fósseis nos setores de energia e indústria já voltaram ao mesmo nível ou estão acima do mesmo período em 2019, antes da pandemia.
O Acordo de Paris sobre mudanças climáticas de 2015 estabeleceu como objetivo limitar o aumento da temperatura global a até 2 °C em relação ao nível pré-industrial, ficando idealmente mais perto de 1,5 °C.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que essa meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C será impossível sem cortes de emissões imediatos. "Ainda estamos significativamente atrasados para cumprir as metas do Acordo de Paris", disse.
"A menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, será impossível limitar o aquecimento a 1,5 ºC, com consequências catastróficas para as pessoas e o planeta do qual dependemos", acrescentou o chefe da ONU. "Este é um ano crítico para a ação climática", disse, avisando que os resultados do estudo trazem uma "avaliação alarmante de quão longe estamos do rumo".
Intitulado Unidos na Ciência 2021, o relatório foi publicado por várias agências da ONU e parceiros científicos poucas semanas antes da reunião de cúpula do clima COP26. O texto alerta também que a mudança climática e seus impactos estão acelerando.
Pausa pandêmica foi breve
A OMM disse que as reduções de emissões durante a primeira onda de covid-19, no início do ano passado, representaram um "breve lapso".
"As reduções gerais de emissões em 2020 provavelmente reduziram o aumento anual das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa de longa duração, mas esse efeito foi muito pequeno para ser distinguido da variabilidade natural", concluiu o relatório.
Neste ano, embora as emissões de CO2 provenientes do tráfego rodoviário tenham ficado abaixo dos níveis anteriores à pandemia, as concentrações dos principais gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global continuaram a aumentar, de acordo com o relatório.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/onu-alerta-que-pandemia-n%C3%A3o-freou-aquecimento-global/a-59202494
O aquecimento global no limite: Brasil também paga caro pela devastação
Senado deve analisar, ainda em 2021, um projeto para incorporação às leis brasileiras de uma emenda ao Protocolo de Montreal
Nelson Oliveira / Agência Senado
Gás bastante utilizado em refrigeração, o hidrofluorcarbono (HFC) é um exemplo de solução que um dia se converte em problema. Aplicado em substituição a outros gases para diminuir os danos à camada de ozônio, acabou por contribuir para o efeito estufa, que impulsiona o aquecimento global e está provocando efeitos indesejáveis, como incêndios de grande proporção, derretimento de geleiras, aumento do nível dos oceanos e desertificação.
Com o objetivo de reduzir gradualmente a produção e utilização de gases não agressivos à camada de ozônio, mas causadores de efeito estufa, deverá chegar neste ano ao Senado um projeto para incorporação às leis brasileiras de uma emenda ao Protocolo de Montreal, o acordo que trata dos cuidados com a camada que nos protege da ação dos raios ultravioleta emitidos pelo sol. O PDC 1.100/2018 é uma das proposições da agenda que está sendo montada na Câmara dos Deputados para votação, antes que comece, em 31 de outubro, a 26ª Conferência do Clima, a COP 26, a ser realizada em Glasgow, na Escócia. Ali, representantes de quase 200 países vão discutir medidas mais ousadas e urgentes para manter o aquecimento global em no máximo 1,5 grau (ºC) em relação aos níveis pré-industriais. Se providências “ambiciosas” não forem adotadas, alertam os cientistas, a catástrofe climática pode se tornar irreversível e de efeitos totalmente inesperados.
Essa demanda por maior ambição e compromisso acompanhou a elaboração e divulgação do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), instância das Nações Unidas que subsidia as reuniões do Acordo do Clima, igualmente conhecido como Acordo de Paris.
Um dos objetivos do encontro é balancear as contribuições dos países, de modo a obter algum tipo de desenvolvimento que possa ser considerado sustentável.
DESMATAMENTO NO BRASIL
O dilema gerado pelo HFC ilustra um dos muitos que acompanham o estabelecimento dos seres humanos sobre a Terra, principalmente a partir do forte desenvolvimento industrial iniciado ainda na primeira década do século 19. A cada solução encontrada para gerar energia, agilizar os transportes, aumentar a produtividade da agropecuária e tornar mais segura e confortável a vida das pessoas, uma penca de problemas foi surgindo, sendo a poluição do ar e dos rios a primeira a ser notada. Hoje se estendem a uma miríade de sequelas, entre as quais o excesso de plástico que segue para as águas do planeta ou se acumulam nos lixões, a redução da disponibilidade de água, a extinção de espécies — úteis a elas mesmas e à pesquisa de remédios para os seres humanos — e a liberação de patógenos causadores de epidemias.
Já não há mais dúvidas de que o atual nível de aquecimento está sendo causado principalmente por dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) resultantes das atividades humanas. Não se trata, como chegaram a defender alguns, de um novo ciclo climático. O mundo levou três milhões de anos para atingir um aquecimento global de mais de 2,5 graus. As emissões causadas pelo homem, como a queima de combustíveis fósseis e o corte de árvores, são responsáveis pelo aquecimento recente. Do 1,1 grau de aumento da temperatura média experimentado desde a era pré-industrial, o IPCC concluiu que menos de 0,1 grau se deve a forças naturais, como vulcões ou variações do Sol.
O apelo dramático do IPCC é pela redução drástica de emissões, de modo a não esgotarmos o que os pesquisadores chamam de “orçamento de carbono”, cerca de 400 giga toneladas de CO2 equivalente, medida de equiparação com outros gases de efeito estufa. Mesmo com metas ambiciosas, o cenário projetado pelo painel inclui um pico potencial de aumento da temperatura média de 1,6 grau entre 2041 e 2060, após o qual as temperaturas cairiam abaixo de 1,5 grau até o final do século, caso as emissões cheguem a zero grau em 2050, ou seja, o planeta seja capaz de absorver tudo o que for emitido, já que não se espera que o mundo simplesmente pare.
No Senado, o conteúdo do relatório, cuja versão definitiva foi divulgada em agosto, é motivo de preocupação. Nesta sexta-feira (10), o presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), Jaques Wagner (PT-BA), reuniu em debate virtual um grupo de personalidades e parlamentares para a avaliarem o diagnóstico e as recomendações lançadas pelo IPCC.
O debate foi requerido pelo próprio Jaques Wagner e subscrito por outros 15 senadores. Ao pedir a sessão temática, ele classificou o relatório firmado por mais de 200 cientistas de diversos países como o documento mais abrangente e conclusivo já feito sobre a crise climática.
“O modo de vida do ser humano está afetando todo o planeta, com efeitos que já podem durar centenas de anos, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas a zero no dia de amanhã”, diz o senador no requerimento.
Participaram do encontro, a embaixadora da COP26, Fiona Clouder; o químico David King, líder do Conselho Consultivo de Crise Climática e ex-assessor científico do governo do Reino Unido; a ativista ambiental sueca Greta Thunberg; o arcebispo de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo; a ativista ambiental, estudante de biologia e apresentadora Samela Sateré-Mawé, integrante da Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé (AMISM), que tem sede em Manaus (AM); e o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande. Este último é o articulador do movimento Governadores pelo Clima. O grupo propõe o modelo de governança Consórcio Brasil Verde, que pretende buscar recursos para financiar projetos destinados à redução das emissões e que incentivem a geração de energia renovável, de acordo com informe oficial do governo capixaba.
"O tema das mudanças climáticas é importante para o Brasil. Os estados querem ajudar o país a alcançar suas metas. A criação desse consórcio, que será gerenciado pelos estados, terá um fundo único para se apresentar de forma transparente às instituições internacionais e a outros países", declarou o governador, que participou em julho de reunião virtual com o enviado especial dos Estados Unidos para o clima, John Kerry.
Também participaram da audiência na CMA as senadoras Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Zenaide Maia (Pros-RN) e o senador Espiridião Amin (PP-SC). O evento foi aberto pela cantora baiana Margareth Menezes, que entoou os versos da canção Matança, de Augusto Jatobá, na qual são mencionadas 39 espécies vegetais brasileiras (um cipó e 39 árvores) e dois biomas: a Amazônia e a Mata Atlântica. O compositor avisa para o perigo da derrubada inclemente da vegetação.
