Amazônia
Mulheres negras debatem preservação da Amazônia em live da FAP
Comunicação FAP
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará nesta terça-feira (1/8), das 18h às 19h, uma live para debater as “sabenças de mulheres negras, com autonomia e afetos na Amazônia". Durante o encontro virtual, elas discutirão ações importantes para a preservação do bioma, que é um dos mais ricos em biodiversidade do mundo.
A live terá transmissão em tempo real no site da FAP, na página da entidade no Facebook e no canal da instituição no Youtube. O público poderá enviar perguntas por meio das próprias plataformas digitais.
De acordo com a diretora executiva da FAP e mediadora do debate, Jane Monteiro Neves, chama atenção para o “desmatamento indiscriminado das florestas”. Ela também é mestre em Enfermagem de Saúde Coletiva e professora da Universidade Estadual do Pará (UEPA).
Participantes
Josanira Rosa da Luz: Bacharel em Administração, conselheira do Centro de Cultura Negra, secretária geral do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional e Conselheira do Consea.
Bianca Pereira da Silva: Bacharel em Serviço Social, integrante dos coletivos ALAGBARA e Oorun Ombirin de mulheres negras e quilombolas e da comissão de heteroidentificação racial da UFT E Cesgranrio.
Angélica Albuquerque da Silva: Mulher negra e gorda, museóloga, educadora popular e patrimonial e consultora de imagem e estilo.
Nas entrelinhas: Desmatamento internacionalizou a Amazônia
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense
A visita ao Brasil do enviado especial do governo Biden, John Kerry, para tratar da participação dos Estados Unidos no Fundo Amazônia, coincidiu com o registro de recrudescimentos das queimadas na floresta. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados até 17 de fevereiro um recorde para o período. No encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Itamaraty, Kerry se comprometeu a buscar recursos “vultosos” para o Fundo. Na visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Branca, o presidente Joe Biden havia anunciado essa intenção.
Estima-se que essa participação pode chegar a US$ 50 milhões. Segundo a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, o montante será definido numa negociação da Casa Branca com o Congresso americano. O Fundo ficou parado entre 2019 e 2022, no governo Bolsonaro. Depois da posse de Lula, foi reativado e seus recursos liberados pelos doadores, principalmente Noruega e Alemanha. A União Europeia (UE) também pretende colaborar.
O desmatamento da Amazônia durante o governo anterior virou uma ameaça para o mundo, que reage a isso fortemente. Na prática, Bolsonaro “internacionalizou” a Amazônia, cujo impacto no aquecimento global é enorme, por causa das queimadas e derrubadas de árvores. Zerar o desmatamento é a forma mais eficiente e barata de reduzir o aquecimento global e ganhar tempo para a conversão à economia verde. Por exemplo: o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou, sábado passado, durante a Feira Internacional Agrícola de Paris, que o acordo entre o Mercosul e a UE pode subir no telhado em razão da questão ambiental.
Na COP27, no Egito, Macron fez dobradinha com Lula, então recém-eleito, com duras críticas ao ainda presidente Bolsonaro. Na verdade, a advertência é dirigida principalmente à Venezuela, que passa a ser pressionada também pelos vizinhos. Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai têm interesse no acordo. A França, por causa da Guiana Francesa, se considera “uma potência amazônica”. Macron faz alusão ao centro espacial de Kourou, que hospeda a base de lançamento de foguetes e satélites da Agência Espacial Europeia (ESA). O empreendimento gera tecnologia de ponta e informática, além de empregos.
Situada na costa setentrional da América do Sul, como o Suriname e a República da Guiana, a Guiana Francesa parece mais um território caribenho do que sul-americano. Está isolada do resto do continente pela floresta amazônica, pois é essencialmente povoada na faixa atlântica. O idioma francês e o dialeto créole, também presentes nas Antilhas, não são falados nos países sul-americanos. Por ser uma província francesa, também foi excluída dos tratados entre os países da América do Sul, porém representa a França na Associação dos Estados do Caribe, junto com a Martinica e a ilha da Guadalupe. É um enclave europeu no subcontinente.
Garimpo ilegal
Com 200 mil habitantes, mercado de consumo pequeno e fronteira vulnerável, a Guiana Francesa se manteve isolada, mas agora sofre com os imigrantes ilegais, principalmente garimpeiros brasileiros e peruanos, traficantes colombianos e refugiados haitianos. O Brasil sempre deu mais importância estratégica à cooperação com a Guiana do que a própria França, da qual é um departamento, porque a fronteira de 760km entre os dois países nos torna também vizinhos da UE.
Entretanto, a ponte que ligaria a Guiana ao Amapá, o único estado brasileiro que não tem ligação terrestre com o resto do país, não saiu do papel. A estratégica ligação entre Manaus e Georgetown, sonhada pelos militares nos anos 1970, também não. A ligação com o Suriname, após a construção da estrada de Cayenne ao Oiapoque, porém, virou uma porta aberta para os traficantes colombianos e garimpeiros brasileiros — ou seja, um problema.
As fronteiras entre Brasil, Guiana, Suriname, Venezuela e Colômbia são praticamente virtuais, o que coloca em xeque a soberania efetiva entre esses países, ainda mais depois que a preservação da Amazônia se tornou um problema global. Várias operações foram realizadas pelo governo francês para combater o garimpo ilegal na Guiana Francesa. Entretanto, após cada operação os garimpeiros voltaram.
Em 12 de março de 2010, soldados franceses e policiais de fronteira foram atacados enquanto retornavam de uma operação bem-sucedida, durante a qual prenderam 15 mineiros, confiscaram três barcos e apreenderam 617 gramas de ouro. Os garimpeiros retornaram para recuperar seus saques e colegas perdidos. Os soldados dispararam tiros de advertência e balas de borracha, mas os garimpeiros conseguiram retomar um de seus barcos e cerca de 500 gramas de ouro. A cooperação com a França será fundamental para conter o garimpo ilegal e o tráfico de drogas na Amazônia.
Revista online | Yanomami: Crise humanitária deve ser resolvida de forma definitiva
Luciano Rezende*, ex-prefeito de Vitória (ES), especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro de 2023)
A mais recente crise humanitária envolve os Yanomami, que vivem no norte da Amazônia, na fronteira Brasil-Venezuela. Esse povo constitui um conjunto cultural e linguístico composto de, pelo menos, quatro subgrupos adjacentes que falam línguas da mesma família (Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam). A população total dos Yanomami, no Brasil e na Venezuela, era estimada em cerca de 35.000 pessoas em 2011.
As atividades do garimpo provocam conflitos violentos entre garimpeiros e os povos indígenas locais, levando a agressões e mortes.
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Além disso, as atividades do garimpo são extremamente perigosas para o meio ambiente devido ao uso de metais pesados que contaminam o solo e os rios, levando riscos graves à saúde dos povos expostos ao envenenamento do solo, da água e dos animais não só no local do garimpo, mas também longe do local da extração. É o que parece ser o motivo principal da agudização da grave crise humanitária atual com os Yanomamis.
A atividade garimpeira utiliza o mercúrio para possibilitar a amálgama com o ouro, de forma a recuperá-lo nas calhas de lavação do minério. Tanto o mercúrio metálico perdido durante o processo de amalgamação como o mercúrio vaporizado durante a queima da amálgama para a separação do ouro são altamente prejudiciais à vida.
Alguns insetos metabolizam o mercúrio metálico em dimetilmercúrio, o qual é altamente tóxico para os seres vivos. Como esses insetos fazem parte da cadeia alimentar, o mercúrio orgânico acaba por ser ingerido pelo ser humano.
O mercúrio vaporizado ao ser inalado também é altamente tóxico. O mercúrio atinge todo o sistema nervoso, podendo levar à perda da coordenação motora, e, se ingerido ou inalado por grávidas, haverá a possibilidade de geração de fetos deformados, sem cérebro, etc.[1]
Confira, a seguir, galeria:
É necessária uma ação imediata e permanente para restabelecer o equilíbrio nessas regiões. Legislação adequada, fiscalização, punição de criminosos e gestão cuidadosa dessa gravíssima crise é urgente.
