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Andrei Meireles: Vacinas escancaram o desleixo de Bolsonaro e seu general de fancaria
Além do puxão de orelha da Anvisa por receitas vigaristas, o maior vexame da gestão irresponsável de Bolsonaro é ter o melhor sistema de vacinar do mundo e não ter vacinas pela leviandade do governo
Esse foi um domingo de comemoração. A Anvisa finalmente falou. E falou bem, reiterou o compromisso com a ciência. Deu autorização emergencial para as vacinas aqui produzidas pelo Instituto Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz. Com a mesma unanimidade, censurou a vigarice do tal tratamento precoce com a cloroquina, o fermífugo ivermectina e outras baboseiras.
O presidente Jair Bolsonaro, que se finge de maluco por esperteza, saiu de cena e escalou o pau mandado general Eduardo Pazuello, que cumpre suas ordens no Ministério da Saúde, para pagar recibo e mico pelo fato do governador João Doria iniciar a vacinação em São Paulo. As imagens de vacinados, única preocupação de Bolsonaro na tal guerra das vacinas, foram exibidas em um show de marketing pelo governo paulista, com a escolha a dedo das protagonistas — Camila Calazans, uma enfermeira negra da linha de frente no combate a Convid-19 que mora na periferia e se formou com muita dificuldade, e a indígena Vanuzia Costa Santos, assistente social da aldeia multiética Filhos dessa Terra, em Cabuçu, no município de Guarulhos. Boas escolhas.
No desespero palaciano, onde só se pensa na reeleição do chefe, sobrou para Pazuello, um general de fancaria que fala com a sociedade como um sargento de história em quadrinhos se dirige a seus subordinados. Um arremedo do sargento Tainha, genial criação do cartunista Mort Walker, com bem menos empatia. Como um robô, ele seguiu mais uma vez as ordens do chefe e alimentou a cega militância bolsonarista nas redes sociais. Disse, por exemplo, que do começo ao fim foi o governo Bolsonaro que bancou todos os investimentos na vacina do Butantan. ” O governo de São Paulo não pôs nenhum centavo”, afirmou de maneira categórica como se fosse uma grande revelação mantida até ontem em sigilo pela discrição com que o governo federal trata a pandemia. Nem o Fio Maravilha teria tanta humildade frente ao gol, na belíssima música de Jorge Ben. Pura cascata.
Uma surpresa também porque Bolsonaro sempre disse que não compraria a “vachina” chinesa do Doria. Com essa nova lorota, Pazuello levantou a bola e Doria marcou outro gol. Afirmou que o general mentiu e que tudo feito até agora no Butantan foi bancado exclusivamente pelo governo de São Paulo. E não houve tréplica. Soam, além de inacreditáveis, como tiros nos próprios pés as fantasias mutantes produzidas pelo Palácio do Planalto.
A última delas foi a convocação de governadores para uma solenidade na manhã dessa segunda-feira da operação em Guarulhos de distribuição país afora das vacinas recebidas do Butantan no final da tarde do domingo. O general Pazuello com certeza vai estar na foto. Resultado medíocre para o planejamento da abertura da campanha no Palácio do Planalto com vacinas da Fiocruz, barradas pelo governo da Índia, em mais um retrato da má vontade e imprevidência do governo federal em providenciar as vacinas que lhe foram ofertadas.
O que aumenta a decepção nessa absurda guerra política é que o Brasil, em uma bela construção durante décadas pelo show de bola que é o SUS, talvez seja o país mais preparado no planeta para vacinar. Só faltam as vacinas. Até quando?
A conferir.
Andrei Meireles: O choque das esquerdas no espelho
O dilema no jogo de poder no Congresso é negociar uma pauta que mantenha conquistas democráticas das últimas décadas ou pegar caraminguás ofertados pela tropa de Bolsonaro
Em circunstâncias diversas, comunistas, socialistas e sociais-democratasconstruíram alguns projetos bem sucedidos das esquerdas no mundo inteiro. Ao longo de mais de um século de conturbados exercícios de poder, geraram grandes esperanças e profundas decepções. Algumas tiveram momentos de sucesso outras resultaram em verdadeiros genocídios, negação absoluta dos princípios que supostamente as inspiraram. Geram polêmicas até hoje. Só não dá para esconder que, em qualquer lugar do planeta, crime é crime.
