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Andrea Jubé: ”O PSDB não foi solidário”

Prefeito cobra guinada do PSDB para a oposição

Segundo Nelson Rodrigues, em frase que atribuiu a Otto Lara Resende, “o mineiro só é solidário no câncer”. Parafraseando a dupla, em algumas situações, o político não será solidário nem no câncer.

Era maio de 2001, e o presidente Fernando Henrique Cardoso tentava barrar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar casos de corrupção em seu governo. Para isso, incumbiu o então líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), de articular o cancelamento da sessão em que seria lido o requerimento de criação da CPI mista.

FHC precisava ganhar tempo para retirar as assinaturas de apoio à investigação. Segundo o Datafolha, 84% da população apoiava a instalação da CPI para apurar as denúncias do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). Mas o adiamento da sessão também implicou o cancelamento da homenagem ao governador de São Paulo, Mário Covas (1930-2001), ícone tucano, falecido havia dois meses por causa de um câncer - mal que aflige seu neto, o prefeito Bruno Covas (PSDB).

Virgílio ponderou que a homenagem deveria ser mantida, porque a CPI não iria prosperar, e a viúva de Covas, Dona Lila (1933-2020) havia se deslocado a Brasília exclusivamente para a sessão no Senado.

“A CPI não tinha fato determinado”, relembra Virgílio. “O requerimento tinha uns 22 itens, cada um ia lá e acrescentava um novo: o ACM colocou um item para investigar o [presidente do Senado] Jader Barbalho, o Jader colocou outro para investigar o ACM, eu coloquei um para investigar desvios do PT no FAT [Fundo de amparo ao Trabalhador], qualquer tribunal ia suspender uma maluquice daquelas, mas preferiram suspender a homenagem ao Covas”, lamentou o tucano à coluna, 19 anos depois.

Cancelada a sessão, uma comitiva de sete tucanos se espremeu em um carro oficial com espaço para cinco para se dirigir ao hotel e comunicar a viúva que a homenagem fora cancelada. Segundo Virgílio, ele acabou incumbido de encará-la sozinho. Ela estava acompanhada no hotel do filho Mário Covas Neto (hoje vereador em São Paulo pelo Podemos) e da filha Renata, mãe de Bruno Covas.
Virgílio conta que ouviu de uma viúva altiva e indignada que não tinha raiva dele, porque lhe restou desempenhar o papel que sempre sobrava para Covas. “Imagino que você tenha chegado com mais tucanos, mas ou eles ficaram no carro, ou foram embora; não tiveram coragem de subir para falar comigo. Quando todo mundo se escondia, o Covas botava a cara pra bater”, ouviu de Dona Lila.

Quatro anos depois, Virgílio narra que novamente sobrou pra ele colocar a cara a tapa sozinho em novo episódio constrangedor para o partido. Ele era líder do PSDB no Senado em 2005, quando o então prefeito de João Pessoa (PB), Cícero Lucena (PSDB), foi preso por denúncias de fraude em licitações. Segundo Virgílio, o PSDB fretou um jato que levaria uma comitiva de tucanos para se solidarizarem com o correligionário. Ao fim, por decisão dos companheiros, ele foi e voltou sozinho.

Atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio relembrou os dois episódios para afirmar que se sentiu abandonado pelo PSDB, que não se manifestou oficialmente sobre as ofensas que o presidente Jair Bolsonaro dirigiu a ele e ao governador de São Paulo, João Doria, na reunião ministerial de 22 de abril. Bolsonaro chamou os dois caciques tucanos de “bosta”.

“Já estou tão acostumado”, tripudiou, ressalvando que recebeu telefonemas de apoio do próprio Doria e do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a quem se refere como “irmão”.

“Faltou solidariedade, o partido tem que estar junto das pessoas que foram atacadas. Se for acusação grave, a pessoa tem que se explicar. Mas uma pessoa injuriada, chamada do que o sujeito [Bolsonaro] me chamou, do que chamou o Doria, e o partido não se ofende?”

Lembrado que o PSDB tem um representante no primeiro escalão do governo Bolsonaro, Virgílio cobrou atitude solidária do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. “E isso [os insultos] não mexeu com o Marinho? Dois companheiros de partido atingidos desse jeito, e ele prefere prestar os bons serviços a esse governo?”

Há 31 anos no partido - três vezes prefeito de Manaus, ministro, deputado e senador, líder da bancada - Virgílio diz que não vê “compatibilidade” entre o PSDB que sonha e o que está no governo Bolsonaro. Ele acha que o partido deve pedir a Marinho que se licencie ou se desfilie para continuar no cargo. “O PSDB tem razões históricas para não manter vínculo com alguém que defende a tortura, o Mário Covas foi cassado [pelo AI-5]”.

O prefeito tem concedido entrevistas a agências e veículos internacionais sobre o impacto do coronavírus no Amazonas e as consequências do descontrole da pandemia para os índios. Ele receia que a segunda onda da epidemia virá com a força de um “massacre”, mas não vê a reedição das cenas dramáticas da abertura de covas coletivas em Manaus, quando a capital promoveu até 167 enterros em um dia.

Ele assegura que a Prefeitura atravessará a pandemia do ponto de vista financeiro com “tranquilidade”, mas com “intranquilidade” do ponto de vista social por causa do quadro recessivo da economia. Ele preparou os cofres para uma queda de arrecadação de até 30%, a folha de pagamento está garantida, formou um colchão de R$ 1,6 bilhão para investimento em obras de mobilidade e saneamento.

Rescindiu contratos de locação para abrigar três secretarias em um mesmo prédio, cortou cargos comissionados e reduziu em 25% contratos de fornecedores.

Com assento na Executiva tucana, acha que a realidade da pandemia não comporta um debate sobre o impeachment de Bolsonaro, mas que o PSDB terá de se posicionar mais à frente. “Falar disso agora só serve para tumultuar mais o quadro”. Ele ressalta que se o PSDB não der uma “guinada de 180 graus” e fizer oposição dura ao governo, vai se tornar um partido irrelevante e não disputará pra valer as eleições.

Conta que amigos até lhe recomendaram deixar o PSDB, e migrar para o Novo, mas ele critica a legenda, que recusa filiados com mandato. “E quem foi eleito pelo Novo e conquistou um mandato, agora terá que sair? Porque se mandato conspurca, o filiado já foi conspurcado”.


Andrea Jubé: Os dois gigantes que movem a política

Autoridades veem risco de confrontos e até black blocs

Se estivesse vivo, o professor Emilio Mira y López identificaria na realidade nacional pelo menos dois dos “quatro gigantes da alma”, que ele radiografou no clássico da psicologia universal: o medo e a ira. O Brasil é hoje um país dominado pelo temor do coronavírus, da ruína econômica, da ruptura democrática, e tudo isso embalado pelo ódio político, que amplia a turbulência e gera insegurança.

Num momento em que o amor e o respeito à pátria são invocados para legitimar despautérios, como discursos autoritários e ataques às instituições democráticas, vem à tona a atualidade da obra de Mira y López escrita em 1947, depois que o autor, filho de um médico militar, vivenciou duas grandes guerras mundiais e lutou contra o franquismo na Espanha.

“O ódio político é extremamente devastador porque pode invocar para satisfazer-se, a cada momento, o sagrado prestigio da pátria. Assim, basta acusar o vizinho odiado de ser “traidor da pátria” para que sobre ele caiam os anátemas dos que são incapazes de dar a essa palavra um valor variável, em função do marco em que é empregada”.

Professor de psicologia e psiquiatria da Universidade de Barcelona, Mira y López, publicou um estudo cientifico pioneiro das três emoções primárias do homem: o medo, a ira e o amor. Ele as classifica como as três grandes reações neuropsicológicas, que somadas à força repressiva do meio social - o dever - formam os “quatro gigantes da alma”, título da obra, uma referência intelectual nos anos 50 e 60.

É nesse cenário em que o medo e a ira movem a política nacional que as convocações nas redes sociais para a realização de novos atos em defesa da democracia no próximo fim de semana, inclusive na Esplanada dos Ministérios, acenderam o alerta entre as forças de segurança da Presidência da República e do Distrito Federal.

Autoridades do alto escalão receiam confrontos entre apoiadores e opositores do governo. Numa análise ampliada, o temor é de que a tensão política, num cenário de crise sanitária e alto desemprego, desemboque em convulsão social, com saques e depredação de patrimônio.

Alvo de ameaças - ele e seus pares do Supremo Tribunal Federal - o ministro Gilmar Mendes alertou que é preciso “combater o discurso do ódio” para evitar que o pior se concretize. “Tememos que essa violência verbal se convole em violência física, isso não é bom para o país, independentemente de quem seja o alvo”, alertou em entrevista à GloboNews.

É nesse contexto que não foi ao acaso o conselho do presidente Jair Bolsonaro ontem aos seus apoiadores para que não repetissem os atos no fim de semana. “Estão marcando no domingo um movimento né, deixem [os opositores] sozinhos”.

