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Governo Bolsonaro não tem data para disponibilizar vacinas de segunda geração
Nara Lacerda*, Brasil de Fato
O Brasil está autorizado a usar duas vacinas bivalentes contra a covid-19 para doses de reforço na população a partir de 12 anos de idade. No entanto, o Ministério da Saúde ainda não tem data definida para começar a disponibilizar a nova tecnologia de imunização à população.
O pedido de aprovação temporária emergencial foi feito pela farmacêutica Pfizer e estava em análise na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde agosto.
Nesta quarta-feira (23), um dia após o aval da Agência, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que as doses devem chegar aos postos de saúde "em breve", mas não especificou exatamente quando isso vai acontecer.
Em publicação nas redes sociais, Queiroga afirmou que o contrato com a fornecedora contempla a entrega de vacinas atualizadas contra novas cepas. O ministro fez um apelo a quem ainda está com o esquema vacinal inicial incompleto. O Brasil tem quase 70 milhões de pessoas que não tomaram sequer a primeira dose de reforço.
"Vacinem-se contra a covid-19, atualizem a caderneta de vacinação contra a doença. A média móvel de novos casos de covid-19 aumentou 161% nos últimos 14 dias. Não podemos relaxar quando temos as armas contra o vírus."
A nova geração
Os imunizantes aprovados pela Anvisa são conhecidos como a segunda geração das vacinas contra a covid-19 e oferecem proteção contra mais de uma cepa do coronavírus. Mais de 30 nações já estão aplicando doses.
A decisão da Anvisa abre caminho para que o país inclua no Plano Nacional de Imunização (PNI) o reforço que combate, ao mesmo tempo, a cepa original da ômicrom e as variantes BA1 e BA4/BA5.
Indicadas para reforço, as novas vacinas serão identificadas como Comirnaty® Bivalente BA.1 ou Comirnaty® Bivalente BA.4/BA.5, em embalagens específicas com tampa de cor cinza. Cada frasco conterá seis doses, que devem ser aplicadas a partir de três meses após a conclusão do esquema inicial.
No documento apresentado aos pares, a diretora Meiruze Freitas, relatora do processo que avaliou o pedido de autorização da Pfizer, ressaltou a importância das vacinas monovalentes, anteriores à segunda geração.
"Pontuo que mesmo no cenário das variantes emergentes do SARS-CoV-2, as vacinas contra a covid-19 continuam sendo a melhor esperança para o controle da pandemia, conforme os dados públicos de monitoramento das hospitalizações e dos óbitos. Portanto, as vacinas continuam sendo a melhor medida de saúde pública, as quais ainda oferecem um alto nível de proteção contra o agravamento da doença e hospitalizações, e as pessoas que receberam doses de reforço estão mais protegidas. A Organização Mundial da Saúde relata que as pessoas não vacinadas têm pelo menos 10 vezes mais risco de morte por COVID-19 do que alguém que foi vacinado", explicitou ela no relatório.
O Brasil ainda não conseguiu alcançar a meta de mais de 90% da população vacinada com as duas primeiras doses e a terceira dose para reforço. As vacinas bivalentes vão melhorar a resposta imunológica contra as variantes, mas não substituem o esquema anterior de vacinação. Quem ainda não tomou todas as doses dessa etapa, portanto, precisa buscar os postos de saúde.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato. Título editado
Pablo Ortellado: Anvisa mostra independência
A não aprovação da importação da vacina russa Sputnik V mostrou que a agência brasileira mantém sua integridade e autonomia institucional, a despeito das pressões políticas que vêm de todos os lados: da opinião pública, que exige mais vacinas; dos governadores —muitos deles de esquerda —, que compraram milhões de doses; de setores do bolsonarismo que querem fazer da Sputnik “a vacina do Bolsonaro”, para se contrapor à “vacina do Doria”; além da própria Rússia.
Em seu parecer, a Anvisa apontou deficiências técnicas nos estudos clínicos, entraves para inspecionar a fabricação da vacina e, o mais grave, a presença de vírus replicante nas vacinas, o que poderia colocar em risco a saúde de quem as toma.
A decisão da Anvisa foi amplamente respaldada pela comunidade científica brasileira. O perfil da Sputnik no Twitter alegou, porém, que a vacina já foi aprovada em 61 países. O diretor da Anvisa Alex Campos respondeu que se trata de “países sem tradição de maturidade e robustez regulatória”. A Anvisa repassou seu parecer com observações sobre os vírus replicantes à OMS, que também está analisando a aprovação da vacina.
O atropelo no desenvolvimento da Sputnik tem sido alvo de críticas da comunidade científica desde o ano passado. A vacina foi registrada na Rússia antes da conclusão dos estudos clínicos da fase 1 e 2, e sua aprovação em outros países —como a Argentina — foi feita antes da conclusão da fase 3. Um estudo publicado na prestigiosa revista “The Lancet”, posterior ao registro, mostrou, no entanto, a eficácia da vacina.
A adoção da vacina na América Latina foi objeto de uma reportagem do jornal espanhol “El País”, que mostrou como a Argentina, depois de uma aprovação atropelada, promoveu a vacina junto a países ideologicamente alinhados, como México e Bolívia. O jornal “The New York Times” também fez uma reportagem sobre como a Rússia tem usado a vacina como instrumento de diplomacia, priorizando parceiros estratégicos à custa de sua própria população. Documentário recente de Álvaro Pereira Jr. mostrou a maneira agressiva como o governo russo restringe o acesso a informações sobre a Sputnik V.
