Alon Feuerwerker
Alon Feuerwerker: Mais Brasília. Menos Brasil
Há algumas dúvidas sobre o resultado desta eleição municipal. Uma: qual será o desempenho dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro. Outra: em que grau o PT conseguirá se recuperar da dura derrota de 2016, no auge da Lava-Jato. Mais outra: qual será desta vez o fôlego da chamada nova política.
Dúvidas à parte, pelo menos uma coisa é certa desde já. A grande massa dos prefeitos e vereadores eleitos chegarão a janeiro de 2021 abrigados nos partidos do chamado centrão. Ou do centrão formal, estrito senso, ou do centrão ideológico, lato senso. Uso aqui o “ideológico” apesar de parecer uma contradição em termos.
A previsão tem pelo menos três razões objetivas. Os partidos do centrão são em geral legendas médias, dotadas de razoáveis fundo partidário e eleitoral. São também relativamente alheios à recente agudização da polarização político-ideológica, o que os imuniza em algum grau contra ter de carregar fortes rejeições.
A terceira razão, entretanto, é a que pesa mais. Desde quando Jair Bolsonaro ajustou a rota e estabeleceu uma quase tradicional política de alianças no Congresso Nacional, os partidos que lhe ofereceram um colchão de segurança passaram a ter acesso preferencial ao orçamento. Que costuma ser essencial para investimentos na vida dos municípios.
Uma palavra de ordem muito usada na campanha eleitoral bolsonarista foi “Menos Brasília, Mais Brasil”. A descentralização de recursos para fortalecer estados e municípios e diminuir a dependência destes ao governo federal. Seria injusto fazer um diagnóstico definitivo depois de apenas dois anos, mas por enquanto pouco ou nada aconteceu nesse sentido. Ao contrário.
Uma rotina do presidente da República tem sido visitar os estados e municípios para lançar ou inaugurar obras feitas com dinheiro federal e canalizadas para a região por emendas parlamentares da autoria de deputados e senadores que apoiam o governo em Brasília, e por isso têm mais trânsito nos ministérios a quem compete liberar a verba.
É bastante razoável prever que deputados e senadores com mais acesso ao Orçamento Geral da União terão mais facilidade para eleger seus prefeitos e vereadores. Os quais, naturalmente, estarão propensos a apoiar os benfeitores daqui a dois anos. E mantém-se o tradicional sistema de reprodução de poder na República.
Eis por que é devaneio imaginar, como chegaram alguns, anos atrás, a iminência do colapso do que a ciência política apelidou de “peemedebismo”. E que não necessariamente tem a ver com o PMDB. É o predomínio numérico de uma massa de partidos sem capacidade hegemônica mas com suficiente musculatura para impedir qualquer um de governar sem se dobrar a eles.
Como romper a lógica? Um caminho seriam reformas políticas que permitissem ao eleito para o Executivo, nos três níveis, carregar com ele uma maioria parlamentar. Ou seja, pedir ao sistema que cometa haraquiri.
E olhe que não seria difícil encontrar fórmulas. Uma: calcular as cadeiras nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados não pelo voto dado às legendas na eleição parlamentar, mas na eleição de prefeito, governador e presidente.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Salada indigesta
Fora a Covid-19, Bolsonaro já tem bons desafios para abrir 2021
Qualquer um que erre pouco e, portanto, colha sucessos em série corre o risco crescente de alguma hora cometer um erro muito grave. Costuma ser um subproduto da autossuficiência. Será o caso de Jair Bolsonaro se continuar colocando dificuldades no caminho da produção e distribuição em massa por aqui de alguma vacina eficaz contra o SARS-CoV-2.
Imagine o leitor ou leitora uma situação em que a vacinação já tenha começado em diversos lugares do planeta, mas esteja parada aqui devido a questiúnculas políticas.