O acirramento da radicalização política nos últimos anos, agravado num cenário de pandemia e crise econômica, transformou o Brasil em uma panela de pressão prestes a explodir. De um lado, o país ultrapassou a marca de meio milhão de infectados pelo coronavírus, com quase 30 mil vítimas, segundo dados oficiais. Em paralelo, a pobreza parece avançar na mesma velocidade da pandemia. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) diz que os desempregados somam 12,8 milhões de brasileiros - o mesmo que a população inteira da cidade de São Paulo.

Esse somatório de perdas - de vidas humanas, de emprego, de esperança -, tendo como pano de fundo a ameaça democrática, torna-se um campo fértil para a revolta popular.

Por meio do Centro Integrado de Operações (Ciop), que reúne 29 órgãos do Distrito Federal, a Secretaria de Segurança Pública vem monitorando as manifestações de apoiadores de Bolsonaro aos domingos, há mais de um mês, na Praça dos Três Poderes. Sem oposição, os atos têm sido pacíficos, embora questionáveis pela violação ao decreto que proíbe aglomerações.

Fontes da secretaria ressalvam que há um impasse legal, que autorizaria os protestos, seja de que lado forem, porque a Constituição Federal assegura o direito de manifestação. É essa prerrogativa constitucional que estará em debate caso a Justiça seja acionada para proibir os protestos do próximo fim de semana para evitar confrontos.

Vários cenários estão sendo analisados pelas forças de segurança federal e dos Estados para evitar atos de violência no próximo fim de semana. Um dos temores é o ressurgimento de grupos radicais como os “black blocs”, responsáveis por ações violentas nas manifestações de 2013.

Outro receio envolve a eventual prisão da ativista Sara Winter, apoiadora do presidente, que fez ameaças públicas ao ministro do STF Alexandre de Moraes e é investigada pela Polícia Federal. Há dúvidas se a sua detenção teria o efeito de advertência para conter os excessos dos demais ativistas, ou acirraria os ânimos dos bolsonaristas.

Outro temor é de que os protestos antirracistas que ocorrem há uma semana nos Estados Unidos - e ganharam ampla cobertura da imprensa brasileira -, contra o assassinato de George Floyd, estimulem os protestos nacionais.

No limite, há quem arrisque que restará ao governador Ibaneis Rocha (MDB) imitar o seu antecessor, Rodrigo Rollemberg (PSB), que ergueu um muro de dois quilômetros de extensão nos gramados da Esplanada para dividir os grupos adversários no impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 e evitar as vias de fatos entre os dois grupos.

Mira y López ficou conhecido como o “teórico da liberdade”: exilado após a luta contra o regime de Franco, ele viveu nos Estados Unidos, Argentina e Uruguai, até radicar-se no Brasil, onde faleceu em 1964, em plena ruptura democrática.

Ele não se conformava com a radicalização política, porque para ele esse ódio esbarrava na essência da atividade política, que deveria ser “modelo de tato, compreensão e respeito ao ser humano”. Sua conclusão foi de que o ódio político remonta à tendência do homem, “desde sua mais remota ancestralidade”, a ambicionar o poder, “não para servir, mas para dele se servir”.


Andrea Jubé: “Eu usaria ‘fake news’ como uma arma”

Senado vota no dia 2 projeto que tenta frear “fake news”

“Fake news” e armas de fogo estão na ordem do dia, no contexto da pandemia e da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o presidente Jair Bolsonaro exclamou que deseja armar a população. “Por isso que eu quero que o povo se arme!”

Parecem temas estranhos entre si, mas são como duas paralelas, que se encontram no infinito, porque o potencial letal das “fake news” equipara-se ao das armas de fogo.

A metáfora é do lobista americano Jack Burkman: “Eu usaria ‘fake news’ como uma arma. Os alemães e os britânicos usam armas químicas, e você vai fazer o quê? Não quer dizer que goste, mas tem que fazer”, explicou o apoiador de Donald Trump, no documentário “Depois da verdade: desinformação e o custo das ‘fake news’”, que estreou recentemente na plataforma de streaming HBO.

“Usei ‘fake news’ (…) existem consequências terríveis potencialmente, mas e daí? É o que eu digo: e daí?”, questionou Burkman, evidenciando o grau de impunidade em torno do tema. (Vê-se que o famigerado “E daí?” não é monopólio da política nacional).

A fala de Burkman abre o filme do diretor Andrew Rossi, vencedor do Emmy, que revela a letalidade da disseminação de conteúdo falso. O caso mais emblemático retratado no filme se deu durante a campanha de Trump em 2016: o Pizzagate, que envolveu um point badalado em Washington, frequentado por políticos, jornalistas, e famílias descoladas.

A falsa notícia de que a pizzaria Comet Ping Pong era a sede de um esquema orquestrado pela adversária de Trump, a democrata Hillary Clinton, espalhou-se pelas redes e ganhou contornos cada vez mais absurdos. No local, existiria um porão onde crianças seriam estupradas e mantidas como reféns. Pelo delivery, mediante um código, as pessoas receberiam crianças no lugar de pizzas em seus apartamentos.

Perto da eleição, Hillary encostou em Trump, abalando os nervos dos republicanos. Um deles - Edgar Maddison Welch, 28 anos, pai de duas filhas - resolveu dirigir 550 quilômetros, da Carolina do Norte até Washington, na companhia de um fuzil AR-15, determinado a resgatar os “reféns” do Comet Ping Pong.

Armado com o fuzil, um revólver e uma faca, Welch entrou sem atirar na pizzaria, porque a prioridade era localizar o esconderijo e libertar as vítimas. Enquanto ele se ocupava com a busca frenética, os funcionários puderam ajudar os clientes a fugir até a chegada das viaturas, em tempo hábil de impedir a tragédia.

O episódio ilustra como a desinformação e as teorias da conspiração impactam a política, com reflexos na vida do cidadão comum. Na eleição americana, verificou-se que o conteúdo falso teve mais engajamento do que o verdadeiro. A falsa notícia do apoio do Papa Francisco a Trump teve 961 mil engajamentos.

A invenção de que Hillary operaria um esquema de abuso infantil remonta à acusação de que o então candidato do PT à Presidência Fernando Haddad iria distribuir mamadeiras com o formato de pênis em creches e escolas da rede pública. A ficção teve intensa repercussão no eleitorado evangélico, prejudicando o petista nesse segmento.

A preocupação com a expansão das “fake news” e os seus reflexos no pleito municipal deste ano fez o Congresso apressar o passo para votar uma norma regulamentando o tema. A meta é evitar a reincidência de danos causados em 2018, ou ao menos atenuá-los. Co-autor do projeto, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) diz que há críticas à velocidade de análise da matéria, pautada para o dia 2 de junho no plenário virtual do Senado, mas que neste caso, é preciso agilidade.

“Estamos no meio de uma pandemia e a desinformação pode matar pessoas. Também teremos daqui a pouco um novo ciclo eleitoral, e não podemos chegar lá com as redes de desinformação e ‘fake news’ em ação”, justificou.

O projeto é de autoria do gabinete compartilhado que Vieira mantém com os deputados Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) e introduz regras que se adequam ao Marco Civil da Internet, mas colocam freios à disseminação das notícias falsas.

Um dos dispositivos limita o número de encaminhamentos de mensagens nos aplicativos de conversas no período eleitoral. Durante a propaganda eleitoral ou nas situações de emergência ou calamidade pública (como a pandemia da covid-19), o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem fica limitado a no máximo um usuário ou grupo.

O projeto está sendo debatido com a sociedade civil, e a partir das críticas de que alguns dispositivos configurariam censura, haverá alterações. A ideia é prever que o autor da publicação considerada falsa seja notificado previamente antes que o provedor a remova.

Em março, Facebook, Twitter e Instagram removeram postagens de Bolsonaro com críticas ao isolamento social - principal política mundial de enfrentamento ao coronavírus. Em um dos vídeos removidos, o presidente dizia que o país ficará imunizado quando 70% forem infectados, e que um remédio contra o coronavírus já seria uma realidade, sem apresentar comprovação dos dados.

O senador diz que haverá comoção em torno da definição de “fake news”: o que será a opinião do autor da postagem, ou a replicação de conteúdo falso. No caso da cloroquina, ele observa que não pode ser considerada “fake news”, porque alguns profissionais de saúde recomendam a sua utilização no tratamento da covid-19. Mas divulgá-la como remédio eficaz seria propagar conteúdo falso.

No mundo político, vigora a percepção de que Bolsonaro foi eleito na esteira de um movimento político que tem a desinformação no centro de sua estratégia. A denúncia chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pautará os pedidos do PT de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão nas próximas semanas, conforme informou o Valor. A propagação criminosa e sistemática de “fake news” é investigada, em paralelo, pelo Supremo Tribunal Federal e pela CPI Mista do Congresso.