Confira quais são os países que mais emitem carbono
Brasil está em 6º lugar.
(Clique no gráfico para ver os números)
Fonte: Climate Watch
Uma das dificuldades em reverter o quadro atual é que o aquecimento global se retroalimenta pela ação do próprio calor que, ao facilitar ou mesmo provocar incêndios e inibir o pleno funcionamento dos ecossistemas, acaba gerando mais emissão de gases ou inviabiliza a sua absorção. A lição que se tira é que, perturbados agressivamente, os mecanismos que propiciaram o desenvolvimento da vida na Terra, num período historicamente muito curto de 200 anos adquiriram potencial para revertê-la de paraíso em inferno.
“A coalizão global para emissões líquidas zero precisa crescer exponencialmente”, disse ainda em fevereiro deste ano o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembrando que esse é um objetivo “central” das Nações Unidas para 2021 e que, na ocasião, faltavam apenas nove meses para a COP 26, “marco crítico nos esforços para evitar uma catástrofe climática.”
Segundo ele, os países que representam 70% da economia mundial e 65% das emissões globais de dióxido de carbono já haviam assumido o compromisso com emissões liquidas zero até 2050, mas isso não era suficiente. Seria necessário que todos apresentassem contribuições mais ambiciosas, com metas claras até 2030, por meio de “planos claros e confiáveis, uma vez que palavras não são suficientes”.
Em uma economia global repleta de desequilíbrios acirrados pela pandemia, as concessões não deverão ser conseguidas muito facilmente na COP26. A liderança do processo, advertiu o secretário-geral da ONU, é das principais economias e membros do G20. Um dos caminhos é a eliminação do carvão até 2030 nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube no qual o Brasil tenta entrar, e em todos os outros países até 2040. Os investimentos em carvão e outros combustíveis fósseis (petróleo, por exemplo) devem ser redirecionados para a transição energética. Para abrir mão de continuarem apoiando seus esforços de crescimento em modelos predatórios, os países em desenvolvimento poderão contar com um aporte de US$ 100 bilhões anuais por parte dos países desenvolvidos. Além disso, doadores e bancos multilaterais de desenvolvimento devem dedicar metade de todo o seu apoio nesta área para projetos de adaptação e resiliência aos efeitos do aquecimento.
O Brasil está na tripla condição de país em desenvolvimento, explorador de petróleo e um dos maiores emissores de carbono (6º ou 5º lugar, dependendo de como se faz a conta), principalmente em razão do desmatamento, segundo a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araujo.
— O desmatamento equivale a 44% das nossas emissões. Se somado ao que emitem as atividades agropecuárias, temos 70% das nossas emissões na categoria das Mudanças do Uso da Terra — explicou a especialista durante audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA), em 20 de agosto. A reunião foi coordenada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), responsável por avaliar a política climática executada pelo governo Federal, com ênfase na prevenção e no controle de desmatamentos e queimadas nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, com o objetivo de identificar falhas, omissões e propor recomendações.
Suely Araujo observa que o lugar do Brasil no ranking de emissões o deixa numa posição de grande responsabilidade e na obrigação de ir além do habitual.
— Os compromissos do Brasil, como o de outros países, são insuficientes. É preciso reduzir não só o desmatamento ilegal, mas também aquele para o qual se pode obter autorização, de modo que nos aproximemos do desmatamento zero. Este ano ainda devemos desmatar dez mil quilômetros quadrados na Amazônia, o que é muito ruim, quando deveríamos desmatar no máximo três mil [quilômetros] de acordo com a política climática — afirmou.
A analista do Observatório do Clima assinala o embaraço causado pelo que se convencionou chamar de “pedalada climática”: O Brasil refez sua contabilidade de emissões no ano-base de 2005, para cima, mas não alterou os percentuais de corte propostos originalmente ao Acordo do Clima, em 2015. Resultado: abriu espaço para continuar emitindo muito CO2, inclusive por meio do desmatamento. A questão está na Justiça.
— Não adianta apenas reativar a fiscalização, mas fazê-la dentro de um planejamento amplo que envolva a retomada de planos setoriais para a Amazônia e o Cerrado e a utilização de recursos de R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia que estão parados por implicância do governo Bolsonaro. A pressão tem de ser para o que o governo trabalhe, execute política públicas — sugeriu Suely Araujo.
A julgar pelas verbas orçamentárias planejadas e pagas, levando em conta apenas o Ministério do Meio Ambiente, a condução dessas políticas públicas tem destino incerto. Em 2021, os recursos destinada ao MMA são da ordem de R$ 2,9 bilhões, ou 0,1% do bolo destinado à área federal. Até o dia 8, haviam sido pagos R$ 1,6 bilhão, mas isso inclui restos a apagar de outros anos. A verba reservada a um fundo específico para programas relacionados à política climática é, percentualmente, ainda mais modesta: meros R$ 91,6 mil, ou 0,01% do orçamento da pasta.
Além da sentida desarticulação das áreas de fiscalização ambiental, que têm sido hostilizadas pelo atual governo, o país se ressente de estruturas e mecanismos que tornem mais dinâmico o trabalho de reduzir as emissões de carbono. Um desses instrumentos inclusive poderia carrear recursos externos ao Brasil, mas sequer está normatizado. Trata-se do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), mais conhecido como mercado de créditos de carbono. Ele está previsto na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (lei 12.187, de 2009) e é uma recomendação do Protocolo de Quioto, tratado internacional ratificado pelo Brasil. Está, portanto, há 12 anos esperando regulamentação — que poderá vir antes da COP26 — caso seja aprovado na Câmara dos Deputados e depois, no Senado, o Projeto de Lei (PL) 528/2021.
Conforme a Agência de Notícias da Câmara, o crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases que deixarem de ser lançados na atmosfera. Quem mantiver uma floresta em pé, fizer reflorestamento ou adotar qualquer medida que ajude a tirar carbono da atmosfera, poderá vender esse crédito para quem emite carbono — indústrias, projetos agropecuários ou de urbanização, por hipótese.
“Os títulos gerados serão negociados com governos, empresas ou pessoas físicas que têm metas obrigatórias de redução de emissão de GEE, definidas por leis ou tratados internacionais”, informa a mesma agência de notícias. O projeto em análise naquela Casa foi apresentado pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
Corremos contra o relógio
Estamos a caminho de atingir 1,5 grau de aquecimento mais cedo do que o previsto anteriormente.
Nos cenários estudados pelo IPCC, há mais de 50% de chance de que a meta de 1,5 grau seja atingida ou ultrapassada entre 2021 e 2040. Em um cenário de altas emissões, o mundo atingirá o limite de 1,5 grau ainda mais rapidamente — entre 2018 e 2037.
Se os países seguirem um caminho de altas emissões de carbono, o aquecimento global poderá subir para 3,3 graus a 5,7 graus acima dos níveis pré-industriais no final do século.
Em comparação, o mundo levou 3 milhões de anos para atingir um aquecimento global de mais de 2,5 graus. As emissões causadas pelo homem, como a queima de combustíveis fósseis e o corte de árvores, são responsáveis pelo aquecimento recente. Do 1,1 grau de aquecimento que vimos desde a era pré-industrial, o IPCC concluiu que menos de 0,1 grau se deve a forças naturais, como vulcões ou variações do Sol.
A terra pode parar de absorver CO2
O relatório do IPCC alerta para a possibilidade muito alta de que os sumidouros de carbono — a própria Terra e os oceanos — correm grande risco. Atualmente, eles absorvem mais da metade do dióxido de carbono que o mundo emite, mas se tornam menos eficazes na absorção de CO2 conforme as emissões aumentam. Em alguns cenários estudados, a terra deixa de ser um sumidouro de carbono e acaba se transformando em uma fonte, emitindo CO2 em vez de sugá-lo, o que pode levar a um aquecimento descontrolado. Já estamos vendo isso na floresta amazônica, devido a uma combinação de aquecimento local e desmatamento. Além de afetar os esforços climáticos mundiais, tal fenômeno representa riscos significativos para a segurança alimentar e hídrica dos países da região e pode levar à perda irreversível da biodiversidade.
