Amazônia

Lúcio Flávio Pinto: Amazônia, a terra do bandido

Líder em trabalho escravo, em violência no meio rural, em pistoleiros de aluguel, em destruição da natureza, em educação ruim, em precariedade de serviços e saneamento básico nas cidades, em saúde pública — a lista de fatos desabonadores em uma agenda cotidiana na Amazônia é extensa e assustadora.

Em algumas situações e em alguns lugares, parece que a defasagem entre a Amazônia e as áreas mais desenvolvidas do Brasil, no Sul e Sudeste (e mesmo em suas áreas imediatamente periféricas, como no Centro-Oeste), é, mais do que de dezenas de anos, de século — ou de séculos. Cumprir as leis parece ser um exagero, um excesso de suscetibilidades, iniciativa incabível, aspiração ilegítima.

Garimpeiros que extraem ilegalmente ouro do fundo do rio Madeira, valendo-se de balsas velhas, se apropriando de um bem que só pode ser explorado com autorização estatal, poluindo as águas e contaminando os peixes, quando são punidos por sua flagrante ilegalidade reagem com fúria, sentindo-se no direito de destruir bens do patrimônio público e ameaçar os servidores que cumprem a lei, como aconteceu duas semanas atrás

Madeireiros apanhados no interior de unidades de conservação da natureza ou em reservas indígenas, a abater e arrastar árvores que levaram décadas para atingir a maturidade e se integrar num conjunto harmônico, que precisa ser mantido na sua integridade, partem para atos de vandalismo e mobilizam a população da área para protegê-los, embora estejam se apropriando de um bem nobre em benefício exclusivamente deles, como aconteceu mais atrás na rodovia Cuiabá-Santarém.

Apesar da evolução nas leis (principalmente ecológicas) e na fiscalização para o seu cumprimento, além dos números da grandeza crescente da atividade produtiva, quem anda pela região tem uma sensação de insegurança, de atraso e de precariedade. Um clima de tensão e agressividade que distancia a Amazônia da posição das regiões mais desenvolvidas dentro e fora do Brasil.

Com olhos para ver, constata-se que os sinais de enriquecimento e progresso são precários, transitórios. Como se o incremento econômico entrasse por uma porta e saísse por outra, sem se enraizar de forma perene na condição de verdadeiro progresso. Indo gerar seus melhores efeito à distância, frequentemente além-mar.

Esse mecanismo se alimenta da condição de fronteira imposta à Amazônia e do modelo colonial de exploração das suas riquezas, que só geram efeito multiplicador fora dela. A fronteira deve ser amansada pelo bandido antes que chegue o mocinho, disse o economista Delfim Netto, no auge do seu poder, sob o regime militar, na década de 1970 (quase tão forte quanto sob o PT de Lula e Dilma, de 2003 até 2014). A colônia deve, sobretudo, gerar dólar, determinou o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1975-1979), elaborado pela Sudam, a agência federal de Brasília no sertão amazônico. Essas regras prevalecem até hoje.

A ditadura acabou e seis presidentes se sucederam em 32 anos de democracia, eleitos por quatro partidos diferentes, de um extremo a outro do espectro político e ideológico. Mas a Amazônia continua a ser uma fronteira de natureza colonial, com vocação imposta: produzir bens de aceitação no mercado internacional, intensivos em energia. Fora desse circuito favorecido, que o caos siga seu curso no restante das relações econômicas, sociais, políticas e culturais.

Não importa quem esteja na ponta dessas frentes de penetração aos extremos dessa vasta fronteira, que, só no Brasil, constituiria o segundo maior país do continente: posseiro, colono, madeireiro, garimpeiro, minerador, João da Silva ou sociedade anônima, todos agridem a natureza, modificam radicalmente a paisagem, investem furiosamente contra o ambiente, passam por cima dos nativos, ignoram que há história realizada por eles e seguem para objetivos previamente definidos, independentemente do conhecimento (precário ou falso, quando existente) sobre cada uma das partes dessa vasta Amazônia.