Na reunião de 22 de abril, Bolsonaro avisou: “Eu tô fora de eleições municipais”. Foi a resposta ao ministro Paulo Guedes, que afirmou que é preciso reeleger o presidente. “Mas o presidente tem que pensar daqui a três anos. Não é daqui a um ano não”, alertou.


Andrea Jubé: E vai colocar quem no lugar?

PEC impede vice de assumir Presidência em definitivo

Parlamentares que transitam na cúpula das duas Casas legislativas afastam um eventual impeachment alegando que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro ainda é alta, não tem ambiente político, a economia claudica, mas ainda não tombou, e não tem povo na rua - até porque a pandemia da covid-19 impede aglomerações. Essas lideranças insistem que “precisa de povo na [Avenida] Paulista para derrubar presidente”.

Do rol de justificativas, o argumento cabal é a ausência de uma liderança nacional que traga estabilidade ao país. “Vamos tirar o Bolsonaro para colocar quem no lugar?” É a pergunta que todos se fazem e, invariavelmente, vem acompanhada de um silêncio e um suspiro. Um dirigente partidário observa, em tom pragmático, que “Bolsonaro é o que temos para o jantar”.

A leitura predominante entre parlamentares influentes nas duas Casas é a de que um impeachment neste momento só favorece o vice-presidente Hamilton Mourão e mais dois atores: o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

“E ninguém no Congresso gosta deles”, sublinha um senador experiente, sobre Moro e Doria. A menção a Mourão sugere outro verbo: não é gostar ou desgostar, trata-se de desconfiar.

Embora Moro tenha feito gestos de aproximação com o mundo político na passagem pelo governo, a maioria dos parlamentares ainda o vê como o “xerife” da Lava-Jato, que levou dezenas de deputados e senadores ao banco de réus.

Em março de 2017, a temida “Lista de Janot” - do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot - decorrente da Lava-Jato, resultou em 83 pedidos de abertura de inquérito para investigar políticos citados nas delações de executivos da Odebrecht. Um mês depois, o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal autorizou a investigação de oito ministros, três governadores, 24 senadores e 39 deputados.

Em outra frente, João Doria não empolga os congressistas. No começo do ano, o tucano era candidato a se reeleger governador. Mas o acirramento da crise sanitária e o palanque alcançado pelo antagonismo a Bolsonaro lhe conferiram protagonismo nacional e o catapultaram de volta à corrida sucessória.

Apesar da visibilidade, Doria tem dificuldade em conter o avanço do coronavírus no Estado, que se consolidou como o epicentro da pandemia. Ontem, em um discurso veemente, o tucano prometeu reagir se ficar confirmado que o governo federal o estaria retaliando politicamente, por exemplo, ao não enviar respiradores para o Estado. “Espero que o governo federal não faça seletividade política dos brasileiros que podem ou não podem sobreviver”, advertiu.

Outra ressalva é a de que Doria não desperta empatia na bancada nordestina. “Como é que eu vou chegar com o Doria no Nordeste?”, questiona um veterano do Senado, observando que o paulista não tem apoio na região, assim como Bolsonaro.

Por fim, Doria não une nem o PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não esconde a simpatia pelo projeto de Luciano Huck, embora há um mês tenha reconhecido em entrevista que Doria cresceu na crise, enquanto o apresentador encolheu. Além disso, uma ala dos tucanos prefere como presidenciável o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

A pesquisa XP/Ipespe realizada há um mês mostrou que Bolsonaro alcança 28% de ótimo e bom, e 44% de ruim e péssimo. Políticos do Centrão consideram esses números relevantes, se comparados aos índices dos presidentes que sofreram impeachment.

Quando o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (ex-MDB) - hoje em prisão domiciliar, por causa da covid-19 - deflagrou o processo contra Dilma Rousseff em dezembro de 2015, a petista tinha 69% de ruim e péssimo segundo pesquisa CNI/ Ibope. Fernando Collor tinha 59% de ruim e péssimo em agosto de 1992, segundo a CNI/Ibope - em dezembro os senadores aprovaram o impeachment.
Deputados e senadores ouvidos pela coluna creditam, em parte, a popularidade de Bolsonaro ao auxílio emergencial de R$ 600 concedido a um terço da população, embora a proposta originária tenha partido da oposição. “Acabou se transformando no Bolsa Família dele”, observou um senador.

Mas a avaliação quase unânime desse grupo influente é que a crise em torno das denúncias de Sergio Moro, em tramitação no STF, tem a força de um traque. “Videozinho não derruba presidente, o que o derruba é a economia e povo na rua”, reforça este senador.

Para outra liderança do Senado, Moro puxou o gatilho e atingiu o presidente, mas ainda não foi a bala de prata. Segundo este parlamentar, o descontrole sobre a pandemia fulminará Bolsonaro, porque o Brasil ficará entre os dois países com o maior número de vítimas fatais da covid-19, e cada família brasileira poderá ter perdido um parente ou um amigo para o coronavírus.

Ao mesmo tempo, nesse cenário de luto nacional, milhares de empresas terão ido à falência e o número de desempregados terá se multiplicado. “Isso vai enterrar a popularidade dele e será a bala de prata”, concluiu o senador.


Para neutralizar o “risco Mourão”, a oposição tenta convencer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a criar uma comissão especial para votar a PEC 37 dos ex-líderes do PT Paulo Teixeira (SP) e Henrique Fontana (RS). A proposta impede o vice-presidente de assumir em definitivo a Presidência da República, na hipótese de vacância do cargo, e amplia a regra a governadores e prefeitos. No Amazonas, por exemplo, começou a tramitar o impeachment do governador Wilson Lima (PSC).

Segundo a emenda, vagando o cargo de presidente, será realizada eleição direta em 90 dias para escolha do sucessor. O texto também dispõe que “em nenhuma hipótese” o vice assumirá a chefia do Executivo em definitivo.

O relator da PEC é o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), ex-aliado de Bolsonaro. A PEC teria efeito imediato. Para justificar, um petista evoca a PEC da reeleição de Fernando Henrique em 1997, que beneficiou o então titular do cargo.


Andrea Jubé: O recalcitrante

“Falta quem lidere a moderação”, diz general sobre crise

A crise política insuflada pelo próprio presidente da República cresce no mesmo ritmo e proporção que a acentuada curva em ascensão da pandemia da covid-19 no Brasil. Na contramão, a inflexão para baixo verificada nos últimos dias foi a da popularidade presidencial.

Segundo a pesquisa XP/Ipespe divulgada ontem, a aprovação de Bolsonaro caiu quatro pontos percentuais em uma semana (até 30/4), desde o pedido de demissão do ex-ministro Sergio Moro. No mesmo período, o número de casos confirmados e óbitos provocados pelo coronavírus dobrou. Eram 3.704 vítimas fatais em 24 de abril; ontem esse número subiu para 7.288.

É um círculo vicioso e infeccioso: os minicomícios dominicais que atentam contra a democracia (e agora contra a liberdade de imprensa) elevam a temperatura política e violam a quarentena; essa violação gera aglomerações, que podem levar ao aumento dos casos de covid-19; o incremento dos casos obriga governadores a prolongarem a quarentena, o que mantém o comércio fechado, acirra a crise econômica e a política e estimula os minicomícios com o presidente; esses minicomícios violam a quarentena e causam aglomerações, que aumentam os casos da doença.

No domingo, a reedição dos atos antidemocráticos com a participação do presidente Jair Bolsonaro, apenas 15 dias depois do evento cobrando intervenção militar, voltou a gerar desconforto e contrariedade entre políticos e militares. Em paralelo, contudo, prevalecia um sentimento de resignação: no curto prazo, a saída institucional é conviver com a ousadia e recalcitrância presidencial.

O presidente já foi aconselhado a não estimular nem participar desses atos, mas faz ouvidos moucos. “Não adianta, Bolsonaro não vai mudar”, sentenciou à coluna um cacique político com trânsito nos três Poderes. “É o que temos para o jantar”, completou, num esgar. Esta liderança diz que será preciso “administrar” os atos do presidente, e no caso de eventuais arroubos autoritários, acionar os freios e contrapesos institucionais.

Esse mesmo cacique ressalva que não há ambiente político para impeachment. A aprovação popular do presidente vem erodindo, mas não o suficiente para perder a base de sustentação que tenta construir com o Centrão. “27% de aprovação é considerável, não acha?”, diz o aliado, citando a pesquisa XP/Ipespe. Ele observa que Bolsonaro, na prática, mantém os mesmos 30% de apoio popular, porque a margem de erro do levantamento é de 3,2%, para mais ou para menos.

“O silêncio é quem deve falar mais alto”, disse ontem um general integrante do governo abordado pela coluna para comentar os atos de domingo. A insistência de Bolsonaro em tentar vincular as Forças Armadas à sua imagem pessoal desagrada a cúpula, porque o esforço é para esclarecer que são instituições de Estado, e não de um governo.

