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Alon Feuerwerker: Vai e volta

A polarização nas eleições americanas é permanente, e facilitada por um fato singelo. Ali só dois partidos disputam o poder. É como se todas as eleições fossem um segundo turno. Há situações de candidatos independentes, e mesmo de certo partido lançar mais de um candidato. Mas são residuais, e vão para um segundo turno quando ninguém alcança metade mais um.

Joe Biden é um candidato dito moderado, apoiado por uma ampla aliança que vai do dito liberalismo progressista (ou progressismo liberal, conforme a vontade do freguês) a uma esquerda de raiz. Igualmente do outro lado. Donald Trump é apoiado por uma ampla gama que vai da direita que não se envergonha de si mesma a um conservadoriamo mais liberal (ou um liberalismo mais conservador).

A isso misturam-se recortes de classe, ideologia, gênero e raça. Além da condução errática e desastrosa da Covid, Trump poderá debitar suas dificuldades eleitorais à condução que deu na trágica morte de George Floyd. Acessoriamente, os resultados no Arizona certamente refletem seu tratamento desrespeitoso a John McCain. Tudo que vai, volta.

Descasamento
Enquanto estamos entretidos com o vai-não vai das eleições americanas, nossos problemas permanecem estacionados aguardando solução. Uma delas é alguém dizer concretamente, e de modo factível, como o governo vai cumprir o teto de gastos constitucional em 2021.

O buraco primário em 2020 ficará em mais ou menos dez vezes o previsto no orçamento federal, por causa dos gastos com a pandemia. Eles evitaram uma catástrofe econômica mas deixam um problema: como recolocar o gênio dentro da garrafa assim de repente?

Agora um estudo acrescenta algo novo. Por causa do descasamento entre o índice previsto de correção das despesas e a taxa real de inflação, só por causa disso, o governo precisará cortar uns 20 bilhões de reais do orçamento (leia). Que aliás aguarda a solução da pendenga entre o presidente da Câmara e o centrão.

Em matéria de tecnologia para rolar problemas com a barriga, as exóticas apurações da eleição nos Estados Unidos não dão nem para o começo se confrontadas com o know-how desenvolvido por aqui no quesito de deixar as coisas para depois.

Realidade brincalhona
A principal poêmica sobre as eleições de terça-feira nos Estados Unidos se dá em torno do voto antecipado e do voto pelo correio. Promete pano para manga e uma novela de vários capítulos. O número cresceu exponencialmente este ano por causa do medo da Covid-19.

Ali quem quis votar votou, de um jeito ou de outro. Já por aqui, o único jeito de dar o voto nas eleições municipais deste mês será ir à seção eleitoral e apertar os botões na maquininha. É muito mais seguro no aspecto eleitoral, um modelo a ser copiado, mas exigirá rigor nas medidas sanitárias.

Cada um com seu sistema e seus problemas. Ali, está a confusão a que todos assistimos. Aqui, corremos o risco de um maior absenteísmo, gente deixando de votar, com medo no SARS-CoV-2. As pesquisas mostram que pode ser quase metade do eleitorado.

Mas é melhor esperar para ver antes de concluir qualquer coisa apressadamente. A realidade costuma ser brincalhona com as conclusões muito antecipadas. Eleição após eleição, essa é uma verdade que sobrevive bem com o tempo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Mais Brasília. Menos Brasil

Há algumas dúvidas sobre o resultado desta eleição municipal. Uma: qual será o desempenho dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro. Outra: em que grau o PT conseguirá se recuperar da dura derrota de 2016, no auge da Lava-Jato. Mais outra: qual será desta vez o fôlego da chamada nova política.

Dúvidas à parte, pelo menos uma coisa é certa desde já. A grande massa dos prefeitos e vereadores eleitos chegarão a janeiro de 2021 abrigados nos partidos do chamado centrão. Ou do centrão formal, estrito senso, ou do centrão ideológico, lato senso. Uso aqui o “ideológico” apesar de parecer uma contradição em termos.

A previsão tem pelo menos três razões objetivas. Os partidos do centrão são em geral legendas médias, dotadas de razoáveis fundo partidário e eleitoral. São também relativamente alheios à recente agudização da polarização político-ideológica, o que os imuniza em algum grau contra ter de carregar fortes rejeições.

A terceira razão, entretanto, é a que pesa mais. Desde quando Jair Bolsonaro ajustou a rota e estabeleceu uma quase tradicional política de alianças no Congresso Nacional, os partidos que lhe ofereceram um colchão de segurança passaram a ter acesso preferencial ao orçamento. Que costuma ser essencial para investimentos na vida dos municípios.

Uma palavra de ordem muito usada na campanha eleitoral bolsonarista foi “Menos Brasília, Mais Brasil”. A descentralização de recursos para fortalecer estados e municípios e diminuir a dependência destes ao governo federal. Seria injusto fazer um diagnóstico definitivo depois de apenas dois anos, mas por enquanto pouco ou nada aconteceu nesse sentido. Ao contrário.

Uma rotina do presidente da República tem sido visitar os estados e municípios para lançar ou inaugurar obras feitas com dinheiro federal e canalizadas para a região por emendas parlamentares da autoria de deputados e senadores que apoiam o governo em Brasília, e por isso têm mais trânsito nos ministérios a quem compete liberar a verba.

É bastante razoável prever que deputados e senadores com mais acesso ao Orçamento Geral da União terão mais facilidade para eleger seus prefeitos e vereadores. Os quais, naturalmente, estarão propensos a apoiar os benfeitores daqui a dois anos. E mantém-se o tradicional sistema de reprodução de poder na República.

Eis por que é devaneio imaginar, como chegaram alguns, anos atrás, a iminência do colapso do que a ciência política apelidou de “peemedebismo”. E que não necessariamente tem a ver com o PMDB. É o predomínio numérico de uma massa de partidos sem capacidade hegemônica mas com suficiente musculatura para impedir qualquer um de governar sem se dobrar a eles.

Como romper a lógica? Um caminho seriam reformas políticas que permitissem ao eleito para o Executivo, nos três níveis, carregar com ele uma maioria parlamentar. Ou seja, pedir ao sistema que cometa haraquiri.

E olhe que não seria difícil encontrar fórmulas. Uma: calcular as cadeiras nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados não pelo voto dado às legendas na eleição parlamentar, mas na eleição de prefeito, governador e presidente.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação