ameaças
Paulo Fábio Dantas Neto: Hora de colocar o guizo no bozo
Desmoralização de Bolsonaro é muito funda e cada palavra sua vale hoje ainda menos do que o pouco que já valia
Quem torcer para Bolsonaro desdizer o que assinou não vai ter muita emoção. Esse é o tipo de torcida desnecessária, porque é certo que o fará. Ele fará qualquer coisa para reduzir os danos na sua base, que esse recuo causará. Mas podemos pedir a estraga-prazeres de plantão que nos deixem celebrar esse momento de alívio, depois de tanta tensão.
E há motivos para celebrar, não importa o que Bolsonaro diga. A desmoralização é muito funda e cada palavra sua vale hoje ainda menos do que o pouco que já valia. A diferença agora é que não mais somente os seus recuos serão fake - como já eram, aos olhos céticos de todos nós, que lhe somos avessos. Seus ímpetos de avanço tenderão, doravante, a também ser considerados assim, pelo quarto do eleitorado que até agora o vem apoiando. O ex-presidente da República Michel Temer viajou a Brasília, reencarnou no papel e amarrou no pescoço da fera esse guizo, que deve fazer barulho nas próximas rodadas de pesquisas.
Em 2015, um ano antes do impeachment de Dilma, escrevi um artigo cujo título foi "O fator Temer". O destino infausto que evasivas e malabarismos demagógicos de políticos pequenos deram à pinguela que ele tentou levantar não me deixava a expectativa, que tenho hoje, de daqui a pouco poder escrever outro artigo com o mesmo título, remetido ao contexto atual.
Sim, dizem que vingança é prato que se come frio. Acrescento que se come sem dizer que está gostoso, não apenas para não tripudiar de quem chacoalha. Não precisa fazer isso para que outros políticos bem centrados possam cooperar entre si para concluírem a missão. Também não se deve ostentar o sabor para não atiçar demais a inveja de pigmeus políticos que também estão no palco, ou na plateia. Esses seguirão xingando Bolsonaro em lives, entrevistas, tribunas, ou bastidores. Mas, em vez de pautá-lo, como ocorreu quando ele foi levado a se retratar no dia 9/09 do que havia dito no dia 7, continuarão a ser pautados por ele.
Política é como unha. Ainda bem.*Cientista Político e professor da UFBa.
Alon Feuerwerker: O encapsulamento, o armistício e o cessar-fogo
As melhores pesquisas, as que costumam errar menos, mostram o mesmo fenômeno
lon Feuerwerker / Blog do Noblat / Metrópoles
Um certo encapsulamento de Jair Bolsonaro, uma convergência de seu piso e teto eleitorais, girando em torno de 25% a 30%. O presidente mantém a fatia de mercado que o alavancou ao segundo turno em 2018, mas mostra dificuldade de fechar a fatura, se a eleição fosse hoje.
Outro dado relevante é que cerca de 20% do eleitorado, nos cruzamentos, dizem preferir um candidato que não seja nem Bolsonaro e nem Luiz Inácio Lula da Silva. Quando são apresentadas as alternativas, naturalmente esse número cai, pois todo nome carrega com ele alguma rejeição. E nenhum da “terceira via” passa muito dos 10%.
Mas é razoável supor que se houvesse um único nome relevante “terceirista” (como em 2010 e 2014) ele teria boa probabilidade de abrir a corrida, daqui a pouco menos de um ano, com uns 15%. O que o colocaria, mantidos grosso modo os números de hoje, no espelho retrovisor do capitão.
E aí criar-se-ia uma condição já vista em eleições. Se Bolsonaro se mostrasse consistentemente debilitado no mano a mano com Lula, um pedaço do mercado eleitoral do presidente poderia achar mais importante derrotar o petista do que reeleger o capitão.
E Bolsonaro poderia ser objeto de um ataque especulativo que transferisse alguns pontinhos vitais dele para o nome “de centro”, que seria alavancado ao segundo turno com a missão de derrotar o PT.
Há alguma especulação, claro, nisso tudo, mas o cenário e as possibilidades numéricas explicam em boa medida os movimentos dos protagonistas. Especialmente no embate mais selvagem do momento: para definir quem carregará a espada do antilulismo em 2022.
Nada disso chega a ser novidade, mas é nesse contexto que precisam ser olhados os movimentos da agitada semana que fecha.
A muito expressiva, mas não decisiva, mobilização do Sete de Setembro não deu a Bolsonaro o impulso para o xeque. Mas criou um equilíbrio de forças propício ao que se seguiu: um cessar-fogo, um armistício.
Para projetar a duração do armistício, a correlação de forças tem mais importância do que as convicções. Sobre estas, aliás, é saudável partir da premissa de que cada jogador, se puder, prefere ganhar o jogo por W.O. Expurgar os adversários da disputa.
A estabilidade do atual cessar-fogo depende, em última instância, da confiança que dois dos três jogadores principais, o bolsonarismo e o centrismo, depositam na própria força eleitoral. O primeiro tem a liderança, ainda que baqueada, da máquina estatal. O segundo tem a hegemonia absoluta nos mecanismos de formação e controle da opinião pública (que não se confunde com a opinião popular).
Sobre Jair Bolsonaro, ele estará mais aderente ao armistício quanto mais estiver confiante de que tem boas chances de virar o jogo e buscar a reeleição. E isso nunca deve ser subestimado, pois desde que a reeleição foi permitida todos os presidentes se reelegeram.
P.S: A respeito das frentes, e o tema vale um texto à parte, é sempre prudente buscar fortalecer-se no processo frentista, porque pode acontecer mais cedo ou mais tarde que o amigo de hoje vire o inimigo de amanhã. E é bom estar preparado.
Alon Feuerwerker – jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-encapsulamento-o-armisticio-e-o-cessar-fogo-por-alon-feuerwerker
Pedro Dória: Lições para aprender após a tentativa de golpe de Estado
Nada do que estamos vivendo ocorreria se aprendêssemos algo com o passado
Pedro Dória / O Estado de S. Paulo
Esta coluna tem tema — o impacto das transformações digitais no mundo. Mas esta não é uma semana qualquer. Na terça-feira, logo um 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro juntou uma pequena multidão na avenida Paulista e ameaçou violar o artigo 85 da Constituição. É aquele que obriga alguém em seu cargo a cumprir decisões judiciais sob a pena de impeachment. Durante aquele dia, a PM do Distrito Federal resistiu a sete ofensivas contra o Palácio do Supremo. Foi uma tentativa de golpe de Estado, que se frustraria, o que não faz disso menos grave. Dois dias depois, na quinta, perante um impeachment posto no radar, Bolsonaro se acovardou. Tenta recuar do desastre com uma carta escrita pelo ex-presidente Michel Temer. Peço licença, pois, aos leitores habituais da coluna para vestir só nesta semana meu outro chapéu profissional — o do jornalista que escreve sobre história. Porque nada do que estamos vivendo ocorreria se aprendêssemos algo com o passado.