Críticos da decisão da Anvisa têm alegado que a não aprovação da importação da Sputnik é resultado de pressão dos Estados Unidos. Em documento oficial da era Trump, o Departamento de Saúde americano relata que mandou um enviado ao Brasil para persuadir as autoridades brasileiras a rejeitar a vacina russa. A decisão recente da Anvisa, segundo esses críticos, seria fruto dessa pressão.
A suspeita, no entanto, não é apoiada por outros fatos. Em primeiro lugar, os argumentos da Anvisa para rejeitar a importação foram fortemente respaldados por especialistas. Além disso, se houvesse viés político nas decisões da Anvisa, ela jamais teria aprovado a CoronaVac, desenvolvida na China em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao Estado de São Paulo, governado por João Doria. Ambos, China e Doria, são adversários declarados do presidente Bolsonaro.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/anvisa-mostra-independencia.html
Maria Cristina Fernandes: Centrão dá autonomia ao BC e captura Anvisa
Desapego pela regulação sugere que bloco apenas acumula créditos para cobrar de Guedes em breve
O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) escolheu o projeto que dá autonomia ao Banco Central para marcar sua estreia na condução da mesa diretora da Casa. Convém cautela, porém, com o zelo demonstrado pelo Centrão na regulação dos mercados.
Se a preocupação é blindar o Banco Central das interferências políticas dos governantes de plantão, falta explicar por que o cuidado não é extensivo à Agência de Vigilância Sanitária, a mais importante das reguladoras de mercado no Brasil da pandemia. Quem lidera a pressão para submeter a Anvisa aos caprichos do lobby da vacina russa é o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), outro integrante do núcleo duro do Centrão.
Difícil imaginar onde bateria o dólar hoje se a Câmara dos Deputados resolvesse, por exemplo, acrescentar um artigo ao projeto aprovado pelo Senado estabelecendo prazo para o Banco Central intervir no câmbio quando a moeda americana disparar. Foi mais ou menos isso que fez a MP 1003/2020. Deu prazo não para a Anvisa analisar mas para aprovar o uso emergencial de vacinas cinco dias depois de protocolado o pedido para a análise da agência.
Ricardo Barros, o deputado que liderou a aprovação da medida provisória no formato que melhor convém à empresa que pretende trazer a Sputnik V ao Brasil, comandou o Ministério da Saúde no governo Michel Temer. Foi um teste de resiliência para o SUS, mas não se ouviu, durante aquele governo, o então ministro dizer que “enquadraria” a Anvisa.
A pressão desmedida sobre a Anvisa aconselha ceticismo em relação à lua de mel de Lira com a equipe econômica do governo e os investidores que nela ainda creem. Lira pinçou, da extensa pauta de prioridades do governo federal, um dos projetos menos polêmicos para sinalizar boa vontade com Guedes & cia. A pergunta que cabe fazer agora, dado o desapego do Centrão pela boa regulação do mercado, é onde o bloco quer chegar.
É simples. Lira acumula créditos para cobrar lá na frente. Se alguém comemora a aprovação do projeto de autonomia do BC na Câmara é porque ainda não se deu conta de que a cobrança desta fatura vai tornar a vida dos autônomos mandatários do banco um inferno.
Não faltam evidências de que esta cobrança imporá um custo fiscal difícil de carregar. Não porque o Brasil não possa se endividar, mas porque o faz sem rumo nem sinal de onde pretende chegar. E apesar disso, tem a anuência dos juízes e bandeirinhas em campo, como foi o caso na manobra que permitiu jogar para 2021 gastos de até R$ 40 bilhões do Orçamento de guerra não executados no ano passado.
Se o fizeram em 2020, voltarão a fazê-lo este ano quando o novo comando do Congresso sinaliza que quer acochambrar tudo, do auxílio emergencial aos novos gastos de Estados com a pandemia e até uma segunda rodada de suporte às empresas. Tudo na modalidade de “crédito extraordinário”.
A Constituição é clara. Trata-se de um recurso a ser usado em caso de imprevisibilidade e urgência. Numa pandemia, prever esses gastos deveria ser a rotina, não a exceção. Por isso, deveriam estar contidos na Lei Geral do Orçamento, cuja comissão mista foi instalada ontem. Para isso, no entanto, os novos gastos teriam que cumprir as regras fiscais e abrir espaço com uma tesourada que ninguém no Centrão ou no Palácio do Planalto quer dar. Vai que alguém lembra dos R$ 9 bilhões reservados para as quatro novas fragatas da Marinha.
A fatura não para por aí. O Centrão não desistiu dos bancos públicos. Falhou na tentativa de arrebanhar a presidência do Banco do Brasil, mas ainda cobiça diretorias e não apenas no BB, mas na Caixa Econômica Federal e até no BNDES. Se alguém acha que assim também é demais, basta ver o que se passa com a Anvisa.
Bolsonaro ainda não decidiu se vai acatar o pedido do presidente da Anvisa para vetar o jabuti do Centrão na MP, mas a permanência de Ricardo Barros na liderança do governo sugere que o presidente da República começou a campanha pela reeleição na oposição.
A julgar pelo desempenho em campo de seus adversários, vai querer fazer olé com o chapéu alheio. Rodrigo Maia levou o cesto de roupa suja do seu time para a beira do Lago Paranoá e o PSDB se consome em disputas internas entre um governador impopular em seu próprio Estado e um deputado com contas a prestar na Justiça.
O PT fulanizou a pré-campanha antes da hora e o bloco dos excluídos do bolsonarismo hoje se dedica mais às fusões partidárias e à sobrevivência das nanolegendas do que a saber por que, num país que gastou R$ 524 bilhões no combate à covid-19 em 2020, faltam oxigênio, medicamentos, UTIs e sobra energia para o lobby das vacinas.
É natural que Bolsonaro queira antecipar a campanha. Tem duas razões para fazê-lo. Primeiro porque é bom nisso. Depois porque, tendo terceirizado o governo para o Centrão, resta-lhe ocupar o vácuo da oposição. Já disse que gostaria de ver a mãe vacinada. O próximo passo é entrar na fila para virar jacaré. Mais um pouco e se vacina contra a derrota em 2022.
A dúvida é saber por que os adversários se deixam pautar. É a covid-19 e a crise econômica que mantêm Bolsonaro na defensiva, não a campanha eleitoral. É claro que os partidos precisam discutir alianças, fusões, nomes, estratégias, mas não com a bola em campo.
O maior flanco de Bolsonaro é a pandemia e é dela que ele vai tentar primeiro se livrar. Vai entregar o ministro da Saúde aos leões. Depois se insurgirá, como o fez no início da pandemia, contra prefeitos e governadores a quem delegará a responsabilidade pelo genocídio. A sanção com ou sem vetos da MP das vacinas indicará o papel que assumirá frente ao Centrão.
O segundo maior flanco do presidente é a economia. O déficit público, que caminha para R$ 800 bilhões, é uma bomba de efeito retardado. No filme que o Brasil já viu antes, explode assim que passa a reeleição.
É este o esquema tático de uma pelada de várzea que frustrará a plateia. O presidente jogou a isca da sucessão presidencial antecipada, a oposição engoliu e o Centrão, por enquanto, governa. Arthur Lira e seu bloco, porém, jogam em todas as posições, menos na de carregadores de caixão.
Luiz Carlos Azedo: Centrão X Anvisa - Novo front de guerra da vacina se forma no país
Líder do governo na Câmara e ex-ministro da Saúde, Ricardo Barros está à frente das críticas mais incisivas à agência responsável por autorizar o uso de imunizantes no Brasil. Parlamentar ressalta que a legislação se impõe sobre normas internas
A polêmica entre o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, é a primeira queda de braços entre os políticos do Centrão e os militares do governo Bolsonaro após a eleição do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Colega de bancada de Lira, Barros foi um dos protagonistas da campanha que conquistou 302 votos na Casa. Engenheiro e ex-prefeito de Maringá (PR), o líder do governo é um dos nomes cotados para substituir o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, do qual foi titular no governo Michel Temer. Quer liberar vacinas importadas em cinco dias, sem testagem no Brasil.
Médico e contra-almirante, Barra Torres comanda a Anvisa como se estivesse num navio. Responde por tudo a bordo e tem prestigiado o corpo técnico da autarquia, cujo padrão de excelência é reconhecido internacionalmente. A pressão de Barros sobre a Anvisa, segundo o próprio, é uma questão do Congresso e não do governo. Os deputados e senadores voltaram do recesso pressionados pelos eleitores a resolverem logo o problema da vacina. “A Anvisa tem seu ritmo e sua visão de velocidade e, o Congresso tem a velocidade do povo. Fomos para a base e vimos o retorno: o maior receio é da falta de vacina”, justificou. O parlamentar tem sido duro com os técnicos da Anvisa, defendendo a mudança de legislação, se for o caso, para liberação dos medicamentos.
Barra Torres, que vem atuando sob fortes pressões do próprio presidente Jair Bolsonaro, dos governadores e do corpo científico, é diplomático, mas politizou a crise. “A quem interessa o enfraquecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária?”, pergunta. Em entrevista, na semana passada, disse que sempre teve uma boa relação com Barros e defendeu a agência: “É a mais rápida do mundo em análise de protocolos vacinais”, disse. Barra Torres nega que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ou qualquer ministro da Saúde em sua gestão tenha feito qualquer tipo de pressão à Anvisa, antes ou durante a pandemia de covid-19: “O presidente da República, Jair Bolsonaro, nunca, em momento algum, exerceu qualquer tipo de pressão sobre a agência. Nunca fez um pedido, nunca disse 'gostaria que aprovasse isso ou aquilo'. E ele é o chefe do Executivo. Nunca fez”, afirmou Torres.
Briga de laboratórios
O que esticou a corda entre o líder do governo na Câmara e o presidente da Anvisa foram as dificuldades para liberação das vacinas já aprovadas no exterior para uso imediato no Brasil, entre as quais a vacina russa Sputnik V. Das 11 vacinas já em uso no mundo, todas aprovadas por agências reguladoras reconhecidas internacionalmente, somente duas, até agora, estão sendo usadas no Brasil, o que aumentou o estresse entre os políticos e a agência. Segundo Ricardo Barros, a exigência de 10 dias para a liberação do uso emergencial, como queria a Anvisa, é ilegal. “O presidente deve sancionar a medida aprovada pelo Congresso que estabelece 5 dias; a própria Anvisa havia estabelecido um prazo de 72 horas”, esclarece.