Resolver a crise causada pelo garimpo ilegal é, na verdade, ir muito além da preservação do solo, dos rios, dos animais e do ser humano. É, também, cuidar da nossa rica diversidade étnica, além de respeitar e ser justo com os nossos povos originários, uma extraordinária riqueza que forjou a nossa própria identidade como povo e nação.
Sobre o autor
* Luciano Rezende é professor, médico, ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos (2013-2020) e presidente Conselho Curador FAP/Cidadania.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Nas entrelihas: Geraldo Alckmin e Marina Silva completam Esplanada
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*
O vice-presidente Geraldo Alckmin, no Desenvolvimento, Indústria, Comércio e serviços, e a deputada Marina Silva, no Meio Ambiente, protagonizaram, ontem, as cerimônias de posse mais concorridas da Esplanada, com discursos que apontam para duas prioridades, entre outras: a reindustrialização do país, que perdeu complexidade industrial, e o combate ao desmatamento, um verdadeiro ovo de Colombo do ponto de vista ambiental. Os dois setores estão entre os mais prejudicados pela política econômica do governo Bolsonaro.
Ao lado do presidente Lula, Alckmin fez um longo discurso sobre a situação da estrutura produtiva do país e destacou que “a reindustrialização é essencial para que possa ser retomado o desenvolvimento sustentável e que essa retomada ocorra sob o único prisma que a legitima: o da justiça social”. Para Alckmin, a recriação do ministério foi necessária para “reconstruir o país e retomar o caminho do desenvolvimento”. A novidade na proposta de Alckmin, porém, é compatibilizar a retomada industrial com a economia verde, para que o Brasil possa ser um “grande protagonista do processo de descarbonização da economia global” e possa integrar às cadeias globais de valor com investimentos em inovação e novas tecnologias nas áreas onde pode ter competitividade.
Embora o discurso não agrade setores liberais, que veem na política industrial uma forma indevida de intervenção do Estado na economia, Alckmin tem razão quando afirma que o Brasil não pode prescindir da sua indústria se tiver ambições de alavancar o crescimento econômico e se desenvolver socialmente. “Ou o país retoma a agenda do desenvolvimento industrial, ou não recuperará o caminho de crescimento sustentável, gerador de empregos”, disse.
O papel de Alckmin será decisivo, também, do ponto de vista político, porque o vice-presidente da República sempre teve boas relações com o empresariado, principalmente paulista. De certa forma, seu discurso buscou um ponto de equilíbrio entre a política econômica do governo e o mercado.
Há muita especulação no mercado financeiro em relação à política econômica do governo Lula e ao desalinhamento entre os ministros, que gera mais confusão, como as declarações desastradas do ministro da Previdência, Carlos Lupi, sobre a reforma da Previdência. Alckmin será uma peça-chave na articulação da equipe econômica do governo Lula, que inclui Simone Tebet, no Planejamento, e Carlos Fávaro (PR), na Agricultura, ao atuar como algodão entre os cristais, para que a política a ser adotada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha complementariedade nas demais pastas.
Desmatamento
Outra estrela a tomar posse foi Marina, que assumiu o Ministério do Meio Ambiente com o propósito de alcançar o desmatamento zero. O impacto que isso pode ter no plano internacional é formidável, porque reduz fortemente a taxa de aquecimento global. É um verdadeiro ovo de Colombo. A primeira-dama Janja acompanhou a posse.
Há razões para otimismo. Com exceção dos últimos quatro anos, nenhum outro país reduziu tanto suas emissões de carbono como o Brasil. Nosso diferencial é a soberania sobre 60% da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Cerca de 44% de nossas emissões de gases de efeito estufa decorrem da mudança de uso da terra, ou seja, o desmatamento, principalmente na Região Amazônica.
É muito mais fácil e barato — portanto, mais eficiente — combater o desmatamento do que alterar a toque de caixa os sistemas de energia, de transporte, de padrão construtivo, de produção de alimentos, embora isso deva ocorrer. O Brasil tem expertise para isso: entre 2004 e 2012, reduziu o desmatamento na Amazônia em 84% e, consequentemente, suas emissões em 67%. A mudança de rumo no ministério, se houver cooperação e coordenação interdisciplinar com outras pastas, como anunciou Marina, pode perfeitamente tornar irrisório o desmatamento e encontrar outras formas de atender às necessidades de 38 milhões de brasileiros na Amazônia, cerca de 12% da população, em condições em geral precárias, que desejam e merecem uma vida mais próspera.
Não adianta isolar e tratar a floresta como um parque intocado. É inviável politicamente e ineficaz. A chave é combinar controle ambiental com repressão às ilegalidades e iniciativas que tornem a floresta em pé mais valiosa para a população local do que sua derrubada, como propôs Marina. Com o governo Lula, tendo Marina à frente da pasta, abre-se a possibilidade de uma nova economia da floresta, gerando produtos e tecnologia. O potencial de descobertas farmacológicas e químicas a partir da biodiversidade também é enorme e pode substituir a pecuária de baixa produtividade e o garimpo ilegal.
Relator da ONU falará ao Senado nesta terça (22) sobre "Pacote do Veneno"
Cristiane Sampaio | Brasil de Fato
O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Tóxicos e Direitos Humanos, Marcos A. Orellana, falará ao Senado na próxima terça-feira (22) durante audiência pública sobre o "PL do Veneno". O emissário foi convidado pelos parlamentares da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), onde tramita atualmente o Projeto de Lei (PL) 1459/2022.
A proposta, que modifica o marco legal sobre pesticidas no Brasil e facilita o registro desse tipo de produto, está sob a alçada do Senado desde junho deste ano, após aprovação na Câmara dos Deputados.
O texto tem alta impopularidade, especialmente entre segmentos do campo, ambientalistas e outros especialistas que alertam para os riscos do consumo de agrotóxicos. A proposta figura entre os destaques da agenda defendida pela bancada ruralista e é de autoria do ex-senador e ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, filiado ao PP, um dos expoentes da elite agrária nacional.
A audiência do dia 22 foi solicitada pelos senadores Paulo Rocha (PT - PA), Zenaide Maia (Pros-RN), Jean Paul Prates (PT-RN), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Dário Berger (PSB-SC) e Acir Gurgacz (PDT-RO). O evento deve contar também com a presença de representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Agricultura (Mapa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O agendamento da sessão tem como pano de fundo o ímpeto da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que tenta fazer o PL avançar na Casa, e também as manifestações já feitas pela ONU a respeito do tema. Em junho deste ano, por exemplo, uma nota de especialistas do organismo chegou a pedir ao Senado que rejeitasse o PL 1459.
O grupo destacou, na ocasião, que a eventual aprovação seria um retrocesso ambiental no país, que já vem acumulando uma série de problemas na área de meio ambiente, especialmente nos últimos quatro anos. Entre outras pontos, a ONU afirmou, no documento, que é falsa a ideia de que a adoção de agrotóxicos seja necessária à alimentação do planeta.
O relator
Dedicado ao tema das consequências causadas pela gestão ambientalmente correta e pelo descarte de substâncias e resíduos perigosos, Marcos A. Orellana tem atuação focada na área de direitos humanos. A expectativa é de que, ao participar da audiência, ele aponte aspectos que permeiam a utilização de agrotóxicos, como é o caso do risco que oferecem para o lençol freático, a produção de alimentos saudáveis e as comunidades que vivem no seu entorno.
O relator já se pronunciou criticamente a respeito do assunto em outros momentos. Em entrevista concedida ao Brasil de Fato em junho deste ano, ele destacou, por exemplo, que o "Pacote do Veneno" pode se tornar uma das legislações mais permissivas do mundo aos agrotóxicos, qna comparação do Brasil com os demais membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
"Não há dúvida de que foi feito sob medida para os interesses de um poderoso lobby agroindustrial, em detrimento dos direitos básicos de todos à saúde, à integridade física e ao meio ambiente saudável", afirmou Orellana.