A primeira lição: existe um germe militar autoritário na cultura política brasileira. Sempre que o País se desorganiza, um grupo grande o suficiente de brasileiros bate à porta dos quartéis. Por algum motivo, acreditamos que os militares representam ordem, disciplina e competência. Foi assim em 1889, quando Deodoro pôs abaixo o Império. Também foi assim em 1937, quando Getúlio se apoiou em dois marechais para cercar o Congresso e encerrar o período da melhor Constituição que tivemos até 1988. A eleição de Eurico Gaspar Dutra foi isso. Ia sendo assim em 1954, quando o mesmo Getúlio — agora na outra ponta — meteu um tiro no peito evitando um golpe. Em 1964. E, em 2018, perante o caos deixado pela instabilidade da década de 10, com a eleição de Bolsonaro.
Nunca dá certo. Os governos militares foram uniformemente incompetentes, ineptos, desordeiros, corruptos e desorganizados. A única promessa que militares cumprem no poder é que, ora, autoritários eles são mesmo. Por que não aprendemos que é um desastre? É um mistério. Mas o resultado é sempre o mesmo.
A segunda lição é uma que a centro-esquerda não consegue aprender. É incapaz de pactuar com o Centro democrático. Para a Esquerda brasileira, é como se o Centro não existisse. Tudo para além é a ‘Direita’. Com a Direita fisiológica tem conversa — Getúlio fez muito disso. A Centro-Esquerda então transforma sua vertente radical em massa de manobra. Jango fez muito disso. Pactuar com o Centro? Nunca. Sequer reconhecer a existência de tal coisa. É assim que Fernando Henrique Cardoso passou sua presidência sendo chamado de fascista.
Se tivesse havido um diálogo cordial e democrático em cima da extensa interseção de objetivos de Centro-Esquerda e Centro, a história da Nova República teria sido outra.
Mas este Centro, do qual fazem parte os Liberais, também tem culpa no cartório. Mesmo alguns de nossos melhores Liberais, dentro os mais convictos democratas como Ruy Barbosa e Afonso Arinos, sempre existe esta ilusão do atalho autoritário. Uma ditadura curta vai promover reformas tão difíceis de realizar na Democracia. Um autoritário de pulso firme fará o que é preciso para o Brasil entrar nos trilhos.
Como pode um Liberal apoiar um autoritário? Está entre nossas jabuticabas brasileiras. Sempre dá errado.
A mais cruel das lições é outra. Assim como a Frente Ampla que juntou Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek demorou três anos de ditadura para enfim sair, os democratas são incapazes de caminhar juntos perante uma ameaça à democracia. A gente não aprende.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://link.estadao.com.br/noticias/geral,licoes-para-aprender-apos-a-tentativa-de-golpe-de-estado,70003835960
Vera Magalhães: Nota de recuo vale por uma de R$ 3
A pretexto de fazer um favor ao país, Temer presta um desserviço histórico
Vera Magalhães / O Globo
Vale tanto quanto uma cédula de R$ 3 a nota em que Jair Bolsonaro usa o marqueteiro de Michel Temer como ghost-writer para ajoelhar no milho diante do Supremo Tribunal Federal e fingir um arrependimento que não tem das ameaças de golpe que sinceramente proferiu no 7 de Setembro.
Quem fingir que acredita no propósito de se moderar, de obedecer aos desígnios do Judiciário e de zelar pela independência e harmonia dos Poderes feito por Temer é cínico, burro ou ingênuo. Ou um mix dos três.
Cínico será o alívio do mercado, dos ministros e dos deputados da base aliada.
O primeiro grupo tratará de tentar recuperar os prejuízos dos últimos dias.
Os integrantes do primeiro escalão buscarão para o espelho, para o travesseiro e para os filhos uma justificativa plausível para continuar servindo a um governo que busca uma ruptura institucional.
E os nobres parlamentares da base aliada encontrarão a desculpa necessária para continuar mamando nas tetas do Orçamento até exauri-las, sem precisar fingir que estão pensando a sério em abrir um processo de impeachment.
Ingênuo será o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), se, com base nessa encenação tosca, deixar de devolver a Medida Provisória que susta parte do Marco Civil da Internet ou se receber os caminhoneiros que fazem chantagem com o país com uma paralisação que foi convocada e insuflada por Bolsonaro em pessoa.
Também figura no rol dos ingênuos, desta vez com uma dose de vaidade por ser lembrado e chamado em casa, Michel Temer, ao associar sua já questionada passagem pela Presidência (que deixou com recordes de rejeição) à indefensável e incorrigível gestão de seu sucessor.
Ademais, a pretexto de fazer um favor ao país, Temer presta um desserviço histórico. Porque ajuda a escamotear o real propósito de Bolsonaro de solapar a democracia e dinamitar as instituições aos poucos todos os dias.
Hoje, o presidente se finge de cordeiro, pede desculpas e faz um ato de contrição. E o faz porque é, além de golpista e inepto para o cargo, atavicamente covarde e se pela de medo da deposição e da prisão — dele e dos filhos. Só por isso. O país que se exploda. É nesse avião que Temer aceitou embarcar.
O último grupo a acreditar na nota de R$ 3 de Bolsotemer é o dos burros, integrado pela ala mais bovina dos bolsominions. Os comentaristas a soldo, pseudojornalistas, blogueiros golpistas arrancaram os poucos cabelos que têm e arreganharam as gengivas inflamadas para xingar o mito de todos os nomes feios que conhecem.
Já lançam Tarcísio Gomes de Freitas, o ex-técnico transformado em minion pelo chefe, para lhe suceder na eleição de 2022!
De tão desarvorados, se esquecem de relaxar e lembrar que amanhã mesmo Bolsonaro já estará de volta ao script de protoditador de anteontem, mandando às favas a máxima temerista de que verba volant, scripta manent (calma, Centrão, a verba que voa é a palavra, a do orçamento secreto fica).
Que os que estavam vigilantes e preocupados no dia 8 sigam assim e não desviem de seu papel constitucional de conter um presidente disposto a lhes sentar o relho e empastelar as eleições.
Os inquéritos de Alexandre de Moraes têm de seguir, a MP do Marco Civil tem de voltar para o Planalto com selo de endereço não encontrado, as investigações do TSE sobre as mentiras de Bolsonaro quanto ao pleito não podem parar, a CPI tem de concluir seu relatório com imputação dos inúmeros e hediondos crimes cometidos pelo presidente e pelo sumido general Pazuello, e a indicação de André Mendonça ao STF tem de ser rejeitada, porque quem o indicou quer fechar o Supremo.
Essa é a pauta de resistência possível e viável, uma vez que o impeachment, conforme escrevi aqui, não sairá.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/nota-de-recuo-de-bolsonaro-vale-tanto-quanto-uma-de-r-3.html
Luiz Carlos Azedo: As nuvens do Planalto
O que Bolsonaro fala não se escreve. Agora, com a sua Mensagem à Nação, na qual se compromete a respeitar a Constituição de 1988, veremos se cumpre o que escreve
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Ex-banqueiro, ex-deputado, ex-governador de Minas Gerais e então ministro das Relações Exteriores na época da publicação do Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968, Magalhães Pinto eram um político conservador, que apoiou o golpe de 1964, como a maioria dos caciques da antiga União Democrática Nacional (UDN). Para ele, a política era como uma nuvem: “Você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou”.
Signatário do histórico Manifesto dos Mineiros, lançado por setores liberais contra o Estado Novo (1937-1945), em outubro de 1943, mesmo assim Magalhães Pinto subscreveu o AI-5 na “esperança” de que o decreto tivesse vigência de seis ou oito meses, diria em entrevista, 16 anos depois. O regime militar só acabou em 1985, com a eleição de Tancredo Neves, seu adversário histórico do antigo PSD. O tempo fora suficiente para volatilizar seu projeto de chegar à Presidência da República, frustração que também ocorreu com outros políticos golpistas, como o ex-governador carioca Carlos Lacerda, que teve o mandato cassado pelos militares.