A fronteira amazônica é definida por uma vertente ancorada na doutrina de segurança nacional. É o lema dos militares abrindo estradas de penetração pelo centro desconhecido da região: integrar para não entregar. Haveria uma permanente e perigosa ameaça de internacionalização a exigir do governo central a expansão da população para áreas ditas vazias e fazê-las desenvolver uma atividade qualquer de fixação nesses locais, já que a terra nua não tem valor (é o conceito do VTN). Só assim os ameaçadores vizinhos estrangeiros ou os distantes povos imperialistas deixariam de se aproveitar desses “espaços vazios” para usurpar os brasileiros e anexar sua reserva de futuro.

A história real já se encarregou de desmentir essa geopolítica. O exemplo máximo foi a possibilidade que o governo imperial brasileiro abriu para a Inglaterra, maior potência no século XIX, para estabelecer um governo metropolitano na Amazônia, a partir da repressão aos cabanos. Ao invés disso, os ingleses mandaram seu banco para financiar a extração da borracha e garantir sua supremacia nesse comércio.

Essa teoria geopolítica tem valor utilitário. Esgrimindo a cobiça internacional como ameaça iminente e constante, a ação nacional integradora a qualquer preço se legitima. Ela faz a remissão dos males a cada dia em que se derrubam centenas ou milhares de árvores em floresta nativa. Tudo bem: é para proteger a Amazônia, mantendo-a nacional. E cada vez menos Amazônia.

Os atos violentos dos últimos dias mostram que, em cada um dos locais de conflito, a situação real difere muito dos relatos que dela são feitos e do diagnóstico produzido à distância. Os grileiros de terras, os madeireiros clandestinos, os garimpeiros ilegais e vários dos personagens de destaque e poder já não agem isoladamente, Passam a formar organizações criminosas, para usar a expressão corrente, manipulando inocentes úteis ou insuflando revoltas procedentes, em grande medida produzidas pela insensibilidade do poder central.

Mais e mais me convenço de que a única saída com efeito prático, embora de mais longa maturação, com a força e as limitações de uma utopia, é substituir os agentes que se encontram na linha de frente desse avanço sobre as áreas pioneiras por pessoas qualificadas a entender a região e utilizá-la da melhor maneira possível.

Seriam — como já sustentei em artigo anterior — os assentamentos científicos, a que dei o nome de kibutz, inspirado no espírito e na mística do exemplo de Israel em outra fronteira, a do deserto. Ao invés de seguir pelo rastro da destruição praticada por todas as frentes de ocupação, eles provocariam uma onda de saber em sentido inverso: do ponto mais avançado da penetração para trás, numa maré de saber a arrastar e lançar a irracionalidade para fora da Amazônia.

O silêncio à proposta dói, como o retrato de Itabira no retrato poético de Carlos Drummond de Andrade.

* Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e do blog Amazônia hoje – a nova colônia mundial. Entre outros, é autor de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

 


Arnaldo Jordy: O desafio do clima

Os países membros da ONU estão na Alemanha neste momento para Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 23). Em pauta, os crescentes aumentos de temperatura no mundo, o aumento do nível do mar e do número de tempestades, secas, inundações, furacões e outros desastres naturais que podem ser consequência do aquecimento global. Documento da Organização Meteorológica Mundial revela que a ocorrência de eventos climáticos extremos tem acompanhado a curva de crescimento das emissões de gases-estufa e o aumento da média da temperatura global.

Conter o aquecimento, no entanto, enfrenta outra barreira, que deverá ser um dos pontos centrais de discussões na COP 23, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, por iniciativa do governo de Donald Trump, repetindo o que George W. Bush fizera com o Protocolo de Kyoto, e a consequente desidratação do fundo global de financiamento das ações contra o aquecimento, que é formado, proporcionalmente, pelas contribuições dos países que mais jogam dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, sobretudo EUA e China.

No Brasil, o desmatamento contribui para o cenário preocupante. Os números sobre a Amazônia divulgados em outubro mostram uma queda no ritmo da devastação, mas não escondem que a área desflorestada da região continua aumentando ano após ano, e indicam que ainda estamos muito distantes de cumprir as metas às quais o Brasil se propôs em redução do corte de árvores e da emissão de CO2 na atmosfera.

O Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – detectou 16% de queda na taxa de desmatamento na Amazônia no período entre 1º de agosto de 2016 a 31 de julho de 2017, em relação ao período anterior, após dois anos de aumento consecutivo. No Pará, a taxa de desmatamento da floresta caiu 19%.