Edição: Thalita Pires
Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato
Macron apoia proposta de Lula de realizar COP na Amazônia
DW Made for Minds*
O presidente francês, Emmanuel Macron, apoiou nesta quinta-feira (17/11) a proposta do presidente brasileiro eleito Luiz Inácio Lula da Silva de realizar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025 na Amazônia.
"Gostaria imensamenente que pudéssemos ter uma COP na Amazônia, portanto apoio totalmente essa iniciativa de Lula", disse Macron, em viagem a Bangkok para uma cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC, na sigla em inglês).
"Apoio o retorno do Brasil a uma estratégia amazônica. Precisamos disso", acrescentou.
"A França é uma potência indo-pacífica e uma potência amazônica. A maior fronteira externa da França e da Europa é a fronteira de nossa Guiana com o Brasil", disse Macron.
Lula: oportunidade para o mundo conhecer a Amazônia
Durante a COP27, realizada atualmente no Egito, Lula expressou nesta quarta-feira a vontade de que a COP30 seja sediada por um estado da Amazônia, ecossistema essencial para o equilíbrio do clima global.
"Seremos cada vez mais afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da economia global", discursou Lula, reafirmando que a conferência seria a oportunidade de o mundo conhecer de perto esse bioma que seu governo promete proteger.
Em sua fala de aproximadamente meia hora, o presidente eleito repetiu para a audiência internacional a promessa de colocar o combate à crise climática no topo da agenda. A mensagem frisada é a de que o Brasil "está de volta" e que o isolamento internacional provocado por Jair Bolsonaro chegou ao fim.
O Brasil deveria ter sediado a COP25, em 2019, mas o governo Bolsonaro, então recém-eleito e em transição, retirou a oferta, alegando restrições orçamentárias.
Reaproximação entre Brasil e França
A vitória eleitoral de Lula no mês passado abriu caminho para uma aproximação entre Paris e Brasília, após relações tensas sob Bolsonaro.
Uma violenta polêmica estremeceu as relações entre Bolsonaro e Macron em 2019, em meio a incêndios florestais na Amazônia, cujo desmatamento aumentou acentuadamente sob Bolsonaro. Em meio a troca de farpas, o presidente ultradireitista brasileiro chegou a criticar Brigitte Macron, esposa do presidente francês, por seu aspecto físico.
Em telefonema com Lula após ao segundo turno, Macron afirmou que a eleição do petista é "uma excelente notícia" para a França. "Devo dizer que esperava com muita impaciência por este momento para que possamos reativar uma colaboração estratégica à altura de nossa história e dos desafios que temos pela frente", disse Macron, que foi um dos primeiros líderes estrangeiros a parabenizar o petista após a vitória.
Há exatamente um ano, Lula foi recebido por Macron em Paris com honras de chefe de Estado.
Nesta terça-feira, o secretário de Estado francês para Assuntos Europeus, Laurence Boone, afirmou que Paris vê o Brasil como um "parceiro essencial na América Latina".
lf (AFP, DW)
*Texto publicado originalmente no site DW Made for Minds
Boicote ao Fundo Amazônia foi "opção política" da gestão Bolsonaro
Nara Lacerda*, Brasil de Fato
O Brasil tem mais de R$ 3 bilhões de reais parados no Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), que deveriam ser destinados à preservação da floresta amazônica, mas foram desprezados pela gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Ao decidir que não iria cumprir as regras para uso dos recursos do Fundo Amazônia, o governo de extrema direita mandava um recado para a comunidade internacional: o país estava fora dos debates globais sobre preservação ambiental.
Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a coordenadora de Política e Direito Socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, afirma que o boicote foi uma "opção política".
Em 2019, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu os dois comitês responsáveis pela gestão dos recursos. A formação dos grupos, que atuam no controle e na aplicação do dinheiro, é uma obrigação contratual. Sem eles, o fundo deixa de existir.
"Nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês. Foi uma opção política não utilizar esse recurso. Esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável. O governo não conseguiria utilizar esse recurso para outros fins. Então, ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia."
O descumprimento das condições exigidas pelos países financiadores do fundo sabotou um mecanismo importante e estremeceu as relações com outras nações. O estrago foi considerável, porque o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para políticas ambientais.
"Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro. Isso é tão reconhecido internacionalmente, que já no processo eleitoral havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias."
Na semana seguinte à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, Alemanha e Noruega – os dois financiadores do fundo – declararam que vão retomar o aporte de recursos para preservação da Amazônia.
Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal retome o mecanismo e recomponha os comitês responsáveis pela gestão dos recursos.
Enquanto o Fundo Amazônia estava parado, as taxas de desmatamento aumentaram em todos os biomas, principalmente na Amazônia. A devastação este ano já é 33% maior do que tudo o que foi registrado em 2021.
Confira abaixo entrevista completa.
Brasil de Fato: O que o Fundo Amazônia representa para a política de preservação ambiental no Brasil?
Adriana Ramos: O Fundo Amazônia foi criado para que o BNDES recebesse um recurso que foi, na época, destinado pelo governo norueguês. Depois teve um aporte também do governo alemão, reconhecendo os esforços na redução do desmatamento, que aconteceu exatamente a partir do primeiro mantado do governo Lula e até o início do primeiro mandato do governo Dilma.
O Brasil foi um dos países que mais reduziu emissões de gases que causam o efeito estufa com a redução do desmatamento. Nesse sentido, se qualificou como país que poderia receber recursos para investimentos nessa área. Como um pagamento por resultados que já tinham sido alcançados pelo governo brasileiro.
Esse fundo é administrado pelo BNDES, mas conta com dois comitês. O primeiro é um comitê técnico que atesta as taxas de desmatamento que estão sendo alcançadas no país para sinalizar quanto o país tem de resultados a aferir financeiramente.
O outro comitê é o comitê orientador do Fundo Amazônia, criado para reunir parte do governo federal, os governos estaduais da Amazônia e a sociedade civil, para discutir as grandes diretrizes de investimentos do fundo. Quais são as áreas que deveriam ser privilegiadas, como os projetos poderiam acontecer e poder ajudar o fundo a direcionar esforços para manter as políticas e ações que ajudam o desmatamento a ficar baixo.
Essa foi a lógica do fundo. Ele funcionou por praticamente dez ano, com muitas dificuldades já nos últimos tempos, em função dessa disputa muito grande de vários setores, como o agronegócio e a mineração, com pressão sobre a floresta.
Obviamente o fundo cumpre um papel fundamental, mas ele sozinho não dá conta do recado. Ele precisa estar ancorado em uma política. Ele foi criado no âmbito de prevenção e combate ao desmatamento, mas a desmobilização desse plano também afetou o fundo. Tendo em vista que não há esforço de investimento suficiente que resista a baixa aplicação da legislação e uma certa leniência com a ilegalidade, que nós vimos nos últimos quatro anos
Como ocorreu a extinção do Fundo Amazônia?
O que temos que entender é que nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês, que eram uma condição contratual dos financiadores pra utilização dos recursos.
Mais de R$ 3 bilhões estão parados nas contas do BNDES desde o início do governo Bolsonaro. Foi uma opção política do governo Bolsonaro não utilizar esse recurso. Porque esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável.
O governo não conseguiria utilizar esse recursos para outros fins, então ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia.
O que aconteceu quando o fundo foi criado é que o contrato dos doadores com o BNDES tem as chamadas salvaguardas, exatamente para não permitir que o dinheiro seja usado para qualquer coisa. Uma delas é a existência desses comitês com a participação da sociedade.
Esses comitês é que definem as prioridades onde o recurso pode ser utilizado. Ao editar uma medida que cancelava o funcionamento desses comitês, o governo fez a opção por não utilizar o recurso.
Talvez eles tivessem a expectativa de que sem os comitês eles poderiam destinar o dinheiro como quisessem. É aí que essas medidas aparecem como salvaguardas, porque foram feitas exatamente para salvaguardar o interesse público diante de algum interesse específico que não fosse adequado aos objetivos do fundo. Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro.
Isso é tão reconhecido internacionalmente que no processo eleitoral já havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias. Agora de qualquer maneira, porque a decisão do Supremo Tribunal Federal manda o governo, seja lá qual for, recompor essas instância.
