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André Singer: Eleitores populares de Bolsonaro começam a pular do barco

Queda em avaliação é mais acentuada entre quem ganha de 2 a 5 salários mínimos

Aspecto pouco notado na queda de aprovação do governo, registrada pelo Ibope nesta semana, é a sua distribuição pela renda. Foram os eleitores populares que começaram a pular do barco bolsonariano. Possivelmente os mesmos que, no final do primeiro turno de 2018, sobretudo no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, produziram a incrível onda de extrema direita que varreu o país.

A perda de 15 pontos percentuais na avaliação positiva de Bolsonaro foi mais acentuada entre os eleitores que ganham de 2 a 5 salários mínimos (SM) de renda familiar mensal, chegando ali a um recuo de 18 pontos. Hoje apenas 35% desse segmento apoia o mandato em curso, índice que cai para 29% daqueles cujo ingresso familiar restringe-se a um SM.

Já quando a família recebe acima de cinco salários mínimos, 49% dos entrevistados gostam da administração do capitão reformado. Aqui a perda foi de apenas oito pontos em relação à posse (tinha 57% de ótimo e bom em janeiro).

Na mesma linha, o instituto de pesquisa nota o aumento da rejeição entre os moradores “que residem nas cidades das periferias brasileiras”. Nesse segmento o índice dos que consideram ruim ou péssimo o desempenho presidencial subiu nada menos que 21 pontos no período. O Nordeste, por sua vez, abriga apenas 31% que se mostram satisfeitos.

A persistência de melhor humor no Sul, onde 41% ainda apreciam o mandato em curso, ilustra a divisão social que permeia a conjuntura, pois a região concentra os menores indicadores de pobreza.

Se a economia comandar os rumos do eleitorado, como parece provável, uma recuperação no curto prazo é difícil. Vale lembrar que o primeiro governo Lula, por exemplo, em que pese ter demorado para produzir aquecimento do PIB, conseguiu estancar de imediato o ciclo inflacionário que herdara da etapa anterior.

Bolsonaro já pegou o leme com inflação irrelevante. Se não conseguir criar postos de trabalho e oferecer renda, continuará em baixa. Tal contexto daria à oposição a chance de apresentar alternativas ao modelo ultraneoliberal. As eleições de 2020, sobretudo nas capitais, seriam o teste de tal embate.

Olhando o assunto do ângulo político, a prisão de Michel Temer ainda é uma incógnita.

Foi a Lava Jato que o levou ao poder, uma vez que decisiva para o impeachment de Dilma Rousseff. Depois, com a gravação de Joesley, afundou o regime emedebista e ajudou a ascensão de Bolsonaro.

Agora, com a detenção do ex-presidente, atrapalha a reforma previdenciária de Paulo Guedes e aprofunda a divisão das hostes bolsonaristas. Terá fôlego para empurrar Sergio Moro rampa acima?

*André Singer é professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.


André Singer: Líderes em transição

Caberá a Haddad conduzir, por tempo indefinido, os rumos da nau lulista 

As consequências do ataque a faca sofrido por Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), às vésperas do Dia da Pátria, e a oficialização de Fernando Haddad na condição de postulante presidencial do PT, uma semana mais tarde, colocaram novos personagens no primeiro plano da política nacional.

A rápida utilização do atentado pelos bolsonaristas, com um vídeo dramático gravado no leito de UTI mineira pouco depois de o candidato ser submetido a extensa cirurgia, prenunciava uma onda eleitoral a favor da vítima. Transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, cogitava-se até sua vitória em um turno só.

O Datafolha publicado nesta sexta (14), contudo, mostra um crescimento de 22% para 26%, insuficiente para vencer de imediato. O levantamento traz, por outro lado, a constatação de que 75% dos que preferem o candidato da extrema direita estão totalmente decididos a votar nele. Aparentemente, o sufrágio no antipetista cristalizou num patamar capaz de levá-lo à segunda rodada.

Ocorre que na última quarta (12) o capitão reformado teve que ser submetido a uma segunda operação em caráter de emergência. Apesar do sucesso da nova intervenção, no momento em que estas linhas são escritas o quadro descrito por médicos aponta ser improvável a liderança direitista retomar a campanha antes do decisivo 7 de outubro.

Os holofotes, então, voltaram-se, de imediato, para o seu vice, Hamilton Mourão. Enquanto Bolsonaro estiver afastado, o general da reserva passa a ter inédito protagonismo. Possuidor de ideias e estilo próprio, o ex-comandante militar do Sul fica na berlinda.

Do outro lado da cerca, Lula, depois de levar a espera ao limite, oficializou na última terça, 11 de setembro, data cheia de simbolismos, a candidatura de Fernando Haddad à Presidência da República.