As nuvens da política no Planalto são caprichosas e traiçoeiras. Nessa época do ano, em que a seca castiga o Distrito Federal, elas aparecem e desaparecem ao sabor do vento. As chuvas, com raios e trovões, são uma raridade, mas eventualmente ocorrem. Na terça-feira, Dia da Independência, Brasília amanheceu sob um ameaçador cumulonimbus, uma formação semelhante àquelas “Nuvens Negras” que intitularam o editorial do antigo Correio da Manhã, a senha para a marcha das tropas do general Mourão Filho, de Juiz de Fora para o Rio de janeiro, em 31 de março de 1964, o estopim da destituição do presidente João Goulart.
Existem nuvens em camadas e nuvens convectivas. Nuvens em camadas aparecem altas no céu, são as mais comuns nessa época do ano em Brasília. As nuvens convectivas estão mais próximas da superfície da Terra. Em 1802, o inglês Luke Howard criou quatro categorias de nuvens usadas até hoje: cumulus, stratus, nimbus e cirrus. O nome cumulus vem do latim e significa “pilha” ou “montão. Nimbus é a palavra para “nuvem” em latim. Nuvens nimbus são produtoras de precipitação. A categoria nimbus é frequentemente combinada com outras categorias para indicar condições de tempestade.
Na gíria dos morros e subúrbios cariocas, “CB” significa “sangue bom”. Na meteorologia, porém, a sigla significa cumuloninbus, um terror para pilotos e navegantes. São nuvens que podem ocorrer a qualquer momento, durante todo o ano. Na aviação, limitam o espaço aéreo, pois o voo dentro delas é de extremo risco — também afetam pousos e decolagem. No mar, nos rios e nos lagos, podem causar naufrágios. Provocam turbulência, granizo, formação de gelo, saraiva (granizos lançados para fora da nuvem, em ar claro), relâmpagos e, por vezes, tornados. Há registros de ventos de 100 milhas/hora e tempestades de 8 mil toneladas de água por minuto, que duram não muito mais do que meia-hora. Seus raios podem chegar a 100 milhões de volts.
Dissipação
Terça e quarta-feira, parecia que um CB levaria a Constituição de 1988 ao naufrágio e calcinaria os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas era uma daquelas nuvens da nossa política. No auge da tensão entre os manifestantes que ocupam a Esplanada e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), as tropas do Comando Militar do Planalto, chefiadas pelo general de divisão Rui Yutaka Matsuda, estavam de prontidão, para garantia da lei e da ordem, se assim fosse necessário. Não estavam aquarteladas para dar um golpe de Estado, mas, sim, proteger o STF, se fossem requisitadas pelo presidente da Corte, Luiz Fux. Por muito pouco, o presidente Jair Bolsonaro não cometeu um grave crime de sedição ao incitar os caminhoneiros contra o Supremo, o contrário do que deveria fazer como. “comandante supremo” das Forças Armadas.
Enquanto as multidões que mobilizara urravam, Bolsonaro se isolava politicamente. Na quar- ta-feira, as reações do presidente do STF, Luiz Fux, e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), refletiram essa situação. Ontem, os bloqueios de rodovias pelos caminhoneiros que apoiam Bolsonaro e querem fechar o Supremo, e as reações do mercado financeiro, com ações em queda e dólar em alta, reve- lavam que o presidente ainda estava dentro cumulonimbus, enquanto os políticos e a magistratura o contornavam.
O antológico e duro discurso do ministro do STF Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), durante a sessão da Corte, deixou muito claro que os ministros do Supremo não se acovardariam. Coube ao ex-presidente Michel Temer, como se fosse um velho controlador de voo, convencer o presidente a mudar de rota, enquanto as nuvens se dissipavam. O que Bolsonaro fala não se escreve. Agora, com a sua Mensagem à Nação, na qual se compromete a respeitar os demais Poderes e a Constituição de 1988, veremos se cumpre o que escreve.
Jurista vê crime de responsabilidade em ameaças de Bolsonaro no 7/9
As ameaças, ainda que não efetivas, podem ser enquadradas pela lei, conforme especialista
O jurista Marco Marrafon, ouvido pelo Olhar Direto ontem (8), afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cometeu crime de responsabilidade ao afrontar princípios constitucionais como ao dizer que não vai cumprir decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Em sua fala, Bolsonaro também atacou o sistema eleitoral brasileiro, outros integrantes do STF e governadores e prefeitos que tomaram medidas de combate ao coronavírus.
“O discurso em si já foi muito grave. Ela aponta para um caminho que atenta contra a democracia e contra as instituições, em especial o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal federal (STF)”, salientou Marrafon.
Alexandre de Moraes é responsável pelo inquérito que investiga o financiamento e organização de atos contra as instituições e a democracia e pelo qual já determinou prisões de aliados do presidente e de militantes. Bolsonaro é alvo de cinco inquéritos no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Moraes vai ser presidente do TSE no próximo ano.
As ameaças, ainda que não efetivas, podem ser enquadradas pela lei, conforme especialista. “Isso em si já configura crime de responsabilidade previsto no artigo sexto, número seis, da lei de crime de responsabilidade, que diz o seguinte. ‘São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos Poderes Constitucionais dos Estados: usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício’”, salientou Marrafon.
Conforme o jurista, se Bolsonaro deixar o campo das ameaças e cumprir sua promessa de não acatar decisões, o crime de responsabilidade será ainda mais evidente. “Se houver ainda mais o efetivo descumprimento de qualquer decisão judicial, aí a situação se torna mais grave, se torna então bastante caracterizado o crime de responsabilidade. Também está previsto na lei que não cumprir decisões judiciais é crime de responsabilidade do presidente da República”, finalizou.
*Marco Marrafon é advogado constitucionalista, doutor em Direito do Estado e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: Olhar Jurídico
https://olharjuridico.com.br/noticias/exibir.asp?id=47164¬icia=jurista-ve-crime-de-responsabilidade-em-ameacas-feitas-por-bolsonaro-no-7-de-setembro
Reinaldo Azevedo: Pluralidade exclui golpismo
Os dias são anômalos; defender a democracia, as regras do jogo e as instituições passou a ser uma agenda antigovernista
Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo
Vivemos uma situação espetacularmente anômala. Se não tomarmos cuidado, nós, da imprensa, ainda acabaremos como porta-vozes involuntários do golpismo. Lamento ter de constatar que, aqui e ali, isso já acontece. Golpistas, sem nenhum pudor, expõem a sua agenda, que compreende, realizados seus intentos, calar um dia também o diligente entrevistador.
Notem que mal se veem, hoje em dia, estampados na imprensa, os embates que se tornaram corriqueiros desde a redemocratização. Privatiza ou não? Mais Estado ou menos? A legislação que protege o trabalho garante ou rouba os empregos? A elevação da taxa de juros certamente concorrerá para deprimir o crescimento no ano que vem, mas ela será eficaz para baixar a inflação? O debate sumiu.