O pior poderá vir
Muitas consequências das mudanças climáticas se tornarão irreversíveis com o tempo, principalmente o derretimento das camadas de gelo, a elevação dos mares, a perda de espécies e a acidificação dos oceanos. E os impactos continuarão a aumentar e se agravar à medida que as emissões aumentem.
A chance de passarmos dos pontos de não retorno, como o aumento do nível do mar devido ao colapso das camadas de gelo ou mudanças na circulação dos oceanos, não pode ser excluída de um planejamento futuro. A 3 graus e 5 graus, respectivamente, as projeções sugerem:
- Uma eventual perda quase completa da camada de gelo da Groenlândia, que contém gelo suficiente para elevar o nível do mar em 7,2 metros.
- Perda total da camada de gelo da Antártica Ocidental, que contém gelo equivalente para elevar o nível do mar em 3,3 metros.
Isso mudaria completamente a feição dos litorais em todos os lugares do planeta.
Estamos todos no mesmo barco
O relatório do IPCC mostra que nenhuma região ficará intocada pelos impactos das mudanças climáticas, com enormes custos humanos e econômicos que superam em muito os custos da ação. O sul da África, o Mediterrâneo, a Amazônia, o oeste dos Estados Unidos e a Austrália verão um aumento de secas e incêndios, que continuarão a afetar os meios de subsistência, a agricultura, os sistemas hídricos e os ecossistemas. As mudanças na neve, gelo e inundações de rios são projetadas para impactar a infraestrutura, transporte, produção de energia e turismo na América do Norte, Ártico, Europa, Andes e diversas outras regiões. As tempestades provavelmente se tornarão mais intensas na maior parte da América do Norte, Europa e Mediterrâneo.
Mais resiliência é a resposta ao estrago feito
Já induzimos tanto aquecimento no sistema climático que, mesmo com medidas rigorosas de redução de emissões, é certo que vamos enfrentar eventos climáticos extremos mais perigosos e destrutivos do que vemos hoje.
Conforme o IPCC, o sistema climático não responderá imediatamente à remoção de carbono. Alguns impactos, como a elevação do nível do mar, não serão reversíveis por pelo menos vários séculos, mesmo após a queda das emissões.
Uma das formas de nos contrapormos a isso é investir fortemente em resiliência, ou seja, na capacidade dos ecossistemas e dos seres humanos de recuperarem o equilíbrio depois de terem sofrido perturbações e danos, mas também de resistirem a agressões. Um sistema resiliente é capaz de absorver distúrbios, choques e ainda assim manter suas funções e estruturas básicas. Para isso é preciso converter a gestão ambiental convencional, que usualmente busca controlar mudanças em uma nova, que tenha capacidade de acolher as mudanças (lentas ou rápidas) dentro dos ecossistemas.
O modelo de comando e controle deve ser substituído pela cooperação entre agentes públicos e privados afetados pelas mudanças: governos, parlamentos, Poder Judiciário, usuários locais dos recursos, cientistas e membros da comunidade com conhecimento tradicional.
É preciso ter metas ambiciosas
Limitar o aquecimento global a 1,5 grau até o final do século ainda está ao nosso alcance, mas requer mudanças transformadoras, por meio de ações rápidas e de grande envergadura.
Mesmo com metas ambiciosas, o cenário projetado pelo IPCC inclui um pico potencial de 1,6 grau entre 2041 e 2060, após o qual as temperaturas caem abaixo de 1,5 grau até o final do século.
A quantidade total de carbono (o chamado orçamento de carbono) que podemos emitir para limitar o aquecimento a 1,5 grau é de apenas 400 gigatoneladas de dióxido de carbono (GtCO2) no início de 2020. Esse volume pode variar em 220 GtCO2 ou mais, levadas em consideração as emissões de outros gases de efeito estufa, como o metano. Presumindo níveis de emissões globais recentes de 36,4 GtCO2 por ano, em cerca de 10 anos o “orçamento” estará esgotado. Um dado que nos situa quanto à capacidade de reduzir o carbono: embora as emissões globais tenham caído devido à covid-19, elas voltaram a aumentar rapidamente.
Há que mudarmos hábitos
A forma como usamos e produzimos energia, fazemos e consumimos bens e serviços e administramos nossas terras terá de ser redefinida. Limitar os efeitos perigosos da mudança climática exige que o mundo alcance emissões líquidas zero de CO2 e faça grandes cortes nos outros gases de efeito estufa, como o metano. A remoção de carbono pode ajudar a compensar as emissões mais difíceis de abater, seja por meio de abordagens naturais, como o plantio de árvores, ou de abordagens tecnológicas, como a captura e armazenamento direto de ar.
Embora seja difícil atingir a meta de 1,5 grau — e isso vai exigir um gerenciamento das compensações — também há uma grande oportunidade: a transformação pode levar a empregos de melhor qualidade, benefícios para a saúde e para a vida na Terra. Governos, empresas e outros atores estão lentamente reconhecendo esses benefícios, mas é necessário agir com mais determinação, ousadia e rapidez.
Uma questão de compromisso
A mensagem do relatório é clara: esta é a década decisiva para limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau. Se coletivamente falharmos em reduzir as emissões na década de 2020 e zerar as emissões líquidas de CO2 por volta de 2050, limitar o aquecimento a 1,5 grau está fora de alcance. O IPCC entende que agora é hora de governos, empresas e investidores intensificarem suas ações na proporção e na escala da crise. Durante os últimos meses antes das negociações climáticas da COP26, em Glasgow, Escócia, é crucial que os países proponham metas de redução de emissões mais fortes para 2030 e se comprometam a atingir a neutralidade de carbono até a metade do século, se não antes. Esses compromissos precisam ser assumidos com as conclusões do relatório do IPCC em mente, para que haja chance de um futuro menos catastrófico.
Temos a ciência a nosso favor
Nossa compreensão do clima e da conexão dos eventos meteorológicos extremos com o aquecimento induzido pelo homem tornou-se muito sofisticada. Estão disponíveis dados observacionais, reconstruções paleoclimáticas aprimoradas, modelos de alta resolução, capacidade de simular o aquecimento recente e novas técnicas analíticas. Um estudo recente descobriu que o calor extremo (que se tornou pelo menos duas vezes mais provável como resultado da mudança climática induzida pelo homem) foi um dos principais impulsionadores dos recentes incêndios na Austrália, por exemplo. Outro estudo preliminar sugere que o recente calor extremo no noroeste do Pacífico dos EUA e Canadá seria "virtualmente impossível" sem as mudanças climáticas causadas pelo homem.
Os cientistas também descobriram que a influência humana é o principal motor de muitas mudanças na neve e no gelo, nos oceanos, na atmosfera e na terra. As ondas de calor marinhas, por exemplo, tornaram-se muito mais frequentes no século passado, e o IPCC observa que as atividades humanas contribuíram com 84% a 90% delas desde pelo menos 2006.
Todo esse arsenal de conhecimento e capacidade tecnológica de monitoramento será crucial para acompanhar a trajetória das mudanças climáticas e apontar caminhos para minorar os danos e fortalecer ecossistemas e comunidades humanas.
Mas para isso é preciso que os países garantam investimentos à continuidade e ao aumento das pesquisas, além de incentivarem o desenvolvimento de tecnologias e ouvir os cientistas na hora de formularem políticas públicas voltadas ao clima.
Uso da terra
A derrubada de cobertura vegetal mostra-se um dos aspectos mais danosos da relação do Brasil com seu meio ambiente, que acaba se refletindo historicamente em outros, como a ocorrência de incêndios, a redução da superfície das águas e a degradação dos rios por garimpos (ver matéria sobre garimpos no "Saiba mais").
Esses três temas foram abordados em relatórios amplos divulgados recentemente pela organização MapBiomas cobrindo o período de 1985 a 2020 a partir do processamento detalhado de imagens de satélites.