Embora obscurecida pela tragédia que se abatera sobre o adversário, a cerimônia de transmissão de responsabilidades, realizada diante da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-presidente se encontra preso, permitiu entrever o peso depositado sobre os ombros do ex-prefeito paulistano.

Detido há cinco meses, Lula conseguiu manter vivo o fenômeno do lulismo: cerca de 40% do eleitorado, fortemente concentrado entre os mais pobres, gostaria de recolocá-lo no Palácio do Planalto.

Agora caberá a Haddad, que chegou rapidamente a 13% das preferências, conduzir, por tempo indefinido, os rumos da nau lulista. As decisões que vai tomar enquanto estiver no topo do edifício construído por Lula serão muito importantes para o Brasil.

O enredo da crise, com essa troca de atores no centro do palco, pode tomar giros bastante imprevisíveis.

*André Singer é professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.


André Singer: O putsch dos caminhoneiros

Enfraquecida e acuada, Presidência criou o mais perigoso vazio desde a redemocratização

No futuro, pesquisadores irão contar como, de fato, se deu o desarme da bomba autoritária que rondou o Brasil na boleia de um caminhão desgovernado entre a manhã da sexta (25/5) e a da terça (28). Na noite anterior às quatro jornadas semicaóticas, a Presidência da República, enfraquecida e acuada, havia feito concessões e firmado um acordo com os revoltosos. No entanto, durante 96 horas nada se mexeu, criando o mais perigoso vazio desde a redemocratização de 1985.

Parada, a nação assistiu grupos condicionarem a liberação das estradas a uma “intervenção militar”. Enquanto a sublevação ganhava o comando do espetáculo, um silêncio sepulcral emanava das instituições. Apenas quando o pior tinha passado, forças políticas saíram da letargia para defender o regime democrático.

No meio da paralisia, o desconcerto era tamanho que cheguei a pensar tratar-se de mera encenação temática para comemorar os 80 anos do putsch integralista contra Getúlio Vargas. Mas diferentemente de 1938, quando tentaram tomar o palácio presidencial à força, os manifestantes de 2018 não gritavam anauê nem usavam o sigma na camisa uniformizada. Contavam, porém, com um candidato a presidente que, em alguns cenários, beirava os 20% das intenções de voto, enquanto Plínio Salgado, líder das tropas de assalto verdes, só chegou a 8,3%, em 1955.

Convém notar, igualmente, que os atuais defensores da ditadura não se encontram (ainda) estruturados em milícias com treinamento militar, como ocorria com os integrantes da Ação Integralista Brasileira (AIB). O uso da violência, contudo, vem-se tornando recorrente. Tiros sobre a caravana de Lula no sul, disparos contra membros do acampamento de Curitiba e a pedra que matou um motorista em Rondônia na quarta (30) constituem indícios suficientes.

Também a proximidade entre civis e militares chamava a atenção. Assim como o capitão Olympio Mourão Filho —futuro detonador do golpe de 1964— era o chefe do estado-maior da milícia integralista, há generais da reserva que apoiam Jair Bolsonaro.

Mas de repente, sem que fosse necessário prender as lideranças do levante, a normalidade começou, lentamente, a se restabelecer. Será que o anúncio, pela presidente do STF, de que em três semanas seria julgada a ação relativa ao parlamentarismo teve algum papel indireto na desmobilização das rodovias? Ou, apenas, como escreveu o jornalista Bruno Boghossian, “os políticos alinhados à farda querem assumir o poder pela porta da frente” (eleições)?

Por ora, ignorantes, fiquemos com a impagável frase de Michel Temer: “Graças a Deus estamos encerrando essa greve”. Só a Deus.

André Singer é cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.


André Singer: Para onde vai Ciro?

Ambiguidades cercam a candidatura do ex-governador cearense

A filiação do empresário Benjamin Steinbruch ao Progressistas (antigo PP), noticiada nesta semana, de modo a poder se tornar vice na chapa de Ciro Gomes (Partido Democrático Trabalhista, PDT) à Presidência da República, expressa as ambiguidades que cercam a candidatura do ex-governador cearense.

Embora se trate, ainda, de balão de ensaio, a articulação existe. O irmão do candidato, Cid Gomes, um dos coordenadores da pré-campanha, considerou “excelente” o nome do industrial. O presidente da agremiação brizolista, Carlos Lupi, declarou que é “o que se quer de um vice”.

O dono da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) filiou-se, sem alarde, ao partido de Paulo Maluf às vésperas de se encerrar o prazo legal que permitiria candidatar-se.