No Brasil, as esquerdas também oscilaram nesse vendaval mundial. Foi uma sucessão de rachas desde as revelações dos crimes da mão pesada de Stálin na antiga União Soviética. Depois de uma série de controvertidos episódios, hoje em julgamentos apenas históricos, as esquerdas em seu conjunto apostaram na redemocratização do país. Mesmo com percalços na Constituinte, quando o PT tentou apenas marcar posição, cumpriram a regra do jogo. Receberam dos eleitores a oportunidade de virar o jogo.Por gosto ou circunstâncias, quando chegou ao poder o PT cumpriu esses compromissos. Cumpriu inclusive, não importa se foi beneficiado por circunstâncias externas, a promessa de combate à pobreza. Mas pisou na bola no quesito da corrupção. E é aí que o PT e seus aliados continuam até hoje na berlinda. Tentam esticar a corda com uma questão mal resolvida.
O PT não engoliu porque um amplo contingente de eleitores que rejeitavam Bolsonaro não votaram em Fernando Haddad no segundo turno em 2018. Não conseguiram entender porque toda essa gente que votou nulo se recusou a dar um aval à postura do PT de não reconhecer a corrupção que, comprovadamente, bancou e alimentou o projeto de poder do partido. Pagou o preço antes, naquela e nas últimas eleições.Todas essas histórias são passado. Servem de contexto para o sombrio momento político que o país sonha em ultrapassar. O mesmo jogo que o PT, talvez por falta de credibilidade, tentou sem sucesso emplacar no segundo turno em 2018, está agora no tabuleiro.
Pode ou não ajudar Bolsonaro.Com todo o devido respeito a sua história, parte do PT continua vendendo a alma das esquerdas ao diabo. Como ali não se faz autocrítica — método dialético das esquerdas mundo afora–. não há diferença do que rola lá a outras práticas de corrupção no mundo partidário país afora. É inacreditável, por exemplo, que deputados do PT e do PSB apostem em uma disfarçada aliança com Bolsonaro que pode entregar de bandeja à mais atrasada direita todas as pautas que a sociedade brasileira conquistou nas últimas décadas.
O que está em jogo nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado, nas quais Bolsonaro aposta todas as fichas e os recursos da União, não é apenas uma escolha entre figurinhas. É muito mais grave. O que está em jogo é uma anistia a todos políticos investigados, acusados ou condenados por corrupção. Mais: 1) – Atropelar de vez as leis de proteção ao meio ambiente; 2) – Liberar geral a violência policial; 3) – Acabar com as proteções a índios e quilombolas; 4 – Revogar todos os avanços no trato da diversidade no país; 5) – Tornar letras mortas as leis da Ficha Limpa e da Lavagem de Dinheiro, entre outras, que proporcionaram uma verdadeira revolução no combate ao crime de colarinho branco.
Não são avanços na pauta, são retrocessos. A manutenção de todas essas conquistas éticas e democráticas seria uma bela pauta das esquerdas, que deveria ser decisiva nesse jogo de poder. Aqui é ficção. Em qualquer país democrático onde os partidos entregam o que vendem aos eleitores seria jogo jogado. No Brasil, não é só a vacina contra o coronavírus que saiu do esquadro. Tem um monte de deputados do PSB, levados por Arthur Lira ao Palácio do Planalto, para negociar liberação de dinheiro para suas bases eleitorais, o que também seduz caciques do PT.
Washington Quaquá, o pragmático e influente vice-presidente nacional do PT, é explícito: “Não tenho nenhum problema com Arthur Lira, pelo contrário. Para a falar a verdade, acho que ele pode ter mais condições de avançar”. O que o petista Quaquá deixa explícito em outras declarações é o desejo de aprovação de alguma lei que anule as condenações de Lula e de todos os outros sentenciados a partir da operação Lava Jato. E foi justamente isso que entrou na barganha com Arthur Lira, que a acatou de bom grado por também ser denunciado por corrupção pela Lava Jato.