Esses números, divulgados em meados de outubro, significam, entretanto, que somente no Pará, foram derrubados em um ano 2.413 quilômetros quadrados de floresta, equivalentes a 340 campos de futebol. Em todos os Estados da Amazônia, a área derrubada foi de 6.634 quilômetros quadrados de corte raso, ou quase 930 campos de futebol. No período anterior de doze meses, a floresta perdeu 7.893 quilômetros quadrados de vegetação. Esses números se repetem ano após ano, com variações para cima e para baixo, a ponto de hoje a área devastada na Amazônia já ser maior que os territórios de Alemanha e Portugal juntos. São mais de 750 mil quilômetros quadrados de devastação, segundo levantamento feito pelo IBGE, com aumento de 50% nos últimos 20 anos.

O ritmo da devastação é constante e apesar da queda ser uma boa notícia, ainda estamos longe de cumprir a meta estabelecida pelo governo federal em 2009, que é de limitar o desmatamento anual a 3,5 mil quilômetros quadrados em 2020, daqui a somente dois anos.

Em comunicado, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam – constata que o Brasil ainda não provou que é capaz de cumprir a sua parte no Acordo de Paris, que é o compromisso global pela redução das emissões de gases do efeito estufa. O Brasil emitiu, em 2017, mais de 330 milhões de toneladas de CO2 em decorrência do desmatamento.

Para combater o desmatamento, é fundamental valorizar e equipar órgãos como o Ibama para fiscalizar e combater a atividade ilegal, o desflorestamento criminoso e outras atividades que prejudicam a floresta, como a mineração clandestina. É preciso deixar claro que não queremos que a Amazônia deixe de produzir alimentos, nem tenha outras atividades produtivas, mas é totalmente possível desenvolver a agricultura e a pecuária, por exemplo, nas áreas que já estão desmatadas.

O Pará tem cerca de 23 milhões de hectares de áreas já alteradas pelo homem, das quais mais de 16 milhões são pastagens, algumas de baixíssima produtividade. Portanto, é possível aumentar a produção sem avançar sobre a floresta. De acordo com o Ipam, na Amazônia há quase 80 milhões de hectares já desmatados e destes, pelo menos, 15 milhões de hectares (3% do bioma) estão subutilizados ou abandonados e podem ser recuperados para a produção.

Também tem que haver incentivo a novos arranjos produtivos que deixem a floresta em pé, como programas de sequestro de carbono, serviços ambientais e outros, que precisam de recursos. Tudo é uma questão de aplicar planejamento, ciência e tecnologia em favor da produção e da preservação, já que as riquezas contidas na mata nativa hoje também são inestimáveis para o nosso futuro e a própria ciência. Basta usarmos esses recursos com sabedoria.

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS do Pará e líder do partido na Câmara

 

Fonte: http://www.pps.org.br/2017/11/11/arnaldo-jordy-o-desafio-do-clima/


Miriam Leitão: Entendimento geral

Todo mundo entendeu, perfeitamente, que o fim da Renca significaria aumento do risco de destruição na Amazônia

Ao desistir de extinguir a Renca, o governo disse que houve uma “incompreensão geral da sociedade”. Não. Todo mundo entendeu muito bem e isso é que foi um problema para o governo. Como apenas uma parte pequena do território estava fora das áreas de conservação, o que ficou claro é que o fim da reserva mineral era o começo do desmonte das reservas ambientais na região.

O governo deve ter pensado que algo com o nome estranho de Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados) não teria apelo algum para mobilizar a opinião pública, ainda mais sendo uma reserva mineral e criada na época do governo militar. Mas o problema foi a compreensão geral da sociedade sobre o que significava tudo aquilo para a Amazônia: um risco.

Primeiro, está em andamento uma escalada de desmonte de legislação ambiental, como concessão para grupos de interesse contrários à conservação. Segundo, muito recentemente o governo tomou a insensata decisão de reduzir o tamanho da Floresta Nacional de Jamanxin, em mais um sinal de incentivo aos grileiros. Jamanxin é um ícone da luta do Estado contra os desmatadores ilegais. Ela fica ao lado da BR-163 e desde que foi criada, em 2006, há pressão para que o governo recue. Os grileiros optaram pela técnica do fato consumado: entraram depois da criação e alegam que estavam lá muito antes. Mas os arquivos das imagens de satélite de como era em 2006, e como é agora, confirmam que a invasão ocorreu após a área ser oficialmente destinada à conservação. Quando o governo aceitou a pressão para refazer os limites da Floresta Nacional, ele estimulou esta e outras invasões.