Segundo Ricardo Barros, a exigência de testagem em território nacional para vacinas já aprovadas por agências reguladoras no exterior custa US$ 80 milhões, o que dificulta a compra de vacinas. “Sem essa exigência, não faltará vacinas; todos os governos e planos de saúde poderão comprar. Cerca de 50 milhões de brasileiros têm plano de saúde, haverá vacina pra todos”, argumenta o líder do governo.
No caso da Sputnik V, há um ingrediente a mais: a disputa entre a Fiocruz e o Butantan e a União Química, fabricante da Sputnik V no Brasil. O presidente da empresa, Fernando Marques, acusou os laboratórios públicos de dificultarem a chegada de vacinas produzidas por laboratórios privados. A Sputnik V é produzida pela farmacêutica, que tem um acordo com o Fundo Soberano da Rússia e o Instituto Gamaleya para receber tecnologia e trazer doses prontas do imunizante para o Brasil.
Até o momento, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autorizou duas vacinas, produzidas por laboratórios públicos brasileiros: a Coronavac, do Butantan, e a AstraZeneca, da Fiocruz. A Sputnik é a primeira fabricante privada a firmar contrato de venda de vacinas com o governo brasileiro. Seriam 10 milhões de doses, inicialmente. Mas, antes da nova vacina ser utilizada, a União Química precisa obter a autorização de uso emergencial da vacina no Brasil.
Valor: Anvisa defende imunização e manda recados ao governo federal
Em reunião de cinco horas, diretores destacam a autonomia e a competência do corpo técnico da agência
Por Estevão Taiar, Valor Econômico
SÃO PAULO - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem por unanimidade o uso emergencial das vacinas Coronavac e da AstraZeneca, em uma reunião de mais de cinco horas em que os diretores fizeram defesas enfáticas da importância da vacinação e da ciência. Uma pendência burocrática, entretanto, ainda pode atrapalhar a distribuição da Coronavac. A decisão foi tomada em uma reunião de mais de cinco horas, em que os diretores fizeram defesas enfáticas da importância da vacinação, deram recados ao governo federal e destacaram a autonomia e a competência do corpo técnico da Anvisa.
A autarquia condicionou a aprovação ao envio de um termo em que o Instituto Butantan se compromete a submeter mais dados sobre imunogenecidade - a capacidade que uma vacina tem de estimular a produção de anticorpos. Além disso, tanto o Butantan quanto a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável pela AstraZeneca, precisam continuar a realizar estudos e fornecer o dados para que as vacinas tenham registro definitivo.
Três gerências da Anvisa recomendaram a aprovação das duas vacinas: medicamentos e produtos biológicos; inspeção e fiscalização sanitária; monitoramento de produtos. A gerência de medicamentos e produtos biológicos fez questão de destacar que a recomendação estava baseada, entre outros fatores, na “ausência de alternativas terapêuticas”. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, vêm defendendo um tratamento precoce à base de medicamentos como a cloroquina - cuja eficácia não tem comprovação científica. Bolsonaro afirmou até mesmo não se vacinará. Também foi levada em conta pela Anvisa o crescimento recente do número de casos. Outro ponto importante é que a decisão vale apenas para os imunizantes importados, não para os produzidos no Brasil.
Na sequência, os cinco membros da diretoria colegiada da diretoria votaram a favor do uso emergencial das vacinas.
“Ressalvadas algumas incertezas, os benefícios conhecidos potenciais das duas candidatas à vacina superam os riscos potenciais”, disse em seu voto a diretora Meiruze Freitas, relatora dos pedidos de análise. Para ela, o tema é uma questão de "segurança nacional".
A defesa do método científico e da vacinação foi uma constante nos discursos da cúpula da Anvisa. No voto que definiu a autorização, o diretor Alex Campos chamou a atenção para a situação registrada em Manaus (AM) nos últimos dias, afirmando que a “tragédia da morte pela falta do tratamento mais simples” - os cilindros de oxigênio - mostra a ineficácia do poder público brasileiro. Ele também agradeceu o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido por Bolsonaro no começo da pandemia, pela sua nomeação.
Já o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, afirmou que as vacinas “certamente” serão “acrescidas de outras”. "É o que esperamos, buscamos", disse.
Ele chamou, porém, a atenção para a “mudança de comportamento social” necessária para combater a pandemia, orientando a população a manter o distanciamento social, o uso de máscaras e a higienização das mãos. “O lobo ainda ronda o nosso quintal”, afirmou.
No início da pandemia, entretanto, Torres esteve ao lado de Bolsonaro na frente do Palácio do Planalto para acompanhar manifestações com centenas de pessoas a favor do governo.
O uso emergencial aprovado ontem não permite a comercialização das vacinas. Para isso, a Anvisa ainda precisa conceder o registro sanitário definitivo. A gerência de medicamentos e produtos no caso das duas vacinas "o monitoramento das incertezas e reavaliação periódica".
Os índices de eficácia da Coronavac e da elaborada pela AstraZeneca ficaram respectivamente em 50,39% e 70,42%.
Entretanto, conforme antecipado pelo Valor no domingo, a autarquia considerou insuficientes as informações a respeito da imunogenecidade da Coronavac.