Os doadores foram além, os resultados das eleições fizeram com que eles sinalizassem a vontade de continuar apoiando o fundo, além desse recurso que já está lá. O que é uma ótima notícia, porque a verdade é que o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para fazer suas políticas ambientais avançarem e, cada vez mais, vamos precisar disso.
Como é possível recuperar esse prejuízo de quatro anos?
Tem muita coisa para fazer. Eu acho que esse primeiro anúncio mostra que o presidente Lula ainda está na memória dos demais dirigentes como o presidente que mais reduziu o desmatamento no Brasil.
O fato de ele ter ao lado dele, nessa campanha de segundo turno, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, trazendo uma proposta que deu mais consistência à agenda ambiental no programa de governo, também é uma sinalização muito objetiva para quem já teve oportunidade de ver que essas pessoas juntas conseguiram fazer a diferença.
Agora, o desmonte é muito grande. Há centenas de medidas revogadas ou editadas que precisam ser revistas, porque todas as estruturas do sistema nacional do meio ambiente e do Ministério do Meio Ambiente foram alteradas.
O Observatório do Clima fez um mapeamento, no âmbito do projeto Brasil 2045, um mapeamento das políticas e das normas que precisam ser revistas. O grupo do Instituto Talanoa, Política por Inteiro, também produziu um material nesse sentido.
Então tem tudo muito sistematizado. São mudanças que vamos precisar que sejam feitas imediatamente, assim como a recomposição das instâncias do comitê do Fundo Amazônia, a recomposição da participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), todas as estruturas dos procedimentos de fiscalização e aferição de multas de crimes ambientais, que foram totalmente alteradas para beneficiar aqueles que estavam atuando de forma irregular.
Temos muita coisa que precisa ser refeita e estruturalmente, para que se possa começar a trabalhar no desenvolvimento de novas políticas.
O governo eleito de Lula sinaliza para a possibilidade de derrubar as medidas da gestão atual que representaram desmonte. No chamado revogaço prometido por Lula, quais são os pontos mais urgentes para o meio ambiente?
É muita coisa e muita coisa que é norma infralegal. Portarias, instruções normativas, que organizavam como uma burocracia funcionava e que foram alteradas.
Temos um exemplo no processo de fiscalização. O fiscal vai a campo, autua alguém que ele encontrou agindo de forma irregular e, na área ambiental, foi estabelecido um procedimento de que essa multa, antes de entrar no sistema direto do fiscal, ela tem uma verificação em uma instância acima do fiscal, que seria uma instância política para verificar se aquela multa vai adiante ou não.
Pequenas coisas que fazem muita diferença no sistema como um todo. Foi esse pente fino que as organizações ajudaram a fazer para poder identificar. Então são muitas medidas. Essa eu acho que ela é muito simbólica porque ela mostra como, ao alterar uma rotina de trabalho da fiscalização ambiental, você diminui a responsabilização por aqueles que agem na ilegalidade. Vai diminuir a forma de cobrar multa.
Tivemos, por conta dessas mudanças recentemente, muitas multas que estavam para expirar o prazo e aí é o poder público que perde. É o interesse público que perde quando você abre mão dessa cobrança.
Existem várias instâncias de conselhos que são importantes para definir como a política vai avançar. Medidas que revogaram essas instituições precisam ser revogadas para que as normas voltem a valer.
São coisas que mexem no dia a dia dos órgãos até grandes decisões, como as decisões no caso do Conama. Como você definir o que vai ser regulamentado no âmbito do Conselho, fortalecendo a instância de participação como a instância prioritária da política ambiental.
Já temos, inclusive, uma grande mobilização da sociedade civil. Nesta semana saiu uma carta do pessoal que trabalha com a Rede Brasileira de Educação Ambiental, pedindo a retomada de uma política nacional de educação ambiental. Existe uma legislação, mas foi tudo desmontado também. Tem várias áreas do governo em que isso vai precisar ser refeito.
Quais são as expectativas para a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27) e para a participação do presidente eleito no encontro?
O Brasil já vinha sendo representado só pela sociedade civil, com o governo não fazendo questão de se colocar nesse debate, e esse anúncio da ida do Lula gerou muita expectativa. Porque essa é uma COP que discute muito mais implementação do que grandes acordos. Os parâmetros dos acordos da convenção estão mais ou menos dados.
Então, para uma COP que vai discutir implementação, é animador que o país que detém a maior área de floresta tropical - portanto, uma área sensível e relevante para a agenda climática - esteja chegando com uma nova abordagem, com um novo governo e com um compromisso já anunciado pelo presidente Lula de implementação de políticas que são centrais no combate ao desmatamento.
É o caso da retomada da demarcação das terras indígenas, dos territórios, que são elementos centrais em qualquer estratégia de um país como o Brasil para lidar com essa questão. Então, é claro que o mundo se anima com a perspectiva de ter um ator importante nessa conversa, que é o Brasil, se colocando em outro patamar.
Obviamente vai ser uma coisa meio maluca, porque você vai ter a presença de um governo esvaziado e uma presença, que ainda não é governo, ainda é sociedade, mas que obviamente vai ter muito mais o que dizer do ponto de vista de compromissos futuros.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Noruega anuncia que vai desbloquear Fundo Amazônia após vitória de Lula
Redação | Deutsche Welle
Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência do Brasil, a Noruega afirmou nesta segunda-feira (31/10) que irá reativar o Fundo Amazônia, que foi suspenso pelo país em 2019, depois do aumento no desmatamento e de mudanças promovidas no governo do presidente Jair Bolsonaro.
"Tivemos uma colaboração muito boa e próxima com o governo antes de Bolsonaro, e o desmatamento no Brasil caiu muito sob a presidência de Lula. Depois tivemos a colisão frontal com Bolsonaro, cuja abordagem era diametralmente oposta em termos de desmatamento", explicou o ministro norueguês do Meio Ambiente, Espen Barth Eide.
A Noruega era a maior doadora do fundo, tendo, entre 2008 e 2018, repassado 1,2 bilhão de dólares para a iniciativa, que paga para o Brasil prevenir, monitorar e combater o desmatamento. A Alemanha era o segundo maior doador e também suspendeu os repasses.
Sob o governo de extrema direita de Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia cresceu 70%, um nível que Eide descreveu como "escandaloso". Ele destacou ainda que a Noruega considerou a ênfase dada por Lula à proteção da floresta e dos povos indígenas.
Segundo o ministro norueguês, o fundo tem hoje cerca de R$ 2,5 bilhões não utilizados. Ele anunciou que pretende entrar em contato com a equipe de Lula o mais rapidamente possível para preparar a retomada da cooperação.
Fundo está paralisado desde agosto de 2019
A Noruega suspendeu os repasses à iniciativa em agosto de 2019, após o governo Bolsonaro extinguir unilateralmente dois comitês que eram responsáveis pela gestão do fundo, rompendo o acordo entre os países que definia as regras do projeto. A verba era administrada por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do BNDES.
O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez na ocasião críticas à gestão do fundo e acusações genéricas de irregularidades em organizações não-governamentais, rechaçadas pela Noruega. Salles também desejava usar parte dos recursos para indenizar proprietários que vivem em áreas incluídas em unidades de conservação da Amazônia, o que hoje não é permitido.
A interrupção dos repasses ocorreu em meio à alta do desmatamento da Amazônia, que o governo norueguês entendeu como falta de interesse de Brasília em conter o desmate ilegal da floresta.
Planos para o futuro do fundo
Se o Fundo Amazônia for retomado, as verbas poderiam ser usadas para restaurar estruturas de governança ambiental enfraquecidas durante o governo Bolsonaro, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, que representa 65 organizações não-governamentais ambientalistas do Brasil.
Por exemplo, "o dinheiro deveria ser usado para financiar operações de campo das polícias local e federal para combater crimes ambientais", como a mineração ilegal e o corte de madeira, disse Astrini.