Tudo se dilui na aparente unanimidade da imprensa profissional contra o governo Bolsonaro. E as exceções mal conseguem esconder uma militância a soldo: ou gozando já de privilégios oferecidos pelo poder ou de olho em concessões futuras. A questão é saber se essa unanimidade —reitero que é apenas aparente— tem mesmo de ser rompida e o que, então, se deve entender, dado o contexto, por pluralidade.
Uma coisa é tentar compreender a cabeça de um golpista, fazendo, vamos dizer, a etiologia do seu pensamento para chegar à origem da patologia —e, como notam, tomo a defesa da democracia como exemplo de “saúde civil”, fazendo eco à campanha das Diretas. Outra, muito distinta, é lhe franquear o megafone para vomitar proselitismo contra a ordem democrática.
Mal sabemos o que pensam e querem hoje os que se opõem a Bolsonaro porque é impossível identificar qual é a pauta do governo. As forças políticas não mais se organizam a partir de um eixo de propostas que o poder de turno busca implementar. Querem um exemplo? O que pretende Paulo Guedes, o “homem-meme”, como o chama minha mulher?
Transformou-se numa espécie de “clown” —refiro-me à linguagem do teatro— de uma mistura exótica de liberalismo do século passado com bolsonarismo. Pode falar qualquer coisa —“qual é o problema se a energia ficar um pouco mais cara?”—, sempre com o ar meio entristecido, como cabe a essa persona, com eventuais rompantes de indignação reacionária. O controlador do caixa se mostra um teórico da contabilidade criativa e fura-teto, esforçando-se, adicionalmente, para mandar para o lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal e o inciso III do artigo 167 da Constituição, o da “Regra de Ouro”.
Em tempos de normalidade democrática, as forças políticas estariam se engalfinhando em razão dessas e de outras escolhas, cabendo à imprensa, sim, dar conta da pluralidade de vozes. Mesmo no pega-pra-capar do jornalismo investigativo, ouvir o que têm a dizer os acusados é primado básico do Estado de Direito e da civilidade política. Aliás, depois da aluvião lavajatista, uma revisão de critérios é mais do que necessária. Está por ser feita.
Dados alguns exemplos do que seriam os embates corriqueiros, voltemos à questão de fundo. A que se deve, na imprensa profissional e independente, o suposto consenso? Bolsonaro se ocupa de golpear as instituições desde que se sentou na cadeira presidencial. O primeiro ato relevante de seus fanáticos —então unidos ao lavajatismo— contra as instituições se deu no dia 26 de maio de 2019, com apoio mais do que explícito do governo.
E, desde aquela data, assiste-se a uma escalada. A pauta pode variar um pouco, mas o intuito é sempre o mesmo: rasgar a Constituição. As oposições deixaram de ser o outro lado do governo. O governo deixou de ser o outro lado das oposições. A referida anomalia está no fato de que defender a ordem democrática, as regras do jogo e os valores mínimos da civilização se tornou uma agenda antigovernista. O bolsonarismo se manifesta como o polo oposto às instituições. A barbárie se expressa com a clareza que a barbárie tem.
Pergunto: deve-se entender que a pluralidade passa por normalizar a pregação golpista, legitimando-a, assim como quem diz “hoje é sexta-feira”? Dar voz a quem quer nos calar não é um paradoxo. É sujeição voluntária.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/08/pluralidade-exclui-golpismo-governo-vira-o-outro-lado-da-civilizacao.shtml
Golpe? Que golpe?
Demorou, mas finalmente as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid
Vai ter golpe? Não. Já teve. Não sei se você lembra, mas foi em 2016, contra Dilma Rousseff. Como o espaço é curto, eu vou resumir. Teve o tuíte golpista do general Villas Bôas ao Supremo, Lula foi preso, não pôde participar da eleição e Bolsonaro foi eleito, enquanto as instituições, claro, funcionavam normalmente. Sim, teve o Moro, hoje, sabe-se, um juiz suspeito.
Tudo ia muito bem para essa gente. Mas, no meio do caminho tinha uma pandemia. Demorou, demorou, mas, ufa, finalmente, as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid. Eis que os senadores descobrem fortes indícios de corrupção na negociação para comprar vacinas! As suspeitas envolvem coronéis e o general da ativa que foi ministro --e também encostam em Bolsonaro.
Ele despenca nas pesquisas. O que faz, então, o presidente enfraquecido? O arauto do caos intensificou a pregação golpista contra a urna eletrônica e as eleições, contando, agora, com o reforço escancarado do ministro da Defesa, Braga Netto, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo. A ameaça do general foi direcionada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o mesmo que com seus poderes hipertrofiados se recusa a analisar os pedidos de impeachment contra o presidente.
Ocorre que Bolsonaro foi buscar apoio justamente no centrão de Lira. Na rapina do dinheiro público, a turma de Lira faz assim: escalpela, dilacera as vísceras e termina o repasto triturando os ossos até o tutano. O híbrido de governo miliciano, centrão, liberais defensores do Estado esquelético e militares saudosos da ditadura ainda vai produzir muitos sobressaltos.
Mas o Brasil que irá às urnas em 2022 é muito diferente daquele que votou com ódio em 2018. E tudo o que os generais herdeiros de Ustra conseguirão com seus arreganhos é se parecer cada vez mais com um bando de "maria fofoca", metidos num disse me disse de golpe. Generais, vistam o pijama e devolvam-nos o país que vocês destruíram. Não estão satisfeitos com 550 mil mortos?
Está só começando o assalto do Centrão ao governo Bolsonaro
Para pelo menos completar o mandato, o presidente entrega os anéis, os dedos e o que mais for necessário
Fosse bem o governo, o presidente Jair Bolsonaro não precisaria abrir a porta para a entrada do Centrão, o que ele sempre negou que faria. Como o governo vai mal e o sonho da reeleição cada vez mais distante, restou-lhe dar o dito pelo não dito.
Não foi o Centrão que meteu o pé na porta, foi o presidente que lhe estendeu o tapete vermelho e pediu que entrasse. Nada tem a ver com um lance de ocasião do tipo ceder os anéis e preservar os dedos. Haverá de ceder os dedos e muito mais.
Consentido por Bolsonaro, o assalto do Centrão ao governo está só começando. Uns tantos quintos colunas ali já estavam instalados, mas perdiam de longe para os militares em matéria de influência. Em breve, o placar deste jogo será invertido.
A chefia da Casa Civil não é um cargo qualquer, é o mais importante do governo depois do cargo de presidente. Foi por isso que do México, onde ainda se encontra de férias, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) apressou-se a dizer sim ao convite para ocupá-lo.
Nogueira não é simplesmente um senador, é presidente do seu partido, um dos maiores, e um dos líderes do Centrão. Em 2006, indicou a senadora Ana Amélia para vice de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB a presidente contra Dilma Rousseff (PT).
Antes da eleição, abandonou Alckmin, Ana Amélia e apoiou Dilma. Ele e a mãe posaram para fotos com adesivos da campanha de Dilma. Em vídeo gravado em 2017, chamou Bolsonaro de fascista e Lula de o maior presidente da história do país.
Bolsonaro está sendo obrigado a explicar aos seus devotos por que convidou para ser o seu segundo não só um nome do Centrão como justamente o daquele que o tinha como má companhia. E tem respondido que no passado disse coisas que hoje não repetiria.