Míriam Leitão: O dia da vitória da máquina pública
Depois de um dia histórico, a discussão de quem ganhou a briga política é menos importante. É importante pensar no acerto da máquina pública brasileira. Instituições centenárias, Butantan e Fiocruz que, ao longo de suas vidas, ampliaram a expectativa de vida do brasileiro que e lutaram contra o obscurantismo para implantar fazer uma medicina sanitária e preventiva no Brasil.
Uma grande vitória do país e muitos recados para Bolsonaro
Contra a Covid-19, venceram porque foram atrás de parceria com a China, contra a visão do presidente de ficar contra o país asiático. O Butantan fez parceria com gigante farmacêutica chinesa Sinovac, e a Fiocruz negociou com a AstraZeneca, que depois de receber dois milhões da India, que ainda aguarda, vai preparar as próximas doses importando o IFA, que também será mandada pela China. Com a transferência de tecnologia por parte da Astrazeneca deve começar a produzir no segundo semestre ou no primeiro ano que vem.
Outra visão positiva da máquina pública foi a reunião da Anvisa. Havia temor no resultado porque houve aparelhamento político na agência, o contra almirante que presidente o órgão foi indicado pelo presidente Bolsonaro depois de ter participado de ato antidemocrático sem máscara ao lado do presidente. Portanto eram temores fundados. Mas a máquina pública, a agência foi autônoma.
Ao longo dos votos, defenderam a ciência e uso da máscara e combateram remédios ineficazes como o que o governo denomina de “tratamento precoce”. O Brasil tem seis milhões de doses. E mais quatro milhões prontas no Butantan à espera de autorização. É preciso lutar para termos mais. Poderíamos estar em outra situação se o negacionismo do presidente não tivesse contaminado o governo. O comando do Itamaraty, por exemplo, não participou dos esforços de trazer a vacina.
El País: Vacinas trazem alento ao Brasil em dia de redenção para a ciência e revés político para Bolsonaro
Aprovação de uso emergencial de imunizantes pela Anvisa coroa triunfo simbólico dos cientistas sobre negacionismo, mas vacinação ainda tem obstáculos logísticos e políticos pela frente
Breiller Pires e Carla Jiménez, El País
A decisão da Anvisa, que, neste domingo, aprovou por unanimidade o uso emergencial das vacinas de Oxford e AstraZeneca no Brasil, é celebrada não apenas como um alento diante do recrudescimento da pandemia de coronavírus, mas também como uma vitória do aparato científico sobre o negacionismo e os discursos antivacinas que ecoam até mesmo no Governo federal. Decisiva para o desenvolvimento dos imunizantes contra a covid-19, a ciência foi aclamada, sobretudo, nas análises técnicas e justificativas de votos favoráveis ao aval para o início da vacinação em território brasileiro.
“No nosso vocabulário, não há espaço para negação da ciência nem para a politização das vacinas. Verdadeiramente, não há”, disse Alex Machado Campos, ex-chefe de gabinete de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde, ao proferir o voto que decretou maioria para a aprovação das vacinas. Antes, o diretor da Anvisa elogiou o rigor científico do parecer conduzido pela relatora Meiruze Freitas, que, ao esmiuçar seu relatório, cobrou que autoridades e governos sensibilizem a população sobre a importância de se vacinar. “A vacinação contra a covid-19 ajudará na proteção individual e coletiva. Uma vacina só é eficaz se as pessoas estiverem dispostas a tomá-la”, discursou. Ela ainda criticou a prescrição de medicamentos sem comprovação científica.
Durante a apresentação técnica da análise das vacinas, o gerente geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, Gustavo Mendes, destacou que o panorama de “muita tensão pela falta de insumos necessários para o enfrentamento da doença” no Brasil justifica a autorização para o início de aplicação dos imunizantes. Ao longo da reunião, a Anvisa deixou claro que um dos motivos que embasaram a decisão de liberar o uso emergencial é a “ausência de alternativas terapêuticas” para o vírus, contrapondo a tese de “tratamento precoce” —sem comprovação científica— defendida pelo Governo Bolsonaro.
Miguel Nicolelis, colunista do EL PAÍS e coordenador do projeto Mandacaru, um coletivo de pesquisadores voluntários no combate à pandemia, encara a aprovação em caráter de emergência das vacinas no Brasil como um marco para a ciência global. “É um ponto de partida muito importante, uma vitória da ciência em termos gerais”, diz o neurocientista. “Presenciamos uma ampla colaboração entre a ciência chinesa, que desenvolveu a tecnologia das vacinas com uma agilidade sem precedentes, e a ciência brasileira. Se Butantan e Fiocruz não tivessem sido capacitados ao longo de décadas, não viveríamos esse momento. É uma prova de sucesso do método de colaboração científica sem fronteiras, e de que as instituições de Estado devem ser sempre apoiadas, independentemente de quem governa o país.”
Nas redes sociais, a autorização da Anvisa também foi comemorada sob ares triunfais pela comunidade científica. “Estamos vendo a história ser escrita e transparência é fundamental. Assim como critérios técnicos”, escreveu o pesquisador Atila Iamarino ao elogiar a exposição minuciosa da agência reguladora. “Nós temos a solução que a ciência nos trouxe: vacinas seguras e eficazes.” Segunda pessoa a ser vacinada no Brasil, logo após a enfermeira Mônica Calazans, o também enfermeiro Wilson Paes de Pádua, 57, exaltou o trabalho científico por trás da batalha contra o coronavírus. “Nós temos de lutar pela vacina, lutar pela ciência, para melhorar a saúde e sair dessa pandemia. Eu me sinto muito orgulhoso de fazer parte desse momento histórico.”