A Renca é um mosaico de nove unidades de conservação que foram sendo criadas nos últimos 40 anos. E isso fez com que uma reserva que era inicialmente apenas mineral, ou seja, para evitar que houvesse mineração privada por lá, acabasse se transformando numa das áreas mais protegidas. Fica na Calha Norte, região de pouquíssima densidade populacional e grandes áreas preservadas.

O governo disse, no primeiro decreto de extinção da Renca, que já está havendo garimpo ilegal por lá e que, portanto, se trata apenas de legalizar o que está sendo feito ilegalmente. O especialista em Amazônia Beto Veríssimo, do Imazon, que fez vários estudos e trabalhos na Calha Norte, conta que os garimpeiros estão em torno do Rio Jari apenas e que o problema é de fácil solução. Na Renca, só 0,3% da floresta está desmatado. O grande perigo com o garimpo é o de contaminação dos rios por mercúrio.

O temor do pesquisador Beto Veríssimo e do procurador da República Daniel Azeredo era que o governo estivesse criando o ambiente para mudar o marco regulatório das unidades de conservação, ou alterar os limites das reservas que estão dentro da Renca. Em entrevistas que me concederam, os dois disseram isso. Essa ideia fica ainda mais sólida diante da reportagem publicada ontem no GLOBO, dos repórteres Francisco Leali e Manoel Ventura, mostrando que o governo sabia desde o começo que para viabilizar a mineração na região teria que mudar as unidades de conservação ou os planos de manejo de algumas delas, como a Floresta Estadual do Paru, a Reserva Biológica de Maicuru e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Iratapuru. Os documentos do Ministério das Minas e Energia apontavam a existência de minerais nessas reservas.

O conflito entre o meio ambiente e a mineração ficou mais agudo após o desastre da Samarco em Mariana. Recentemente, o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse que foi um “acidente”, uma “fatalidade”. A maior tragédia ambiental do país provocada pela mineração foi fruto do descuido e do não cumprimento de regras mínimas de segurança e precaução. Depois disso, em vez de elevar os níveis de segurança, o setor da mineração aumentou a intensidade do lobby por uma legislação ainda mais flexível.

A Amazônia vive, desde 2013, um retrocesso no movimento que vinha reduzindo o desmatamento. Todo mundo entendeu, perfeitamente, que o fim da Renca significaria aumento do risco de destruição na Amazônia. E por isso a reação foi tão forte.


Fernando Gabeira: Ouça, Temer

Sua decisão coloca em risco grande parte do trabalho feito por todos nós para recolocar o Brasil no âmbito dos países comprometidos com a preservação do planeta

Tenho discretas razões para supor que Temer compreenderá o equívoco de abrir para a mineração, na Amazônia, uma área do tamanho da Dinamarca. No passado, ele se tornou dono de terras em Alto Paraíso, e a comunidade que trabalhava há anos ali foi a Brasília pedir ajuda. Terras em Goiás foram distribuídas a políticos do PMDB. Temer nem sabia exatamente como eram e o que produziam. Pressionado pelos agricultores alternativos que trabalhavam ali, Temer resolveu abrir mão de suas terras e as doou à cidade de Alto Paraíso. Agora, não se trata apenas de alguns, mas de 47 mil hectares. As terras não são de Temer, mas do Brasil e, de uma forma indireta, de toda a Humanidade. Quando os militares criaram a reserva, a ideia era pesquisar e explorar os recursos de uma forma estratégica. Não creio que pensaram nisso como um momentâneo desafogo a uma crise econômica provocada pela incompetência e corrupção.

Não quero raciocinar em termos de estatal ou privado, ou mesmo de nacional ou estrangeiro. Depois que os militares criaram a reserva, muita água passou por baixo da ponte, ou mesmo por cima, com os eventos climáticos extremos.

No fim da década dos 1980, o Brasil ainda era um vilão internacional porque desmatava a Amazônia. Lembro-me de uma reunião de cúpula na Holanda em que Sarney não foi porque tinha medo de uma reação negativa. Na época, além das queimadas e de outros fatores, houve ainda o episódio de negarem passaporte a Juruna.