Mesmo que alguns generais concordem com Bolsonaro de que o STF se excedeu no veto a Alexandre Ramagem e à expulsão dos diplomatas venezuelanos, é um desgaste para o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, divulgar uma nota oficial, a cada 15 dias, reafirmando o compromisso das Forças Armadas com a democracia e a Constituição. “As Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional”, reforçou o comunicado de ontem.

Para este general, é importante ficar claro que “não há ambiente para mais crises”. Entretanto, este oficial ressalta que “falta alguém para liderar essa moderação”. A mesma ausência foi apontada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ontem em live do Valor. “Estamos com uma crise de liderança (…) precisamos de alguém que dê a palavra de coesão”, cobrou o líder tucano.

O agravante nessa conjuntura é que a escalada da pandemia no país, que deveria protagonizar o debate público, virou pano de fundo da turbulência política. Enquanto Bolsonaro acelerou a troca de comando da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, a cada semana o sistema de saúde de um Estado entra em colapso.

Depois de Amazonas, Pará e Rio de Janeiro, nesta semana o alerta sanitário chegou ao Amapá, base eleitoral do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM). Dados da Fiocruz mostram que em 30 de abril, havia 171,9 casos confirmados por 100 mil habitantes no Amapá. Ao lado, no Amazonas, esse índice era de 158,8/100 mil, e em São Paulo, de 65,6/100 mil.

Enquanto Bolsonaro conclama a abertura das lojas, nos últimos dias, os governadores Helder Barbalho (Pará), e Paulo Câmara (Pernambuco), decidiram decretar “lockdown” em Belém e Recife para tentar conter a escalada de mortes.

Ontem houve acenos do STF de distensionamento: o ministro Marco Aurélio Mello propôs uma alteração no regimento para que pedidos de liminar envolvendo atos do Executivo ou do Congresso sejam apreciados pelo plenário, sem possibilidade de decisão individual. Incomodou Bolsonaro que o veto a Ramagem partisse de uma decisão sem o respaldo do colegiado.

Em contrapartida, não houve gestos públicos de Bolsonaro para aliviar a tensão. Ele ainda levantou dúvidas sobre as agressões físicas e verbais de seus apoiadores contra os jornalistas que trabalhavam na cobertura do evento.

Em uma crônica dos anos 70, Carlos Drummond de Andrade descreveu um embate entre o trocador e um passageiro, que violou a portaria sobre roupas de banho no ônibus. Invocando a obediência à lei, a disciplina e o senso de coletividade, o trocador pediu que o passageiro viajasse de pé, para não encharcar o banco e permitir que outra pessoa seca pudesse ocupar o assento.

“Não é água de mar, é suor”, retrucou o passageiro, alegando que não estava molhado, e sim, suado. Mas o trocador adverte que segundo a portaria, os recalcitrantes devem se retirar. O passageiro reagiu: não admitiria ser chamado de “réu-não-sei-o-quê” porque não era bandido. E não arredou o pé, ou melhor, o traseiro.

Equipare-se o banhista ao presidente da República e serão dois recalcitrantes, violando normas que miram o bem coletivo, como a quarentena. No caso do presidente, o quadro se agrava devido à estatura do cargo e à responsabilidade pela saúde e bem estar de 200 milhões de brasileiros.


Andrea Jubé: O governo claudicante

Disputa na PF pode desencadear guerra de vazamentos

Quando o governo Bolsonaro começou, gerando altas expectativas sobre o combate à corrupção e às reformas estruturantes, predominava a percepção de que se sustentava sobre três pilares: os dois superministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), e o núcleo militar.

Passados 16 meses, o primeiro pilar ruiu com a saída de Moro, símbolo da Lava-Jato, enquanto os outros dois entraram em processo de erosão.

Com o governo agora claudicante, Bolsonaro tenta se equilibrar sobre uma base tão sólida como areia movediça, formada pelo Centrão e um bloco de deputados sem partido, exilados no PSL, que aguardam o Aliança pelo Brasil.

Se o governo coxeia, Sergio Moro caiu de pé, como revelou a recente pesquisa digital da Consultoria Atlas Político, mostrando que sua popularidade continua mais alta que a do presidente.

O ex-ministro saiu atirando, guardou munição para o futuro e levou com ele uma ala expressiva da Polícia Federal, que não abdicará do combate à corrupção e não aceitará o risco de esvaziamento da Lava-Jato.

Esse recado foi transmitido pela Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), em carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro. A entidade alertou que a exoneração de Maurício Valeixo e a demissão de Moro instalaram uma “crise de confiança”, e por isso, o próximo diretor-geral terá de demonstrar que assumirá para cumprir “missão politica”.

O pule de dez para o lugar de Valeixo, como já divulgado, é o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, que tem laços de amizade com Bolsonaro e seus filhos. Confrontado na rede social sobre essa relação, Bolsonaro desdenhou: “e daí?”

O desdém é arriscado como um salto de paraquedas. A associação dos delegados recordou que o último comandante da PF que assumiu o órgão em contexto semelhante “teve um período de gestão muito curto”. Escolha pessoal do então presidente Michel Temer - alvo de investigações da PF - o delegado Fernando Segóvia passou três meses no cargo.

A entidade também explicou ao presidente que as atividades da PF são sigilosas, somente os responsáveis em promovê-las acessam os documentos, e o mesmo se aplica aos relatórios de inteligência. Mas ontem Bolsonaro discordou da associação no Twitter: “A Polícia Federal... é parte do Sistema Brasileiro de Inteligência, que alimenta com informações o Presidente da República para tomada de decisões estratégicas”.

A se consumar a nomeação de Ramagem em meio à “crise de confiança”, pode desencadear uma disputa interna na Polícia Federal entre lavajatistas e bolsonaristas, com o risco de abalar ainda mais o governo, emparedado por três crises graves simultâneas: política, econômica e sanitária. A pandemia da covid-19 já fulminou quase cinco mil brasileiros - muitos sem acesso à infraestrutura, como respiradores ou leitos de UTI, que poderiam poupar vidas.

O embate interno na PF pode provocar uma guerra de vazamentos na imprensa, com a exposição de informações sigilosas que podem prejudicar o governo ou seus antagonistas. O primeiro tiro foi disparado: um dia após a saída de Moro, a imprensa veiculou a informação de que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) seria o “mentor” do esquema de notícias falsas impulsionadas nas redes sociais contra adversários do governo, segundo investigação da Polícia Federal no inquérito das Fake News em andamento no Supremo Tribunal Federal, sob a guarida do ministro Alexandre de Moraes.

Impossível inferir a origem do vazamento, mas foi um tiro de advertência. A presença de Carlos como investigado nesse inquérito, até então, era uma suposição. Há farto material de conteúdo político explosivo e suscetível de vazamentos sob a guarda da PF, do Ministério Público e do STF.

A técnica de vazamentos estratégicos na imprensa marcou a Lava-Jato e era considerada uma arma para conquistar o apoio da opinião pública. Moro já registrou que a tática, empregada na Operação Mãos Limpas, serviu a um propósito útil. “O constante fluxo de revelações manteve o interesse do publico elevado e os lideres partidários na defensiva”, argumentou, em artigo publicado em 2004.

Bolsonaro está convencido de que o inquérito das Fake News é artilharia do STF para abreviar o seu mandato. A tese não se confirma, mas o cerco judicial cresce em torno do governo.

Em uma semana, abriram-se duas novas investigações que, direta ou indiretamente, miram o presidente: a primeira, para apurar quem organizou e financiou os atos antidemocráticos do último dia 19, de que Bolsonaro participou. E a segunda, relativa às denúncias de Sergio Moro, de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF. Essa investigação é considerada sensível para ambos os lados: se o ex-ministro não comprovar as acusações, pode responder por crime de denunciação caluniosa.

Em meio ao confronto com a PF, Bolsonaro agiu rápido para conter a escalada dos rumores de perderia outra perna do governo, com a iminente saída de Paulo Guedes. O “Posto Ipiranga” foi escanteado e desafiado diante do anúncio do Plano Pró-Brasil, apoiado pelo núcleo militar, que colocou em xeque o teto dos gastos públicos e o compromisso de ajuste fiscal.

“O homem que decide a economia é um só: chama-se Paulo Guedes”, ressaltou Bolsonaro ontem logo pela manhã, na porta do Alvorada. Foi a segunda vez em dois meses que Bolsonaro teve que sair em defesa de Guedes. Tanto empenho é alarmante por se tratar de um dos pilares de sustentação do governo.

Em fevereiro, o presidente disse ter a convicção de que Guedes fica com ele até o fim. “O Paulo Guedes não pediu para sair. Aliás, eu tenho certeza que, assim como ele é um dos poucos que conheci antes das eleições, ele vai continuar conosco até o último dia”.

Na outra ponta, emerge a ala militar, cada vez mais expressiva no primeiro escalão. Depois da saída de Moro, pelo menos um ministro do núcleo militar palaciano telefonou para alguns jornalistas para assegurar que os militares não abandonarão Bolsonaro. Estes auxiliares podem não sair, mas há representantes da cúpula das Forças Armadas que nunca entraram no governo, não o apoiam cegamente e não dão sinais de mudar de ideia.

