Amazônia

Luiz Carlos Azedo: A 'gripezinha'

“Passou da hora de o presidente Bolsonaro ir a Manaus para ver o colapso do SUS. Os profissionais de saúde precisam de mais apoio e distanciamento social”

O biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, professor emérito do New College da Universidade de Oxford — autor de O Gene Egoísta e Evolução, entre outras obras —, num comentário no Twitter, chama a atenção para um artigo da revista Science Magazine, da Associação Americana para Avanço da Ciência (AAAS), intitulado Como o coronavírus mata?, publicado no dia 17 deste mês. De autoria dos médicos Meredith Wadman, Jennifer Couzin-Frankel, Jocelyn Kaiser, Catherine Matacic, é um dos melhores textos sobre a pandemia, segundo Dawkins: “Se as pessoas na administração entenderem isso ou se importarem com isso, haveria um resultado melhor para a sociedade”, avalia.

Tratar desse assunto pode parecer chover no molhado, pois não se fala de outra coisa, mas o artigo realmente é muito bom. Ele faz um relato de como o novo coronavírus ataca o corpo humano e seus efeitos devastadores, “do cérebro aos pés”, ultrapassando o senso comum do diagnóstico de que é apenas uma síndrome respiratória aguda. “Pode atacar quase tudo no corpo, com consequências devastadoras”, segundo o cardiologista Harlan Krumholz, da Universidade de Yale e do Hospital Yale-New Haven, que lidera vários esforços para reunir dados clínicos sobre a Covid-19. “Sua ferocidade é de tirar o fôlego e é humilhante.”

O artigo corrobora o relato dos sobreviventes da doença e o testemunho dos médicos e de outros profissionais da saúde que atuam nas unidades de terapia intensiva aqui no Brasil. Muitas vezes esses últimos são duplamente derrotados: além de perderem pacientes, acabam adoecendo também e, em alguns casos, até morrem. Já passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro ir a Manaus para ver o que é um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em meio à pandemia e parar de falar bobagens sobre a “gripezinha”. Tudo o que os profissionais de saúde precisam neste momento dramático é de mais apoio (equipamentos de proteção, respiradores, medicamentos) e distanciamento social.

Médicos e patologistas de todo o mundo estão lutando para entender os danos causados pelo coronavírus no corpo humano. Embora os pulmões sejam o ponto zero, o alcance do patógeno pode se estender a muitos órgãos, incluindo o coração e os vasos sanguíneos, rins, intestino e cérebro, o que explica a grande subnotificação do número de mortos, inclusive aqui no Brasil, devido às dificuldades de diagnóstico e falta de autópsias.

A escalada

O vírus age como nenhum patógeno que a humanidade jamais viu. Quando uma pessoa infectada expele gotículas carregadas de vírus e outra pessoa as inala, o novo coronavírus (Sars-CoV-2) encontra um lar bem-vindo no revestimento do nariz, cujas células são ricas em uma enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), assim como na traqueia. Em todo o corpo, a presença de ACE2, que normalmente ajuda a regular a pressão sanguínea, marca os tecidos vulneráveis à infecção, porque o vírus entra nessa célula receptora. Uma vez dentro, o vírus sequestra as máquinas da célula, fazendo inúmeras cópias de si mesmo e invadindo novas células.

À medida que o vírus se multiplica, uma pessoa infectada pode lançar grandes quantidades dele, principalmente durante a primeira semana. Os sintomas podem estar ausentes neste momento. Ou a nova vítima do vírus pode desenvolver febre, tosse seca, dor de garganta, perda de olfato e paladar ou dores de cabeça e corpo. Se o sistema imunológico não repelir o Sars-CoV-2 durante esta fase inicial, o vírus marcha pela traqueia para atacar os pulmões, onde pode se tornar mortal. Mas o vírus, ou a resposta do corpo a ele, pode ferir muitos outros órgãos: cérebro, olhos, fígado, coração e vasos sanguíneos, rins e intestinos.

Alguns médicos suspeitam de que o ataque vertiginoso do coronavírus no organismo seja uma reação exagerada e desastrosa do sistema imunológico conhecida como “tempestade de citocinas”, na qual os níveis de certas citocinas sobem muito além do necessário, e as células imunológicas começam a atacar tecidos saudáveis. Pode ocorrer vazamento de vasos sanguíneos, queda de pressão arterial, formação de coágulos e falência catastrófica de órgãos. Mas o pior dos mundos, com a presença de vírus no trato gastrointestinal, pode ser a possibilidade inquietante de que ele seja transmitido pelas fezes, ainda mais num país como o nosso, no qual somente uma parcela da população tem esgoto tratado. A sorte, porém, é de que ainda não está claro se as fezes contêm vírus infecciosos intactos ou apenas o seu RNA (ácido ribonucleico), uma molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo.

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Marcos Terena: Os direitos humanos do cidadão da selva

O Brasil vive momento político inédito que reflete diretamente sobre nossas famílias indígenas nas aldeias. Não sabemos qual a linha de ação do governo brasileiro quando o novo chefe afirma que não vai demarcar nossas terras em seu governo. Nossos líderes começaram a acender o fogo sagrado para iluminar novos caminhos.