Esse jogo esquisito e malandro por parte de alguns setores da esquerda, que se deslumbram com as ilusões brasilienses, pegou muito mal. Algumas cúpulas partidárias, como a do PSB e a do PT, que faziam vistas grossas, foram chamadas à ordem, pela pressão de militantes e da opinião pública. A cobrança é para abandonarem esse voo cego em busca de eventuais vantagens.
A conferir.
RPD | Andrei Meireles: A Lava Jato é dura na queda
Sérgio Moro e a Lava Jato viraram obstáculos ao projeto de reeleição de Bolsonaro. O Palácio do Planalto avalia que o jogo vai ficar mais duro depois da posse, em setembro, de Luiz Fux na Presidência do STF. Augusto Aras, de olho em uma vaga no STF, também tem pressa de mostrar serviço contra o ex-juiz e a força-tarefa
Faz tempo que a Lava Jato, depois de sua bem-sucedida trajetória de caçadora de corruptos, virou troféu de caça de políticos dos mais variados naipes, como o PT de Lula, o MDB de Renan Calheiros e Romero Jucá, o Centrão e os tucanos, sob a batuta de Aécio Neves. Esse movimento ganhou corpo ano passado com a adesão do presidente Jair Bolsonaro que, mesmo tendo Sérgio Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública, criou a expectativa de conseguir apoio em outros poderes para livrar seu clã das investigações na Justiça. Moro nunca lhe deu essa garantia.
Foi então costurado um acordão tácito, com o apoio dos ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que, desde o ano passado, vem obtendo vitórias parciais. Nesse caldeirão, foi gerado o recuo pelo Supremo Tribunal Federal da autorização do cumprimento de penas, inclusive da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância. Foi também ali que se tentou acabar com o Coaf, um órgão de inteligência financeira que produz relatórios técnicos sobre o caminho do dinheiro movimentado pelas mais diversas organizações criminosas e é o responsável, por exemplo, em seguir a lavagem de dinheiro, do PCC aos grandes esquemas de corrupção.
Na tríplice parceria entre Toffoli, a cúpula do Congresso e Bolsonaro, o Coaf passou de mão em mão e simplesmente foi paralisado. Foi ressuscitado pelo plenário do Supremo. Mas a guerra seguiu em frente. Bolsonaro trocou Moro pelo Centrão. Se sentiu à vontade para dar as cartas, atropelou a lista tríplice do Ministério Público e escalou Augusto Aras como procurador-geral da República. Interferiu também na Polícia Federal, o outro grande braço das investigações sobre a corrupção do colarinho branco no país.
Enquanto estava no governo, Sérgio Moro até tentou segurar as pontas. Caiu fora quando foi atropelado por Bolsonaro que, em uma reunião ministerial, em abril, anunciou seu propósito de montar um sistema de inteligência para atender a seus interesses. É o que vem acontecendo desde lá. Até um sistema no Ministério da Justiça, criado para acompanhar o crime organizado, passou a bisbilhotar supostos adversários do governo, de policiais antifascistas a alguns reconhecidos intelectuais. Um deles, Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário nacional dos Direitos Humanos, hoje um curinga da ONU para relatar grandes encrencas mundo afora.
Essa obscura ofensiva contra opositores coincide com a urgência em ganhar terreno nesse final de mandato do aliado Dias Toffoli –- uma invenção do PT – na Presidência do Supremo Tribunal Federal. A avaliação é de que Sérgio Moro e a Lava Jato viraram obstáculos ao projeto de reeleição de Bolsonaro. E, no Palácio do Planalto, de que o jogo vai ficar mais duro depois da posse, em setembro, do ministro Luiz Fux na Presidência do Tribunal. Daí a pressa também do procurador Augusto Aras, de olho em uma vaga no STF, de mostrar logo serviço contra Sérgio Moro e a Lava Jato.
Em dobradinha com Toffoli, Augusto Aras conseguiu aval para transferir todos os bancos de dados de anos e anos de grandes investigações da Operação Lava Jato em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo para a Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Como era previsível, tão logo acabaram as férias de julho da Justiça (outra anomalia), o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, revogou essa decisão absurda. Mas algum estrago já estava feito. Há verdadeira rebelião contra Aras em todas as instâncias do Ministério Público. Essa postura dele, digamos, de quinta coluna, reduziu seu apoio inclusive entre seus poucos aliados.
O procurador Augusto Aras sentiu o tranco. Demitiu seu secretário-geral, o procurador aposentado Eitel Santiago – um bolsonarista assumido e o mais agressivo crítico da Lava Jato –, baixou o tom depois do bate-boca com colegas no Conselho Superior do Ministério Público Federal e não compareceu ao ato organizado por Toffoli e o governo, para reduzir o papel do Ministério Público nos acordos de leniência de empresas envolvidas em corrupção. Aras havia participado dessa negociação, mas nessa nova fase, antes de botar seu jamegão, resolveu consultar quem entende do ramo no próprio Ministério Público.
Esse aparente recuo de Aras não significa que desistiu do combate à Lava Jato. Só pisou no freio por avaliar que pode ser atropelado no caminho. Ele sabe que a caneta de Toffoli ficará sem tinta daqui a pouco. A turma da Lava Jato também sabe disso. Confia em Luiz Fux para uma volta à normalidade e uma revisão da ofensiva contra as investigações sobre corrupção.
Se há erros cometidos pela Operação Lava Jato – com certeza, os há – eles devem ser corrigidos com a perspectiva de melhorar a Justiça, para que não se repitam. E não para criar brechas para a corrupção que, com esses sinais trocados, continua a pleno vapor país afora. Basta ver o que estão roubando em nome do combate à pandemia do novo coronavírus. Esvaziar o poder de investigação dos órgãos estatais encarregados de combater o desvio do dinheiro público é uma espécie de cumplicidade com o crime.
*Andrei Meireles é jornalista
‘Fabrício Queiroz virou fantasma que assombra Bolsonaros’, afirma Andrei Meireles
Jornalista avalia repercussão da prisão domiciliar e do histórico de Queiroz na vida do presidente e de seus filhos, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Fabrício Queiroz virou fantasma que assombra os Bolsonaros”, a afirmação é do jornalista Andrei Meireles, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de julho. “Ele sempre foi uma espécie de faz tudo para a família presidencial, cuidava desde a arrecadação à segurança do clã”, diz, em um trecho.
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Queiroz montou e operou o esquema das rachadinhas, devolução de parte dos salários por funcionários remunerados com dinheiro público, nos gabinetes parlamentares dos Bolsonaros. “O de maior escala foi no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro em seus mandatos como deputado estadual, no Rio de Janeiro”, lembra Meireles. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, gratuitamente, em seu site.
A preocupação no entorno dos Bolsonaros, após a decisão do ministro Noronha, é o advogado Frederick Wassef. “Ele se sente credor da família e recusa todos os conselhos para submergir. Vaidoso, adora holofotes. Em suas seguidas entrevistas, vem apresentando teses delirantes sobre a morte do capitão miliciano Adriano Nóbrega e as ameaças a Fabrício Queiroz ‘por forças ocultas’”, escreve Meireles.
O que mais incomoda o governo, de acordo com o artigo publicado na revista Política Democrática Online, é sua dificuldade em dar uma versão crível sobre a sua atuação, em seu papel de “anjo” para os Bolsonaros. “Ele não consegue explicar, por exemplo, quem lhe autorizou a comandar a operação clandestina para esconder Queiroz em suas casas em São Paulo”, afirma.
Outra sombra do passado que acua Bolsonaro, segundo Meireles, é o avanço em diversas frentes sobre o exército de robôs que ajudou a elegê-lo e faz guerra permanente contra todos os seus adversários. “Nos inquéritos e na CPI sobre fake news em Brasília, e nas medidas profiláticas tomadas pelas redes sociais Facebook e Instagram, a tropa montada pelo filho Carlos Bolsonaro, o 02, está sob intenso tiroteio”, observa o autor.
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RPD || Andrei Meireles: Queiroz e outros fantasmas do passado que assombram Bolsonaro
Decisão do presidente do STJ, que concedeu prisão domiciliar ao faz-tudo Queiroz, dá um alívio temporário ao presidente Jair Bolsonaro. A investigação é a mais avançada sobre o passado que atormenta o governo Bolsonaro desde a divulgação, antes até mesmo da sua posse
Como habitual nos últimos recessos do Judiciário, o clã Bolsonaro voltou a ganhar algum fôlego com decisão controvertida de um ministro plantonista que não é o juiz natural da causa. Dessa vez, a canetada na quinta-feira (9) foi do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que acatou pedido da defesa e transferiu Fabrício de Queiroz do presídio em Bangu 8 para prisão domiciliar. Decisão extensiva a Márcia de Aguiar, mulher de Queiroz, que estava foragida, a pretexto de que, fora da cadeia, ela não poderia cuidar do marido, em casa.