Com a realização da Rio-92, o maior encontro de estadistas no pós-guerra, o papel do Brasil começou a se alterar. De vilão ambiental, tornou-se um interlocutor importante e passou a ser visto como ator decisivo nos acordos sobre o aquecimento global. A Amazônia tornou-se para o mundo um espaço a ser preservado, respeitada a autonomia nacional sobre suas terras. Países como a Noruega acharam que se a Amazônia era importante para a sobrevivência de todos, deveriam investir nela em projetos sustentáveis. E fizeram isso.

Ouça, Temer 

Você mesmo esteve na Noruega, embora a tenha confundido com a Suécia.

A grande crise iniciada em 2008 e fatos posteriores, como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, enfraqueceram mas não destruíram a disposição planetária de contribuir com a Amazônia.

Sua decisão coloca em risco grande parte do trabalho feito por todos nós para recolocar o Brasil no âmbito dos países comprometidos com a preservação do planeta. E de uma certa maneira, despreza os potenciais investimentos em projetos sustentáveis em nome de uma saída que me parece anacrônica e predatória.

Tudo bem, Temer, você dirá que serão respeitadas as regras ambientais para a mineração. Mas quem percorre Minas Gerais e outros pontos do país constata rapidamente que elas não são respeitadas no Sudeste, onde teoricamente, concentra-se o grosso da fiscalização.

No segundo decreto, você criou um comitê ligado à chefia da Casa Civil para monitorar as atividades de mineração nessa faixa que engloba parte do Amapá e do Pará. Não consigo me convencer disso. O chefe da Civil, Eliseu Padilha, é investigado por crimes ambientais no Mato Grosso e no Rio Grande do Sul. E as acusações são amplas, vão de desmatamento a construção de pistas de pouso clandestinas. Pouca gente sabe disso. Mas está disponível na internet e no próprio Supremo.

Além de arruinar o trabalho de construção da imagem nacional, o governo nos propõe uma fórmula de controle na qual a raposa toma conta do galinheiro. O namoro do PMDB com as riquezas naturais da Amazônia vem de longe. Romero Jucá é o mais destacado parlamentar buscando fórmulas para regulamentar a mineração nas terras indígenas.

Nesse momento, Temer, você está cedendo às piores influências no manejo da Amazônia. Se fosse simplesmente um opositor, talvez pudesse me alegrar com essa decisão. Antes de ser opositor, sou brasileiro e lamento ver o Brasil caindo de novo naquele desprezo internacional que sentimos em Haia, no fim da década de 1980. É uma ilusão você pensar que tudo dará certo. Até mesmo Padilha e Jucá, que devem estar comemorando, não percebem que estão atraindo um furacão contra eles. Deveriam ser mais discretos, mas a aposta é de levar tudo porque aqui não se pune ninguém.

No momento em que publico este artigo, estou tentando entrar na reserva, que não tem acesso fácil. O argumento de que garimpeiros clandestinos estão por lá não justifica esta abertura às grandes empresas. Aliás, Temer, existe uma possibilidade de você estar se deixando execrar inutilmente. As empresas que você quer atrair também estão no mundo e devem sofrer pesadas campanhas em seus países de origem.

Não me importa que você confunda Noruega com Suécia, Paraguai com Portugal, ou mesmo reviva a União Soviética. O essencial é não confundir a Amazônia com Goiás, onde tantas terras foram passadas a líderes do PMDB. É um lugar tão complexo, capaz de sepultar não apenas os sonhos pioneiros como o de Henry Ford, mas também as grandes trapaças.


Folha de S. Paulo: Estudo acha 381 novas espécies na Amazônia, várias já ameaçadas

Na Amazônia, entre 2014 e 2015, foram descobertas 381 novas espécies de plantas e vertebrados –uma média de cerca de um novo ser vivo a cada dois dias. Esses novos animais e vegetais, contudo, já chegam ao conhecimento de cientistas e da população sob a sombra do perigo de extinção.

PHILLIPPE WATANABE
DE SÃO PAULO

A compilação das novas espécies amazônicas faz parte de um novo relatório da WWF-Brasil, feito em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). Outras duas publicações do tipo (relativas aos períodos de 1999-2009 e 2010-2013) já haviam sido feitas.

Entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015, foram descritas em revistas científicas 381 espécies amazônicas: 216 plantas, 93 peixes, 32 anfíbios, 19 répteis, 1 ave e 20 mamíferos (sendo 2 deles fósseis).

"Estamos longe de conhecer a Amazônia. Algumas estimativas falam que conhecemos menos de 40% das espécies vegetais. É uma curva de possibilidade de catalogação enorme", afirma Ricardo Mello, coordenador da Amazônia do WWF-Brasil.

O relatório ainda deixa de fora as descobertas de insetos e outros invertebrados, que constituem a maior parte da fauna amazônica.

O macaquinho zogue-zogue-rabo-de-fogo (Plecturocebus miltoni) foi um dos animais descobertos no período destacado no relatório. O mamífero foi avistado pela primeira vez em 2010, mas a descrição oficial da espécie só se completou em 2014.

Também levou algum tempo até a descrição do poaieiro-de-Chico-Mendes (_Zimmerius chicomendesi) –que homenageia o ambientalista Chico Mendes, assassinado em 1988–. O pássaro foi ouvido (sim, ouvido) pela primeira vez em 2009 e dados mais completos só foram obtidos em anos posteriores.

Uma nova espécie de boto também faz parte do relatório de descobertas. É o Inia araguaiaensis, encontrado na bacia do rio Araguaia.

"Com esse tipo de levantamento, conseguimos identificar locais prioritários de conservação", diz Mello. Segundo ele, vários dos animais que acabam de chegar ao conhecimento de pesquisadores já estão ameaçados.

"O zogue-zogue-rabo-de-fogo se encontra no sul do Amazonas, em uma das áreas que mais sofre pressão por desmatamento", afirma Mello.

O recém-descoberto boto, devido a sua distribuição restrita, população estimada em cerca de mil indivíduos e possivelmente baixa diversidade genética, também já está em risco.

Segundo Mello, um dos objetivos do relatório é que a Amazônia "deixe de ser uma incógnita para a população".


Luiz Carlos Azedo: Reserva do barulho

A venda bilionária de uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, para companhias asiáticas, estaria por trás da extinção da reserva

O líder do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Trípoli (SP), anunciou que apresentará à Casa Civil da Presidência da República uma solicitação para que sejam sustados os efeitos do Decreto nº 9.142, divulgado ontem, que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), liberando para exploração mineral área localizada entre o Pará e o Amapá. Para Trípoli, além do evidente risco ambiental, a medida foi tomada sem uma discussão adequada, não tendo recebido o aval de importantes setores relacionados ao tema. Por trás do pedido, também há uma reação dos militares contra a medida, adotada sem muita discussão dentro do governo.

Trípoli quer debater os riscos da medida com todos os atores envolvidos, inclusive os ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia e da Justiça. Há áreas indígenas demarcadas na região que podem sofrer com a extinção da Renca. “Ao desbloquear essa área, de 47 mil km², abre-se precedente para que outros locais sejam explorados de maneira predatória e inconsequente”, argumenta o tucano. A área estava protegida desde o governo do presidente João Figueiredo. Depois do Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum” e da Cúpula da Terra no Rio, que inaugurou as negociações globais para o Acordo do Clima, analistas veem a decisão como um retrocesso inexplicável, um surto a la Trump, que não tem nada a ver a como a política ambiental e os acordos internacionais assinados pelo Brasil.

A medida faz parte de um programa de privatizações lançado pelo governo sem muito planejamento nem regras claras, com propósito de sinalizar para o mercado o avanço de uma reforma liberal da economia, que ainda requer modelagem consistente para não cair no vazio e encalhar em intermináveis batalhas judiciais, além de dar munição para a oposição petista. A extinção da Reserva Nacional do Cobre (Renca) vem sendo planejada desde março, quando o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, indeferiu os títulos protocolizados desde 1984 pleiteando ocupação de áreas dentro da reserva, mas manteve os requerimentos minerários (autorizações de pesquisa, concessões de lavra, permissões de lavra garimpeira e registros de licença) anteriores à criação da reserva.