Um que errava pouco e quando errou decidiu caprichar foi Donald Trump. Só olhar as pesquisas de março para cá. Se Joe Biden ganhar na terça 3, a maior parte da conta irá para o comportamento errático e politicamente primário do incumbente. Que deixou de bandeja para o adversário a defesa da saúde e do bem-estar coletivos.
Trump, a exemplo de Bolsonaro, apostou no ponto futuro. Alguma hora as pessoas passariam a ter mais medo da ruína do que do vírus. Não deixa de fazer sentido. Onde estava o risco maior para Trump? No meio do caminho tinha uma eleição, e era prudente saber como estaria a pandemia na hora de os eleitores saírem para a urna.
Bolsonaro leva algumas vantagens sobre o colega. Duas são as principais. Não enfrenta uma oposição unificada e o mandato dele só estará em jogo daqui a dois anos. Por enquanto, o preço que paga pela imagem de certo desdém diante da vida humana não compromete decisivamente sua musculatura político-eleitoral.
E é altamente provável que em 2022 a Covid-19 já esteja bem mais controlada.
“Se o presidente raciocinar bem, a judicialização da guerra da vacina talvez seja uma solução para ele”
Acontece que, ao contrário de Trump, o presidente brasileiro não tem uma base parlamentar sólida e coesa. Foi o que salvou o americano do impeachment. O risco para Bolsonaro caso mergulhe na impopularidade é bem maior. Os animais selvagens no ecossistema de Brasília têm um faro especialmente aguçado para sentir o cheiro de patos mancos.
Todas as pesquisas mostram que, quando existir uma vacina, a esmagadora maioria da população vai querer se vacinar. Há aqui e ali preferências sobre a nacionalidade do imunizante, mas, na hora do “vamos ver”, o cidadão e a cidadã comuns não ficarão indiferentes a um passaporte para a volta à normalidade no transporte, na escola, no trabalho, no lazer.
Bolsonaro tem mostrado desconforto sobre a possibilidade de a guerra da vacina acabar judicializada. Se raciocinar bem, talvez seja uma solução para o presidente. Ele fica por aí adulando o núcleo mais duro da sua base, enquanto outros resolvem o problema prático, que, se não for resolvido, vai causar grave dor de cabeça ao ocupante do Planalto.
Aconteceu assim com o auxílio emergencial. E, por falar nele, Bolsonaro já tem bons desafios para abrir 2021. O fim do auxílio. A necessidade declarada de cumprir draconianamente o teto de gastos. A sucessão nas presidências da Câmara e do Senado. O rescaldo de um resultado (até agora) não brilhante da eleição municipal. A possível derrota de Trump.
Uma crise com a vacina contra a Covid-19 será um tempero e tanto para essa salada já indigesta.
*Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711
Alon Feuerwerker: Constituinte
O líder do governo na Câmara dos Deputados, pelo visto falando em caráter pessoal, defendeu a ideia de uma Assembleia Constituinte também aqui no Brasil, seguindo o exemplo chileno (leia). Seu argumento é um que vem há tempos: a Carta de 1988 tornou o Brasil ingovernável.
Qualquer um que analisar a situação objetivamente irá concordar com ele. Qualquer governador ou prefeito da oposição irá concordar com ele. Mas a política é mais complexa. Tem certas coisas que podem até ser verdade, mas não convém dizer (leia).
Na prática, a Constituição não existe mais, de tão remendada e reinterpretada. Aliás, remendar e reinterpretar foi só o que se fez desde 1988. Como ninguém tem certeza que bicho sairia da Constituinte, todo mundo em posições de poder (oposição também é posição de poder) prefere ignorar a realidade.
Enquanto isso, na prática já há uma "constituinte" instalada, funcionando a pleno vapor. São os onze ministros do STF. A discussão portanto não é sobre se vai ter ou não uma Assembleia Constituinte, mas quem elege, quem compõe e o que ela decide.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Algumas dúvidas nesta eleição municipal
São elas: 1) Qual o efeito da polêmica das vacinas de Covid-19 no desempenho dos candidatos que mais se identificam com Jair Bolsonaro? 2) Qual o peso real dos padrinhos? 3) Haverá na reta final do primeiro turno alguma onda, e qual seria? 4) Qual será o anti da vez, que rejeição vai prevalecer?