O que dizem seus colegas no STJ é que o ministro João Noronha concedeu os benefícios ao casal Queiroz na expectativa de melhorar suas chances na disputa por uma das duas vagas a ser indicada pelo presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal. Com certeza, ele ganhou pontos.
Fabrício Queiroz virou fantasma que assombra os Bolsonaros. Ele sempre foi uma espécie de faz tudo para a família presidencial, cuidava desde a arrecadação à segurança do clã. Montou e operou o esquema das rachadinhas – devolução de parte dos salários por funcionários remunerados com dinheiro público – nos gabinetes parlamentares dos Bolsonaros. O de maior escala foi no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro em seus mandatos como deputado estadual, no Rio de Janeiro.
Essa é a investigação mais avançada sobre o passado que atormenta o governo Bolsonaro desde a divulgação, antes até mesmo da sua posse. Motivo principal das seguidas pinimbas do presidente da República com a Polícia Federal, que foi a matriz de todas as crises com o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
Em julho do ano passado, em outro recesso do Judiciário, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, também com canetada polêmica, gerou pandemônio na Justiça ao suspender, a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, centenas e centenas de investigações, inquéritos e processos baseados nos relatórios do Coaf. Seis meses depois, a medida foi revogada em uma decisão quase unânime do Supremo, inclusive com o surpreendente voto favorável do próprio Toffoli. Assim, voltou a andar o inquérito das rachadinhas no Rio de Janeiro.
Serviu apenas para atrasar as investigações e trazer para a ribalta Frederick Wassef, um desses advogados que opera mais nos bastidores do que nos tribunais. A decisão do STF foi a senha para Wassef esconder Queiroz em sua casa em Atibaia, passar a monitorar os passos de sua família e tentar controlar outras pistas soltas no passado dos Bolsonaros.
Com sua disciplina militar, e medo real de represálias, Fabrício Queiroz parece não ter perfil para delação premiada. Os investigadores sabem disso. A expectativa deles era conseguir a colaboração da mulher dele, Márcia de Aguiar, ou de sua filha mais velha, Nathalia Queiroz. Márcia escapou de uma prisão preventiva se escondendo durante semanas. A canetada do ministro João Noronha, que também a colocou em prisão domiciliar com o inacreditável argumento de que, assim, ela poderia "cuidar do marido", pelo menos adia qualquer tentativa dos investigadores, de obterem sua confissão.
As provas já de posse do Ministério Público são suficientes para denúncia consistente contra Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, e todos os demais envolvidos no escândalo da rachadinha. Portanto, a colaboração de Queiroz nesse caso não é decisiva. Ele pode ser problema bem maior para a família Bolsonaro do que nesse esquema de corrupção, que, infelizmente, é generalizado nos parlamentos, em todo o país. Queiroz é o elo exposto de uma ligação ainda não esclarecida com as criminosas milícias policiais no Rio de Janeiro. Essa é uma sombra que também assusta os aliados, principalmente os militares.
A preocupação no entorno dos Bolsonaros, após a decisão do ministro Noronha, é o advogado Frederick Wassef. Ele se sente credor da família e recusa todos os conselhos para submergir. Vaidoso, adora holofotes. Em suas seguidas entrevistas, vem apresentando teses delirantes sobre a morte do capitão miliciano Adriano Nóbrega e as ameaças a Fabrício Queiroz "por forças ocultas". O que mais incomoda o governo é sua dificuldade em dar uma versão crível sobre a sua atuação, em seu papel de "anjo" para os Bolsonaros. Ele não consegue explicar, por exemplo, quem lhe autorizou a comandar a operação clandestina para esconder Queiroz em suas casas em São Paulo.