Com isso, o governo pretende intensificar a exploração mineral numa área de pré-cambriano da Amazônia, considerada de grande potencial, utilizando técnicas modernas de pesquisa geológica. Esse período se estende da formação da Terra, há cerca de 4,6 bilhões de anos, até ao início do Período Cambriano, cerca de 440 milhões de anos atrás, quando os animais de carapaça dura apareceram pela primeira vez em abundância. Representam 88% do tempo geológico, nos quais apareceram os fósseis, os oceanos, a Lua, muitos minerais, a oxigenação, a formação de algumas vidas multicelulares e as placas tectônicas.

Cobiça

O maior defensor da reserva foi o almirante Gama e Silva, que liderou os estudos na área. Em 1969, após a descoberta de Carajás, o geólogo Décio Meyer descobriu o complexo alcalino-ultramáfico do Maraconaí, o que deu início a outras expedições de pesquisa entre os rios Jarí e Paru. Em 1981, a British Petroleum (BP) requereu direitos de exploração de cobre na região. Chefe do Grupo Executivo do Baixo Amazonas, Gama e Silva temia que Daniel Ludwig, do Projeto Jarí, dono de ações da BP, pretendesse dominar e internacionalizar a região. Conseguiu, porém, que o Conselho de Segurança Nacional vetasse a concessão dos alvarás da BP.

Hoje, as unidades de conservação e terras indígenas ocupam 80% da área, o que libera apenas 20% para exploração mineral. Há unidades federais (três) e estaduais (quatro) na Renca, mas o que impediu a pesquisa geológica na região foi a inércia do governo federal, que praticamente abandonou os estudos. Sabe-se, porém, que há na área enormes reservas de ferro, manganês, nióbio, níquel, cobre, ouro e petróleo. O assunto mais polêmico é o nióbio, que já chegou a ser relacionado até com o mensalão, após o empresário Marcos Valério afirmar na CPI dos Correios, em 2005, que o Banco Rural havia conversado com o ex-ministro José Dirceu sobre a exploração de uma mina na Amazônia.

Em 2010, um documento secreto do Departamento de Estado americano, vazado pelo site WikiLeaks, incluiu as minas brasileiras de nióbio na lista de locais cujos recursos e infraestrutura são considerados estratégicos e imprescindíveis aos EUA. A venda bilionária de uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, para companhias asiáticas, supostamente estaria por trás da extinção da reserva.

Em 2011, um grupo de empresas chinesas, japonesas e sul-coreanas fechou a compra de 30% do capital da mineradora com sede em Araxá (MG) por US$ 4 bilhões. O fato é que 98% das reservas conhecidas no mundo estão no Brasil, que responde atualmente por mais de 90% do volume do metal comercializado no planeta, seguido pelo Canadá e Austrália. Nossas reservas são da ordem de 842 milhões de toneladas e as maiores jazidas conhecidas se encontram nos estados de Minas Gerais (75% do total), Amazonas (21%) e em Goiás (3%).


Luiz Werneck Vianna: De quando é bom ter uma pinguela segura

Agora não resta solução senão a de atravessar, pé ante pé, essa estreita que se tem à frente...

Para um observador desavisado, inexperiente de como aqui se vivem as coisas da política, diante do cenário que aí está, nada de estapafúrdio que se lhe dê na telha a ideia de estarmos na iminência de uma revolução.

Nas salas de aula das universidades os estudantes exibem adesivos estampando um “fora Temer”, professores das escolas de ensino médio cumprimentam seus alunos com o mesmo bordão, artistas e cantores populares não começam seus espetáculos sem ele, também presente nas salas de cinema e nos teatros. Uma ex-presidente da República que teve seu mandato cassado, num trâmite que passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, que decretou o seu impeachment, em julgamento presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, participa de comícios eleitorais de candidatos às eleições municipais, quando se declara vítima de um golpe, todos são sinais que levam nosso observador a ruminar suas impressões.

Contudo se ele resolver testá-las, levantando a vista para a sociedade inteira, logo reconhecerá o despropósito da sua fabulação. No Congresso, em suas duas Casas, o governo detém folgada maioria, couraça sem a qual não há Executivo que se mantenha, fato ilustrado pela nossa experiência, contundentemente confirmada por recentes episódios. Nas chamadas classes fundamentais, fora a agitação de sempre que lhes é própria, não se percebem outras movimentações que não sejam as da defesa de seus interesses e direitos. No mundo agrário, tradicional calcanhar de Aquiles da política brasileira, sopram os mesmos ventos.