Nesses 36 anos, o Brasil perdeu 82 milhões de hectares de vegetação nativa, área equivalente a três vezes e meia o território do estado de São Paulo, principalmente para a agropecuária. A superfície de rios e outras fontes naturais de água foi reduzida em 7,6%, mas se observado apenas o período de 1991 a 2020, a perda dobra para 15,7%.
“O sinal mais assustador, mais preocupante, foi a perda de água nas várzeas. Essas áreas têm uma dinâmica de expansão e contração, mas nos últimos anos nós temos observado que a água não está expandindo mais”, disse o coordenador do Grupo de Trabalho de Águas do MapBiomas, Carlos Souza, durante o lançamento desse relatório específico.
“Essas pesquisas têm correspondência com os relatos de campo. Há escassez maior de água, maior intensidade do período de estiagem. Outro aspecto muito importante: a gente tem uma frequência e uma intensidade maior das queimadas em Roraima”, disse Haron Xaud, pesquisador da Embrapa naquele estado e líder do Projeto Terraamz.
A perda de água detectada pelo MapBiomas é circunstancialmente agravada, dependendo das condições metereológicas de curto prazo, o que está levando a prejuízos além do puramente ambiental, com fortes impactos na economia e na vida social. No momento, a diminuição do nível dos reservatórios de água para a abastecimento vai voltando a níveis da última grande crise hídrica. Isso porque o desmatamento na Amazônia prejudica o fluxo de umidade dos chamados rios voadores em direção ao Sudeste, conforme Pedro Luiz Cortês, professor do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo (USP), explicou na apresentação do relatório.
Os lagos das hidrelétricas estão do mesmo modo em níveis muito baixos, com sérios riscos ao fornecimento de energia elétrica, o que já repercute nas contas de luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou aumento no preço de cada 100 quilowatts hora de R$ 6,24, em junho, para R$ 9,49, em julho, aumento de 52,04%, mas já está previsto novo aumento de 15% em setembro. Para não causar um colapso na geração de oito usinas localizadas ao longo das bacias dos rios Tietê e Paraná, o governo determinou a retenção de água nos reservatórios das hidrelétricas, mas isso acabou levando à diminuição do volume da hidrovia Tietê-Paraná e, por conseguinte, do transporte de soja por aquele modal. Já estão previstas demissões no setor, sem contar a necessidade de desvio de parte substancial da carga das barcaças para rodovias, com aumento de custos e de poluição. Esta vai igualmente aumentar pelo uso de termoelétricas, que ainda por cima geram energia mais cara. Só no setor de transporte hídrico, estima-se prejuízo de R$ 3 bilhões, mas a seca combinada a geadas de um inverno incomum está prejudicando a própria safra de grãos, que não sairá ilesa este ano.
A crise hídrica e energética foi discutida na quarta-feira (8) em reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Lá, o representante da Aneel informou que a capacidade geral dos reservatórios das usinas hidrelétricas pode ficar abaixo dos 19% registrados na crise de 2014. Atualmente está em 28,8%. Segundo a Agência Câmara de Notícias, especialistas presentes na audiência disseram achar que "o governo agiu tarde diante da falta de chuvas".
Cerrado perdeu quase a metade de sua cobertura natural
Amazônia perdeu 44 milhões de hectares em 36 anos
O aspecto mais dramático dos relatórios do MapBiomas é o fogo, que não dá sossego em várias regiões e provoca cenas de horror pela visão de animais selvagens e domésticos calcinados, principalmente no Pantanal Matogrossense, mas também do desespero de ribeirinhos e fazendeiros. Segundo o MapBiomas Fogo, em 36 anos o Brasil queimou 1,7 milhão de quilômetros quadrados, ou cerca de 20% do território nacional, numa escala crescente. A cada ano, uma área maior que a Inglaterra foi afetada, sendo que 61% queimou duas vezes ou mais.
Ao contrário do que se poderia pensar, o fogo não afeta apenas o Pantanal, a Amazônia, o Cerrado e até a já bastante devastada Mata Atlântica. Bioma exclusivamente nosso, no qual imaginamos uma agropecuária de convivência passiva na região do semiárido, a Caatinga é palco de queimadas, hábito cultural arraigado nos brasileiros. Associado à criação de gado e caprinos, o fogo está degradando tanto o solo em vários estados nordestinos que o risco do aparecimento de desertos é altíssimo:
— A desertificação é causada por fatores climáticos, associados à degradação ambiental, como desmatamento, sobrepastoreio [pecuária acima do limite suportável], queimadas, práticas agrícolas inadequadas, que levam à perda do solo, à erosão e, consequentemente, à degradação grave e à desertificação — explica o doutor em meteorologia Humberto Barbosa, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). (ver entrevista na íntegra mais à frente).
Na reunião da CMA do dia 20, a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga (ISPN), Isabel Figueiredo, chamou a atenção para a urgência de se estabelecer um sistema de alertas de incêndios nesses biomas nos mesmos moldes do que já é feito na Amazônia.
— As áreas de vegetação aberta, como as do Cerrado, podem dar a impressão de que não absorvem carbono, mas as raízes profundas são muito úteis nessa tarefa — disse a pesquisadora.
Entre as medidas sugeridas à CMA para a redução nas emissões de CO2, a coordenadora do ISPN deu ênfase à ampliação do Manejo Integrado do Fogo (MIF), um conjunto de técnicas e práticas que visam, além de reduzir os incêndios, proteger regiões e territórios que são mais sensíveis, como as veredas, as matas e também moradias e lavouras.
— Hoje o ICMBio e o Ibama já utilizam o MIF em algumas unidades de conservação e terras indígenas, mas esse uso precisa ser ampliado para todas as áreas protegidas, pelo menos no Cerrado e no Pantanal. E para as áreas privadas. As reservas legais das fazendas também têm de ser manejadas, de modo que não queimem e o fogo passe eventualmente a uma área protegida. Até porque elas são também áreas protegidas.
O manejo tem como uma de suas providências a queima preventiva de trechos escolhidos no final da estação chuvosa e início da estação seca, sob a vigilância de brigadistas e em horários específicos, de maneira que o excesso de biomassa seja eliminado, evitando incêndios de grandes proporções e criando barreiras à progressão do fogo.
— O fogo é, sim, um aliado para reduzir incêndios no caso no Cerrado, do Pantanal. Isso já está bastante estudado, já tem uma série de artigos científicos mostrando os benefícios. A redução é de até 40% a mais nas emissões de carbono do que essa se essa mesma área fosse queimada no auge da seca, em setembro, outubro.
Segundo Isabel Figueiredo, há um projeto de lei parado na Câmara sobre o assunto desde 2018, apesar de requerimento de urgência assinado por todos os líderes, inclusive o agora presidente da Casa, Arthur Lira. Entre as mudanças propostas, O PL 11.276/2018 envolve mais gente na formulação e na estratégia do manejo e profissionaliza os brigadistas.
Do ponto de vista socioambiental, a pesquisadora enfatizou a premência de se reconhecer os territórios ocupados por povos indígenas, por comunidades tradicionais e agricultores familiares, por manterem grandes áreas de vegetação nativa em meio às suas áreas produtivas, o que é chamado tecnicamente de "mosaico".
— A gente pode observar nesses locais a continuidade dos ciclos de água, a fixação e a continuidade dos ciclos de carbono, além de outros processos ecológicos, como a conservação do solo, a polinização, a dispersão, os fluxos de biodiversidade. A FAO [braço da ONU para a alimentação] publicou recentemente um relatório mostrando evidências do papel fundamental dessas comunidades e desses povos indígenas na conservação da vegetação nativa e na manutenção de estoques de carbono no planeta inteiro — disse Isabel Figueiredo.
A argumentação dela encontra apoio numa das descobertas do MapBiomas Fogo: embora ameaçadas e, muitas vezes, invadidas, as terras indígenas estão entre as áreas que menos queimaram de1985 a 2020.
A representante do ISPN pediu também que seja feito um esforço para engajar a sociedade como um todo na questão do clima e da emissão de gases de efeito estufa, visto muitas vezes como um assunto distante dos cidadãos comuns que, a despeito disso, sentem na pele o aumento da temperatura local e a falta de chuvas.