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) acompanhou a reunião da Anvisa ao lado de uma comissão científica, congregando, segundo ele, “alguns dos mais renomados cientistas do país”. Assim que foi anunciada a aprovação, Doria publicou um vídeo para comemorar o início da imunização de profissionais da saúde no Estado. “Dia histórico para ciência brasileira”, afirmou o governador. “A vacina do Butantan é uma vitória da ciência. Vitória da vida. Vitória do Brasil.” Para ele, particularmente, uma vitória política sobre o presidente Jair Bolsonaro, com quem passou a travar corrida para exibir a primeira foto de uma pessoa vacinada no país.
O baque do espetáculo midiático protagonizado por Doria, que chegou ao fim do dia com mais de 100 pessoas imunizadas em São Paulo, foi rapidamente acusado pelo Governo. Enquanto o governador paulista posava para as câmeras com a enfermeira Mônica Calazans, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, abria uma coletiva de imprensa irritado com o que qualificou como “jogada de marketing” do rival de Bolsonaro. “Nós poderíamos iniciar a primeira dose em uma pessoa hoje mesmo, num ato simbólico. Em respeito a todos os governadores, não faremos isso. Não podemos desprezar a lealdade federativa”, disse o ministro.
Pazuello ainda fez uma espécie de desabafo, em que cobrou do Instituto Butantan, ligado ao Governo de São Paulo, exclusividade sobre as 6 milhões de doses atualmente disponíveis da Coronavac. Para o ministro, a aplicação de doses neste domingo “está em desacordo com a lei” e acusou “movimentos políticos e eleitoreiros” de capitalizarem com a pandemia. “Ouço calado, o tempo todo, a politização da vacina. A produção do Butantan, por exemplo, foi bancada com recursos do Ministério da Saúde.” Doria, por sua vez, rebateu o ministro, afirmando que não houve investimento da pasta nem nos testes nem na fabricação da Coronavac. “Não há um centavo do Governo Federal na produção da vacina”.
De acordo com o Ministério da Saúde, a distribuição proporcional das vacinas aos Estados começará a partir das 7h desta segunda-feira, e a data inicial da vacinação segue mantida para quarta, 20 de janeiro, apesar do atraso na remessa de 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca e do embate político com São Paulo pelo estoque de 6 milhões da Coronavac. Por enquanto, Doria só assegura o envio de 4,7 milhões de doses, pois 1,3 milhão ficam em São Paulo. O governador dedicou grande parte do tempo de coletiva de imprensa para criticar o Governo Bolsonaro e identificá-lo como afeito à morte, uma característica cruel em plena pandemia.
Pazuello, por sua vez, também fará seu ‘marketing’ num ato simbólico às 7 da manhã em Guarulhos, na grande São Paulo, para marcar a distribuição das doses da Coronavac. O ministro espera que, até o fim da semana, a Índia libere o lote retido dos insumos produzidos pelo Serum Institute. O Ministério da Saúde não detalhou como pretende distribuir o percentual de cada Estado nem como será a logística de entrega das vacinas. A única sinalização do Governo é de que o Ministério da Defesa auxiliará o transporte por via aérea.
Ainda na entrevista coletiva, o ministro Eduardo Pazuello afirmou que a China não tem dado celeridade aos trâmites burocráticos para fornecimento de matéria-prima das vacinas ao Brasil. Remessas de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), necessário para a produção tanto do imunizante de Oxford quanto da Coronavac, ainda não chegaram à Fiocruz. Segundo o ministro, o ministério está mapeando essas “resistências” para avançar na produção.O ministro só esqueceu que o Governo Bolsonaro, os filhos do presidente e seus seguidores, tem se notabilizado por ataques à China, inclusive com deboches ao composto desenvolvido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, pejorativamente chamado de “vachina” pela tropa de choque bolsonarista.
Neste domingo, o esforço de bolsonaristas em assumir a paternidade do imunizante era escancarado. “Governo Bolsonaro bancou a vacina do Butantã!”, escreveu em letras maiúsculas o senador Flavio Bolsonaro, filho do mandatário. Uma ironia aos brasileiros que viram seu pai questionar até os efeitos nos sistema imunológico de quem tomasse a Coronavac, incluindo virar “jacaré”.
Para além da vitória de Doria neste domingo, a guerra pública entre ele e Bolsonaro até mesmo durante o dia de uma boa notícia nacional deixa claro que o caminho para a vacinação tem percalços políticos pela frente. O tucano anunciou que enviaria diretamente 50.000 doses da Coronavac a Manaus por não confiar no ministério numa provocação explícita. As frases causam desconforto em quem conhece as engrenagens da saúde pública por entender que não há benefício numa relação tensa entre um Estado que vai responder pela produção de vacinas e o governo federal.
Em que pesem as barreiras políticas e logísticas para a distribuição dos lotes, a vacinação em massa da população brasileira tem pela frente processos ainda mais complexos que a autorização de uso emergencial. Vacinas como a de Oxford e a Coronavac ainda precisam requisitar a aprovação definitiva na Anvisa, algo que não ocorrerá de imediato, já que a agência reguladora informou que há pendências de documentação para a manutenção do aval provisório votado neste domingo. Por outro lado, o país observa um crescimento alarmante dos números de casos e mortes por coronavírus em todas as regiões.