De acordo com as notícias, dois Ciros teriam participado das conversas prévias à filiação: o Gomes e o Nogueira, presidente da sigla malufiana e senador pelo Piauí. No rastro da possível aliança existe a perspectiva de atrair, também, o DEM, com o qual os “progressistas” encontram-se, por ora, comprometidos.

Para quem está surpreso, convém lembrar que Ciro começou a carreira no PDS (ex-Arena), militou por muito tempo no PSDB, por meio do qual chegou a ministro da Fazenda, e passou, mais recentemente, pelo Pros (Partido Republicano da Ordem Social).

Embora crítico contumaz da aliança estabelecida pelo PT com o PMDB, sobretudo no segundo mandato de Lula, o político cearense nunca deixou de cultivar os velhos contatos conservadores. Manteve a simpatia do conterrâneo Tasso Jereissati, mesmo depois de deixar o PSDB, e cuidou de antigas pontes estabelecidas com o PFL (hoje, DEM), que o apoiou a presidente em 2002.

Depois da reeleição de Dilma, Ciro engajou-se na criação de uma frente parlamentar envolvendo forças conservadoras para substituir o papel chave do peemedebismo no governo.

A empreitada resultou em rotundo fracasso. Eduardo Cunha galgou a Presidência da Câmara e trouxe a guilhotina do impeachment para o centro da cena. Mas o líder pedetista parece continuar a crer que é possível contornar o PMDB, buscando alianças à direita dos seguidores de Temer (lembrar que foi uma senadora “progressista” que elogiou “levantar o relho” contra a caravana de Lula no Sul).

O pragmatismo de Ciro é compreensível. Trata-se de um político profissional disposto a fazer o necessário para ganhar. Atrair um grande capitão de indústria, como fez Lula com José Alencar, soma. Do ponto de vista da esquerda, entretanto, tais manobras complicam a formação de um programa comum.

* André Singer é cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.


André Singer: Esquerda deve unir forças para plantar as sementes da transformação

Conversa ocorrida entre Ciro Gomes e Fernando Haddad deveria ser encarada como positiva

Enquanto o noticiário continua a girar em torno de acusações, processos e depoimentos, os setores interessados na mudança da sociedade têm obrigação de apresentar uma proposta séria e organizada para tirar o país do buraco.

Para tanto, é indispensável construir uma plataforma a ser submetida ao eleitorado em outubro. Não se trata somente de competir com chances de ganhar, mas de plantar as sementes da transformação futura.

A conversa ocorrida entre Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT), na última segunda (23), deveria ser encarada como positiva, caso avance.

É claro que outros personagens do mesmo campo, como Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PC do B), precisariam ser incorporados ao diálogo, na hipótese de se pensar um programa comum, e não apenas em arranjos de ocasião.

Por maiores que sejam as diferenças entre os citados personagens, todos fazem parte do arco que se opõe ao atual estado de coisas. Os seus partidos e, aliás, também o PSB, formalizaram uma frente pela democracia na Câmara dez dias atrás.

Para visualizar a necessidade absoluta de juntar forças, basta pensar no desafio representado pelo teto do gasto público que o governo Temer conseguiu impingir ao país.

Sem revogá-lo, dificilmente vai se encontrar um meio de fazer o Brasil voltar a crescer e retomar o combate à pobreza. Mas para reunir a maioria necessária no Congresso será indispensável somar muitas correntes e isolar os que desejam preservar a desigualdade.

Um dos segredos do sucesso representado pelo PT na história brasileira residiu na capacidade de Lula reger uma pluralidade de posições no interior do partido. Foi a tolerância dele que permitiu a todos seguirem sob o mesmo guarda-chuva. O PSOL foi a única divisão de maior peso em quase quatro décadas e, mesmo assim, esteve junto na hora extrema da prisão em São Bernardo.

Com Lula preso, a tarefa de unificar a área popular se complica. José Dirceu, que se revelou, mais uma vez, bom analista, advertiu na entrevista a Mônica Bergamo que se Lula não for mantido como candidato até agosto, o PT se dividirá em “quatro ou cinco facções”.

Em outras palavras, a ameaça de fragmentação existe dentro do próprio petismo, quem dirá fora dele. Mas política consiste em reunir aqueles que, espontaneamente, jamais se sentariam à mesma mesa.

Embora acompanhe o processo à distância, o cidadão médio intui a dificuldade envolvida na retomada de um ciclo favorável às massas. Não obstante, o espaço eleitoral à esquerda existe, devido ao sofrimento que a orientação em curso impõe aos trabalhadores.

Será que as agremiações existentes estarão à altura do desafio de preenchê-lo?

* André Singer, cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.