Seria o caso de perguntar-lhe que coisas foram essas que hoje não mais diria. E de perguntar a Nogueira por que há três anos e meio ele considerava Bolsonaro um fascista. É de supor que não considere mais. Foi Bolsonaro quem mudou ou foi Nogueira?
Os militares sempre serão o maior contingente de quadros do governo Bolsonaro – algo entre 6 mil e 8 mil, da reserva e da ativa, distribuídos por todos os escalões. Mas a entrada de Nogueira os afetará, bem como a Paulo Guedes, ministro da Economia.
Sob o seu comando, Guedes reuniu meia dúzia de antigos ministérios rebaixados à condição de secretarias. Acaba de perder Trabalho e Previdência Social e corre o risco de perder o Planejamento. Por mais que negue, está em declínio.
Em time que vence não se mexe. Bolsonaro conformou-se em mexer no seu para não perder a última e decisiva batalha, a de completar o mandato.
PP de Nogueira, chefe da Casa Civil, recusa o passe de Bolsonaro
Além de ser um fardo pesado, o presidente atrapalharia alianças do partido nos Estados
O convite para que Ciro Nogueira (PI) ocupe a chefia da Casa Civil do governo está sendo celebrado por deputados federais e senadores do Progressistas (PP), mas a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro se filie ao partido, não.
“Tentei e estou tentando um partido que eu possa chamar de meu e possa, realmente, se for disputar a Presidência, ter o domínio do partido. Está difícil, quase impossível”, disse, ontem, Bolsonaro em uma entrevista à rádio Grande FM, de Mato Grosso do Sul.
Por ora, a resposta do PP ao presidente é: “Aproxime-se para lá, me inclua fora dessa”. Foi a mesma resposta que lhe deram o Patriotas e outras siglas. Há mais desvantagens do que vantagens em abrigar Bolsonaro e toda a sua trupe, onde se incluem os filhos.
Vão querer mandar no partido onde entrarem, e todos os partidos já têm donos. A empreitada de Bolsonaro para criar um partido só dele fracassou. Ele ficou sem nenhum e não sabe qual será o seu destino a 14 meses das eleições do ano que vem.
Além de donos, os partidos ambicionados por Bolsonaro preferem não ter candidato próprio a presidente da República para se dedicarem à eleição de deputados e senadores, e isso passa por alianças diversas nos Estados, à direita e à esquerda.
O PT governa a Bahia junto com o PP. Bolsonaro admitiria que, ali, o PP apoiasse Lula ao invés dele? De Nogueira, tão logo assuma a Casa Civil, seus liderados esperam que os ajude a se reeleger, e não o contrário; e que os deixe sem amarras para isso.
Esquerda auxilia Bolsonaro sempre que apoia ditaduras
Militantes de esquerda ficam muito irritados quando seus políticos são questionados por jornalistas sobre Cuba ou Venezuela. Acreditam que esse tipo de pergunta é capciosa, uma espécie de espantalho que busca amedrontar o eleitorado e desviar a atenção dos temas substantivos de políticas públicas.
O antigo mal-estar foi reavivado agora quando diversos políticos de esquerda, entre eles o ex-presidente Lula, deram declarações apoiando a ditadura cubana, que enfrenta uma onda de protestos.
A esquerda não gosta de ser comparada a Bolsonaro em sua falta de compromisso com a democracia. Em parte tem razão: nos 13 anos de governos petistas não houve nenhum movimento relevante de esmorecimento da ordem democrática. Apesar de declarações criticando a imprensa ou ataques a movimentos de protesto, não houve nenhuma ação dos governos de esquerda que minimamente se aproximasse das rotineiras ameaças de Bolsonaro à integridade das eleições, à independência dos Poderes ou à liberdade de imprensa.
Por isso mesmo, é bastante surpreendente a incapacidade das maiores lideranças de esquerda de marcar distância dos regimes autoritários em Cuba ou na Venezuela. Essa recusa em condenar ditaduras alimenta o medo de setores da direita, e mesmo do centro, que pode empurrá-los outra vez para Bolsonaro na busca do mal menor.
A esquerda precisa escapar da lógica binária segundo a qual o injusto e excessivo embargo americano contra Cuba autoriza ações repressivas como a que vimos na semana passada, com a prisão em massa de dissidentes e a suspensão da internet. A ditadura de um só partido, a limitação da liberdade sindical e a restrição da liberdade de imprensa não podem ser defendidas como o preço a pagar pelas boas políticas de saúde e educação cubanas.
O mesmo vale para a Venezuela. A perseguição à oposição e o cerceamento à liberdade de imprensa, de um lado; e, de outro, a falta de independência entre os Poderes, com o estrito controle do Executivo sobre a Corte constitucional e o redesenho de distritos eleitorais para manter o controle do Legislativo, não pode ser defendida porque a oposição tentou dar golpes de Estado ou porque o governo americano ameaça intervir no país.
No caso da Venezuela, para além das questões democráticas, é preciso uma reflexão profunda sobre os graves equívocos da política econômica, que levaram o país a uma inflação anual de 3.000% e a uma queda no PIB de 30% em 2020 —esse desastre todo não se explica apenas pelas sanções americanas e por um suposto locaute do empresariado.
A esquerda, se quer se apresentar como contraponto ao autoritarismo de Bolsonaro, precisa melhorar muito suas credenciais democráticas. Não pode tomar posições que sugiram que, se a oportunidade surgir, poderá sacrificar a democracia na busca pela justiça social. Sempre que a oportunidade surgir, é mais do que pertinente que o jornalista pergunte ao candidato da esquerda: “E a Venezuela?”.
O cheiro do golpista
Braga Netto tem sotaque de golpista, cacoete de golpista e é amigo e subordinado do golpista-mor da República. Só por um milagre ele próprio não seria um golpista potencial
Pode não ser verdade, mas é bem provável que seja. O episódio golpista que envolveu o general Braga Netto, ministro da Defesa, tem traços genuínos e cheiro de verdade. Só o “Estadão”, que publicou a matéria em que conta a ameaça às eleições feita pelo general, pode garantir a veracidade da informação. E o jornal não só garantiu como reafirmou sua convicção na correção da matéria. Todos os demais podem afirmar que ela é bem provável, ou muito provável, ou mais do que provável. O general tem sotaque de golpista, cacoete de golpista e é amigo e subordinado do golpista-mor da República. Só por um milagre ele próprio não seria um golpista potencial.
Braga Netto é também subserviente ao presidente de maneira absoluta. Parece um cão de guarda, com a diferença que o militar age por vezes por imitação. O cachorro só se manifesta se ordenado pelo dono. A ameaça do general teria ocorrido depois de inúmeras declarações de Bolsonaro no mesmo sentido. No dia 8 deste mês, o presidente reafirmou que poderia não haver eleição se ela não fosse auditável (que na linguagem golpista significa voto impresso). Bolsonaro falou no cercadinho do Alvorada ao grupo de cegos apoiadores que aplaudem e riem de todas as suas tolices. No mesmo dia, Braga teria mandado alguém avisar o presidente da Câmara que se a eleição não for com voto impresso e auditável não haverá eleição em 2022. Alguma dúvida?