Se no passado nunca tratamos o homem branco faminto e carente com menosprezo ou pilhéria, não devemos tampouco perder de vista o ódio do homem branco que não nos conhece e ignora que somos mais de trezentas sociedades com 220 línguas vivas.
Com a chegada dos avanços tecnológicos em nossas comunidades como a luz, o celular e o computador, agora podemos acompanhar com maior clareza as incertezas governamentais e as da modernidade. Não estamos isolados desse mundo que nos cerca nem dissociados dessas questões. Sabemos do potencial energético, ambiental e mineral dos quase 15% dos territórios que habitamos e cuja demarcação está garantida na Carta Magna.
Não somos minorias étnicas ou restos de povos. Não estamos carentes de um modelo de desenvolvimento que destrói o meio ambiente e empobrece cada vez mais a sociedade nacional trazendo como consequências a falta de perspectivas para nossa juventude, a insegurança do bem viver e o conforto para os anciãos, e a falta de incentivo à pesquisa científica de nossos ecossistemas.
Como primeiras nações, nós sempre buscamos o entendimento e a construção de acordos para o bem comum. E, no entanto, nunca fomos chamados para uma mesa de diálogo de alto nível junto ao Poder Legislativo, ao Judiciário e muito menos ao Executivo.
Não se pode confundir nossa indignação com indolências ao defender nossa soberania como seres humanos e cidadãos de primeira grandeza. Não aceitamos qualquer forma de preconceito, menosprezo ou manifestações escarnecedoras contra nossos princípios de vida, nossas autoridades tradicionais e nosso Brasil.
Temos valores sagrados que a visão da sociedade moderna não consegue enxergar. Sabemos conversar com as estrelas, com a lua, com a chuva e com o vento. Não temos hospícios ou asilos. Nossa relação com o Grande Espírito é sagrada e forte. Não dividimos Deus em seitas, igrejas ou líderes humanos que pecam ao transformar essa relação em mercados econômicos ou currais eleitorais para acordos políticos.
Lá, nas terras indígenas, estão instaladas nossas universidades. É lá que aprendemos a interpretar os sinais do tempo como as mudanças climáticas, a caminhar pelas matas ou navegar pelos rios sem precisar de bússola magnética. É esse saber que formula nossa economia de mercado. Ali aprendemos a reconhecer e agradecer todos os dias as dádivas do Grande Espírito.
No início do século 20, um oficial do Exército Brasileiro rompeu um centro-oeste inóspito com linhas telegráficas. Mesmo descendente dos povos Bororo e Terena, ficou surpreso ao encontrar “aqueles que felizes viviam no seio da selva”, mas era preciso avançar com sua missão. Um filme premiado de Hollywood, na década de 1990, contou-nos sobre outro militar, tenente do Exército dos EUA, John Dunbar, que tinha a missão de avançar as bases militares em terras dos sioux. Dois exemplos dos primeiros contatos entre o mundo moderno e os povos indígenas sem contato prévio, sem qualquer culpa de sua condição.
Quanto ao marechal Rondon, ele tratou de demonstrar em seus relatórios um cotidiano que os centros urbanos não imaginavam que existisse. Nem sempre o poder público, ao autorizar o avanço colonizador, leva em conta esse quadro humano e social.
A Fundação Nacional do Índio não pode ser tratada como desculpa por sua incompetência e ignorância no trato com os indígenas, mas sim como compromisso de proteção e de promoção junto à sociedade nacional e também como instrumento para que novas gerações de indígenas tenham acesso a novos conhecimentos, mediante o ingresso nas universidades e o desafio de ser um “índio melhor”.
A inteligência e as estratégias indígenas demonstraram seu valor militar no passado durante a Guerra do Paraguai e na Segunda Guerra Mundial, e atualmente como guerreiros fardados na proteção das áreas de fronteiras amazônicas. Deles, não se conhece qualquer chacina contra o inimigo, mas sempre o respeito aos humanos.
Os dois militares, Rondon e Dunbar, seja na realidade, seja na ficção, certamente enfrentaram o maior dilema de suas vidas: matar ou morrer. Rondon, ao deixar seu legado de militar e humanista, nunca imaginaria que o chefe maior do homem branco, também oriundo do Exército brasileiro, pudesse ser subjugado pelos interesses latifundiários, entregando a Funai à própria sorte. Não é a primeira vez que somos atacados por ideologias que não nos pertencem. No passado, nos chamaram de índios, pensando estarem na Índia, e agora nos oferecem a condição de humanos.
Agradecemos essa oferta e em retribuição fazemos um chamamento para o verdadeiro sentido de sermos humanos como cidadãos da selva ao protegermos as florestas e suas plantas medicinais, as fontes de água dos lagos e rios para as celebrações, e contemplar ainda em vida os céus azuis, cinzas, vermelhos, amarelos a brilhar como morada dos nossos ancestrais. São valores humanos que não se pode medir, apenas usufruir. O homem branco deveria parar com agressões e aprender a ouvir os conselhos dos povos indígenas, afinal são mais de 500 anos de resistência.

*Índio pantaneiro, escritor, fundador do Ministério da Cultura e membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz


Compre na Amazon: Na Trincheira da Verdade tem riqueza de jornalismo na Amazônia

Editado em parceria com a FAP, obra de Lúcio Flávio Pinto tem relatos exclusivos sobre uma das regiões mais importantes do Brasil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, de 69 anos, vai completar, no mês de maio, 54 anos de ofício. Seu vasto trabalho lhe rende grandes resultados, como a publicação de obras literárias por meio das quais compartilha experiências de seu olhar cirúrgico sobre a realidade. No livro Na Trincheira da Verdade: Meio século de jornalismo na Amazônia (288 páginas), editado em parceria entre Verbena Editora, FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e Fundação Gramsci, ele revela a riqueza de assuntos que transitam da política à cultura da região. A obra está à venda no site da Amazon.

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O livro de Lúcio Flávio Pinto foi publicado inicialmente em 2017 e tem o custo de 30 reais no site da Amazon. Reúne textos que escreveu especificamente sobre jornalismo ao longo de uma década, em Manaus, em uma região do Brasil que ele chama de “zona periférica do poder nacional”. “Espero que sejam textos de interesse mais amplo do que o visado no momento em que os escrevi, no calor da hora e na linha de frente”, disse ele, em trecho publicado no site da FAP.

O autor atuou na imprensa brasileira por 21 anos seguidos, passando pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelas revistas Veja, Istoé, Realidade e outras publicações. Iniciou, em 1987, a trajetória do Jornal Pessoal, o qual, segundo Lúcio Flávio Pinto, é um dos jornais alternativos de mais longa duração da história da imprensa brasileira.

Trincheira isolada

Movido pelo faro jornalístico, Lúcio Flávio Pinto conta como se articulou para se tornar um contador de histórias reais. “Montei uma trincheira isolada, em Belém do Pará, para um combate jornalístico em busca da verdade que praticamente me devolveu aos tempos iniciais de um jornalista que defendia causas e empunhava bandeiras que permanecem até hoje no universo da minha vontade”, afirmou, em outro trecho no site da fundação. Ele também é autor de outros livros, como A Amazônia em Questão, que também está à venda no site da Amazon.

Professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Marco Aurélio Nogueira afirma a atuação de Lúcio Flávio Pinto é “exemplo de jornalismo verdadeiramente independente, que cumpre sua missão mais nobre, a de auditar e fiscalizar o poder”. “De sua pena sai um jornalismo investigativo da melhor qualidade, feito no calor da hora, carregado de causas nobres no momento mesmo em que os fatos aconteceram”, destaca.