— A gente pode estar muito próximo do momento a partir do qual o colapso se deu e já não se pode voltar. Essas informações ainda são mistério para a ciência e a gente precisa se antecipar. Ainda não é, não é ainda, mas a gente está quase lá — advertiu.
Na mesma reunião, Leonardo Gomes, diretor de Relações Institucionais do Instituto SOS Pantanal, deu um exemplo do que pode ser esse ponto sem retorno, ao citar estudo coordenado por José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.
— Levando em conta o cenário da pior seca dos últimos 50 anos em 2021, quando algumas regiões do Pantanal vão chegar próximo dos 40 graus de temperatura e 10% de umidade, é possível imaginar esse cenário ainda mais intensificado até o final do século, um cenário de muita preocupação, e até de desertificação de muitas áreas do Pantanal.
Se o Pantanal passar a abrigar desertos, não será por falta de aviso.
Entrevista com Ivan Anjo Diniz, coordenador da Rede Contra o Fogo
Projetos de lei relacionados às mudanças climáticas:
- PL 11.276/2018: institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo;
- PL 528/2021: institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), por meio do qual se dará a compra e a venda de créditos de carbono no país;
- PL 191/2020: estabelece as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas;
- PL 490/2007: estabelece que as terras indígenas serão demarcadas através de leis e, na prática, estabelece 1988 como o marco temporal para a ocupação de terras legalizáveis por comunidades indígenas;
- PL 2.847/2021: amplia o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado nos municípios de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João da Aliança, para o estado de Goiás;
- PDC 1.100/2018, com origem na MSC 308/2018: aprova o texto da Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal. A emenda prevê reduções graduais na produção e utilização de gases não agressivos à camada de ozônio (hidrofluorcarbonbos-HFCs), mas causadores de efeito estufa;
- PDL 406/2019, com origem na MSC 600/2018: aprova o texto do Acordo de Cooperação Antártica entre Brasil e Chile, de 2013, com repercussão na proteção ambiental da Antártida.
- Projeto de Lei (PL) 2159/2021: estabelece normas gerais para o licenciamento de atividade ou de empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz de causar degradação do meio ambiente.
Normas ambientais relacionadas às mudanças climáticas
- Lei 12.187, de 2009: institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC)
- Lei 11.284, de 2006: dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável, institui o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF)
- Compilado de normas ambientais federais e estaduais - Senado, 2013
Entrevista
Humberto Barbosa, pesquisador do Lapis/Ufal
“A mudança climática precisa integrar a agenda governamental”
Professor associado do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), Humberto Barbosa é uma das principais referências no Brasil em recepção, processamento, análise e distribuição de dados de satélites para fins metereológicos. Graduado em 1995 no curso de Meteorologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), é mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), doutor em Ciência do Solo/Sensoriamento Remoto pela Universidade do Arizona (Uofa) e pós-doutor pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Além de outras colaborações em projetos internacionais voltados a estudos metereológicos, participou como editor e coordenador de capítulos do último relatório do IPCC sobre as mudanças climáticas, com destaque para o que trata da degradação dos solos.
Uma de suas mais importantes pesquisas resultou no livro Um Século de Secas, que amplifica a análise de problemas ambientais complexos, como desertificação e mudança climática em municípios do Semiárido brasileiro. O resultado é a constatação, por meio de uma metodologia própria, da convergência de vulnerabilidades ecológicas, socioeconômicas e institucionais que levam à falta de resposta desses municípios aos problemas ambientais em si. “A questão passa necessariamente pela agenda das políticas e deve ser direcionada à esfera local, onde cada município enfrenta os impactos crescentes da mudança climática”, opina Barbosa, que defende ainda uma participação mais efetiva do Poder Legislativo na definição dos rumos que o país deve adotar para cumprir suas responsabilidades com a limitação do aquecimento global.
Agência Senado — O IPCC fez aquele que foi o alerta mais contundente em toda a sua história no início de agosto. O senhor acha que a repercussão na imprensa, nos meios governamentais e na sociedade está altura do conteúdo do relatório?
Humberto Barbosa — Sim. Em 2019, eu participei da elaboração do relatório especial do IPCC sobre mudança climática e degradação das terras. Desde aquela ocasião, já percebi uma cobertura mais abrangente por parte da mídia brasileira e da comunidade científica. Porém, com relação à governança, percebo que a mudança climática ainda não integra a agenda governamental, com a dimensão que deveria, na definição das políticas. E aí eu incluo a participação da sociedade civil nesse processo de governança.
Nós fizemos uma pesquisa, que resultou no livro Um Século de Secas, na qual definimos uma metodologia para analisar a governança de problemas ambientais complexos, como desertificação e mudança climática, em municípios do Semiárido brasileiro. Identificamos uma convergência de vulnerabilidades (ambiental, climática, à desertificação, institucional), que quando associadas à vulnerabilidades socioeconômicas (pobreza, baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), insegurança hídrica e alimentar), resulta em falta de capacidade institucional desses municípios para lidar com esses problemas ambientais.
A questão passa necessariamente pela agenda das políticas e deve ser direcionada à esfera local, onde cada município enfrenta os impactos crescentes da mudança climática. Por exemplo, a perda de produtividade do solo, pois o Semiárido brasileiro já conta com 13% do seu território em processo de desertificação.
Agência Senado — Quais são, na sua opinião, as grandes novidades desse relatório? O que deveria nos deixar mais mobilizados, se é que tudo não é assustador na mesma medida?
Humberto Barbosa — Destaco dois pontos: em primeiro lugar, a parte do aumento do nível dos oceanos, que vão continuar mesmo se cumprirmos todas as metas previstas, de redução a zero nas emissões. E o processo irreversível de derretimento do gelo nas regiões polares e de derretimento do gelo nas geleiras das montanhas. Em segundo, a frequência e a intensidade dos eventos extremos, aumentando as áreas de inundações e secas, em várias regiões do globo.
Desde o último relatório de avaliação do IPCC em 2013, há evidências crescentes de que os furacões têm se tornado mais intensos e intensificados mais rapidamente do que há 40 anos.
O que deveria nos deixar mais mobilizados é o controle do desmatamento na Amazônia, pelo papel que ela exerce no clima regional e global. Vale lembrar que a Amazônia é responsável diretamente pelas chuvas na região Sudeste, que abriga, de longe, a maior parte da população, além dos principais setores econômicos.
Agência Senado — No papel de um estudioso dos processos de desertificação, como vê o avanço desse fenômeno no Brasil? O que pode ser feito para frear a marcha dos desertos?
Humberto Barbosa — O que pode ser feito é o manejo adequado dos recursos naturais, principalmente no Semiárido brasileiro e nas áreas subúmidas secas, que concentram o processo de desertificação no Brasil. A desertificação é causada por fatores climáticos, associados à degradação ambiental, como desmatamento, sobrepastoreio [pecuária acima do limite suportável], queimadas, práticas agrícolas inadequadas, que levam à perda do solo, à erosão e, consequentemente, à degradação grave e à desertificação.
Como vejo o avanço no Brasil: As áreas desertificadas, ou seja, com solos degradados de forma grave ou muito grave são um laboratório da possível expansão que pode ocorrer em outras áreas e que aumenta a fome da população que vive da agricultura de sequeiro. Então, é preciso conter os principais mecanismos dessa degradação, citados acima. Por outro lado, tem a questão ecológica, de perda da diversidade biológica, de muitas espécies que sequer foram exploradas pela ciência. É por isso que o aumento das áreas de conservação é necessário, para que possa garantir esse patrimônio biológico para as futuras gerações.
Agência Senado — Nas últimas semanas, uma série de estatísticas estarrecedoras têm sido divulgadas. É o fogo novamente no Pantanal, na Amazônia, em áreas do Cerrado e até na Mata Atlântica. Há dados também sobre a diminuição da superfície de cursos d’água e de lagoas. Dizem que “o Brasil está secando” e, no caso dos reservatórios usados para gerar eletricidade, há uma seca temporária gravíssima, até com risco de apagões. Para onde caminha o país?