Em seguindo, as transferências de recursos para o fundo devem voltar a ser vinculadas aos resultados apresentados pelo Brasil no combate ao desmatamento, para funcionarem como incentivo para proteger a Amazônia, afirmou Anders Haug Larsen, chefe de políticas públicas da organização Rainforest Foundation Norway.
Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato
Nota do Cimi: impedir a reeleição do atual presidente é tarefa histórica de quem defende a democracia e a diversidade
Conselho Indigenista Missionário
“Já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo”
Laudato Si’, 160
O Brasil vive um momento histórico decisivo. As eleições presidenciais de 2022 serão cruciais não só para a democracia brasileira, mas para o futuro da vida no planeta e da própria humanidade. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) soma-se às pessoas que lutam pela construção de uma alternativa ao presente governo e pela defesa de uma sociedade mais justa, igualitária e plural, calcada no pacto constitucional estabelecido em 1988.
Os últimos quatro anos foram marcados pela erosão democrática e pelo desmonte das instituições do Estado brasileiro, alvos dos ataques constantes do atual governo. Esses ataques atingiram especialmente os grupos sociais minoritários e em situação de maior vulnerabilidade, e ficaram ainda mais evidentes durante a desastrosa gestão da pandemia, que custou ao nosso país quase 700 mil vidas.
Os povos indígenas também têm vivenciado, sob a gestão do presente governo federal, um contexto inédito de ataques contra seus direitos constitucionais, seus territórios e sua própria existência. Desde a campanha presidencial de 2018, quando prometeu não demarcar “nenhum centímetro” de terra aos povos originários, o atual mandatário fez da postura anti-indígena uma de suas marcas.
Na presidência, apresentou projetos legislativos e editou medidas infralegais que buscaram inviabilizar o reconhecimento dos territórios tradicionais indígenas e entregar as terras já demarcadas a grandes empresas, latifundiários e invasores. A atual gestão do governo federal desmontou mecanismos de proteção territorial, fiscalização ambiental e assistência a comunidades indígenas.
O desvirtuamento a que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi submetida evidencia o verdadeiro sequestro do Estado brasileiro e de suas instituições, que passaram a ser atacadas e corroídas por dentro.
O atual presidente atuou incansavelmente para desconstituir o pacto de 1988 e desmontar os mecanismos de fiscalização de crimes contra os povos e comunidades tradicionais e contra o meio ambiente.
O balanço desastroso dos últimos quatro anos é evidenciado pelo relatório anual em que o Cimi compila as violências contra os povos indígenas no Brasil – e que registrou, neste período, um aumento vertiginoso de ataques, invasões e violações diversas dos direitos destes povos.
Os diversos dados sobre o aumento do desmatamento, das queimadas e do garimpo ilegal, especialmente em biomas como a Amazônia e o Cerrado, corroboram este cenário calamitoso.
Ao longo dos últimos quatro anos, ao invés de atuar como mediador e defensor dos bens públicos de nosso país, o atual presidente usou todos os instrumentos ao seu alcance para entregar o patrimônio dos povos indígenas a grupos de interesse privados – e só não foi mais bem-sucedido em seus intentos porque sofreu reveses judiciais, despertou a reação da sociedade civil e, sobretudo, porque enfrentou a resistência dos povos originários.
Se, por um lado, o atual mandatário já deixou claro em diversas ocasiões seu desprezo pela democracia e pelos direitos constitucionais indígenas, por outro, evidencia a cada passo sua disposição ao golpismo, sua postura autocrática e sua admiração por regimes autoritários.
O Cimi, fundado há 50 anos em meio à resistência contra a Ditadura Militar, a repressão e a censura, faz coro aos que repudiam o atual governo federal e defendem a democracia e a liberdade.
Respeitar estes valores significa respeitar, especialmente, o direito à diversidade dos povos que vivem e são parte fundamental do que é o Brasil. Por tudo isso, o Cimi se soma aos que acreditam que, em 2022, a esperança deve vencer o medo e a tirania.
Conselho Indigenista Missionário
Brasília (DF), 26 de outubro de 2022
Nota publicada originalmente no portal CIMI
Alertas de desmate na Amazônia são recorde para setembro
Made for minds*
Alta é a maior da série de medições do Inpe iniciada em 2015. Cifra representa crescimento de 47,7% em relação a setembro de 2021 e quase equivale ao tamanho da cidade de São Paulo
Os alertas de desmatamento na Amazônia em setembro foram os mais altos para esse mês na série histórica iniciada em 2015, de acordo com os dados, divulgados nesta sexta-feira (07/10), do monitoramento por satélite do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O acumulado de alertas de desmatamento em setembro foi de 1.455 km², quase a área da cidade de São Paulo. Em relação ao mesmo mês de 2021, houve crescimento de 47,7%. A cifra é ligeiramente maior que o recorde anterior, de setembro de 2019 (1.454 km²), durante o primeiro ano do governo Bolsonaro.
De acordo com o Observatório do Clima, essa devastação pode ter emitido 70 milhões de toneladas de gás carbônico, o equivalente ao que um país como a Áustria emite num ano inteiro.
Com três meses restantes, o desmatamento acumulado para 2022 já superou o registrado de janeiro a dezembro de 2021. As áreas de alerta de desmatamento já somam 8.590 km², cifra 4,5% superior a todos os alertas do ano anterior.
Queimadas
O Inpe também divulgou que o número de queimadas registradas no bioma em setembro foi de 41.282, o maior desde 2010. Na comparação com o mesmo mês de 2021, o crescimento foi de 147%. Ainda no nono do ano corrente, a cifra de 82.872 queimadas já supera o total de 2021, que foi de 75.090.
O Deter produz sinais diários de alteração na cobertura florestal para áreas maiores que 3 hectares (0,03 km²), tanto para áreas já desmatadas como para regiões em processo de degradação florestal.
O Deter não é o dado oficial de desmatamento, mas alerta sobre onde o problema está acontecendo. A medição oficial, feita pelo sistema Prodes, costuma superar os alertas sinalizados pelo Deter.
Texto publicado originalmente no Made for minds.
Revista online | “Brasil precisa de choque para economia de carbono neutro”
O historiador Jorge Caldeira, que também é escritor, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), diz que o país tem uma oportunidade maior do que a descoberta do ouro no século XVII para se desenvolver: ingressar na economia de carbono neutro. Segundo ele, o estímulo à plantação de árvores é a saída mais viável para esse objetivo.
Caldeira é o entrevistado especial desta revista Política Democrática online de setembro (47ª edição). Autor de dezenas de livros, como Brasil: Paraíso restaurável e História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos, ele diz que o país reduzirá à metade as emissões de carbono, se parar de desflorestar a Amazônia.
Segundo o escritor, que também é sócio fundador e diretor da editora Mameluco, “a passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento” no país e no mundo. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Política Democrática (PD): O senhor vê como viável o Brasil assumir o projeto de carbono neutro?