O ensaísta e tradutor Luiz Sérgio Henriques confirma a credibilidade do autor do livro. “Lúcio Flávio é, acima de tudo, um ‘amazônida’”, afirma, para continuar: “Um intelectual com alto sentido de sua profissão a quem coube testemunhar o dantesco processo de integração do ‘Brasil tardio’ por parte de seu voraz vizinho: o Brasil agressivo dos colonizadores, dos ‘fazedores de deserto’, dos incapazes de compreender a riqueza inaudita que só se descortinará para aqueles que decifrarem o enigma de floresta e água que dá vida à sua Amazônia”, assevera.

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Claudia Safatle: Amazônia passa ao topo da agenda do governo

Ministro promete debater regulamentação da mineração em terra indígena

Foi do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a ideia de se criar, no governo, uma coordenação para as políticas de desenvolvimento e preservação ambiental da Amazônia. Esta seria a resposta inicial à opinião pública e às pressões de investidores internacionais. Segundo relato de Salles, ele conversou com o presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira da semana passada e disse que gostaria de levar o tema Amazônia para ser discutido na reunião ministerial convocada para o dia seguinte, terça-feira, no Palácio da Alvorada.

O argumento do ministro fazia todo sentido, já que o assunto é de grande complexidade e envolve vários ministérios, não sendo suficiente, portanto, a atuação da pasta do Meio Ambiente. A coordenação também não poderia ficar em suas mãos, pois deveria vir de uma instância superior para que os demais ministros envolvidos no assunto a ela se submetessem.

A agenda da bioeconomia é uma interação entre o que faz o MMA e o Ministério da Economia. A fiscalização é feita por Ibama e ICMbio (Instituto Chico Mendes) em complemento com a Força Nacional de Segurança do Ministério da Justiça. O monitoramento é da alçada do Ministério da Defesa e de parte do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Tem ainda a área de regularização fundiária, que é da competência do Incra, no Ministério da Agricultura.

Diante da gravidade da questão ambiental, cuja negligência incendiou a opinião pública internacional e já afeta os fluxos de capitais externos para o país, não se trata de dar uma resposta de marketing. “É preciso construir uma solução para o problema da Amazônia”, avalia o ministro.

“Estamos falando da região mais rica em recursos naturais do país e com o pior Índice de Desenvolvimento Humano [IDH]”, salienta o ministro do Meio Ambiente. Ela é do tamanho de 16 países europeus - corresponde à área que vai de Portugal à Polônia - e lá vivem 20 milhões de brasileiros que não têm nenhuma atividade econômica que lhes empregue.

“Se não criarmos alternativas eles vão cortar árvores ou minerar. Foi nesse sentido que o Paulo Guedes [ministro da Economia] disse, em Davos, que o maior inimigo do ambiente é a pobreza. A falta de perspectiva de renda é que faz essas pessoas serem cooptadas por atividades ilegais”, diz.

O natural seria criar uma área de coordenação na Casa Civil, mas antes mesmo de Salles, na reunião, verbalizar essa ideia o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, sugeriu:

“Por que não convidamos o general Mourão [vice-presidente Hamilton Mourão], que comandou a Amazônia, para fazer esse trabalho?”.
Bolsonaro concordou e pouco depois colocou no seu Twitter a decisão de criar o Conselho da Amazônia e a Força Nacional Ambiental, sob o comando de Mourão. Salles, como autor da iniciativa, não se sentiu enfraquecido.

Para compor a Força Ambiental, o procedimento será igual ao da Força Nacional de Segurança. O Ministério da Justiça deverá disparar ofício para as secretarias de Segurança dos Estados pedindo para que disponibilizem determinado número de policiais especializados em meio ambiente. Os governos estaduais enviam suas tropas e arcam com os salários e a Força Nacional os remunera com diárias e lhes fornece equipamentos, logística e alimentação.

A missão é específica, por exemplo, uma operação de 30 dias no Pará. Encerrada a tarefa, os policiais voltam para os seus Estados.

Ao mesmo tempo as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com a atuação das Forças Armadas, devem continuar e a expectativa é que neste ano elas durem de março a outubro, cobrindo, assim, todo o período da seca na região, quando ocorrem as queimadas ilegais.

O comando da Força Nacional Ambiental será dividido entre as pastas da Justica e do Meio Ambiente, com base na estratégia de atuação definida pelo Conselho da Amazônia.

A política de defesa da Amazônia deve ser feita com base em cinco pilares, defende Salles. São eles: a regularização fundiária, os pagamentos por serviços ambientais, o zoneamento econômico ecológico - um plano diretor que identifique territorialmente as potencialidades e as fragilidades da floresta -, a bioeconomia e o comando e controle.

O ministro defende, também, a regulamentação da mineração em terras indígenas. Em dezembro de 2018, segundo ele, a Agência Nacional de Mineração identificava mais de 870 pontos de mineração ilegal conhecidos. “Não foi uma boa política pública adotar a regra do ‘faz de conta’ que não pode minerar na Amazônia ou nas terras indígenas. Eles vão minerar”, diz.

Ele conta que esteve na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, onde há mineração de cassiterita. Assim que o helicóptero do Ibama, que o levava, pousou, as pessoas correram para o mato. Aos poucos elas começaram a voltar. Primeiro as crianças, depois as mulheres, depois os mais velhos e por fim o cacique.

“Conversa daqui e dali, eu falei para o cacique: ‘O senhor sabe que nós vamos destruir os equipamentos aqui’. Ele respondeu: ‘Pode destruir. Na semana que vem está tudo aqui. Nós tiramos R$ 70 mil por semana e na semana que vem já compramos tudo de novo’.”
Salles garantiu que o governo vai regulamentar a atividade mineradora na região. “Colocaremos parâmetros restritivos, porém aceitáveis, de forma que eles possam sobreviver. Será uma política pública realista.”

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, está concluindo uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deverá estabelecer que até 3% ou 5% do território poderá ser objeto de licenciamento para exploração.

O argumento do ministro é de que não é possível fazer de conta que não existe uma pressão legítima dos povos da floresta para explorar aquele território onde há grandes reservas de cassiterita, de ouro, nióbio. “Vamos discutir a regulamentação. É só quebrar o preconceito do debate”, conclui.