Humberto Barbosa — São os chamados eventos extremos e temos chamado atenção, do ponto de vista climático, para o aumento na frequência e intensidade da seca, que influencia as próprias queimadas na Amazônia, é claro, associadaacabei de liberar e ia fazer à ação humana. Todos esses fatores estão interligados. Recentemente, publicamos um artigo, em um periódico internacional, sobre o aumento das secas extremas na Amazônia. Identificamos que, desde os anos 1970, esse fenômeno se tornou mais frequente e intenso na Amazônia. Agora, está para sair um novo artigo, no qual analisamos toda a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que segue um padrão similar. Ou seja: nas últimas décadas aumentou a quantidade de secas de intensidade extrema.
Nos últimos anos, toda aquela área do Rio São Francisco vem enfrentando degradação, com a mudança no uso e ocupação do solo, que inclui a conversão de terras para a agricultura, em detrimento da vegetação nativa.
Outra característica é que tanto a Amazônia quanto a Bacia do Rio São Francisco, principalmente no oeste da região Nordeste, têm aumentado a quantidade de queimadas, em razão justamente dessas atividades antrópicas, associadas ao próprio processo de mudança ambiental.
Agência Senado — Como avalia, do ponto de vista da sustentabilidade, projetos de distintos governos como a entrega de parques nacionais à iniciativa privada, a Usina de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco?
Humberto Barbosa — O Brasil já deveria ter se engajado efetivamente na agenda ESG [sigla em inglês para “boas práticas ambientais, sociais e de governança”]*, ou seja, uma agenda de políticas que atenda as demandas sociais e econômicas, mas tendo a sustentabilidade ambiental como diretriz. Nessa agenda, cabe a parceria público-privada, faz parte da governança, desde que seja efetivamente participativa. Foi isso que trabalhamos na pesquisa do livro Um Século de Secas, com relação à governança participativa das águas no Brasil. E vale lembrar que não é possível atender a uma agenda ESG sem investimentos fortes em educação, ciência, tecnologia e inovação.
(*) “Environmental, Social and Governance”.
http://www.ibama.gov.br/noticias/66-2015/393-parecer-do-ibama-identifica-pendencias-que-impedem-a-emissao-da-licenca-de-operacao-para-belo-monte
Agência Senado — Assim como a maior parte dos países, o Brasil vinha tendo dificuldades de avançar com mais força e rapidez em direção a uma economia limpa e uma diminuição das emissões de CO2. Nos últimos anos, houve um rompimento desses esforços no discurso e na prática. Quais devem ser as consequências se o país quiser, em algum momento, retomar de fato seus compromissos com a desaceleração do aquecimento global?
Humberto Barbosa — Em primeiro lugar, retomar o papel de protagonismo ambiental que o Brasil sempre exerceu e cumprir as metas do Acordo de Paris. Em novembro vai acontecer a COP26, na qual haverá a negociação sobre a precificação do carbono. E isso é de grande interesse para o Brasil. O nosso maior problema com as emissões hoje, é conter o desmatamento/queimadas e boas práticas de produção agropecuária, que inclui a agricultura de baixo carbono.
Agência Senado — Individualmente ou como parte de algum grupo ou instituição, o senhor tem propostas de metas ou estratégias para cortes de emissão de carbono pelo Brasil. Em outros termos, quais as propostas de metas e estratégias a comunidade científica brasileira tem a apresentar aos governantes, lembrando que a COP26 será daqui a pouco, em novembro?
Humberto Barbosa — De forma geral, a comunidade científica tem chamado atenção para a retomada das políticas de proteção aos biomas brasileiros, principalmente Amazônia, Cerrado e Caatinga, sendo esta última a mais impactada pela mudança climática. A proteção desses biomas inclui monitoramento contínuo. A Caatinga, por exemplo, ainda não conta com um programa institucional de monitoramento de desmatamento, como o Prodes da Amazônia, que foi implantado em1988. São necessários também a fiscalização dos crimes contra o patrimônio ambiental brasileiro; o cumprimento das leis ambientais para coibir ações como desmate e queimadas; a valorização das comunidades indígenas e quilombolas, que exercem um papel importante nessa conservação e prospecção de espécies nativas desses biomas para fomentar econegócios nas comunidades, ou seja, promover a sustentabilidade com iniciativas inovadoras, que reduzam a pobreza.
Agência Senado — O relatório do IPCC fala da necessidade de se adotar metas ousadas, de se ter compromisso e efetividade na redução das emissões. Vê o Brasil com disposição e capacidade política para uma tarefa dessa envergadura?
Humberto Barbosa — O Parlamento brasileiro exerce um papel importante nesse processo, pois não só define as políticas como fiscaliza o cumprimento da legislação. Nesse sentido, com uma participação ativa dos parlamentares, é possível reverter a atual conjuntura ambiental brasileira. A capacidade política, nós já mostramos, em alguns momentos históricos, que tivemos, como a Constituição de 1988, que garantiu vários direitos socioambientais, em um momento em que ainda se falava muito pouco sobre esse assunto, em todo o mundo. A ECO-92 trouxe essa discussão da sustentabilidade para o Brasil, com os primeiros movimentos ambientalistas que contaram com a participação política. Então, temos expectativa de que a participação do Parlamento, nos próximos anos, recupere o papel histórico de protagonismo que exerceu em um passado recente.
Agência Senado — O que cabe a cada parte nessa tarefa desafiadora: setor público, setor privado empresarial e sociedade? Vale a pena pedir a pessoas que deixem de usar sacolinhas plásticas de supermercado ou isso não vai ter maiores consequências se a poluição de grandes fontes continuar acelerada e as fiscalização ambiental, desmantelada?
Humberto Barbosa — Mais uma vez, destaco a governança participativa, que envolve os três setores, para a gestão conjunta dos recursos naturais. Por exemplo, a questão da água, que requer uma adaptação de vários setores econômicos, para se ajustar a essa demanda contemporânea da mudança climática. A água se tornou uma commodity, que vai indexar as economias, sendo preciso iniciativas de conservação desse recurso natural, como um dos maiores ativos econômicos do futuro. No livro, discutimos amplamente esse processo, relacionado à mudança climática.
Agência Senado — A ciência avançou muito na detecção e no monitoramento de fenômenos climáticos e ambientais em geral, mas muita gente ainda duvida da palavra dos cientistas. E nos centros de decisão muitas vezes o apoio político e financeiro é negado à ciência. Com que forças, ela continuará a exercer seu papel?
Humberto Barbosa — O Brasil depende da ciência, para conseguir avançar em algumas áreas. Há a necessidade de ter a ciência como pauta das políticas públicas. O Brasil tem muitos problemas sociais e econômicos, de modo que a ciência, tecnologia e educação são primordiais para que o país ao menos recupere sua posição anterior.
Como autor de um relatório do IPCC, identificamos justamente essa necessidade de que países tropicais, como o Brasil e a África, pautem ações econômicas e decisões, em função do conhecimento científico que produzem. A agricultura tropical do Brasil é um exemplo de como a ciência fortaleceu essa área estratégica. Só a ciência pode ajudar nesse salto de competitividade, para superarmos as crises econômicas que enfrentamos, desde os anos 1970. É o caso da Embraer, que foi fundamental para o avanço da tecnologia espacial.
Agência Senado — A redução do aquecimento global é uma tarefa a ser compartilhada pelo conjunto das nações. O que pensa que pode ser realmente efetivo nesse concerto: ajuda financeira direta, programas de crédito de carbono, transferência de tecnologia?
Humberto Barbosa — A implementação e o cumprimento das metas do Acordo de Paris são o passo principal. Mas zerar as emissões até 2050 é o maior desafio dos países, que passa pelo investimento em uma matriz energética mais limpa, bem como na reestruturação do setor de transporte e da maneira como produzimos alimentos.