Em suma, sem Moro, Bolsonaro fica sem uma das pernas do tripé original de sustentação do governo, mas pode perfeitamente caminhar com duas. Mas se perder Paulo Guedes, o governo Bolsonaro terá de pular como um saci.


Andrea Jubé: CPMI mira epidemia de ‘fake news’

Comissão tentará votar quebras de sigilo remotamente

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro no domingo de que “está começando a ir embora a questão do vírus” não tem base científica e esbarra na realidade e nos números. Naquele mesmo dia, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem feito o contraponto técnico ao chefe do Executivo, advertiu que “maio e junho serão os meses mais duros”.

Mandetta baseia-se nos números, que são implacáveis e desafiam Bolsonaro porque os novos casos e as novas mortes não arrefecem. O balanço divulgado ontem pelo Ministério da Saúde apontou 23.430 casos confirmados e 1.328 mortes. A taxa de letalidade da covid-19 subiu de 5,5% para 5,7%. Em 24 horas, foram 105 novas mortes de brasileiros, um acréscimo de quase 10%.

O presidente da CPMI que investiga a máquina de disseminação de notícias falsas, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), disse à coluna que Bolsonaro cometeu uma “fake news”. “Não é o que estamos vendo e ouvindo [que o vírus está indo embora], o que tem sido noticiado pela mídia, pelos governadores, prefeitos e pelo Ministério da Saúde. Ou será que governadores, prefeitos e o próprio ministério estão errados e só ele está certo?”

O presidente já incorreu em notícia enganosa. No começo do mês, Bolsonaro foi a público pedir desculpas pela divulgação de conteúdo falso em suas redes sobre desabastecimento de alimentos em Minas Gerais por causa do vírus. “Não houve checagem”, lamentou.
O agravante em meio ao enfrentamento da pandemia é que as notícias falsas crescem encadeadas com o aumento dos infectados. “As ‘fake news’ subiram mais do que o número de casos”, alertou Mandetta há uma semana.

Na semana passada, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), teve de desmentir nas redes sociais a notícia de que teria requisitado presidiários para monitorar a população nas ruas, em caso de violação do isolamento social. Na verdade, os detentos foram recrutados pelo governo para pintar faixas demarcando o distanciamento seguro dos usuários do transporte público nos pontos de ônibus.

No plano científico, uma notícia intensamente compartilhada ontem nas redes sociais afirmava que a Food and Drug Administration (FDA), agência americana reguladora de medicamentos, teria aprovado o uso da hidroxicloroquina no tratamento dos infectados pela covid-19 nos Estados Unidos. Na verdade, segundo a agência de checagem Aos Fatos, o órgão americano permitiu a utilização do medicamento em alguns casos de pacientes hospitalizados. O fato é especialmente preocupante porque Bolsonaro tornou-se um garoto-propaganda da substância no Brasil, apresentando-a como panaceia da crise.

As consequências do incremento das “fake news” sobre o coronavírus para a saúde dos brasileiros serão a expansão do número de infectados, associada ao risco de colapso da rede hospitalar pública e privada. No ano passado, o Ministério da Saúde verificou o impacto desse conteúdo falso sobre as campanhas de vacinação contra o sarampo e a poliomielite, doenças que haviam sido extintas no país.

É nesse cenário que a CPMI das Fake News abrirá uma linha de investigação para apurar a origem e o financiamento dos canais de propagação desse conteúdo. Pelo calendário original - e pela vontade do Planalto - a comissão encerraria hoje os trabalhos. Com a prorrogação, ela funcionará até outubro, fazendo as investigações coincidirem com as eleições municipais. Mas as reuniões estão suspensas há mais de um mês por causa da crise.

No dia 2, a artilharia do Planalto foi acionada para tentar garantir o arquivamento da CPMI, que tem como um dos alvos o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e os senadores Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Gomes (MDB-TO) dispararam telefonemas aos aliados e conseguiram retirar dez assinaturas favoráveis à continuidade da investigação. Mas Ângelo Coronel reagiu e obteve mais sete apoiamentos.

Para tentar dar fluxo aos trabalhos, o presidente do colegiado, Ângelo Coronel, aguarda resposta do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sobre a viabilidade do uso do sistema remoto para que a comissão possa votar requerimentos de quebras de sigilo fiscal e telefônico de pessoas e empresas investigadas. Isso daria celeridade ao trabalho dos técnicos enquanto os parlamentares não voltam a se reunir. Outro apelo é para que o prazo de funcionamento da comissão não seja contabilizado até a retomada presencial dos trabalhos.

O presidente da CPMI acredita que será possível avançar na investigação dos responsáveis pela propagação das “fake news” sobre o coronavírus da mesma forma que a comissão evoluiu na apuração do conteúdo falso sobre vacinas, que prejudicou as campanhas do Ministério da Saúde de imunização contra o sarampo e a poliomielite.

As informações são sigilosas, mas a CPMI já está de posse dos e-mails de criação e IPs relativos a dois canais do YouTube apontados como disseminadores de conteúdo falso sobre vacinas. A CPMI tem poder apenas investigativo, mas os dados serão enviados ao Ministério Público por meio do relatório final para que promova as respectivas ações penais para as punições cabíveis.

O senador tem sido perseguido na vida real e nas redes sociais. Uma pessoa residente em Belo Horizonte tornou-se réu em um processo depois de ter ameaçado de morte o senador por um e-mail anônimo. Uma fazenda do senador na Bahia foi invadida e depredada.

No plano virtual, o senador revela que um levantamento identificou a ação de robôs em ações coordenadas contra ele. “Tem textos que são iguais; é como se fosse um texto pronto e preparado para disseminação, é uma característica dos robôs, agindo quando querem depreciar um alvo”. Ele almeja, com a CPMI, exterminar os robôs e seus financiadores. “Quem paga por essas despesas [os robôs] merece ser punido exemplarmente”.


Andrea Jubé: O capitão prepara o adeus ao marechal

Bolsonaro não desistiu de demitir ministro da Saúde

O começo teve ar de mau agouro. No dia 20 de novembro de 2018, quando confirmou a escolha do ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta para compor o seu time de auxiliares, o então presidente eleito Jair Bolsonaro disse aos jornalistas: “eu confirmo o marechal Mandetta, que se Deus quiser assumirá ano que vem com essa enorme missão”.

É singular a associação do nome de Mandetta, na largada do governo, a um posto da hierarquia militar extinto em 1967. O marechalato havia se transformado no regime militar em uma espécie de sinecura a militares em fim de carreira, e o fim da patente - embora decretado como uma tentativa do presidente Castello Branco de impor revés ao general Costa e Silva - acabou recepcionado como um aceno à austeridade fiscal.

Voltando ao presente, é como se Bolsonaro ao anunciar o “marechal Mandetta” para o ministério o tivesse nomeado já com prazo de validade.

Sem vaticínios ou ilações, o que os fatos mostram nas últimas semanas é o desgaste da relação entre o presidente e o auxiliar acentuando-se num crescendo quase insuportável. No domingo, Bolsonaro admitiu a um interlocutor que o visitou no Palácio da Alvorada que a decisão de demitir o ministro da Saúde é irrevogável. A dúvida continua sendo quando consumar o ato.

Segundo interlocutores que se reuniram com o presidente nos últimos dois dias, Bolsonaro está convicto de que Mandetta extrapolou os limites da hierarquia e incorreu em quebra de confiança em uma sequência de ações que remontam ao início da crise do coronavírus.

Bolsonaro ouviu de um de seus comensais no Alvorada neste fim de semana que errou ao não imitar neste episódio o presidente americano Donald Trump, que se abespinhou com seu secretário de Saúde Alex Azar, o porta-voz da pandemia que roubou a cena.

Trump sugeriu que a palavra sobre a crise deveria ficar com o responsável pelo Centro dos Serviços de Medicare e Medicaid, Seema Verma. Depois, rendeu-se à figura de Azar e passou a dar entrevistas ao lado do auxiliar. Bolsonaro, na visão de aliados, errou porque ao contrário de Trump, preferiu romper com Mandetta e se isolar.

A conclusão de quem ouviu Bolsonaro e Mandetta ao longo da fervura é de que a demissão do ministro se transformou em uma questão de honra para o presidente, convencido de que o auxiliar desafiou sua autoridade. Bolsonaro tornou público esse inconformismo. Em uma entrevista de rádio, teve de lembrar: “O presidente sou eu”. No domingo, foi mais explícito: “A hora deles não chegou, mas vai chegar. E a minha caneta funciona e será usada”.

Num momento em que as pesquisas de opinião atestam a deterioração de sua popularidade, Bolsonaro continua dando sinais de que vai mais uma vez ceder à ala ideológica do governo e comprovar a influência de Olavo de Carvalho.