*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação


Luiz Carlos Azedo: Entre dois polos

“A China continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos EUA para defender nosso parque produtivo no novo cenário global”

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, assinaram, ontem, a primeira fase do acordo comercial entre os dois países, depois de uma guerra comercial que durou um ano e meio e abalou a economia mundial. O ponto central do acordo é uma promessa da China de comprar mais US$ 200 bilhões em produtos dos EUA ao longo de dois anos, para reduzir o deficit comercial bilateral com os norte-americanos, que chegou a US$ 420 bilhões em 2018. A China se compromete a comprar produtos manufaturados, agrícolas, energia e serviços dos EUA.

“Hoje (ontem), demos um passo crucial, que nunca tínhamos dado antes com a China”, disse Trump durante a cerimônia na Casa Branca. O pacto entre os dois países pode ter o papel de desanuviar não somente o ambiente econômico, mas também o ambiente político mundial, que vive uma escalada de tensões, a principal, agora, entre os Estados Unidos e o Irã, tendo por epicentro o controle do Iraque. A guerra comercial resultou no aumento das tarifas alfandegárias por ambos os lados, no valor de centenas de bilhões de dólares em mercadorias, o que afetou mercados financeiros, cadeias de fornecimento e o crescimento global.

Em números, a situação é a seguinte: os Estados Unidos vão manter tarifas de 25% sobre uma vasta gama de US$ 250 bilhões em bens e componentes industriais chineses usados pela manufatura norte-americana, até a segunda fase do acordo, mas a China deve comprar US$ 12,5 bilhões em produtos agrícolas dos EUA no primeiro ano e US$ 19,5 bilhões, no segundo ano; US$ 18,5 bilhões em produtos de energia no primeiro ano e US$ 33,9 bilhões, no segundo ano; US$ 32,9 bilhões em manufaturados dos EUA no primeiro ano e US$ 44,8 bilhões, no segundo ano; e US$ 12,8 bilhões em serviços dos EUA no primeiro ano e US$ 25,1 bilhões, no segundo ano.

O que vai acontecer depois, ninguém sabe ainda, mas as repercussões e projeções do que já foi acertado certamente serão discutidas na reunião de Davos, à qual o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que pretende comparecer. De certa forma, o acordo roubará a cena do Fórum Econômico Mundial, que completa 50 anos e cuja pauta está focada na questão ambiental. Muitos chefes de Estado estarão presentes, além de grandes executivos e personalidades. Qual será a repercussão do acordo entre os Estados Unidos e a China para o Brasil? De certa forma, o acordo favorece os norte-americanos em relação ao nosso agronegócio, seja pela demanda cativa, seja pela vantagem estratégica em termos logísticos.

Rota do Pacífico
No seu livro Sobre a China, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger já apontava o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e advertia sobre os riscos da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Dizia que, no século passado, houve duas guerras mundiais por causa da disputa entre a Inglaterra, uma potência marítima, e a Alemanha, uma potência continental, pelo controle do comércio no Atlântico. A grande questão, agora, é como essa disputa entre a maior potência marítima do planeta, os Estados Unidos, e a maior potência continental, a China, vai se resolver.

A grande contribuição do livro de Kissinger quanto a isso é seu esforço no sentido de construir pontes diplomáticas do Ocidente com a China, a partir de sua própria experiência, pois foi o grande artífice da reaproximação entre os dois países em plena guerra fria. A conduta chinesa nos âmbitos dos direitos humanos e de seu “imperialismo” regional sempre foi alvo de ataques por parte dos países ocidentais, a partir da aproximação entre os dois países houve uma mudança de eixo de percepção do Ocidente sobre os chineses, que deram uma guinada econômica em direção ao capitalismo excepcionalmente bem-sucedida, a ponto de a percepção da opinião pública mundial mudar completamente em relação aos chineses. No lugar da imagem dos guardas vermelhos da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, surgiram os grandes grupos de turistas ávidos pelo consumo da cultura ocidental, com suas roupas, bolsas e tênis de marcas, além de smartphones de última geração.

Entretanto, ninguém se iluda, o regime político continua sendo uma ditadura do Partido Comunista, o status autônomo de Hong Kong não será restabelecido e a China tornou-se uma potência econômica com crescente projeção militar sobre o Pacífico, o Índico e a costa africana do Atlântico Sul. No caso do Brasil, continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos Estados Unidos para defender nosso parque produtivo nesse novo cenário criado pelo acordo.

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Garimpeiros deflagram guerra silenciosa em Serra Pelada, mostra Política Democrática online

Animados por Bolsonaro, exploradores de ouro apostam na legalização da atividade

Em situação ilegal, a maioria dos garimpeiros deflagra entre si uma guerra silenciosa em parte da floresta amazônica, sem qualquer precisão sobre a existência de ouro no local em que operam e sem infraestrutura que diminua o risco de desabamento dos barrancos. Outros já exploram o metal com auxílio de empresas que identificam minas por meio de imagem via satélite. É o que revela reportagem especial da nova edição da revista mensal Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. A matéria tem textos e fotos exclusivos.

» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online

A revista tem acesso gratuito pelo site da fundação. Produzida por equipe de reportagem enviada a Serra Pelada, a 50 quilômetros de Curionópolis, no Sudeste do Pará, a reportagem mostra como as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) animam os garimpeiros. Ele tem repetido promessa na mesma linha da que foi feita, em 1980, pelo então presidente João Batista Figueiredo, de legalizar o garimpo.

O consenso entre diversos grupos de garimpeiros é para que Bolsonaro cumpra a promessa. No início deste mês, o presidente criticou a empresa mineradora Vale pela exploração de minérios no país e reforçou seu discurso em defesa dos garimpeiros, que veem a multinacional como uma grande barreira para exercerem a atividade, manualmente.

A reportagem conta histórias de garimpeiros que esteve em Serra Pelada, no auge da febre do ouro, em 1980, mas de onde foram embora desolados, na época, por causa da multidão de pessoas atraídas para a região. É o caso de Antônio Soares, de 69 anos, que voltou para o garimpo no Sudeste do Pará.

Antônio voltou em janeiro. Deixou a família para trás – 17 filhos em Mato Grosso, Maranhão e São Paulo, além de netos e bisnetos – para se unir aos garimpeiros. Sem equipamentos de segurança, eles passam o dia inteiro revezando picareta, cavadeira, enxada e pá. Na minguada disputa pelo ouro, só há intervalo para fazerem uma rápida refeição em fogão à lenha de tijolo, tomar água e dormir, à noite. Ninguém dá detalhes da quantidade de ouro encontrado.