Sobre o primeiro ponto, é razoável projetar que vai ganhar fichas quem for identificado como preocupado em tornar a vacina disponível em massa para a população. Aqui, o governador de São Paulo, João Doria, conseguiu uma pegada no quimono melhor que seu adversário de tatame, o presidente Jair Bolsonaro.
Um segredo da política é nunca desvelar que os interesses mesquinhos estão sempre em primeiro lugar. A sabedoria reside em embalá-los no papel de presente do “interesse público”. Bolsonaro tentou fazer isso com o argumento de que o povo não será cobaia, mas depende de o medo da vacina tornar-se maior que o medo do vírus. Improvável.
Outro problema do governo: a ira do presidente contra o governador de São Paulo terá o efeito colateral de vir a despertar desconfianças sobre uma eventual morosidade da Anvisa na liberação da vacina objeto da polêmica. E isso legitimará ainda mais a provável intervenção do Judiciário, uma instituição já atraída pelos holofotes do ativismo.
Sobre os padrinhos, até agora o peso deles tem se mostrado apenas relativo. Uma hipótese é funcionarem melhor quando há correspondência de cargo. Por exemplo, um prefeito seria mais efetivo como padrinho na própria sucessão do que políticos de outras esferas. Pois a força do apadrinhamento refletiria em algum grau a avaliação da gestão.
O próprio conceito de “padrinho” é duvidoso. Parte da premissa de o eleitor pertencer ao político. Melhor considerar a relação inversa de pertinência. O eleitor na verdade vê o político como um funcionário, e escolhe o que lhe for mais conveniente. Isso vale em toda a escala social. Não pensam assim só os ricos e a classe média. Os pobres também.
E qual será, se houver, a onda no primeiro turno? A “nova política” dá sinais de fadiga, mas nunca é bom subestimar. E a quarta pergunta? O antipetismo anda meio esquecido, até porque o desempenho do PT, como era de esperar, não tem sido até agora dos mais brilhantes. Se esta onda vier, deve vir como antiesquerda, que anda bem pulverizada.
Uma possibilidade é um certo antibolsonarismo, que por enquanto anda de breque de mão puxado. Pois é difícil fazer o casamento do jacaré com a cobra d’água, a junção da esquerda com o pedaço da direita que desgarra do presidente em busca de projetos próprios. Mas é bom ficar de olho.
Quem tem escapado de virar alvo do anti são exatamente a direita que descolou de Bolsonaro e a autonomeada centro-esquerda que descolou do PT para se vacinar contra o antipetismo. São candidatos a boas colheitas.
E uma lembrança: é bom ficar atento a sua excelência, o imprevisível. No nosso modelo eleitoral, raios em céu azul costumam provocar incêndios inesperados. E o imprevisível, não custa repetir, é das coisas mais difíceis de se prever.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: E se der Biden?
A pouco mais de duas semanas para a eleição presidencial nos Estados Unidos, as pesquisas são unânimes ao apontar larga vantagem (em torno de dez pontos percentuais) para o democrata Joe Biden. Mais importante: elas indicam também boa folga para o desafiante sobre o republicano Donald Trump no colégio eleitoral.
Dirão o leitor e a leitora que em 2016 as pesquisas também projetavam isso, e no final deu Trump.
Verdade, mas só até certo ponto. Em primeiro lugar, porque a dianteira de Biden agora é bem maior que a de Hillary Clinton na época. Em segundo, porque as empresas de pesquisa aperfeiçoaram seus métodos. E em terceiro, porque os levantamentos nos estados-chave confirmam até o momento a tendência.