Para Nicolelis, a aprovação das vacinas não pode gerar a ilusão de que o Brasil está próximo de superar a pandemia. “A decisão da Anvisa é uma vitória a ser celebrada, mas existem ações em paralelo que precisam ser tomadas imediatamente”, afirma o cientista, que defende que o país deveria adotar um lockdown nacional, de duas ou três semanas, para frear a onda de novas infecções e ganhar tempo para a imunização gradual, citando o drama vivido pelo Reino Unido —onde a vacinação começou em dezembro, mas o número de contágio ainda não desacelerou de maneira significativa. “O impacto desse avanço sincronizado do vírus pelo Brasil tende a ser pior que o da primeira onda. A vacina vai demorar meses para fazer efeito por aqui e neste momento, temos um percentual mínimo de doses. É hora de reimplementar as medidas restritivas. Não podemos abandonar o barco enquanto a vacina está longe de contemplar a maioria da população.”
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Alon Feuerwerker: Sejamos otimistas
O governo federal empenha todo o seu poder de logística para iniciar semana que vem a vacinação contra a Covid-19. Aviões vão à Índia buscar milhões de doses da AstraZeneca/Oxford. E tem também os outros milhões da CoronaVac já aqui no Brasil. A palavra final da Anvisa está prevista para domingo.
Quando começar a vacinação, começará também o novo round da guerra de narrativas, sobre quem "sempre teve razão". Mas, para suas excelências, o cidadão e a cidadã comuns, isso pouco importará: a brasileira e o brasileiro querem é ser vacinados.
E como isso vai repercutir em 2022? Se Deus quiser, até ali a vacinação já terá imunizado a grande maioria, e a vida terá retornado ao quase normal. O "quase" fica por conta da necessária desconfiança, pois a ponte para o futuro está sendo construída com os carros já passando por cima dela.
Sejamos otimistas. Pensemos no melhor cenário. Nele, chegaremos a 2022 com os candidatos aos diversos cargos, a começar da Presidência, tendo de procurar outro assunto para brigar, pois a Covid-19 será bananeira que deu cacho.
Não custa sonhar.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Que comece o jogo
Como já foi dito aqui, uma vantagem da disputa política entre o governo federal e o paulista em torno da vacinação contra a Covid-19 é a corrida ter entrado no estágio em que ambos querem mostrar serviço. Bom para a população que precisa ser vacinada. Afinal de contas, que os políticos briguem, mas o cidadão e a cidadã comuns querem mesmo é uma vacina segura e eficiente.
O ministro da Saúde informou que os estados receberão as vacinas três a quatro dias após a chegada delas ao país ou a liberação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) (leia). Que este dia chegue o mais rápido possível. Há muita espuma no debate, mas ainda estamos em tempo, na comparação com outros países da dimensão do nosso.
E temos uma vantagem: uma máquina de vacinação construída e azeitada ao longo de décadas. Basta que a entropia política dê uma folga e as autoridades se concentrem na missão de fazer a coisa acontecer. Pois, ao fim e ao cabo, elas serão julgadas nas urnas de 2022 pelo que fizeram ou deixaram de fazer, e não tanto pelo que se disse delas.
Acabou o pré-jogo, agora a decisão é em campo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Lição de Brasil
De vez em quando é preciso ser otimista. E hoje é um dia assim. Depois da espera, não um, mas dois registros de vacinas contra a Covid-19 foram pedidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.
Da CoronaVac, parceria entre a chinesa Sinovac e o Butantan, e da AstraZeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz. A primeira é a aposta do governo de São Paulo (João Doria). A segunda é a aposta principal do governo federal (Jair Bolsonaro).
Está instalada a competição, começou a corrida. Em disputa, não apenas os imunizantes, mas a estrutura e os instrumentos, principalmente as seringas. Quem vai ganhar ao final? Quem mais eficazmente realizar a missão nos próximos meses. E a vacina que se provar mais efetiva no essencial: imunizar a população contra o SARS-CoV-2, inclusive suas novas variantes.
Restam dúvidas? Que sejam esclarecidas pela Anvisa, perfeitamente equipada para tanto.
O episódio é mais uma lição de Brasil. Sobre nosso país, nunca convém otimismo excessivo sobre as possibilidades, mas tampouco é conveniente ceder ao catastrofismo. É o caso agora. A Covid-19 não vai desaparecer num passe de mágica por aqui, mas não seria sensato supor que ficaríamos para trás enquanto o mundo todo já estivesse se vacinando em massa.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Vinicius Torres Freire: Irmã da 'vacina do Doria' tem 79% de eficácia, mas faltam muitos dados
Irmã da Coronavac, a vacina do Doria, tem 79% de eficácia, mas falta informação
Uma das vacinas da estatal chinesa Sinopharm teria 79,34% de eficácia, segundo afirmou a empresa nesta quarta-feira (30) em uma nota de escassas e frustrantes vinte linhas. O produto é irmão da Coronavac, comprada pelo governo paulista e que já está sendo produzida pelo Instituto Butantan.