A reportagem também mostra que garimpeiros de Serra Pelada reclamam que a empresa mineradora Vale atrapalha as atividades de exploração manual de ouro que eles realizam no Sudeste do Pará. Desde os anos 1970, segundo líderes locais, a multinacional avançou sobre a área que antes estava demarcada para a atividade da cooperativa. Em nota, a Vale nega e informa que não tem intenção de prejudicar os garimpeiros.

Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado.

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Bernardo Mello Franco: Milícias amazônicas

A Human Rights Watch acusa Bolsonaro de dar “sinal verde” à devastação da Amazônia. A ONG afirma que os madeireiros estão contratando milícias para se proteger

Defender a Amazônia é uma atividade de alto risco. Na última década, mais de 300 pessoas foram mortas em conflitos pela terra e pelas riquezas da floresta. A lista inclui agentes públicos, ativistas e indígenas que tentam resistir às motosserras.

O relatório “Máfias do Ipê”, da Human Rights Watch, aponta ligações entre o crime organizado e o desmatamento. Os devastadores contratam grupos armados para proteger seus negócios ilegais. “É bem similar às milícias”, define o defensor público Diego Rodrigues Costa, que acompanhou a investigação de chacinas encomendadas por madeireiros em Mato Grosso.

A HRW afirma que a violência é uma realidade antiga, mas tende a se agravar com a política antiambiental em vigor. “O governo Bolsonaro tem agido de forma agressiva para diminuir a capacidade do país de fazer cumprir suas leis ambientais”, acusa.

De acordo com a entidade, o presidente “tem reduzido a fiscalização ambiental, enfraquecido as agências ambientais federais e atacado organizações e indivíduos que trabalham para preservar a floresta”. “Suas palavras e ações na prática têm dado sinal verde às redes criminosas envolvidas na extração ilegal de madeira”, afirma o relatório.

Os pesquisadores citam fatos e dados oficiais para embasar o diagnóstico. Nos primeiros sete meses do ano, o desmatamento avançou 67% em relação ao mesmo período de 2018. O número de multas aplicadas pelo Ibama caiu 38%. Enquanto a floresta arde, o governo “tem sinalizado perigoso apoio aos responsáveis pelo desmatamento”, acusa a HRW.

Na segunda-feira, o Planalto forneceu mais um exemplo dessa cumplicidade. Os ministros Onyx Lorenzoni e Ricardo Salles receberam garimpeiros que invadiram uma floresta pública no Pará. Eles protestavam contra uma operação do Ibama, do ICMBio e da Força Nacional de Segurança que destruiu equipamentos usados em crimes ambientais.

Os garimpeiros pressionaram os ministros a punir os fiscais, que apenas cumpriram a lei. Deixaram o palácio animados, segundo relatos enviados aos colegas.


Bruno Boghossian: Bolsonaro usa fogo como cavalo de troia para pauta antiambiental

Presidente explora Amazônia em campanha contra áreas protegidas e terras indígenas

Jair Bolsonaro deve ter apagado da memória o texto que leu no teleprompter há cinco dias. O pronunciamento do presidente na TV, no auge da tensão em torno das queimadas da Amazônia, falava com orgulho da conservação da vegetação nativa do Brasil e elogiava a "lei ambiental moderna" do país. Agora, ele acha que isso é um problema.

O presidente chamou governadores da região a Brasília para discutir a devastação das florestas. Se algum deles esperava dinheiro ou projetos de preservação, teve que se contentar com o papel de figurante na cruzada antiambiental do Planalto.

O encontro foi motivado pelas queimadas, mas Bolsonaro preferiu fazer um ato para vender sua agenda contra a cooperação internacional e a favor de mudanças na legislação das unidades de conservação. Com apoio de alguns governadores, ele reforçou suas críticas à demarcação de terras indígenas e lançou a ideia de rever reservas ambientais.

O fogo na Amazônia virou um cavalo de troia para a pauta do presidente, nas palavras de um participante da reunião. Bolsonaro explorou um nacionalismo mal-acabado para fazer propaganda de suas obsessões contra áreas protegidas.

Para quem buscava medidas concretas contra o desmatamento, Bolsonaro era um personagem inconveniente na sala. Lá pela segunda hora da reunião, ele interrompeu uma explicação técnica sobre o Fundo Amazônia para reclamar pela sétima vez de áreas indígenas e quilombolas, que "inviabilizam" o agronegócio.

O debate sobre a atividade econômica nessas regiões pode até interessar às comunidades, mas o presidente já deixou claro que está mais empenhado em favorecer ruralistas e mineradoras americanas.

Bolsonaro mostrou também que não aprendeu nada com os últimos episódios. Ele continua desprezando dados oficiais. Na reunião, militares mostraram imagens de satélite para comprovar o resultado do combate às queimadas. Mais tarde, o presidente insistiu que a situação foi "potencializada" pela imprensa.


El País || A ‘Amazônia fora da lei’ de Bolsonaro

Incêndios são habituais nesta época, mas flexibilização dos controles ambientais no atual Governo acelerou a perda de vegetação. Neste sábado, aviões militares começaram a combater o fogo

A 3.000 quilômetros de distância em direção ao norte, em Rondônia, o território indígena dos Uru-eu-Wau-Wau queima. Nos últimos meses, sofreu sucessivas invasões que causaram desmatamento e, na sequência, incêndios para abrir o terreno. "Estamos denunciando desde janeiro", conta Ivaneide Bandeira, da ONG Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental. A fumaça que sai da reserva indígena, em teoria protegida pelo Governo Federal, viaja 400 quilômetros e chega com força à capital Porto Velho, onde mora a ativista. Em imagens divulgadas nas redes sociais se vê uma espessa névoa que faz com que mal se possa respirar. Os hospitais estão abarrotados. "Em meu bairro a sensação é de que o mundo está caindo sobre nós", conta por telefone.

Os incêndios são comuns nessa época de seca na região e nem sempre são ilegais. Os dados indicam, entretanto, que as autoridades perderam o controle sobre a situação e que o país vive a maior onda de incêndios dos últimos cinco anos, de acordo com o Instituto Nacional de Investigação Espacial (INPE). Entre 1 de janeiro e 22 de agosto foram registrados 76.720 focos de incêndios, 85% a mais do que no mesmo período de 2018 (quando houve 41.400). Os satélites mostram que mais de 80% do território devorado pelas chamas está na Amazônia.