BIOMAS
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Reportagem: Nelson Oliveira Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy Edição de tratamento de fotos: Ana Volpe Infografia: Cássio Costa, Cláudio Portella e Diego Jimenez Arte da capa: Bruno Bazílio Veja mais Infomatérias
Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/09/o-aquecimento-global-no-limite
Desastres em todo o mundo podem estar interconectados
Relatório conclui que distintas catástrofes climáticas, pandemias e outras crises podem ser geradas e agravadas por mesmos fatores
DW Brasil
Uma onda de frio no Texas; uma nuvem de gafanhotos na África Oriental; um peixe da China que, depois de sobreviver à extinção dos dinossauros, em 2020 sucumbiu irreversivelmente aos seres humanos. Embora separados por fronteiras e oceanos, e afetando espécies individuais ou ecossistemas e comunidades inteiros, desastres como esses têm mais em comum do que se percebe ou se planeja.
Essa é uma conclusão-chave de um relatório publicado nesta quarta-feira (08/09) pela Universidade das Nações Unidas (UNU). Seus pesquisadores descobriram que algumas das piores catástrofes dos últimos dois anos se superpuseram, agravando-se mutuamente. Em diversos casos, foram impulsionadas pelas mesmas ações humanas.
"Quando a gente vê desastres no noticiário, eles costumam parecer distantes", comenta Zita Sebesvari, chefe de pesquisas da UNU e uma dos principais autores do relatório. "Porém mesmo os que ocorrem a milhares de quilômetros de distância muitas vezes estão relacionados entre si."
Três causas básicas afetaram a maior parte dos eventos contemplados na análise da UNU: a queima de combustíveis fósseis, má gestão de risco e a falha de dar o devido valor ao meio ambiente na tomada de decisões.
Algas, uma solução mágica para o clima?
Muitos dos eventos registrados estão relacionados a situações meteorológicas extremas. No Vietnã, uma cascata de nove tempestades separadas, chuvas pesadas e inundações devastaram o país em apenas dois meses. Um ciclone mortal, potencializado pela mudança climática, se abateu sobre Bangladesh em meio à pandemia de covid-19, enquanto trabalhadores cumpriam quarentena nos abrigos anticiclone.
Ocorrências como essas "se alimentam reciprocamente", explica o também coautor do estudo da UNU Jack O'Connor: se os abrigos de emergência estão sendo usados para proteger a população de intempéries e alojar pacientes de covid-19, menos cidadãos vão poder – ou querer – utilizá-los. Quem o faz, fica mais exposto ao coronavírus.
E então quando o ciclone chega, ele danifica os hospitais e interrompe as cadeias de fornecimento necessárias ao tratamento médico. "Não se configuram as medidas contra ciclones tendo em mente uma pandemia", nota O'Connor. "Mas é o tipo de coisa que vamos ter que começar a fazer."
DESMATAMENTO NO BRASIL
O perigo dos eventos extremos compostos
O relatório da UNU chega uma semana após uma análise da Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrar que, nos últimos 50 anos, em média ocorreu um desastre de fundo meteorológico por dia – de furacões a secas –, matando 115 pessoas e causando perdas de 202 milhões de dólares.
Por outro lado, embora os humanos sigam queimando combustíveis fósseis e aquecendo o planeta, o saldo fatal do mau tempo extremo está diminuindo, principalmente graças aos avanços na previsão e nos sistemas de aviso precoce, os quais permitem aos governos evacuarem as populações das áreas em risco antes que as intempéries ocorram.
Assim, tormentas e enchentes devastadoras estão matando menos, porém deixando mais desabrigados. No entanto não está garantido que essa proporção vá se manter, à medida que o planeta se aquece e mais catástrofes se sobrepõem.
Segundo um relatório referencial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) publicado em agosto, provavelmente a influência humana já vem elevando a probabilidade de "eventos extremos compostos" desde a década de 1950.
Ondas de calor e secas concomitantes, por exemplo, são mais comuns por todo o mundo. Em algumas regiões observam-se tendências semelhantes de chuvas pesadas, tormentas súbitas ou incêndios.
Caso o planeta se aqueça 4 ºC acima dos níveis pré-industriais, as ondas de calor que costumavam ocorrer a cada 50 anos podem se tornar 39 vezes mais frequentes, segundo as projeções do IPCC. O aumento atual já é de 1,1 ºC. Embora os líderes mundiais tenham se comprometido a limitar o aquecimento a 1,5 ºC até o fim do século, suas presentes políticas miram antes o dobro dessa marca.
Três exemplos: China, Austrália, Brasil
O relatório da UNU destaca três exemplos específicos de crises ecológicas estreitamente ligadas à mudança climática. Cerca de 25% da Grande Barreira de Coral da Austrália já se branqueou gravemente em 2020, e os recifes de corais se reduzirão em 70% a 90%, caso o aquecimento global chegue 1,5 ºC. Com um acréscimo de 2 ºC, praticamente todos os corais do mundo desaparecerão.
Embora a mudança climática seja o principal fator dessa ameaça, a resiliência de um recife também depende de agravantes como a poluição e a sobrepesca, lembra O'Connor, que em seu treinamento como cientista marinho teve ocasião de ver recifes de coral antes e depois do branqueamento.
"É como Procurando Nemo, cheio de cor e vida", compara, referindo-se ao popular filme de animação 3D. "Quando se visita um recife branqueado devido ao aumento das temperaturas oceânicas, toda a cor se foi, tudo fica branco. Mas não só isso: é como um cemitério, todos os animais foram embora."
Na Amazônia, centenas de milhares de hectares de vegetação foram queimados para satisfazer a demanda global de carne, tanto para transformar a mata em pastos como para plantar soja para alimentar o gado. Isso reduziu o volume de poluição carbônica que a floresta era capaz de absorver. Alguns estudos sugerem que o desmatamento e o aquecimento global acelerarão a extinção da vegetação até um ponto de guinada em que a floresta tropical se transformará em savana seca.
No rio Yangtzé, China, o peixe-espátula-chinês foi exterminado em 2020, após décadas de sobrepesca, poluição e a construção de diversas represas, isolando-os de sua área de procriação, corrente acima. Como no caso dos recifes de coral, a perda de uma espécie num ecossistema pode bastar para que todo o sistema entre em colapso.
Todos podem sair lucrando?
O resultado do relatório da UNU enfatiza como os tomadores de decisões podem se concentrar num punhado de "soluções win-win", em que todos saiam ganhando, a fim de prevenir desastres – como reduzir as emissões carbônicas ou planejar a infraestrutura com mais respeito pela natureza.
Tanto na Amazônia como no Yangtzé, observam os autores, governo e empresas alteraram as paisagens para explorar recursos economicamente valiosos, porém muitas vezes sem levar em conta os custos ambientais. O estudo também reflete sobre o custo de ignorar as conexões entre desastres e impor soluções que pioram outros extremos.
As represas que contribuíram para a extinção do peixe-espátula-chinês, por exemplo, geram energia hidrelétrica limpa, oferecendo uma alternativa à queima de combustíveis fósseis. Em alguns casos, o retorno talvez não valha a pena; em outros, políticas direcionadas podem compensar os danos. "Não podemos nos permitir mais adotar soluções míopes, que acabam saindo pela culatra mais tarde", exorta said O'Connor. "Precisamos fazer melhor."
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/desastres-em-todo-o-mundo-podem-estar-interconectados/a-59125593
Vinicius Torres Freire: O dólar toma um calmante
Comércio exterior em alta, calmaria nos EUA e entrada de capital aliviam situação, por ora
O preço do dólar está muito estressado, qualquer que seja a conta que se faça do seu valor “adequado”, do preço mais ou menos compatível mesmo com os números degradados da economia brasileira (que estaria em torno de R$ 4,50, calculam economistas). Nos últimos dias, porém, os mercadores de moeda tomaram um calmante. Nesta quinta-feira (22), o dólar baixou a R$ 5,44.
E daí?
Para começar, dólar mais barato pode ser um alívio para a inflação. O IPCA acumulado em 12 meses está em 6,1%; ainda deve passar de 7,5% entre maio e julho. Segundo um chute informado dos economistas, daí em diante baixaria até algo em torno de 4,5% no final do ano. Um dólar mais barato daria um empurrão nessa descida. Um IPCA menor pode evitar alta maior de juros (Selic) por aqui.