As vacinas são muito semelhantes; é possível esperar resultado similar da Coronavac, em uma especulação esperançosa, mas razoável, dizem dois imunologistas brasileiros ouvidos por este jornalista. As duas irmãs chinesas são feitas da mesma maneira, com vírus inativados.
O vírus é multiplicado em uma cultura de células, na mesma linhagem de células originadas do rim do macaco-verde africano e usadas faz quase 60 anos em pesquisa biotecnológica. O vírus depois é inativado (perde o poder de se replicar e causar doença) com a mesma substância, beta-propriolactona, mas mantém sua estrutura e, assim, ainda pode suscitar uma reação do sistema de defesa (imunológico). Os vírus inativados são misturados ao mesmo tipo de adjuvante, algum composto de alumínio, que facilita a ação da vacina. A diferença entre as duas pode ser a dosagem e o tempo entre as duas injeções necessárias.
Estudos sobre as fases 1 e 2 dessas duas chinesas foram publicados em duas revistas científicas de peso (“Jama” e “The Lancet”), mas nada que preste saiu sobre a fase 3.
Os Emirados Árabes Unidos disseram que seu teste fase 3 da Sinopharm deu 86% de eficácia. Aprovaram a vacina e começaram a aplicá-la no povo, assim como o Bahrain. Mas apenas nesta quarta-feira a Sinopharm pediu a aprovação da Anvisa deles, embora a China já tenha aplicado o imunizante em centenas de milhares de pessoas sob alto risco de infecção.
A Turquia abriu resultados preliminares e precários da fase 3 da Coronavac, que teria tido por lá eficácia de 91,75%. No Brasil, como soubemos pelo anúncio do governo paulista, a eficácia teria sido de mais de 50% e menos de 90%, uma distância amazônica. Por “eficácia” entenda-se por ora a capacidade de evitar doença sintomática. Não sabemos ainda se qualquer vacina para Covid-19 impede que um vacinado e doente assintomático transmita a doença.
A vacina americana da Moderna tem 94% de eficácia; a anglo-turco-alemã da Pfizer/BioNTech, 95%. São imunizantes feitos com tecnologia inédita. As chinesas usam técnicas testadas com sucesso faz pelo menos 70 anos, como na vacina da pólio, por exemplo.
Apesar de fabricadas da mesma maneira, faltam informações básicas sobre as duas chinesas. Por que os dados de eficácia da Coronavac e da vacina da Sinopharm são diferentes em cada país? Pode ser por causa do número de pessoas que participaram do teste, do tamanho da epidemia em cada país, do período de observação (duração) do experimento. Não sabemos.
Como os dados sobre a Coronavac e do produto da Sinopharm devem ser publicados em revistas científicas, não é razoável esperar mutreta no estudo técnico ou que os dados divulgados agora tenham sido turbinados. Mas vimos como foram bagunçados os dados da vacina da AstraZeneca/ Oxford. É o produto comprado pelo governo federal e aprovado também nesta quarta-feira pelo governo britânico, o que é bom sinal, embora até agora não saibamos também da eficácia precisa desse imunizante.
Isso quer dizer que as vacinas são ruins? Não. Quer dizer que ainda não temos os resultados finais. Quando tivermos os dados e as injeções, ainda teremos de enfrentar o governo e os generais da morte.
Bruno Boghossian: Governo teve pressa com cloroquina, mas nega ao país empenho na vacinação
Entre a 'angústia' e a 'esperança para corações aflitos', há um governo incompetente
Em março, Jair Bolsonaro se reuniu com o ministro da Defesa e ordenou que o Exército ampliasse imediatamente sua produção de cloroquina. A equipe técnica do governo dizia que o remédio não funcionava contra a Covid-19, mas a ordem foi cumprida em tempo recorde: em três semanas, os militares fabricaram 2 milhões de comprimidos.
A obediência inspirou Bolsonaro. Meses depois, ele escolheu um general para comandar o Ministério da Saúde. Eduardo Pazuello seguiu as vontades do chefe e moveu as engrenagens da máquina pública para distribuir um medicamento ineficaz. Com a cloroquina, o presidente teve uma pressa que foi negada ao país no planejamento da vacinação.
O governo assinou no início de junho a adesão do Brasil a um consórcio internacional para a fabricação de imunizantes contra o coronavírus. No mesmo mês, a equipe econômica perguntou ao Ministério da Saúde se havia previsão de importar material para vacinação. A pasta levou quase seis meses para publicar um edital para a compra de seringas.
Bolsonaro foi mais ágil na campanha do curandeirismo. Ainda em abril, o presidente conversou com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi e pediu matéria-prima para a fabricação de cloroquina. Um carregamento chegou ao Brasil em menos de uma semana. No mês seguinte, os Estados Unidos enviaram mais 2 milhões de doses do medicamento.
O estoque de comprimidos está garantido, mas o país corre risco de ficar sem seringas e agulhas para a vacinação contra a Covid-19. O pregão aberto pelo governo para comprar 331 milhões de kits fracassou e só deve atingir 2,4% da demanda.
Quando o TCU pediu explicações ao Exército sobre a fabricação de cloroquina a preços acima do normal, os militares disseram que o objetivo era "produzir esperança para corações aflitos". Sobre as cobranças públicas por um plano de vacinação, o ministro da Saúde fez pouco caso: "Para quê essa ansiedade, essa angústia?". Entre a angústia e a esperança, há um governo incompetente.