Os mesmos satélites utilizados pelo INPE indicam que o desmatamento aumentou 34% em maio, 88% em junho e 212% em julho em relação aos mesmos meses de 2018. Bolsonaro criticou a instituição e seus números em um encontro com jornalistas. O físico Ricardo Galvão, que comandava o INPE, contradisse publicamente o presidente e foi exonerado. Desde estão, a Amazônia está na mira internacional.

"O Brasil era um vilão ambiental. Mas desde que começamos a reduzir o desmatamento, nos transformamos em líderes na agenda ambiental global. Agora voltamos a uma situação até mesmo pior do que a que tínhamos na década de oitenta", diz a ex-ministra e ex-candidata presidencial Marina Silva. Ela agora elabora com outros ex-ministros e membros da sociedade civil uma carta ao Congresso pedindo que sejam suspensos os projetos para afrouxar as leis ambientais e a criação de uma comissão para debater políticas que combatam a crise ambiental. "Infelizmente, o que está acontecendo se deve às políticas desastrosas e irresponsáveis do Governo de Bolsonaro, que não tem competência para lidar com essa situação", afirma.

"Nem todos os incêndios estão relacionados ao desmatamento, mas os satélites indicam um aumento substancial dos fenômenos. São consequência basicamente das políticas do novo Governo, que incentiva a ocupação ilegal de terras na Amazônia e, consequentemente, a ocorrência dos incêndios ilegais", diz Paulo Artaxo, professor de Física da Universidade de São Paulo.

O especialista, que fez parte do Painel Governamental da Mudança Climática das Nações Unidas, diz que ainda é preciso fazer uma comparação mais detalhada entre as áreas desmatadas e as destruídas pelo fogo. Mas os especialistas dão como certo de que os aumentos dos dois fenômenos estão relacionados. Um levantamento do site InfoAmazonia, com base em dados públicos, indica que entre os dez municípios com mais incêndios, sete estão entre os que também mais sofreram com desmatamento anterior. Um relatório do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) chega à mesma conclusão.

Fonte: Programa de Monitoramento de Queimadas e Terra Brasilis - DETER - INPE. Publicado originalmente em infoamazonia.org.
Fonte: Programa de Monitoramento de Queimadas e Terra Brasilis - DETER - INPE. Publicado originalmente em infoamazonia.org.

As principais instituições do Ministério do Meio Ambiente são o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), responsável pela fiscalização e preservação de áreas naturais, e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão responsável pela formação de áreas de conservação. Bolsonaro colocou em andamento uma série de mudanças que tiram responsabilidades desses órgãos que, como denunciam ambientalistas e uma inédita aliança de oito ex-ministros, desmantelam a política ambiental brasileira. "Sempre houve desmatamento, mas agora é promovida pelo ministro, que desmantelou a governança ambiental", diz Marina Silva.

Cortes do Orçamento

Os cortes orçamentários também tiveram seu efeito. A prevenção e o controle de incêndios perderam 38,4% de seu Orçamento. "Nas proximidades de Porto Velho vejo bombeiros controlando os incêndios. Mas os órgãos não possuem meios suficientes para deter a invasão do território indígena", diz a ativista Ivaneide Bandeira.

Parte dos focos ocorre em áreas privadas que se expandem em direção à reserva natural que todas as propriedades têm obrigação de manter. Outra parte ocorre em áreas públicas protegidas e em territórios indígenas protegidos que sempre estiveram ameaçados por invasores, madeireiros e fazendeiros que querem invadir a terra. Há áreas ricas em minerais como o ouro e árvores centenárias em risco de extinção. E, principalmente, um espaço enorme que pode se transformar em pasto para o gado. Em todos esses casos é preciso abrir o terreno. E isso é sempre feito com fogo.

Ivar Busatto é coordenador da ONG Operação Amazônia Nativa no Mato Grosso, um dos territórios que mais sofrem com a seca —não chove há 90 dias— e que foram atingidos pelos incêndios. Sua organização contabilizou 24 focos em nove comunidades indígenas. "Moro aqui há 48 anos e sempre existiu fogo", diz. A seca é severa, com previsão de chuva somente no final de setembro. Nesse período é proibido por lei utilizar o fogo para qualquer atividade.

Seu Estado vive do negócio agrícola e produz parte da soja e do milho que o país exporta. O fogo serve para limpar os campos e para que os fazendeiros se expandam, legal e ilegalmente em direção a territórios protegidos. Parte da vegetação nativa já não existe. Mas agora, quando todos os olhos do mundo estão voltados às matas do Brasil, até o agronegócio se preocupa com as ações ambientais. A pressão internacional pode resultar em medidas drásticas, como sanções ao comércio brasileiro ou até a não ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, como sugeriu o presidente francês Emmanuel Macron, na última quinta-feira, e o presidente do Conselho Europeu, neste sábado.

Jair M. Bolsonaro

@jairbolsonaro

- Confira a ação das aeronaves C-130 Hércules, da nossa Força Aérea, no combate aos focos de incêndio na Amazônia, partindo de Porto Velho (RO)! via @DefesaGovBr

Vídeo incorporado

18,5 mil pessoas estão falando sobre isso

Enquanto o G7, grupo dos países mais ricos do mundo, se reúne em Biarritz e coloca entre suas pautas a Amazônia brasileira, o Governo Bolsonaro, que chegou a sugerir que ONGs eram suspeitas da onda de incêndio, toma suas primeiras ações concretas para conter o fogo que devasta a floresta há semanas. "Mais de 43.000 militares das Forças Armadas reforçam ações de combate a incêndios na Amazônia", comemorou o presidente neste sábado, no Twitter. Ele compartilhou também imagens de aeronaves militares despejando água sobre as queimadas, nas primeiras missões após a decretação, nesta sexta, da chamada "GLO Ambiental", como ficou conhecida a Garantia da Lei e da Ordem voltada para a floresta.