Faltaria, ainda, consultar o que se passa nas eleições municipais, termômetro confiável para o registro dos sentimentos da população, e nos quartéis, cuja importância na tradição republicana brasileira dispensa comentários. Nestes últimos reina, há tempos, a reverência ao culto constitucional e ao exercício dos seus papéis profissionais; nas eleições, que transcorrem em clima morno, se valem as pesquisas – e tudo indica que valem –, as candidaturas que se deixaram embair pelo bordão “fora Temer”, principalmente nas grandes capitais, estão longe de obter votações que as levem à vitória. E, como sempre entre nós, não há melhor detergente em horas de crise política do que um processo eleitoral.

Feito esse balanço, nosso observador admite que se equivocou no diagnóstico. Mas se não é de revolução, do que se trata, que bicho é esse que nos aturde com sua presença? A frase é velha, mas nem por isso perde validade: o passado não mais ilumina o futuro, que ainda não começou a nascer. A hora é de transição, de lusco-fusco, não é mais noite e o dia tarda a aparecer, mas a sociedade se inquieta e começa despertar sem saber o que a espera em meio às ruínas que sobraram dos partidos e, em geral, das nossas instituições políticas.

Ela mudou em meio às poderosas transformações demográficas, sociais e ocupacionais que desfiguraram a paisagem reinante em meados do século passado. Encontramo-nos em terra nova, como se estrangeiros a ela, agarrados a um passado que nos foi familiar, com as relações entre gerações, entre gêneros, sobretudo entre as classes sociais e sistema de crenças girando em gonzos fora do nosso controle e da nossa imediata percepção. A sociedade modernizou-se por cima, sujeita a experimentos saídos das pranchetas de uma tecnocracia ilustrada, impostos a ferro e fogo – exemplo mais recente, o da colonização da Amazônia.

Entre nós, a obra dessa modernização persistiu por décadas, ora por vias duramente repressivas, como no Estado Novo de Vargas e no regime militar, ora de forma doce, como nos governos de Juscelino – que criou no centro geográfico do Brasil, nos ermos do Cerrado, uma nova capital para o País – e nos de Lula e Dilma.

Fora de dúvidas que tais esforços em favor da aceleração da modernização foram bem-sucedidos, em que pesem os altos custos políticos e sociais envolvidos, não só pelo aprofundamento das desigualdades já existentes, como pela condenação da sociedade a um estatuto de minoridade sobre a qual deveria incidir a ação modernizadora do Estado. Não à toa as lutas pela democratização do País trouxeram consigo a denúncia dessa modelagem, filha de nossa longa tradição de autoritarismo político, do que foi exemplar a publicação de São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, sob a iniciativa do cardeal Paulo Evaristo Arns, obra coordenada por Lucio Kovarick e Vinicius Caldeira Brant.

Essa nova agenda, nos anos 1980, encontrou no PT uma de suas mais importantes vocalizações. Com efeito, dele vieram críticas contundentes ao nacional-desenvolvimentismo e à cultura política que enlaçava a sociedade civil ao Estado e às suas agências, como no caso do sindicalismo, objeto de feroz crítica das emergentes lideranças sindicais dos metalúrgicos do ABC, Lula à frente, como seu principal porta-voz. O PT nasceu e cresceu em nome de uma representação da sociedade civil que aspirava por autonomia diante da onipotência de um Estado que fazia dela base passiva para sua manipulação.

Como se sabe, esse partido, por fas ou nefas, se converteu às práticas que combatia; e levou-as à exaustão depois de um curto período de fastígio no seu uso, culminando no episódio melancólico do impeachment do mandato presidencial de Dilma Rousseff sob a acusação de ter atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja inspiração oculta, ao impor limites ao decisionismo do Executivo, consistiu precisamente em interditar caminhos ao processo de modernização autoritária vigente por décadas no País.

Agora, não resta outra solução que não a de atravessar, pé ante pé, a pinguela estreita que se tem à frente, de que falou em entrevista o ex-presidente Fernando Henrique, travessia perigosa que, para ser segura, está a exigir outra bibliografia e uma imaginação bem diversa da que nos trouxe até aqui.

Luiz Werneck Vianna: Sociólogo, PUC-RJ


Fonte: opiniao.estadao.com.br