No meio da tarde de domingo, o guru bolsonarista em sua conta no Facebook a cobrança: “Fora, ministro Punhetta [Mandetta]!” E prosseguiu: “O Punhetta [sic] é o exemplo típico do que acontece quando um governo escolhe seus altos funcionários por puros ‘critérios técnicos’, sem levar em conta a sua fidelidade ideológica”.

Poucas horas depois, um Bolsonaro visivelmente contrariado pareceu em sintonia com Olavo ao admitir a apoiadores na porta do Alvorada, que havia se equivocado na composição de seu ministério. “Escolhi por critérios técnicos, errei com alguns, alguns já foram embora, estamos vivendo agora um novo momento”.

A opção pela ala ideológica enquanto a economia marcha sobre o cadafalso terá um custo político. Após horas de suspense, com impacto direto no mercado, e nova onda de panelaços em bairros influentes de São Paulo, Bolsonaro terminou o dia sem demitir o ministro da Saúde. Mas o ambiente continua tenso e os sinais estão truncados.

O embate arrastado com o ministro da Saúde já fez ruir o apoio do grupo político que avalizou a nomeação do “marechal Mandetta”, capitaneado pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), agora um opositor declarado de Bolsonaro. Da mesma ala, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, saiu enfraquecido da Casa Civil, e o correligionário Abelardo Lupion perdeu o cargo de assessor especial no Planalto.

O apoio residual do DEM ao governo ainda não virou pó porque a manutenção de Mandetta no cargo garante a interlocução com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Se o ministro for afastado, a relação institucional pode implodir.

Enquanto Mandetta e sua equipe agonizaram mais 24 horas ontem no cargo, o ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, cotado para substitui-lo, roubou os holofotes ao participar de uma reunião com Bolsonaro e os quatro ministros do Planalto - Walter Souza Braga Netto (Casa Civil), Jorge Antônio de Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). A pauta foi a epidemia do coronavírus, mas sem o titular da Saúde.

Mandetta continua na cadeira, mas Terra calçou as chuteiras e está no aquecimento. Desde o ano passado, o emedebista faz movimentos discretos para tentar sentar na cadeira. A saúde sempre foi feudo do MDB, o partido dirigiu a pasta com o ex-deputado Saraiva Felipe (MG) e o hoje senador Marcelo Castro (PI).

De um lado, a cúpula do MDB afirma que se Terra for convidado por Bolsonaro, será um nome de sua cota pessoal. Nos últimos dias, as redes sociais do MDB publicaram mensagens explícitas de apoio a Mandetta e às medidas de distanciamento social.

A “cota pessoal” vale como retórica, mas se Terra ascender à Saúde, levará junto o MDB e acirrará a disputa de poder entre as siglas hegemônicas no Congresso. O MDB não tem ministério, mas tem os dois interlocutores do Planalto com o parlamento: os líderes do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (TO), e no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE).

Bolsonaro não tem base de apoio formal no Congresso, mas DEM e MDB têm apoiado o governo nas agendas econômicas. Acirrar a disputa entre as duas siglas às vésperas da sucessão nas presidências da Câmara e do Senado é inoportuno. Se ao fim e ao cabo Bolsonaro defenestrar o “marechal Mandetta”, perderá o DEM e a linha direta com o Congresso, num ambiente tenso em que a palavra “impeachment” deixou de ser um sussurro.


Andrea Jubé: Senador comprovou. 'Não é gripezinha'

Senadora Kátia Abreu critica “arroubos” de Bolsonaro

Quando embarcar para Campo Grande no fim de semana, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) terá completado 24 dias longe da esposa, Keilla, e da filha de seis anos, após cumprir a jornada de recuperação da infecção pelo coronavírus.

Ele é um dos recuperados num cenário desolador de 159 mortos e 4.579 brasileiros infectados, segundo dados de ontem do Ministério da Saúde. À coluna, Trad contradisse o presidente Jair Bolsonaro: “Só lhe asseguro uma coisa, isso não é gripezinha, é de arrebentar a boca do balão!”

Médico de formação, e primo-irmão do ministro Luiz Henrique Mandetta - que foi seu secretário de Saúde na Prefeitura de Campo Grande - Nelsinho Trad é defensor incondicional da política de isolamento social e exorta Bolsonaro a seguir as orientações do comandante da Saúde.

“Muita calma nessa hora: problemas na economia surgirão, fazendo ou não o isolamento social, mas será possível reagir a eles no momento adequado”, pondera o senador, considerado um aliado do Palácio do Planalto. “Sou aliado do Brasil”, retifica.

Ele é um dos 23 integrantes da comitiva que acompanhou Bolsonaro na viagem aos Estados Unidos no começo do mês e contraiu o vírus.

Trad revelou que teve febre alta e sentiu muito cansaço. “A febre não baixava, ficava em 38,5º, mesmo com a dipirona”, relembrou. “Isso é o sinal amarelo, foi quando eu assustei”. O médico o encaminhou para o hospital e ele passou cinco dias internado na unidade do Sírio Libanês, em Brasília, dois deles na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Trad e Mandetta integram a mesma família tradicional na política do Mato Grosso do Sul: o pai do senador é irmão da mãe do ministro. A parceria entre ambos vigorou pelos oito anos em que Trad comandou a Prefeitura de Campo Grande. Ele ressalva que Mandetta não foi nomeado pelos laços consanguíneos, mas por indicação das entidades médicas locais.

Trad é urologista, e Mandetta, ortopedista. Nenhum deles é infectologista, mas na prefeitura, enfrentaram epidemias complexas: dengue em 2006, Sars e leishmaniose. “Assim como o presidente Bolsonaro ouve o alerta dos economistas, ele deve escutar o ministro da Saúde, porque o Mandetta não está tirando isso [medidas de isolamento] da cabeça dele, é ciência, não é achismo”.

Mesmo assim, Trad contemporizou a escapada do presidente no domingo, em Brasília, quando deliberadamente se expôs, bem como aos populares com quem interagiu. “São os rompantes dele”. Para o senador, Bolsonaro está agindo como um “rádio que não está sintonizando bem”. Mas se ele deixar cada auxiliar atuar no seu quadrado, acredita que a crise possa ser controlada.

Bolsonaro violou a quarentena imposta por decreto do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e saiu às ruas para circular entre comerciantes e ambulantes, estimulando-os a retornar ao trabalho apesar das medidas restritivas, que vêm sendo recomendadas não apenas pelo Ministério da Saúde, mas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para assegurar a cura, Trad diz que seguiu “rigorosamente e disciplinadamente” o protocolo médico. Receita administrada, lembra ele, por países como Japão e Coreia do Sul, onde a epidemia tem sido contida. “Nesses países, a autoridade sanitária é respeitada, não tem ninguém querendo sair da linha”, comparou.

Trad não trocou dicas com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de quem é próximo, e que também agonizou na cama com o vírus nas duas últimas semanas.

“A recuperação dele [Alcolumbre] está boa, mas não fico ligando”. Trad revela que o isolamento induz o doente a um modo de introspecção. “Cultivamos o exercício de ficar quietos”.

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A senadora Kátia Abreu (PP-TO) não foi infectada pelo coronavírus, mas é como se sentisse na pele cada sintoma da enfermidade que atingiu há cerca de uma semana seu filho do meio, o empresário Iratã, de 34 anos.

Ele teve muita tosse, sentiu-se febril, mas com pouca falta de ar. A senadora reconhece que o filho não observou as medidas restritivas, e agora encontra-se em total isolamento em seu quarto, na residência da família em Palmas.

“Como muitos jovens, achou que não se contaminaria”, lamentou a senadora. Ao contrário do que tem afirmado o presidente Jair Bolsonaro, as estatísticas mostram que no Brasil o vírus tem atacado adultos com menos de 50 anos com a mesma fúria com que dizimou populações de idosos na Itália e na Espanha.

Kátia dispensou os empregados domésticos e assumiu pessoalmente os cuidados com o filho, inclusive o preparo das refeições e a higienização das roupas. Próxima ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que é médico, ouviu dele a advertência de que todos deveriam sair da casa, isolando o paciente. Mas ela desobedeceu o amigo: “E quem vai cuidar dele? Não desejo para mãe nenhuma a angústia pela qual estou passando”, desabafou. ”Qualquer mãe que passe pelo que estou passando não exclui as possibilidades mais trágicas”.

Embora distante, Kátia tem mantido contato telefônico diário com o vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre as ações do Congresso para mitigar os efeitos da pandemia. Ela vai propor um projeto para que os pacotes de internet de quem não puder pagá-los não sejam cortados, para que as pessoas não deixem de se informar sobre a pandemia.

Kátia condenou o tour de Bolsonaro no fim de semana pelas ruas do Distrito Federal. “Ele agiu com deslealdade com a população. As pessoas têm medo de perder o emprego, mas têm medo de perder a vida também”, argumentou.