Jorge Caldeira (JC): O Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) é o fracasso que dura até hoje. Até então, o Brasil tinha a economia que mais havia crescido no mundo nos últimos 80 anos. O PIB absoluto do Brasil era maior do que o da China. Então, os 50 anos de fracasso do planejamento levaram à situação em que estamos. Nos planos eleitorais, continua o debate como se o planejamento de desenvolvimento do Brasil fosse ainda o modelo dos anos 1970. De lá para cá, o Brasil perdeu a globalização fase um, que são cadeias produtivas, trocas, comércio internacional crescendo acima da média nos mercados internos. Então, o Brasil se fechou, perdeu esse pedaço. O país tem uma segunda chance agora, que é transformar economia de carbono neutro, cujo preço central não existia na economia tradicional. É o preço do carbono. Era a natureza até bem pouco tempo atrás. A mudança climática transformou em bem escasso a temperatura regulada na vida da Terra e criou um mercado de carbono, que existe no planeta inteiro e tem um preço. Quem emite carbono, portanto, queima combustível fóssil, floresta e paga. Quem fixa carbono recebe. Portanto, não é só um preço. São fluxos de renda, emprego, trabalho, progresso. O Brasil está fora dessa economia porque não se planeja. Esse mercado movimentou, em 2020, US$ 280 bilhões no planeta, o que é quatro vezes o total da exportação do agro brasileiro. O planejamento econômico do Brasil não é feito para que o país esteja nesse mercado por falta de meta de carbono neutro para determinada data. O primeiro ente político a adotar o carbono neutro como meta foi a União Europeia, em dezembro de 2019. Mas, ao longo de 2020, entraram China, Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, as grandes economias do planeta. Hoje o planejamento estratégico delas é feito em referência ao carbono neutro. Os incentivos econômicos para o desenvolvimento, progresso, emprego e renda são dados em função disso, que leva muito mais longe do que as pessoas imaginam. A União Europeia atrelou todo o dinheiro de recuperação da Covid à meta de carbono. A Air France, que é uma companhia aérea francesa, pediu 7 bilhões de euros para sobreviver na pandemia, em troca de se adequar a uma meta de carbono zero em 2050. Isso, que já é realidade de planejamento econômico, estratégico e, especialmente, de mercado nas economias centrais, é absolutamente marginal na vida brasileira. O Brasil, que tem 8% do território planetário, pode ficar perto de 35% a 40% de todo o carbono do planeta. Portanto, é a economia para a qual, obrigatoriamente, deve se dirigir todo o investimento em fixação de carbono e combate ao aquecimento global. Qual é o método para se fazer isso? O que o Brasil precisa para chegar lá? O país é o quinto maior emissor de carbono do planeta. Metade das emissões brasileiras é relacionada à derrubada e queimada de árvores, o que é considerado duplamente na conta de carbono. Se derruba a árvore, você elimina um fixador de carbono. Se queima, você emite. Vai para a conta como emissão de carbono. Se parar de desflorestar a Amazônia, o Brasil reduzirá à metade as emissões de carbono no país. Além disso, só há um método de fixar carbono razoável a médio prazo: plantar árvores. A árvore, quando cresce, fixa carbono. Então, a pessoa que emite paga para a pessoa que planta, que fixa o carbono. Com essa possibilidade, a economia brasileira tem 35% do mercado mundial de qualquer jeito porque não há outra forma de fazer isso. Brasil, Indonésia e África têm 80% desse mercado. Plantar árvores é o gerador de empregos mais barato que existe. Precisa de uma pessoa por hectare. O Brasil tem 500 milhões de hectares disponíveis para plantar árvores sem mexer na agricultura e na pecuária, nas cidades e nas reservas. Se fosse usar todo esse potencial, precisaria importar gente porque não teria trabalhadores suficientes para tocar o projeto. Semente tem. O investimento é mínimo, e esta é a nova realidade da economia. Planejar estrategicamente o futuro da economia nacional, com geração de emprego e renda, além da reinserção do Brasil na economia mundial, é carbono neutro.
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PD: O senhor reconhece, na nossa história, outros momentos em que o Brasil perdeu oportunidades análogas à da economia verde? Se as perdemos, quais foram os motivos?
JC: O Brasil, em 520 anos de contato com a economia ocidental, aproveitou e perdeu oportunidades. O país não é a potência que mais aproveitou a oportunidade de 500 anos, mas está muito longe de ser um desastre. O Brasil é uma das 15 maiores economias do mundo, mas pode ser facilmente a quarta, quinta, terceira, sem grandes problemas. Há dois momentos em que o país não aproveitou as oportunidades, que são graves. O Brasil, em 1800, era do tamanho dos Estados Unidos. Em 1890, era 15 vezes menor. Então, na época, houve perda de oportunidade muito grande em relação ao padrão da economia que mais crescia no mundo. Essa perda foi, basicamente, por causa do tempo que levamos para lidar com a questão da escravidão. Não apenas a libertação dos escravos, mas a adaptação das instituições brasileiras ao capitalismo, o que começou na República, com direito de propriedade, facilidade de fazer empresa, gasto público decente em educação e saúde. Então, o Brasil criou isso por oportunidades próprias, mas perdeu uma oportunidade gigantesca. Desde os anos 1970, se isolou da globalização. Basicamente, esse foi um ciclo de 50 anos perdidos. A economia de carbono neutro é um ciclo diferente, já que a diferença econômica é carbono, preço e mercado, assim como geração e transferência de riqueza. A institucionalização disso na economia está acontecendo agora no resto do planeta. A oportunidade real, que é maior do que a descoberta do ouro no século XVII, é entrar na economia de carbono neutro.
PD: Quais as maiores restrições que o Brasil enfrentou, ao longo dos 200 anos da Independência, para financiar o desenvolvimento e conseguir produzir ambiente de crescimento sustentável da nossa economia? Essas restrições parecem estar mais agudas ou mais frouxas?
JC: O Brasil levou 16 anos, entre 1890 e 1906, para sair de uma estagnação de sete décadas para ir a uma economia que crescia mais do que a dos Estados Unidos. Mudou-se, basicamente, o enquadramento institucional da movimentação de capitais. Além de todos os males pessoais do domínio de uma pessoa sobre a outra e o preconceito, que dura muitos séculos, as pessoas precisam entender que, na economia da escravidão, o escravo era, também, o principal título financeiro dela. O título de propriedade do escravo era empregado pelo proprietário dele. Então, todo o mercado financeiro, no Império, funcionava em torno do título de propriedade do escravo. Quando se fez a abolição, rasgou-se o título de propriedade. Além de o escravo fisicamente ser libertado, o dono perdeu o título de propriedade, e isso deixou de circular no mercado. Para se manter o título de propriedade do escravo como o principal da economia, foi preciso torná-lo, por meios legais, competitivo, e o jeito que se encontrou de fazer isso, no Império, foi restringir o crédito ao máximo. As políticas econômicas da época eram todas de restrição de crédito, o que permitia que o título de propriedade do escravo ficasse competitivo. Acabou a escravidão. Facilitou-se o crédito, e o capital apareceu a troco de nada. Existe um livro chamado Nature of Capital, que mostra exatamente como que, em São Paulo, se financiou, com pequeno capital, a ferrovia e a acumulação do capital. Os tropeiros de São Paulo conseguiram financiar a sua passagem para a posição de proprietários de ferrovias antes ainda do fim da escravidão, e isso permitiu uma acumulação de capital que, depois, foi aproveitada na economia. Essa história toda eu conto no livro Júlio Mesquita e Seu Tempo, que aborda o período em que a economia brasileira teve um “crescimento chinês”. Mas o Brasil também foi bem, fazendo o contrário, depois dos anos 1930. Como a base do crescimento não eram os pequenos, mas os grandes projetos – siderurgia, eletrificação, petróleo –, precisava ter capital intensivo para isso. Então, a solução brasileira foi juntar esses capitais no estado. Foi muito bom. Funcionou. O PND do Geisel era feito para que as ações fossem cada vez mais assim: o estado junta os capitais e os aplica, e o mercado interno cresce por causa dessa aplicação de capitais. Isso deixou de ser relevante em 1970, mas muita gente continua pensando que o desenvolvimento, no Brasil, é um grande projeto estatal. A boa notícia é que a economia de carbono neutro, especialmente no que se refere à energia, é meio como era a dinâmica no século 19. Nos últimos dois anos, foi instalada, no Brasil, uma Itaipu de energia solar, que representa 10% da produção da energia elétrica no país. É um negócio gigantesco, provavelmente, o maior investimento em energia nos últimos tempos. Basicamente, 700 mil pessoas foram colocadas em pequenas instalações, e alguns poucos produtores fizeram instalações maiores. Mesmo assim, ela tem escala tão pequena que dá para ser financiada privadamente. Não precisa ser grande. Então, isto é outra vantagem na área de energia, especificamente, que o Brasil já tem competitividade por causa da matriz energética mais limpa do planeta. O mundo, em geral, é 80% de fóssil; 20% de renovável. Esse é o padrão mundial das economias industrializadas. O Brasil tem cerca de 55% de fóssil e cerca de 45%, de renovável. Então, para se chegar ao carbono neutro, a energia vai ajudar, mas o mais importante é plantar árvores. O país tem tudo para essa economia dar certo e, inclusive, o fato de ser tudo descentralizado. Já está acontecendo tudo isso sem planejamento. Como financiar? Financia com um ambiente onde muitas pessoas podem financiar o seu projeto, mas precisam ter muito mais do que isso. O ambiente de planejamento, para a economia de carbono neutro, é de muita gente pequena fazendo negócio, empreendendo. Essa é a vocação brasileira sociológica hoje como a principal categoria de emprego e renda. É esta gente que faz a transformação. A passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento. Isto é central porque ela não precisa ser feita como ocorreu na passagem da economia escravista para a economia capitalista no tempo da República. O Brasil precisa ter planejamento. Emitiu-se US$ 280 bilhões de título para fixar carbono, mas levou quase zero disso. É preciso instruir os pequenos proprietários para juntarem provas de que estão plantando. Se planta um hectare de floresta, ganha-se um dinheirinho. Se cinco milhões de proprietários fizerem isso em um hectare, o Brasil quintuplicará a capacidade de refazer mata nativa em um ano. Na Amazônia, tem 15 milhões de hectares nas mãos de sem-terra, que se tornaram proprietários e tiveram que desmatar porque não sabiam fazer cultura. Se pagar para plantar, haverá 15 milhões de empregos com um emprego por hectare dentro da Amazônia. Isso é 2% da área da Amazônia. O que falta para o contrato de fixação de carbono é a segurança: a pessoa que põe o dinheiro para financiar um hectare de floresta precisa ter certeza de que o dinheiro foi aplicado em um hectare de floresta como mostra a própria foto de satélite.