Outra sombra do passado que acua Bolsonaro é o avanço em diversas frentes sobre o exército de robôs que ajudou a elegê-lo e faz guerra permanente contra todos os seus adversários. Nos inquéritos e na CPI sobre fake news em Brasília, e nas medidas profiláticas tomadas pelas redes sociais Facebook e Instagram, a tropa montada pelo filho Carlos Bolsonaro, o 02, está sob intenso tiroteio.
Todos esses imbróglios, somados à demissão de Sérgio Moro, que entrou no governo como avalista do combate à corrupção e saiu atirando em Jair Bolsonaro, estão causando rombo no apoio popular ao presidente. Nos números absolutos nas pesquisas de opinião pública, a queda nem foi tão expressiva. Mas, se lidas com atenção, elas mostram que o tombo só não foi maior porque os desiludidos com Bolsonaro foram em parte momentaneamente substituídos por um contingente de pessoas satisfeitas com o pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia. Só que é uma ajuda transitória.
*Andrei Meireles é jornalista.
Andrei Meireles: O clã Bolsonaro caiu junto em Atibaia
A queda de Queiroz escancarou parcerias e alianças que Bolsonaro tentava esconder
Há estragos tão destrutivos que nem os melhores remendos consertam. A prisão de Fabrício Queiroz no refúgio que o advogado Frederich Wassef tentou esconde-lo é um deles. Não há versão que se crie que tire o clã Bolsonaro da cena do crime.
Nesse domingo à noite, Fred Wassef anunciou que estava renunciando a ser advogado de Flávio Bolsonaro e de seu pai presidente da República, Jair Bolsonaro. Tudo previsível desde que o refúgio caiu. Um parceiro de Fred me disse que não havia hipótese dele ser um homem-bomba enquanto negócios com o governo que ele teria interesse fossem mantidos.
Como mostra a forma em que foi descartado, o advogado Fred comprova ser uma peça menor. Fabrício Queiroz é o que importa de verdade para a família Bolsonaro. Ele é o faz tudo do clã, cuida da grana e da segurança de todos, há décadas. Foi também grande cabo eleitoral. Foi quem fez a ligação dos Bolsonaros com as milícias que sempre se beneficiaram e também os ajudaram no conjunto dessa obra.
O problema é que a prisão de Queiroz — muito mais até do que a morte do capitão miliciano Adriano na Bahia — traz a bandidagem de Rio das Pedras para Brasília. Por mais que pareça inacreditável para quem ache que viu de tudo nos tapetes verde, azul e de todas as cores na capital da República, a pior face das favelas cariocas ainda não havia batido na porta. As milícias virtuais e reais tão pedindo passagem.
É preciso barrá-las antes que contaminem a República.
Passou da hora. Jair Bolsonaro e seus filhos têm que se explicar. Não adianta se esconderem atrás de imaginárias revoluções culturais. O que está posto na mesa, por todo e qualquer ângulo, é que são suspeitos de envolvimento com crimes. Seja o de corrupção, como a rachadinha com robustas provas de mesada para a família, ou o envolvimento com a milícia e seu amplo cardápio de crimes.
Até agora loucuras de Bolsonaro — como a negação da pandemia do novo coronavírus– têm sido matadas no peito, alguns a contragosto, pela elite militar. Ele conseguiu, por exemplo, sensibilizar os generais com queixas de que alguns de seus atos, como a nomeação de um diretor da Polícia Federal, terem sidos barrados no STF. Nesses casos o ajudou a cultura militar da hierarquia e disciplina.
A prisão de Queiroz deu um nó nessa narrativa. Ele e as milícias são a própria negação da ordem, disciplina, hierarquia, e tudo o mais que rege as Forças Armadas. Mas é mais do que isso. As milícias são a negação nessas comunidades do estado e, principalmente, da democracia. É um absurdo, por exemplo, que no Rio de Janeiro, além de seus maus governos constitucionalmente eleitos, grande parte de seu território ser governado por essa e outras bandidagens.
É essa a conta que está chegando a Brasília. Cai no colo dos poderes da República resolver inclusive sobre os custos das múltiplas relações de Bolsonaro com Queiroz. Somado e subtraído, o preço republicano a ser pago depende do tamanho do estrago efetivo e potencial dessa enrolada família. Pode ter desconto se for abreviado.
A conferir.