Kátia diz que na sexta-feira, quando o governo apresentou o pacote de socorro às empresas para garantir o pagamento dos salários sem demissões, os parlamentares avaliaram que o cenário estava pacificado. “E agora ele [Bolsonaro] teve esse arroubo, isso não é normal”, criticou. “Precisamos combater o vírus, não o presidente!”


Andrea Jubé: “Povo na rua é democracia saudável”

Bolsonaro falha na essência da politica: “diálogo e acordos”

Embora repudie os gestos do presidente Jair Bolsonaro de estimular diretamente os atos de rua e incitar a população contra o Congresso, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senadora Simone Tebet (MDB-MS) - que comanda as reformas econômicas no colegiado - sua avaliação contrasta com a de outros parlamentares porque ela considera as manifestações do último domingo legítimas e alerta que o Congresso deve estar atento aos recados dos participantes.

Em conversa com a coluna, Tebet faz uma ressalva e propõe uma leitura equilibrada dos últimos protestos, que foram criticados pela maioria dos parlamentares pelo viés de afronta às instituições, especialmente o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Entre os mais radicais, alguns cobravam o fechamento da Corte Constitucional e pediam: “deixem os militares trabalharem”.

Tebet faz ponderações: em primeiro lugar, não deveriam ter ocorrido por desafiarem a orientação do Ministério da Saúde para se evitar aglomerações, em meio à pandemia do coronavírus. A outra observação é que não foram expressivos, mas porque uma parcela significativa da população agiu com racionalidade e evitou as multidões.

Mesmo assim, avalia que os parlamentares precisam compreender que existe uma rejeição da população ao Legislativo e, por isso, mesmo relativizando os atos do último domingo, eles devem ser enxergados com lupa. “Os protestos de domingo foram do tamanho do apoio do presidente, mas não foram do tamanho da rejeição ao Congresso, acho que ela é maior e nós precisamos entender isso e rever nossos conceitos”, sugere. “Povo na rua é sinônimo de democracia saudável”.

Por isso, ela se preocupa em preservar a postura ética que a colocou em lugar privilegiado na cena política, entre os senadores classificados como independentes, e que são influentes nas articulações. As posições da senadora a projetam como um player disputado por empresários, investidores e outras lideranças da sociedade civil que querem ouvir suas análises sobre a conjuntura e um futuro para o país.

É nesse contexto que ela adiantou à coluna que se o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mantiver a sessão do Congresso convocada para esta semana, e constar da pauta o famigerado PLN 4/20, não marcará presença. “Me recuso”.

O projeto é fruto do acordo entre governo e Legislativo, que destina R$ 20,5 bilhões aos parlamentares e R$ 9,6 bilhões ao Executivo, e chegou às ruas com a pecha de “espúrio” e um dos motivos das convocações. Mas Bolsonaro avalizou o entendimento com os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Paulo Guedes (Economia), para depois renegá-lo, dizendo em tom dramático que levou outra facada, esta “no pescoço”, e dentro do próprio gabinete.

A presidente da CCJ vê no mínimo dois problemas nessa articulação. Primeiro, a conduta de Bolsonaro, que fez um compromisso com o Legislativo, e depois o negou em público. Essa atitude, diz a senadora, contraria os princípios mais comezinhos da boa política. “Isso extrapola qualquer limite do que eu já vivenciei aqui [no Congresso] desde a época do PT, porque extrapola o que é da essência da politica: diálogo e cumprimento de acordos”.
Mas agora, com o avanço da pandemia no Brasil, Tebet diz que o momento é de engavetar os projetos controversos e votar as matérias relativas ao combate do vírus e que amenizem os impactos na economia. “Isso [a disputa pelas emendas] virou acessório, o principal agora é uma palavra firme do presidente de que a prioridade é o combate ao coronavírus”.

O senão, entretanto, é que Bolsonaro continua alardeando que a pandemia é uma “histeria” e agindo com irresponsabilidade, ao sair às ruas para apertar as mãos dos apoiadores, sob o risco de contaminação coletiva. Mantendo essa atitude, Tebet diz que o presidente que trabalha diariamente pela reeleição, mas sem a percepção de que “não existe presidente reeleito com uma economia em decadência”.

Ela acrescenta que o Congresso é cobrado pela população, mas tem feito o dever de casa. Sob sua presidência, a CCJ aprovou no começo do mês a emenda constitucional (PEC) que extinguiu os fundos públicos, devolvendo para amortização da dívida pública ou investimentos cerca de R$ 30 bilhões. A matéria se tornou consensual, porque Tebet articulou acordos na CCJ que agradaram gregos e troianos, e pode ser aprovada sem sustos no plenário do Senado.

Tebet diz que a PEC dos fundos é mais prioritária que a Emergencial, porque é pacífica, fácil de ser votada, pode até viabilizar recursos para obras de infraestrutura. Em contrapartida, aponta percalços na PEC Emergencial. Ela considera escandalosa a previsão do relator do Orçamento de que obterá R$ 6 bilhões com a aprovação da matéria, a partir da redução de 25% do salário dos servidores públicos.

“Tem sentido eu tirar 25% do salário do servidor para eu gastar com emendas?!”, questiona. Tebet diz que a proposta ainda é muito controversa e está longe de propiciar um acordo. O relator, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), já colocou um teto de três salários mínimos para não penalizar uma fatia do funcionalismo, mas há pressão para que ele eleve o teto para cinco salários.

Nem assim Tebet vê como encaminhar a votação da PEC Emergencial num curto prazo. Ela argumenta que num cenário de desaceleração da economia e crise aguda com a pandemia do coronavírus, retirar 25% do salário dos servidores compromete o consumo, prejudicando ainda mais a conjuntura. “Dessa forma, eu tiro a capacidade desse servidor de gastar no comercio, ele vai é pagar juro pra banco”.

Em meio aos rumores de que desistiu da candidatura à Presidência, Luciano Huck cancelou a aguardada palestra que daria ontem na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Embora seja prematura qualquer afirmação sobre a sucessão presidencial, o gesto foi interpretado como um sinal de que os rumores podem ser confirmados.


Andrea Jubé: ”O que faremos com esse povo na rua?”

Bolsonaro perde “dominância narrativa nas redes”

“O que mete medo em político é o povo na rua”, ensinava o Doutor Ulysses há três décadas. Líder da campanha pelas Diretas Já e ator relevante no impeachment de Fernando Collor em 1992, ele falava com propriedade: assistiu às multidões lotarem o Vale do Anhangabaú em São Paulo e a Candelária, no Rio de Janeiro, nos comícios de 1984, e aos caras-pintadas ocuparem o gramado do Congresso ao som de “Alegria, Alegria”.

A emenda Dante de Oliveira foi rejeitada, mas o ex-senador Heráclito Fortes, um dos mais próximos de Ulysses, pondera que sem a pressão popular a eleição indireta da chapa Tancredo-Sarney não se viabilizaria e a transição democrática seria adiada.

Sem a pressão popular talvez não prosperassem os processos de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff, admitiu à coluna um cacique do MDB que acompanhou os bastidores de ambos.

No sábado, o presidente Jair Bolsonaro resgatou a máxima de Ulysses para desafiar o Congresso. Dobrou a aposta em sua popularidade, mesmo em meio à crise econômica aguda, e conclamou a população a sair às ruas no dia 15 para defender o governo.

“Político que tem medo de movimento de rua não serve pra ser político”, discursou, em indireta aos parlamentares.

No primeiro momento, a aposta surtiu efeito e os dirigentes do Legislativo e Judiciário fecharam-se em Copas, em um gesto de cautela pelo temor da reação das redes e das ruas. Pesou, igualmente, uma dose de pragmatismo: uma reação enérgica colocaria em xeque o acordo que lhes garantiu R$ 20,5 bilhões em emendas ao Legislativo.

Trata-se da fatia pactuada dos R$ 30,1 bilhões que originalmente seriam retirados do Executivo na execução do Orçamento, o que levou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, a falar em “chantagem” do Congresso.

Surpreende, entretanto, que o chamamento de Bolsonaro para os atos não tenha chacoalhado as redes. Ao contrário, o monitoramento das redes indica que, naquele sábado, aumentaram as menções negativas ao governo e às manifestações do dia 15.

“Bolsonaro vem perdendo a dominância narrativa nas redes”, assegura Sergio Denicoli, pós-doutor em comunicação digital e sócio-diretor de Big Data da AP Exata, agência de inteligência em comunicação digital.

Ele monitora o sentimento que Bolsonaro desperta nas redes há cerca de três anos, desde a pré-campanha eleitoral, com base em um sistema desenvolvido na Universidade do Minho, em Portugal.

A ferramenta, que acompanha Twitter, Instagram e YouTube, antecipou o resultado do pleito de 2018 antes da divulgação da boca de urna. A constatação neste momento é de que Bolsonaro perdeu a influência nas redes fora da bolha bolsonarista.

Por isso, Denicoli prevê ruas cheias no dia 15, mas com volume menor do que as manifestações anteriores. Ele não vê brasileiros que não sejam bolsonaristas radicais dispostos a sair de casa em apoio ao governo.