Marina Silva || Sem fundo

Governo Bolsonaro está rifando o futuro da Amazônia

Com seu desprezo pela contribuição dos principais doadores, o governo de Bolsonaro está simplesmente decretando a falência do Fundo Amazônia. E mais, está mostrando que, na prática, realiza sua intenção de retirar o Brasil do Acordo de Paris. Será impossível honrar o compromisso de diminuição das emissões de gases do efeito estufa, que estão ligadas à redução de 80% da taxa de desmatamento da Amazônia.

No ano passado, o desmatamento atingiu a marca de 7.900 km2. Neste ano de 2019, as projeções são de crescimento significativo. Como manter o limite de 3.925 km2 em 2020, conforme o compromisso firmado em 2009 pelo governo brasileiro?

Alguns dias antes de sediar a Semana do Clima, que terminou na sexta-feira (23), em Salvador, o governo brasileiro anunciou com gestos e atos: o Brasil não pretende mais cumprir os compromissos assumidos no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas. Consegue assim, em tempo recorde, fazer uma potência ambiental como o Brasil se transformar em “pária ambiental”. O que era exemplo virou escândalo.

Sentiremos na prática, ainda nesta estação seca: deixarão de existir os recursos do Fundo Amazônia, que são fundamentais para viabilizar o trabalho do Ibama de fiscalização do desmatamento, da prevenção ao fogo e de combate às práticas criminosas de grilagem de terra. Quem vive na Amazônia já está sufocado pela fumaça resultante dessa política antiambiental.

A pretexto de acabar com a “indústria da multa”, o governo acaba com as legalidades e incentiva o crime. Entre 2016 e 2018, os recursos do Fundo Amazônia financiaram 466 vistorias que geraram aplicação de mais de R$ 2,5 bilhões em multas. Parece muito? O prejuízo causado pelos crimes ambientais, pela devastação e perda do patrimônio natural, assim como o lucro fácil que alguns conseguiram com esses crimes é muito maior.

Prejuízos grandes teremos também em outras áreas, sobretudo nas relações diplomáticas e econômicas com outros países, a exemplo do agronegócio. O presidente ataca Noruega, França e Alemanha. E o ministro da Economia já adianta que, se houver mudança de governo na Argentina, o Brasil poderá sair do Mercosul. Isso só reforça a condição de subserviência e dependência do Brasil em relação aos EUA —que, se confirmada a indicação do filho do presidente como embaixador, deixará de ser entre países soberanos para se transformar em uma relação doméstica e familiar nitidamente desfavorável aos interesses do país.

O caso do Inpe torna explícita essa relação de subserviência. Temos uma instituição científica que presta um serviço público de reconhecimento internacional, mas o governo prefere gastar milhões para contratar uma empresa norte-americana, a Planet, para monitorar a Amazônia brasileira. Não são os outros países que querem “comprar a Amazônia à prestação” (aqueles que o presidente menciona fizeram doações republicanas, respeitando e fortalecendo as instituições brasileiras). É o governo Bolsonaro que está rifando o futuro da Amazônia.

É muito grave tudo isso que está acontecendo no Brasil. São violações que terão um custo muito elevado para o país. A sociedade brasileira não pode ficar refém desses inúmeros abusos de poder. E não é abuso de autoridade, porque autoridade é algo que falta ao presidente e a vários outros representantes do seu governo.

Bolsonaro não assume oficialmente que abandonou o Acordo de Paris, é claro, porque teme as consequências comerciais e diplomáticas. Talvez pense que a ONU e a comunidade internacional não percebam o que está fazendo. A linguagem escatológica mostra que, na verdade, o presidente não dá a mínima importância para o meio ambiente. É triste. E será trágico.

*Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente (2003-2008, gestão Lula), ex-senadora (1995-2011) e candidata à Presidência da República pela Rede em 2018, pelo PSB em 2014 e pelo PV em 2010


El País: A eterna catástrofe na Amazônia

Cientistas afirmam que os múltiplos incêndios deste inverno não são uma exceção, e que ainda é cedo para falar em recorde

“Nossa casa está em chamas. Literalmente. A selva amazônica —os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta— está em chamas. É uma crise internacional”, proclamou na quinta-feira o presidente francês, Emmanuel Macron, na sua conta do Twitter. Alguns especialistas consultados são mais precavidos. “O que mostram nossos dados é que houve uma intensidade diária de incêndios acima da média em algumas partes da Amazônia durante as duas primeiras semanas de agosto”, diz Mark Parrington, do Copérnico, o programa europeu de observação da Terra. “Mas, em geral, as emissões totais [de CO2 gerado pelos incêndios] estimadas para agosto estiveram dentro dos limites normais: mais altas que nos últimos seis ou sete anos, porém mais baixas que no começo da década de 2000”, salienta.

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil detectou mais de 76.620 focos desde o começo do ano, quase o dobro que no mesmo período de 2018 (41.400), mas uma cifra não tão distante dos 70.625 registrados em 2016. “O número de incêndios aumentou com relação aos últimos anos e está perto da média de longo prazo”, explica Alberto Setzer, pesquisador do INPE.

NASA também é cautelosa. "Não é incomum ver incêndios no Brasil nesta época do ano, devido às altas temperaturas e à baixa umidade. O tempo dirá se este ano é um recorde ou simplesmente está dentro dos limites normais", tranquiliza a agência espacial norte-americana em seu site. A NASA recorda que os incêndios na bacia amazônica são muito raros no resto do ano, mas seu número aumenta a partir de julho, durante a estação seca, quando muitos fazendeiros utilizam o fogo para manter seus cultivos ou para limpar a terra para pastos ou outros fins. Os incêndios costumam alcançar seu pico em setembro e desaparecem em novembro.

“É verdade que a floresta amazônicasofre incêndios regularmente, mas de maneira nenhuma isto significa que seja normal. A Amazônia não evoluiu com incêndios frequentes. Os incêndios recorrentes não são um elemento natural na dinâmica da selva tropical, como em outros entornos, como o Cerrado”, adverte a bióloga brasileira Manoela Machado.

“A Amazônia queima durante as secas, mas não por causa secas. É queimada porque há uma demanda por pastos e terras de cultivo, e o Governo atual [presidido por Jair Bolsonaro] não só não inclui o desenvolvimento sustentável em seus planos como também estimula o desmatamento e restringe as ações sistemáticas contra ele”, lamenta Machado, pesquisadora da Universidade de Sheffield (Reino Unido) que estuda os impactos das atividades humanas nas selvas tropicais. “Não podemos saber exatamente e imediatamente como são os padrões atuais de incêndios comparados com os de outros anos, mas não deveríamos ver isto como algo normal, absolutamente”, alerta.