Isto posto, de onde vieram os calmantes? O remédio básico é quase sempre importado: as taxas de juros nos EUA deram uma caidinha, depois da corrida no primeiro trimestre do ano.
Melhorou também o saldo cambial, a diferença entre a entrada e a saída de dólares, que foi muito positiva no primeiro trimestre do ano (US$ 8,72 bilhões) melhor resultado de primeiro trimestre desde antes do início da derrocada brasileira, em 2013. Na prática, o fluxo cambial andava quase sempre no vermelho desde 2018. No ano passado inteiro, essa conta ficou negativa em quase US$ 28 bilhões (o pico de fuga foi em março e abril, de US$ 60 bilhões em doze meses). Nos doze meses até março, está negativa ainda em US$ 7,8 bilhões, mas melhorando.
Parte dessa melhora vem de uma situação que já se pode chamar de extraordinária no comércio exterior. O preço dos produtos que o Brasil exporta em relação àqueles que importa (os termos de troca) raramente foram tão altos em mais de 20 anos. Trocando em miúdos, a soja ou a carne que o país vende raramente valeram tanto em relação à média do que compramos lá fora. O saldo comercial será recorde, além dos US$ 70 bilhões neste ano.
Em geral, quando os termos de troca vão bem, a moeda brasileira se valoriza. Não tem sido o caso desde o início da pandemia. Fuga de dinheiro de países “emergentes” explica parte do problema; a alta brutal da dívida pública e a baderna político-econômica pioraram a situação.
Essa situação obviamente não melhorou. No entanto, observadores precisos de câmbio e juros dizem que houve fatores recentes de alívio. A gambiarra do Orçamento vexaminoso teria saído melhor do que o esperado. Os mercadores de dinheiro acreditam em despiora da epidemia, daqui por diante. Até fevereiro, a atividade econômica não teria padecido tanto do corte dos auxílios governamentais (o emergencial, o salarial e o dinheiro para estados e municípios). Isto é, haveria expectativa de retomada econômica depois da atenuação da epidemia mesmo sem gasto público extra e maior, como em 2020. Além da entrada de dinheiro na finança, o investimento direto (estrangeiro) no país está melhorando. Etc.
Essa perspectiva positiva teria criado expectativa de valorização do real. Assim ficou mais arriscado manter posições financeiras baseadas em dólar mais caro, o que ajuda também a valorizar a moeda brasileira desde agora.
Não há como estimar a duração do efeito dos tranquilizantes. Há motivos fundamentais para a valorização do real, mas o estresse de curto prazo tem sido determinante. Um remelexo nos EUA vai nos dar nos nervos. Não se sabe o que será da epidemia (a vacinação pode conter uma terceira onda?). Temos perspectiva de tumulto político até meados do ano. Enfim, o presidente é Jair Bolsonaro.
Armando Castelar Pinheiro: À espera da inflexão
Há que resistir à tentação de usar a inflação no ajuste das contas públicas: a conta vem depois, não compensa
A realidade tem se mostrado mais complexa que as previsões. Novas cepas, múltiplas ondas de casos e mortes, efeitos colaterais das vacinas, tudo eleva a incerteza sobre quando se controlará a pandemia da covid-19 e, não menos importante, como será o novo normal depois disso. Fica claro, também, que os países ricos não conseguirão controlar a epidemia vacinando só suas populações, enquanto no resto do mundo a pandemia segue solta, facilitando o surgimento de novas e mais virulentas variantes do vírus.
Isto posto, tudo indica que 2021 verá uma inflexão nesse processo, fruto do gigantesco esforço de vacinação em curso. E de que, os dados mostram, as vacinas estão funcionando. Até aqui foram aplicadas quase 900 milhões de doses globalmente, quase uma dose para cada seis pessoas com 20 anos ou mais. Na última semana, mais de 100 milhões de doses foram administradas e a tendência é esse ritmo acelerar, conforme suba a produção de vacinas. Mesmo que isso não ocorra, mantido esse ritmo o ano fechará com 4,5 bilhões de doses aplicadas, o suficiente para vacinar boa parte dos mais vulneráveis.
A vacinação avançou mais em alguns países ricos, como os europeus e os EUA, com grandes emergentes como Brasil, Argentina, China, México e Índia vindo atrás, nessa ordem, em termos de vacinas aplicadas por habitante. Onde a vacinação andar mais rápido, a atividade econômica e o emprego também se recuperarão mais ligeiro e significativamente. Os EUA são o grande caso de sucesso na economia, para o que os redobrados estímulos fiscais também contribuem.
No Brasil, tudo parece meio parado, à espera que a vacinação avance o suficiente para a normalização, ainda que parcial, para usar o jargão da moda, da economia. Já se aplicaram cerca de 35 milhões de doses e o ritmo tem ficado, com alguma volatilidade, perto de um milhão de doses por dia. Isso permitirá vacinar, com duas doses, todos os brasileiros com 20 anos ou mais até o fim do ano. Se conseguirmos mais vacinas, poderemos atingir essa “normalização parcial” no terceiro trimestre, com o ano fechando com uma retomada mais firme da atividade.
O problema é que há muito mais com que se preocupar, o que não parece estar ocorrendo. O que me fez lembrar da frase de Samuel Johnson: “Confie nisso, senhor, quando um homem sabe que está em vias de ser enforcado, concentra sua mente maravilhosamente”. Quem sabe a forca ainda não está apertando tanto quanto parece, mas a impressão é de rompimento com o padrão das últimas décadas, quando a proximidade da crise concentrou as mentes e levou à aprovação de ajustes fiscais. Não vemos isso agora, como ficou claro na confusão, ainda em curso, com o orçamento público deste ano.
O drama humanitário - mais de 20 mil mortes por semana - explica em parte essa apatia com a deterioração do quadro fiscal. É na saúde pública que as mentes estão concentradas. Parte da explicação também está, porém, em muito da deterioração futura vir de maiores despesas com juros, e não do mais visível déficit primário.
Entre fevereiro de 2020 e o mesmo mês este ano, a Dívida Bruta do Governo Geral saltou de 75,2% para 90% do PIB. A despeito desse salto, a despesa com juros sobre essa dívida caiu de 5,5% do PIB nos 12 meses até fevereiro de 2020 para 4,7% do PIB um ano depois. Isso porque, na média dos 12 meses terminados em fevereiro último, a taxa de juros implícita incidente sobre essa dívida foi de apenas 5,7%, contra 7,5% um ano antes.
Essa taxa de 5,7% é a menor registrada na série histórica disponibilizada pelo Banco Central (BC). Essa excepcionalidade fica ainda maior quando se olha para essa taxa em termos reais, descontando a variação acumulada pelo IPCA: nos 12 meses até fevereiro de 2021, a taxa real ficou em 0,5%, contra uma média de dez vezes esse valor em 2007-20 (5%).
Nos próximos meses a taxa de juros real incidente sobre a dívida pública vai continuar caindo, indo para valores negativos. Porém, olhando um pouco mais à frente, parece inevitável que ela suba, possivelmente de forma significativa. Isso por dois fatores.
Um, a alta dos juros pagos pelo Tesouro americano, que deve continuar conforme a economia do país se recupere, dado que o governo americano necessita emitir altos volumes de dívida para financiar seu elevado déficit. O processo será gradual, oscilando com as ondas da pandemia, mas deve ganhar força com a recuperação da atividade e a queda do emprego.
Outro, a necessidade de controlar a escalada inflacionária doméstica, que fará o BC continuar a elevar a taxa Selic, indexador de 45% da dívida pública, provavelmente para além do que projeta o analista mediano do Focus (6% ao final de 2022). A inflação segue surpreendendo para cima e o risco de o BC perder o controle das expectativas inflacionárias tem aumentado.
Torço que se resista à tentação de usar a inflação no ajuste das contas públicas: a conta vem depois, não compensa. É hora de começar a se preparar para esse novo desafio fiscal.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