Um acinte. Um abuso. Uma violência típica de generaleco de republiqueta. Pode não ter ocorrido, mas Braga já deu outras demonstrações de seu afeto ao golpismo. Na posse do comandante do Exército, no dia seguinte à sua própria posse na Defesa, o general disse que as Forças Armadas estariam prontas para garantir a manutenção do projeto escolhido nas urnas pelos brasileiros. Seria o mesmo se dissesse que os militares não aceitariam um revés que ameaçasse o mandato de Bolsonaro, o presidente que cometeu mais de 30 crimes de responsabilidade pelos quais poderia ser legalmente afastado. Sob qualquer ângulo que se veja, aquela declaração só poderia ser feita por um general golpista, querendo entrar com o seu coturno pesado num jogo para o qual não foi convidado.
Mais adiante, há duas semanas, publicou nota intimidando o presidente da CPI da Covid. Omar Aziz, para quem não se lembra, disse que a banda podre das Forças Armadas envergonham os bons militares. A nota, assinada por Braga e pelos comandantes militares, afirmou que Exército, Marinha e Aeronáutica “não vão aceitar ataques levianos”. Parecia querer dizer que militar ladrão não incomoda militar honesto, poderia ter acrescentado “somos todos companheiros de farda”. Francamente. Braga Netto terá que se entender ele mesmo com a CPI, afinal era chefe da Casa Civil e coordenador do grupo de combate à Covid quando ocorreram todos os equívocos que vêm sendo relatados na comissão. E que resultaram em milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.
O desmentido do general à reportagem do “Estadão” foi solene, mas não definitivo. Ele deveria ter dito o que disse o vice Hamilton Mourão: “É lógico que vai ter eleição (mesmo sem o voto impresso). Quem é que vai impedir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos uma república de banana”. Não, Braga preferiu manter-se general menor e voltou ao velho lenga-lenga de que as Forças Armadas estão “comprometidas com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”, embora essas não sejam atribuições conferidas a elas pela Constituição. Até porque, sabe-se lá o que ele entende por liberdade do povo. Em nome dessa liberdade, outros generais já cometeram inúmeras atrocidades registradas pela História.
Azeitar, operar, negociar
O Congresso reagiu com euforia ao anúncio da nomeação do senador Ciro Nogueira para a Casa Civil no lugar de Luiz Eduardo Ramos, outro general que caminha um passo a mais em direção à rua. Deputados e senadores disseram que o habilidoso Ciro vai azeitar a engrenagem que liga Executivo e Legislativo, que ele sabe negociar melhor do que ninguém, e que vai ser um operador do governo no Congresso. Eufemismos, eufemismos, eufemismos. Azeitar, na linguagem parlamentar, é dar cargos para os aliados. Negociar é distribuir verbas públicas em troca de apoio ou, em bom português, fazer negócios. E operar é a arte de oferecer favores e agrados e atender pedidos, tudo com dinheiro do contribuinte, claro.
Loteamento
Bolsonaro dizia na campanha que governaria com 15 ministérios, tomou posse com 21 e na semana que vem serão 23, com a recriação do Ministério do Trabalho para abrigar o irrelevante Onyx Lorenzoni. Se continuar disparando contra o próprio pé com a mesma pontaria de hoje, chegará ao fim do mandato com uns 40, como Dilma. A conta daquele inchaço, segundo cálculo das repórteres Luiza Damé e Catarina Alencastro feito para O GLOBO em maio de 2013, chegou a R$ 58 bilhões.
O engraçado
Paulo Guedes é mesmo muito gozado. Ao anunciar mais um fatiamento em seu latifúndio ministerial, disse: “Vamos criar empregos, inclusive com uma reestruturação nossa… (trata-se de) uma mudança na direção do emprego e da renda”. Fala sério, ministro, os únicos empregos que Onyx vai criar no Ministério do Trabalho serão os dele e os da sua turma.
Rancho Queimado
Nem toda a turma do interior que apoia Bolsonaro sabe distinguir com clareza um político de esquerda de um de direita. Como são conservadores nos costumes, acabam elegendo políticos de direita, conservadores como eles. Muitos não sabem quanto dura um mandato, como funciona o princípio da reeleição, para que servem o Congresso e o Supremo, ou o que significa um golpe militar. Não se trata de burrice, mas de alienação e desinformação. Os eleitores de Rancho Queimado, citado por Luis Carlos Heinze como a meca da cloroquina, querem que seus negócios prosperem, querem manter seus empregos, querem criar seus filhos adequadamente. O que eles mais precisam, mas não sabem, é de educação política. Se entendessem a gravidade desses dias, o presidente não teria mais do que 5% de apoio. Ficaria apenas com os trogloditas como ele.
Clube do bolinha
A Fiesp divulgou esta semana a lista de membros da sua nova diretoria, do seu Conselho Fiscal e dos delegados da entidade junto à CNI. Foram eleitas 133 pessoas: o presidente, 25 vice-presidentes e mais 108 diretores, conselheiros e delegados. Destes, 131 são homens. Apenas duas mulheres participam do comando da entidade, Mariana Falcão Dalla Vecchia e Silvia Ribeiro de Aquino. Sobra gravata e falta saia na Fiesp.
Castigo
Para não deixar dúvida, sou torcedor do Flamengo, dos chatos, que vê todos os jogos e fica irritado nos dois dias seguintes a uma derrota do mais querido. Mesmo assim, não há como não anotar com satisfação o baixo número de ingressos vendidos para o jogo de Brasília, na quarta-feira passada. Menos de um terço da carga oferecida foi comprada. O preço atrapalhou, mas é claro que o brasiliense aproveitou para dar uma banana ao negacionismo renitente da diretoria do clube.
Barraquinhas
Imaginem como seria a cena proposta por médico do Ministério da Saúde para o laboratório a céu aberto de Manaus no auge da crise de oxigênio. Tendas, ou barraquinhas, seriam montadas em frente aos hospitais da cidade e ofereceriam cloroquina, azitromicina, ivermectina e outros medicamentos ineficazes aos pacientes que chegassem procurando socorro. “Cloroquina aqui, cliente”. “Mulher bonita não paga, ivermectina de graça é aqui”. “Na barraquinha da doutora Mayra você pede uma azitromicina e leva o kit completo”. “Aqui, dona Iolanda, pegue seu kit e leve uma banda”.
Olímpica 1
Excelente exemplo da delegação brasileira que desfilou na abertura dos Jogos de Tóquio com apenas quatro integrantes. Fazer bonito de vez em quando não custa nada e ajuda a diminuir a antipatia global causada pelo capitão. O número reduzido de desfilantes era para mostrar preocupação com a pandemia de coronavírus. No Brasil, os atletas devem ter sido vaiados por você sabe quem.
Olímpica 2
Pelo menos 142 atletas publicamente LGBTQ estão nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Esse número é duas vezes maior do que o registrado no Rio, em 2016, segundo a Outsports.com.
Correção
Nota publicada na semana passada dizia que as TVs tinham dado enxurrada de matérias e plantões ao vivo da porta do hospital depois da facada no então candidato Jair Bolsonaro, permanecendo assim depois da recuperação do paciente. A direção de jornalismo da Globo, responsável pelos telejornais da TV Globo e da GloboNews, enviou arquivos de vídeo mostrando que a informação estava errada. O noticiário da TV Globo só alterou o padrão na quinta (6/9), dia do atentado, e nos três dias seguintes. Da segunda (10/9) em diante, a saúde do candidato voltou a ser noticiada dentro do minuto a que tinha direito (como os demais candidatos), com exceção do dia em que sofreu nova cirurgia e do dia em que recebeu alta do hospital. A GloboNews adotou a mesma linha, com tempos maiores nos dias subsequentes ao atentado, e cobertura total de não mais que quatro minutos até o fim da campanha, e nas duas mesmas datas (nova cirurgia e alta médica) como exceção, com tempo de pouco mais de meia hora no total do dia. Com a correção, acrescento meu pedido de desculpas aos leitores.