PD: O senhor acredita que falta cultura de patente ou algum tipo de institucionalidade do Estado, um plano de país voltado para inovação e empreendedorismo, para estimular essas ações?
JC: Se você comparar as categorias básicas do Censo do século XVIII, vai ver que o Brasil, em 1800, era uma nação em que nove décimos das unidades produtivas eram pequenas unidades familiares, e um décimo era coisa maior do que isso. Nessas unidades, se fez toda a adaptação, toda a criação econômica e toda a produção, porque estavam no sertão. A visão econômica que se tinha disso, na maneira antiga de historiografia, era de unidades de economia de subsistência, ou seja, que não produziam riquezas e que eram incapazes de acumular capital. Esse conceito de economia de subsistência era usado por economistas conservadores, liberais e da esquerda, que achavam que ali não havia riqueza. Isso foi contemplado nos anos 1970, quando viram que a economia dos índios era capaz de produzir excedente, fazer troca, e, portanto, permitia acumulação. No livro Banqueiro do Sertão, mostro como fazer negócios com índios gerava, dentro da economia brasileira, uma cadeia de acumulação de capital gigantesca. Capital era prata contrabandeada do Peru, em 1600, 1700, antes do ouro. Então, esse padrão não era visto pelo conceito antigo. Hoje, para se explicar como que a economia colonial brasileira chegou a ser do tamanho que a dos Estados Unidos, a razão é simples. O chamado mercado interno que, antigamente, era calculado em peso. A economia informal era a economia. No século XVIII, o padre Guilherme Pompeu de Almeida movia negócios em uma área que ia de Buenos Aires, Potosí, Belém, Salvador, Rio de Janeiro, sem sair de Araçariguama. Ele tinha capital suficiente para fazer isso trocando – ele basicamente fabricava ferro, que era a mercadoria base de troca com os índios. Trocava, fornecia esse ferro, por algodão, madeira, farinha. Vendia isso e acumulava prata nas trocas, que também fornecia para as áreas. Havia grande capacidade empreendedora, mas a economia formal brasileira era realmente pobre para lidar com isso. O que a República fez, e o Brasil precisa fazer agora, é simplesmente diminuir o tamanho do caminho entre economia formal e economia informal para que haja crescimento. Se quiser plantar em cinco milhões de propriedades, você tem que facilitar a vida de cinco milhões de proprietários e fazê-los empregar outras cinco milhões de pessoas que, hoje, estão tudo na informalidade. Vai ter que formalizar para poder prestar conta do contrato de venda de carbono fixado para alguém que veio do exterior. Esta formalização simples permite muito, e o problema do Brasil, para ser uma segunda, primeira economia do mundo, é saber fazer isso direito hoje, o que não é tão difícil. Acho que o que se faz, no país, é vender como não educação o que, na verdade, é cultura e produtividade. Índios sabem reflorestar melhor do que o melhor fazendeiro. Temos que arranjar um jeito também de, nessa economia, chamar um índio para nos ensinar, o que não é feito porque achamos que ele é mal-educado e que nós somos educados. Não é verdade. Todo o Brasil foi feito de adaptação a uma realidade tropical que a Europa desconhecia. Quem se adaptou? Quem conhecia? O índio. Eu sempre dou o exemplo do homem da carrocinha de reciclagem, que é economia circular e a mais moderna que existe. Aquilo lá é trabalho e capital. A carrocinha é capital. Ele é trabalho, e ele, trabalhando, enche a carrocinha, que é capital, e faz renda. Ele não tem emprego. Ele não está no mundo formal, mas ele é, tecnicamente, um empreendedor, uma mistura de trabalho e capital. Para a nossa sorte, a população pobre do Brasil tem esta característica essencial, e ela pode ser aproveitada.
PD: O Brasil já foi mais ou menos inovador, mais ou menos capitalista, o capitalismo chegou à base?
JC: Há uma diferença entre empreendedor e capitalismo. Capitalismo é trabalho assalariado, basicamente. Então, você precisa ter acumulação suficiente de empreendedores para que chegue a uma empresa capitalista. Isso depende de condições institucionais. No Brasil, não é muito bom porque mantém, na informalidade, a população empreendedora, e o país não é muito bom de formalizar a acumulação de capital do informal para o formal. Só foi bom no período do começo da República. Rui Barbosa, em 17 de janeiro de 1890, baixou um decreto cujo artigo primeiro libera a organização de empresas, no Brasil, bastando registrá-las na junta comercial. Até então, para você organizar uma sociedade anônima no Brasil, precisava juntar as pessoas, fazer o estatuto da empresa, levantar 10% do capital e, quando isso estava pronto, depositava o capital no banco. Mandava a papelada para o Conselho de Estado, que era órgão assessor do poder moderador na Corte do Rio de Janeiro e levava um ou dois anos para autorizar a empresa a funcionar, ou não, dependendo de várias questões, inclusive, saber se a finalidade daquele negócio era lícita ou ilícita do ponto de vista moral. Evidentemente que o Império e eles se orgulhavam que tinham 89 sociedades anônimas em todo o Brasil em 1889, enquanto, na Inglaterra, havia 10 mil. Com o decreto de Rui Barbosa, só no ano da assinatura e apenas na cidade de São Paulo, se fizeram 210 sociedades anônimas. Então, a restrição não é capacidade. Não havia capacidade empreendedora. Não era capital. Não era nada. Era regulação. A regulação era ruim. O Brasil precisa de um choque dessa espécie hoje para entrar na economia de carbono neutro, que é como fazer alguém que tenha um hectare plantar árvore nesse hectare de maneira decente. O Brasil não recebe dinheiro porque isso não está feito. O resto do planeta não tem terra, não tem lugar para pôr árvores, não tem água, não tem nada. Aqui, no Brasil, o problema é que a lei não deixa.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
PD: O Brasil tem eleição desde 1560. Se há um povo, no mundo, que não pode dizer que não sabe votar, é o Brasileiro porque teve chance de aprender na terra de José Bonifácio que, depois, gerou Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas, Marcos Maciel. Por que a política se degradou tanto no Brasil ultimamente e o que devemos fazer para sair disso?