Após um início de mandato conturbado, com a denúncia sobre Fabrício Queiroz e o post do “golden shower”, houve um período de estabilidade do presidente nas redes de março até dezembro. Em maio, o protesto a favor da reforma da Previdência e do pacote anticrime do ministro Sergio Moro levou multidões às ruas nos 26 Estados e no Distrito Federal.

Há dois meses, entretanto, o monitoramento de Denicoli detectou um viés de baixa de Bolsonaro nas redes, que o pesquisador atribui ao PIB de 1,1%, à persistência do desemprego alto, à explosão do dólar, à gasolina cara, entre outros resultados negativos da economia. Essa avaliação contabiliza os chamados “perfis de interferência”, como robôs, fakes e apoiadores.

Denicoli acredita que os simpatizantes não radicais do governo começam a cobrar outra atitude do presidente e atribui a perda de influência à estagnação econômica. “A economia é o equalizador, se estiver ruim, acredito que a questão ideológica passa ao segundo plano”.

Denicoli confirma o medo que os políticos têm da população em massa nas ruas, mas ele vê um clima de apreensão dos dois lados: do Congresso, mas também do próprio Bolsonaro.

Ressalta que o presidente rompeu um padrão ao se expor convocando pessoalmente a população para os atos. “Isso mostra que ele não está seguro da dimensão dos atos”.

Vale relembrar que quando Collor pediu aos brasileiros que saíssem às ruas de verde e amarelo em uma demonstração de apoio, a população vestiu preto em resposta ao apelo. Mas Bolsonaro não é Collor: não tem base parlamentar, assim como o alagoano, mas ainda conta com o respaldo de parte expressiva da população.

Essa parcela de apoio pode não lotar o Anhangabaú, mas fará vista na Avenida Paulista e na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, a ponto de assombrar os políticos.

Um líder de uma das maiores bancadas do Senado admitiu à coluna que os senadores recuaram da intenção de convocar o general Augusto Heleno para não acirrar a crise institucional. Reclama que a “criminalização da política” recaiu sobre o colo do Legislativo.

“Poderíamos inflamar mais as ruas, e a gente precisa ter responsabilidade”, argumenta esta liderança. “Não podemos ser raivosos e imaturos como esse governo”, desabafou.

Quando rompeu o silêncio dos chefes dos Poderes, um dia depois da convocação de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pronunciou-se em tom de serenidade. Cobrou “seriedade e diálogo” e exortou os poderes a agir “em harmonia e com espírito democrático”.

Em 1984, a presença de 300 mil pessoas em um comício pelas Diretas Já em Belo Horizonte assustou Tancredo Neves, contou Plínio Fraga na biografia do ex-presidente. Apreensivo, ele questionou o então líder sindicalista e fundador do PT Luiz Inácio Lula da Silva: “o que faremos com esse povo todo na rua?” Lula respondeu: “tudo o que a gente quer é povo na rua, não tem de ter medo. Coloca na rua e deixa ver o que vai acontecer”. É a fórmula e Bolsonaro: medir o volume das ruas e esperar o que virá depois.


Andrea Jubé: O gol de Tarcísio no jogo das emendas

Ministério executou 97% das emendas no ano passado

O embate entre parlamentares e Executivo pela liberação de emendas tornou-se um clássico da política nacional, tão tradicional quanto um Fla x Flu ou um Corinthians e Palmeiras, que vem sendo reeditado há pelo menos 13 anos, quando uma resolução do Congresso regulamentou a matéria.

Desta vez, entretanto, num cenário de polarização política que não dá sinais de retração, em meio à convocação de protestos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, endossada pelo presidente Jair Bolsonaro, a análise do veto presidencial a uma fatia vultosa das emendas impositivas promete lances dramáticos.

Confiante de que o Senado atuará para preservar a medida, Bolsonaro até ontem tinha suspendido o acordo costurado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Entretanto, a eventual vitória do Planalto nesta rodada será como marcar um gol contra, porque corre o risco de provocar um maior esgarçamento das relações entre os dois Poderes, atrasando mais as reformas econômicas.

Até aqui, surpreende que as jogadas que fizeram a rede balançar para o governo tenham vindo de um jogador a quem no campo da política caberia disputar a bola na retranca.

A bola rola em campo pelo destino dos R$ 30,8 bilhões, relativos às emendas setoriais das comissões permanentes (R$ 800 milhões) e àquelas definidas pelo relator da lei orçamentária, no valor de R$ 30,1 bilhões. Ainda estão assegurados aos deputados e senadores mais R$ 15,3 bilhões - R$ 9,4 bilhões em emendas individuais e R$ 5,9 bilhões das bancadas estaduais.

No meio do campeonato, quem combinou com os russos e articulou uma fatia dos recursos para a sua pasta, sem se indispor com nenhum dos lados, foi o ministro Tarcísio de Freitas, considerado um “quadro técnico”.

Do quinhão dos R$ 15,3 bilhões, ele já assegurou pelo menos R$ 2,3 bilhões ao Ministério de Infraestrutura neste ano - verba 32% superior ao destinado pelos parlamentares à infraestrutura no ano passado, quando a pasta executou 97% das emendas - uma proeza.

Tarcísio pilota uma pasta prestigiada, que ganhou credibilidade após exibir resultados concretos, como o recorde de leilões no ano passado. Um desempenho, contudo, que não a livrou do déficit orçamentário que assombra a Esplanada.

Foi para driblar esse revés que Tarcísio saiu em campo para captar recursos das emendas junto aos parlamentares. O alvo foram os recursos das bancadas estaduais.

Já no ano passado, Tarcísio buscou uma maior interação com os parlamentares. A ideia era mostrar que era possível otimizar os recursos, mesmo escassos. Um exemplo citado pela assessoria do ministro foi a solução dada para a reivindicação da bancada de Goiás que reclamava da deterioração da malha rodoviária federal.

O ministério não tinha recursos para a recuperação das rodovias, mas a equipe do ministro identificou um desequilíbrio na alocação de recursos. Havia R$ 40 milhões para uma obra no interior, que não tinha sequer projeto. O destino desse dinheiro seria o contingenciamento.

Ao demonstrar com números e cronograma que esses recursos seriam perdidos, o ministro conseguiu o aval da bancada para remanejá-los para a manutenção das rodovias. A principal interlocutora era um quadro da oposição: a deputada Flávia Morais (GO), do PDT, coordenadora da bancada goiana.

A articulação é considerada singular porque os parlamentares resistem a destinar recursos para a reparação de rodovias porque o retorno político é quase nulo. A visibilidade e o apelo eleitoral do anúncio da duplicação de uma rodovia ou da ampliação de um aeroporto são muito maiores.

O mantra de Tarcísio junto aos parlamentares é para que tentem ao máximo otimizar os recursos das emendas, aplicando-as em obras que já têm projeto pronto, aprovado e com cronograma de execução.

Ao longo do ano, Tarcísio promoveu cafés da manhã com as bancadas estaduais no ministério. Para facilitar as discussões, a pasta organizou cartilhas com um cardápio das obras aptas a receberem emendas e com a maior garantia de execução.

Um líder de bancada afirma que Tarcísio é tão articulado que parlamentares deixam seu gabinete de sorriso largo mesmo depois de ouvir um “não”. O ministro seria tão objetivo e direto ao explicar a inviabilidade de um projeto, com argumentos tão cristalinos, que o deputado ou senador sairia satisfeito apenas com a certeza de não estar sendo ludibriado.

Anunciado como ministro de perfil técnico e disciplina militar (com diplomas da Academia Militar das Agulhas Negras e do Instituto Militar de Engenharia), a desenvoltura política de Tarcísio era inesperada.

Um contrassenso, na verdade, porque o ministro é um quadro forjado na política: egresso da carreira consultor legislativo da Câmara, onde conviveu de perto com os parlamentares, ele depois serviu a dois governos antes de ascender a ministro. Foi diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) no governo Dilma Rousseff e coordenador do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) na gestão Michel Temer.

Determinado a alçar o Brasil ao patamar de logística competitiva, o ministro pretende contratar R$ 230 bilhões em investimentos a partir das concessões até o fim de 2022. Há 44 leilões previstos para este ano, 22 de aeroportos.

Estamos no começo de março, e um primeiro leilão foi realizado há 12 dias - a concessão de trecho da BR-101, ligando Florianópolis ao sul de Santa Catarina, gerando investimentos de R$ 7 bilhões.

Em março, está prevista a renovação da malha ferroviária paulista com uma cerimônia em São José dos Campos. O ministro quer dobrar a matriz de ferrovias para que em 2025, 30% das cargas sejam transportadas por trens.

A pasta de Tarcísio parece se desenvolver em campo livre das caneladas dos aliados ou dos adversários. Mas nem a infraestrutura, tão estratégica para o país, estará imune ao porvir. A disposição dos congressistas nos bastidores é para um jogo de faltas e cartões vermelhos se o Planalto não transigir.