Aman, a ‘fábrica de oficiais’ por onde passa a política brasileira dos militares
A AMAN é responsável pela formação militar e pelos valores do presidente Bolsonaro e dos principais ministros que estão hoje no poder. A “tutela” da República é um dos princípios que guiam os generais
Às margens da rodovia presidente Dutra, em seu quilômetro 306, um imponente portão dá acesso a uma rua que se estende por 700 metros, como se fosse um corredor, cortando um imenso gramado em direção a um edifício branco e largo de poucos andares que se assemelha a uma fábrica. Neste caso, uma fábrica de oficiais do Exército brasileiro, como é conhecida a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). A grandiosidade das instalações contrasta com a pacata cidade de Resende (RJ), onde a academia está situada. O município de 132.000 habitantes serve de dormitório tanto para a grande maioria dos 12.000 militares que circulam pela AMAN diariamente como para os trabalhadores da indústria automobilística instalada nos arredores. Mas por esse lugar, afastado dos grandes centros urbanos, a cerca de três horas de São Paulo e duas horas do Rio de Janeiro, passa a política brasileira de hoje. E talvez a do futuro.
Mais de 400 cadetes se formam todos os anos na AMAN, depois de quatro anos intensos cursando Ciências Militares —curso reconhecido como graduação universitária—, e iniciam uma carreira militar que pode levá-los ao Alto Comando do Exército. De lá saíram o presidente Jair Bolsonaro, em 1977, o vice Hamilton Mourão, em 1975, e seus principais ministros. O titular da Defesa, general Braga Netto, que ficou em evidência esta semana, formou-se em 1978. “É na AMAN que, além do treinamento militar, se incutem os valores da disciplina, hierarquia, patriotismo e honradez, além das convicções políticas”, explica o historiador José Murilo de Carvalho. “Entre essas últimas estão as que são repetidas com frequência pelos comandantes: defesa externa e interna do país, garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem”, completa. “É o que está na Constituição, cujo artigo 142 dá margem à interpretação de que as Forças Armadas têm um poder moderador sobre os outros poderes. Chamo a isso de tutela sobre a República”.
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Bolsonaro não perde a chance de confraternizar com os formandos desde seus tempos de deputado. No final de 2014, lá estava o então deputado para saudar os cadetes que concluíam sua estadia na academia. “Nós temos que mudar este Brasil, tá ok? Alguns vão morrer pelo caminho, mas estou disposto em 2018, seja o que Deus quiser, a tentar jogar para a direita este país”, disse aos formandos que celebravam o então deputado federal pelo Rio de Janeiro, logo após ser reeleito naquele ano com 464.000 votos. A promessa virou realidade nas eleições seguintes, em 2018.
Já como presidente, Bolsonaro também participou das formaturas em 2019 e 2020 ao lado de ministros e parlamentares. No ano passado, houve inclusive transmissão ao vivo da TV Brasil e comentários em tempo real de um coronel, como se fosse a cerimônia do Oscar ou de abertura das Olimpíadas. “Todos nós sabemos que o papel do militar, além daquela garantida e definida na nossa Constituição, é a nossa soberania e garantir a nossa liberdade, tão ameaçadas nos últimos tempos”, discursou na última cerimônia.
O EL PAÍS solicitou uma visita à AMAN, mas teve o pedido negado por conta das restrições da pandemia. O ambiente político dentro do complexo militar é uma incógnita, mas alguns fatos relevantes dos últimos anos dão algumas pistas do que pensam os futuros coronéis e generais do Exército.PUBLICIDADE
As últimas visitas de Bolsonaro e de seus ministros são recordadas em Resende, que o elegeu com 64,74% dos votos no primeiro turno e 74,28% no segundo. “Alguns ministros vieram almoçar aqui no restaurante”, conta o garçom Junior, que trabalha num local especializado em comida italiana. Em 2020, o prefeito —bolsonarista— Diogo Balieiro (DEM-RJ) foi reeleito com 82,57% dos votos, um recorde histórico. Se em 2017 Balieiro tomou posse no tradicional Colégio Salesiano, neste ano a cerimônia aconteceu em um teatro da AMAN —um sinal não só da importância da academia para a cidade, mas também de seu papel político. “Eu vim pra cá há 20 anos e demorou até que eu fizesse amigos. Não é como no Rio ou em São Paulo. Por conta do militarismo, as pessoas são muito fechadas”, explica o mesmo garçom, sobre a influência dos militares na vida da cidade.
Nas ruas do centro de Resende, construído às margens do rio Paraíba do Sul, a cinco minutos da rodovia Presidente Dutra, é possível ver os fardados circulando a partir de 18h, quando terminam o expediente. Eles são discretos, geralmente andam em grupo e muitas vezes são desconfiados ao conversar com alguém, segundo relatos ouvidos por este jornal. Como muitos são de cidades distantes, acabam alugando um apartamento ou dividindo residência com outros colegas do Exército. Para os cadetes, as restrições são maiores. Eles vivem em alojamentos na AMAN e, no primeiro ano, só podem deixar a academia nos finais de semana. Conforme avançam de ano, ganham mais liberdade para deixar o complexo militar. “Durante a semana eles vão ao shopping para comer algo. Nos dias de folga, muitos aproveitam para dormir, porque a rotina é muito puxada, ou para sair com familiares que chegam até a cidade para visitá-los”, afirma uma recepcionista. “Quando eles saem para um bar ou se divertir, ficam todos juntos numa mesa grande”, afirma a comerciante de um shopping.
O principal ponto de encontro dos cadetes nos finais de semana é o Resen Bar, um boteco de mesas vermelhas na calçada também conhecido como o “bar da tia”. A tia é uma senhora que se chama Rose e que vive há 14 anos em Resende. “É um momento deles de relaxar. Mas são muito disciplinados até na hora de se divertir. Nunca vi falarem de política, mesmo em eleições”, conta ela, que garante nunca ter tido nenhum tipo de problema com os frequentadores do local. A farda não é permitida em local como bares, mas, mesmo assim, eles não interagem muito com outras pessoas. “Estão sempre juntos, em grupo”, afirma Rose, repetindo a frase dita por outros moradores escutados pelo EL PAÍS. Querida entre muitos jovens na cidade, não apenas os militares, ela conta que oferece todo fim de ano um almoço para os cadetes que estão se formando. Nas paredes de seu bar estão mensagens de agradecimento deixadas pelos que se tornam aspirante a oficial. “Me escolheram, não sei por quê. São como meus filhos, me identifico muito com eles”.
A “bolha” da AMAN
A “fábrica de oficiais” foi instalada em Resende em 1944, há 77 anos, com o intuito de afastar os futuros oficiais da agitação política da capital Rio de Janeiro. Pelos 67 quilômetros quadrados da AMAN circulam cerca de 12.000 pessoas por dia. A estrutura inclui vilas militares com mais de 500 casas para oficiais e seus familiares, além de alojamentos para 1.800 cadetes. Características de uma pequena cidade, como tratamento de esgoto, igrejas e hospitais, convivem com os elementos básicos de uma academia militar, como um complexo de tiro para o treinamento de atiradores de elite e áreas para o treinamento militar.