JC: Em uma economia em declínio, é difícil que apareça gente otimista e capaz de olhar um futuro bom. A tendência é ficar tentando repetir a fórmula que nos levou ao sucesso lá no passado e não ficar enxergando o que mudou e porque temos que fazer diferente. Então, uma das coisas que me preocupa muito na eleição atual é que o grande ambiente e as grandes categorias de debate intelectual estão no mundo da Guerra Fria. O modelo de muito sucesso demora muito para morrer mentalmente. Ficam tentando repetir, insistindo no que já foi e que não é mais. Quanto mais você fizer isso, pior fica a sua situação, e isso pode ir muito longe. Há nações onde essa situação, às vezes, passa a um declínio, a decadência ou a cenários muito complicados sem que se saia dessa disfunção. É como um filme em que você volta todo dia para o mesmo dia. Isso está acontecendo, em alguma medida, no Brasil. A nossa sorte é que um resto de outras coisas funciona. O Brasil tem conexões com o resto do mundo e, no que interessa, é o potencial para a economia de carbono neutro. Então, o mundo vai nos olhar. Vai ser difícil escapar dessa. Por bem ou por mal, o Brasil vai ter que se adaptar a isso. Isso é, mais ou menos, quando você tem esse tipo de clima, é mais ou menos o que aconteceu no fim do Império com a abolição. Todo o mundo que tinha o mínimo de visão de futuro dizia “temos que fazer abolição porque isso aqui não tem futuro”. Em 1800, quando fizeram as instituições brasileiras para proteger a escravidão, ninguém tinha alternativa para ela. Em 1850, em uma hora, já havia alternativas para ela. Em 1880, aquilo era um atraso monumental, e os escravistas diziam que, se houvesse abolição, faltariam braços para o trabalho porque ninguém quer ser escravo, mas os braços para o trabalho livre sobravam. Então, o Brasil está olhando o mundo um pouco como era no fim do Império, com lentes do passado, da Guerra Fria, de projetos econômicos que já não tem mais sentido porque ninguém vai fazer um poço de petróleo. Esquece. Não tem futuro. É economia morta. O equivalente à defesa do trabalho escravo no tempo do Império é o negacionismo de hoje: negar que não existe uma economia nova nascendo. Mas a economia existe. Então, não tem como escapar disso. A elite brasileira tem muita dificuldade de olhar uma economia com os princípios da economia de carbono neutro. No entanto, o pequeno empresário enxerga isso muito mais depressa que o grande. Por isso que a mudança está acontecendo embaixo. No caso da energia solar, qualquer dono de casa faz a conta e fala: se colocar uma placa solar aqui, pago essa placa solar só na conta de luz em 12, 16, 24 ou 36 meses. É assim que está sendo feito, apesar de não ter plano nacional para a transição à energia solar. O que era planejamento nos anos 1970 não é planejamento hoje. O que era desenvolvimento econômico não é desenvolvimento econômico hoje. Se não se adaptar a essa mudança, você ficará no tempo passado. A economia do tupinambá é muito mais próxima a dos prêmios Nobel de 2007, 2008, 2010, que foram concedidos a quem lida com a tradição de carbono neutro e a economia circular, e não com a teoria econômica que aplicamos, como a Teoria do Valor, de Karl Marx e do Adam Smith. Isso é uma coisa que pouca gente nota, mas valor em economia, para o Adam Smith ou Marx, é exatamente a mesma definição teórica: o que está na natureza não tem valor, o que só começa na hora em que se arranca a árvore que estava na natureza, porque é trabalho humano, e, com isso, faz-se uma mercadoria. Enquanto ela é útil, tem valor. Quando deixa de ser útil, perde o valor, e você joga fora. É lixo. Então, o ciclo econômico é só entre arrancar da natureza e jogar de volta para a natureza. Por outro lado, o ciclo econômico do cacique e dos economistas é diferente: você tem que produzir, reciclar e produzir de novo para fazer um circuito de produção econômica. Essas mudanças a gente percebe pouco, mas são essenciais no mundo que corre hoje.
Sobre o entrevistado
Jorge Caldeira é escritor, jornalista, historiador e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (47ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
André Eduardo: consultor legislativo do Senado Federal na área de economia e mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).
Benito Salomão: economista chefe da Gladius Research, doutor em economia pelo Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).
Carlos Marchi: jornalista e escritor. Trabalhou no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo, nos principais meios de comunicação do país – Correio da Manhã, Última Hora, O Globo, TV Globo, O Estado de S. Paulo. Paulo. Entre 1984-1985 foi assessor de imprensa na campanha civilista de Tancredo Neves. Foi secretário geral do Sindicato dos Jornalistas do DF (1977-1980) e vice-presidente da Fenaj (1980-1983).
Cleomar Almeida: jornalista, coordenador de Publicações da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e editor da revista Política Democrática online.
Silvio Ribas: jornalista, escritor, consultor em relações institucionais e assessor parlamentar no Senado Federal.
Vinícius Müller: doutor em História Econômica, professor do Insper e membro do Conselho Curador da FAP.
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Dia da Amazônia: floresta foi tema ausente em debate presidencial
Maria Eduarda Portela*, Metrópoles
O Dia da Amazônia é comemorado nesta segunda-feira (5/9) e tem como finalidade conscientizar a população sobre a importância desse bioma, que é um dos principais patrimônios naturais da humanidade. Embora existam diversas campanhas de preservação da floresta, a Amazônia continua sob risco de desmatamento e queimadas.
A conservação e o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica, no entanto, são temas que foram praticamente ignorados durante o debate entre presidenciáveis em 28 de agosto.
O Metrópoles conversou com especialistas sobre a importância de discutir a preservação da Amazônia e a economia verde desenvolvida na região.
Para o doutor em Ecologia e cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, os candidatos só citaram a Amazônia no contexto do desmatamento na região, que é um grande problema, mas deixaram de lado as soluções para outros problemas enfrentados pela floresta.
“Eu espero que, no Dia da Amazônia, a gente tenha muito o que comemorar, mas também muito com o que se preocupar, e que isso reflita nos discursos e nos debates que os candidatos farão, especialmente no tocante ao clima”, declara Moutinho.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, lembra que a proteção da Amazônia atualmente é muito mais discutida, em comparação a eleições anteriores, mas ainda não é o suficiente.
“Ainda é muito pouco, precisamos de muito mais. Mesmo porque, quando falamos sobre clima, a Amazônia é o principal componente de clima no Brasil”, afirma Astrini.
“É uma floresta importantíssima nesse debate e, quando falamos sobre clima, não estamos falando apenas sobre dados científicos, negociações diplomáticas, acordos feitos em Paris. Nós estamos falando sobre a vida das pessoas”, reforça o secretário-executivo do Observatório do Clima.
Desmatamento na Amazônia
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontam que o desmatamento na Amazônia atingiu o maior nível para o mês de agosto nos últimos dez anos. O levantamento mostra que a área desmatada aumentou 7% em relação ao mesmo período do ano passado.
Informações do Imazon apontam que, de agosto de 2021 a julho de 2022, foram derrubadas 10.781 km² de floresta, número equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo.
Para Moutinho, a falta de comprometimento dos governos estaduais, municipais e federal é um dos principais fatores para a alta do desmatamento.
“É um desleixo geral dos estados e dos municípios, que ainda acham que a Floresta Amazônica impede um tal progresso, já instalado em uma grande porção da Amazônia, e não traz duas coisas fundamentais: distribuição de renda e distribuição de terra para as pessoas trabalharem”, declara o cientista sênior do Ipam.
Futuro da Amazônia
Para Moutinho, políticos e candidatos atuais não demonstram muita disposição para discutir uma solução de preservação da Amazônia e o desenvolvimento sustentável de uma maneira mais profunda e de longo prazo.
“Isso é extremamente grave, porque a conservação da Amazônia, o uso sustentável dos seus recursos e a necessidade do fim do desmatamento são questões de segurança nacional”, reforça.
O secretário-executivo do Observatório do Clima declara que é possível reverter a situação atual da Amazônia. Segundo o especialista, nesse intuito, é necessário dar autonomia, novamente, para os órgãos ambientais do governo e resolver o problema de caixa das pastas.
“Portanto, é possível reverter o lastimável quadro atual da agenda ambiental no Brasil, mas é preciso tomar algumas atitudes, revogar muitas normas, implementar outras medidas no lugar do que foi revogado, criar novos atos legais e administrativos”, afirma Astrini.
O Metrópoles procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar as ações do governo federal contra o desmatamento da Amazônia; contudo, não obteve respostas até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
*Texto publicado originalmente em Metrópoles.