“Acredito que este ano, até agora, esteja normal em média, embora a gravidade dos incêndios varie por regiões. A diferença é que neste ano os meios de comunicação repercutiram a queima da Amazônia, o que é ótimo”, opina o ecólogo David Edwards, chefe do mesmo laboratório da Universidade de Sheffield. O pesquisador recorda que as queimadas na bacia amazônica são especialmente graves quando ocorre o El Niño, um fenômeno meteorológico natural e cíclico, vinculado a um aumento das temperaturas na parte oriental do Pacífico tropical. Os 70.625 focos registrados em 2016 coincidiram com um El Niño potente. Neste ano, entretanto, o fenômeno é fraco e, apesar disso, detectaram-se mais incêndios.

A selva amazônica abriga 10% de todas as espécies conhecidas de animais e plantas e armazena 100 bilhões de toneladas de carbono, uma quantidade dez vezes superior à emitida a cada ano pelo uso de combustíveis fósseis, segundo os cálculos da Universidade do Estado de Oregon (EUA). Edwards adverte que se trata de um peixe que morde o próprio rabo. “O problema é que a mata incendiada perde carbono à medida que as árvores queimadas vão morrendo lentamente, o que provoca uma maior mudança climática e uma maior perda da biodiversidade”, aponta.

“Em última instância, o fogo significa que as florestas têm mais probabilidades de voltar a queimar. E poderíamos acabar vendo essas florestas tropicais úmidas se transformarem em um sistema de savanas”, lamenta Edwards, que recorda que o problema não é exclusivo da Amazônia. “Enormes superfícies de Bornéu e Sumatra [no Sudeste Asiático] também sofrem incêndios, especialmente durante anos com um fenômeno potente do El Niño.”

A progressiva transformação da selva em cerrado é uma ameaça real, conforme alertou em 2016 uma equipe de cientistas brasileiros encabeçada pelo climatologista Carlos Nobre, da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Em um artigo publicado na revista PNAS, os pesquisadores advertiam que a região amazônica se aqueceu em um grau Celsius nos últimos 60 anos, enquanto perdia 20% de sua superfície pelo desmatamento. Os modelos matemáticos sugerem que chegar a 40% representaria um ponto de inflexão. “Se esse limite for ultrapassado, poderia ocorrer a savanização em grande escala da maior parte do Sul e Leste da Amazônia”, diziam os cientistas.

O holandês Pepijn Veefkind dirige o instrumento Tropomi, um sensor a bordo do satélite europeu Sentinel-5P que é capaz de identificar pontos quentes de gases poluentes na atmosfera. “É verdade que os incêndios em grande escala na região amazônica ocorrem todos os anos. Embora as condições meteorológicas possam desempenhar um papel, é preciso salientar que a maioria desses focos é provocada pelo ser humano”, afirma. “Nossas observações confirmam: a maior parte dos incêndios tem lugar nas beiradas da floresta tropical. Se 2019 terá uma temporada recorde de incêndios é algo que só poderemos saber no final da estação seca.”


Bernardo Mello Franco: Desmatamento sobe e ministro briga com os números

Bolsonaro atacou o IBGE após a alta do índice de desemprego. Agora seus ministros criticam o Inpe, que aponta uma escalada no desmatamento da Amazônia

O desmonte dos órgãos de controle ambiental começou a produzir os efeitos esperados. O desmatamento da Amazônia disparou na primeira quinzena de maio. A cada hora, a floresta perdeu uma área verde equivalente a 20 campos de futebol. Isso apenas nas unidades de conservação, como parques e florestas nacionais.

Os dados são do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Há três décadas, o órgão usa satélites para monitorar, em tempo real, a devastação da floresta. O trabalho é respeitado pela comunidade científica e orienta a Polícia Federal e o Ibama no combate a crimes ambientais. Agora está sob ataque do governo de Jair Bolsonaro.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já disse que os números do desmatamento “não são precisos”. Em janeiro, ele anunciou o plano de gastar R$ 100 milhões na contratação de um sistema privado de monitoramento. O Inpe precisou lembrá-lo de que já faz isso desde 1988, por um custo bem menor: R$ 2,8 milhões anuais.

Na quarta-feira, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, avançou algumas casas na rota do negacionismo. Em entrevista à GloboNews, ele endossou a tese de que a agenda do meio ambiente seria controlada por um complô internacional.

O ministro também desmereceu o sistema que mede a destruição da Amazônia: “Esses dados do desmatamento eu coloco muito em dúvida. Se nós somarmos o percentual de desmatamento que anualmente aparece no jornal, o Brasil já estava sem uma árvore. Isso também é muito manipulado”, disse.

Heleno costuma ser descrito como um moderado num governo cheio de radicais. Ao inflar teorias conspiratórias e brigar com dados oficiais, ele se aproxima de personagens como a pastora Damares Alves e o diplo-olavista Ernesto Araújo.

Na manhã de quinta, o coordenador de monitoramento do Inpe, Cláudio Almeida, apresentou números à Câmara. Ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, o órgão emitiu 26 mil alertas de desmatamento no ano passado. A média de acerto é de 95%. “Isso mostra a falácia do argumento de que o nosso sistema não é eficaz”, afirmou.

No início do mês, o Ministério Público Federal anunciou a abertura de 1.410 processos contra desmatadores. As ações usam as imagens de satélite do Inpe. “São dados absolutamente confiáveis. Desqualificá-los é uma prática inaceitável”, diz o subprocurador-geral Nívio de Freitas, chefe da área ambiental do MPF.

Em 2018, o Brasil registrou a maior taxa de desmatamento da Amazônia em uma década. Neste ano a destruição tende a ser maior, com risco de superar os 10 mil quilômetros quadrados. “Isso seria uma tragédia”, resume o engenheiro florestal Tasso Azevedo, que define o trabalho do Inpe como “referência mundial” no setor. Ele coordena o projeto MapBiomas, que une universidades, ONGs e empresas de tecnologia para mapear o uso da terra no país.

Os sinais de alta no desmatamento ajudam a explicar o bombardeio contra o instituto que monitora a floresta. A tática já foi usada por Bolsonaro quando estatísticas mostraram o aumento do desemprego no início do governo. Em vez de reconhecer o problema, o presidente atacou o IBGE.