“É uma bolha. Como os cadetes estão longe de suas famílias, eles ficam muito imersos naquele mundo da academia, no convívio com outros cadetes e com os oficiais, que são seus instrutores”, explica Mauricio Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2008, ele ajudou a implantar a disciplina na AMAN e deu aula para os cadetes nos anos seguintes. “Isso é preocupante, eu acho. Acabam tendo ali um nível de isolamento nesses anos decisivos”, completa. Uma possível solução para isso seria promover uma maior interação entre militares e civis desde os primeiros anos de formação, abrindo a possibilidade de que futuros oficiais possam fazer sua graduação em universidades brasileiras ao invés de somente a AMAN.
Para o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza, que nos últimos tempos vem criticando o envolvimento das Forças Armadas na política, os militares da ativa e da reserva que ocupam cargos no Governo Bolsonaro —e que um dia também foram instrutores na AMAN— passam “um mau exemplo” para os jovens cadetes. “Infelizmente, essa juventude que está na academia já começa a sofrer os efeitos dessas influências negativas”, diz Pimentel. “Não porque aprendem isso lá dentro, mas porque observam o comportamento político das lideranças militares, que até ontem dirigiram as Forças Armadas, e passam a torcer por elas”, explica. Ele cita uma conversa com um jovem tenente em que mostrava onde estavam posicionados no Governo os oficiais de sua geração. Eram companheiros de turma, pessoas que ele comandou ou que o comandaram. Hoje estão em ministérios, autarquias, agências reguladoras... “Ele concordou que havia ali um aparalhamento, mas que o ‘outro lado’, quando governava, fazia o mesmo”. A conclusão é a de que o jovem já se considerava como parte de um grupo político que havia subido ao poder. Mas Pimentel reitera que o problema não está nas baixas patentes, onde “todos são muito bem formados e disciplinados”, mas sim entre os superiores. “São os generais que estão causando crises disciplinares”, afirma.
Apesar de não ter notado um ambiente político carregado em seus anos dando aula na AMAN, Santoro respalda essa ideia do “mau exemplo” que vem de cima: “Os cadetes olham para os ministérios e veem muitos militares, alguns inclusive da ativa. Isso por si só já cria uma série de expectativas, de valores, de possibilidades de carreira”, explica. Mas há outras evidências do que pensam os cadetes que se formam na academia. Em sua tese de mestrado sobre a “construção da identidade oficial do Exército”, publicada em 2012, o coronel Denis de Miranda mostrou que, entre as baixas patentes, 63,5% dos entrevistados para sua pesquisa concordam com a ideia de que “cabe ao Exército agir, mesmo que politicamente, quando a Pátria estiver em perigo”. O índice vai caindo nos setores com mais anos de serviço na corporação, chegando a 48,7% entre os mais velhos —uma cifra ainda alta.
Posteriormente, em sua tese de doutorado sobre o processo de socialização militar, publicada em 2019, o mesmo coronel descreve a academia como “uma escola que segue princípios conservadores, necessariamente, porque o Exército assim espera”. A mudança, explica ele, existe, mas deve ser bem lenta. Por exemplo, somente a partir de 2016 a instituição passou a aceitar mulheres. “É desde o berço da formação do oficial que os profissionais combatentes adquirem o espírito militar e suas marcas conservadoras”, explica.
Para entrar na academia é preciso prestar um concurso nacional dificílimo com o objetivo de, primeiro, ingressar na A Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas (SP). Somente depois de um ano, em que devem apresentar boas notas e um bom rendimento acadêmico e físico, é que iniciam a graduação em Ciências Militares na AMAN. A pesquisa do coronel também demonstrou que a maioria dos cadetes que ingressaram na academia em 2016 era branca (56,53%) e vinha de famílias com rendimento mensal de quatro a 15 salários mínimos (69,39%). Entre 2016 e 2019, 76% deles eram provenientes, em média, das regiões Sul e Sudeste. Cerca de 40% possuem militares na família e buscam, ao entrar no Exército, estabilidade na carreira para o resto da vida.
Santoro, o professor da UERJ que deu aulas na AMAN, destaca que o Exército “nunca se considerou uma força politicamente neutra”, e que os oficiais sempre se viram com um papel de destaque muito grande na formação da sociedade brasileira. “Existe essa ideia de que são guardiões de um conjunto de valores, de que a sociedade civil perdeu valores que os militares conservam”, explica. “O que vimos ao longo dos últimos cinco anos, com uma série de crises políticas no Brasil, foi que uma taxa muito grande da população comprou essa ideia de messianismo”, acrescenta. Havia um processo de profissionalização das Forças Armadas desde o fim da ditadura militar que foi cortado. Elas voltaram a ter um papel político. E, para o professor, isso impacta na formação dos cadetes mesmo que Bolsonaro não comparecesse em suas formaturas.
Como esses elementos se refletem em suas opiniões sobre o Governo Bolsonaro? Entre parte dos oficiais de baixa patente que dão expediente nos quartéis de Brasília, onde ficam os principais postos de comando do Exército, o mandatário é visto como um dos poucos capazes de evitar que o petismo volte ao poder. Por essa razão, ainda tem tanto suporte. “Nós o apoiamos não é por ser militar. Ele é mais político do que militar, mas ao menos ele não é corrupto como os petistas”, disse um tenente ouvido pela reportagem.
Como não podem conceder entrevistas sem autorização de seus superiores, tampouco emitir opinião política, todos os oficiais ouvidos na capital federal pediram para manter seus nomes sob sigilo. Um capitão e um major que tomavam uma cerveja em um bar nas proximidades do quartel onde trabalham, depois de uma pelada de futebol, concordaram com o argumento do colega de farda. “Só uma terceira via seria capaz de fazer com que não votemos no Bolsonaro em 2022”, disse um deles. “Como ela não aparece, vamos nele, mesmo”, completou o outro.
E como avaliam sua gestão? “Ele é um ogro, não tem o mínimo de educação. Mas queremos um presidente honesto, não um marido. Nesse quesito, acho que errou na pandemia, mas tem acertado em outros setores, como na economia”, afirmou o major. “Neste ponto, discordo dele. Acho que nenhum presidente saberia lidar com essa pandemia”, declarou o capitão.
Outro major entrevistado pela reportagem disse que pouco se importa com a política. Para ele, basta saber que o soldo —o salário dos militares— está caindo em dia e que não haja tanta interferência na economia ao ponto de atrapalhar os seus investimentos financeiros. “Sou de uma geração que pensa no futuro. Se o governante não atrapalhar a evolução das ações que invisto, já está bom para mim”. Mas e a consciência social? “Já faço muito pelo meu país servindo ao Exército. Com certeza, é mais do que muita gente”, respondeu o oficial.
Ainda assim, o historiador José Murilo de Carvalho acredita que a possível politização das baixas patentes ainda é uma especulação. Bolsonaro, explica ele, “tenta politizar, fala do ‘meu Exército’, mas o tiro pode sair pela culatra. Nada pior para as Forças Armadas do que a politização de seus quadros, o que leva à quebra da disciplina e da hierarquia. E não há evidência de que isto esteja acontecendo no Exército”.
Com informações de Afonso Benites, em Brasília