Mas sempre é bom esperar a urna, pois o velho ditado sempre nos lembra que dela pode sair qualquer coisa. De todo modo, diante dos números, é bom começar a especular o que pode mudar para o Brasil, para melhor ou para pior, caso a tendência das pesquisas se confirme e Donald Trump seja mandado de volta para casa, em Nova York ou na Flórida.
As relações especiais entre o Brasil e os Estados Unidos, mais particularmente entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, parecem ser um eixo organizador da atual política exterior brasileira. E desde janeiro de 2019 o Brasil vem abandonando a política externa construída a partir de meados do regime militar, de um certo não-alinhamento.
Os resultados econômicos por enquanto não chegam a ser estimulantes, ao contrário, mas esta parece ser uma preocupação secundária em Brasília. Os aspectos ideológicos e geopolíticos têm falado mais alto. O Brasil vem aceitando sofrer por enquanto nas relações econômicas desde que Trump se reeleja e assim reforce-se o apoio dele por aqui.
O que pode mudar com Biden? Bem, talvez seja precipitação imaginar um confronto aberto e definitivo. Se as relações com os Estados Unidos são importantes para o Brasil, e mais ainda para o atual governo, boas relações com o Brasil também são essenciais para a Casa Branca. Inclusive porque se o Brasil “cuida” das redondezas é um problema a menos para Washington.
E no principal desafio atual para os americanos, a tendência a serem deixados para trás pela China, não consta que Biden vá ser mais, digamos, relaxado. Talvez mudem algumas táticas, mas o objetivo permanecerá. E garantir que o Brasil não seja estimulado a trocar Washington por Beijing nas preferências continuará sendo vital para a potência do norte.
O nó mais complicado talvez esteja mesmo na questão ambiental, em que Biden quererá mostrar serviço para 1) agradar à base e 2) garantir que outros países não se aproveitem de uma eventual rigidez ambiental dos Estados Unidos para ganhar espaço econômico sobre os americanos. Mas será que isso vai ser suficiente para deteriorar as relações com o Brasil?
Improvável. Há um amplo leque de possibilidades intermediárias para um acordo, especialmente porque chegar a um acordo interessará a ambos. E o governo brasileiro, inclusive e antes de tudo Jair Bolsonaro, tem mostrado inusitado apetite por recuos e acordos quando o que está em jogo é a sobrevivência política.
Dificilmente o governo vai dormir no ponto e abrir espaço para que outros, nos mais diversos pontos do espectro político, apresentem-se como mais capazes de bem conduzir as relações por aqui com os Estados Unidos. Inclusive porque não faltam candidatos a desempenhar esse papel na improvável alternativa Jair Bolsonaro desejar abandoná-lo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Um adversário de cada vez
O centro erra ao combater ao mesmo tempo a esquerda e a direita
O movimento do presidente Jair Bolsonaro no sentido de uma composição com o chamado Centrão parlamentar tem algo, sim, de moderação. Mas já foi bem diagnosticado como uma guinada para a preservação do poder. Ele soube detectar de onde vêm as maiores ameaças: daqueles que o ajudaram na eleição, mas a contragosto.
A flexão tática bolsonarista ao dito centro trouxe um efeito colateral interessante, um fenômeno ainda por medir e observar. Um “novo centro” que, paradoxalmente, radicaliza pela direita. Uma reação de parte do bolsonarismo puro e deixado para trás, agora já um quase ex-bolsonarismo, e que tem tudo para se agrupar em torno do ex-ministro Sergio Moro.
Aliás, como era previsível, e foi previsto, ele desponta firme para se viabilizar no arco-íris do autodeclarado centrismo.
Aconteceu algo semelhante com Luiz Inácio Lula da Silva quando precisou se dobrar à realidade da política. Mas com uma diferença. O que espirrou para fora do barco (o PSOL) não tinha então musculatura nem lideranças capazes de fazer o PT sofrer de verdade a curto prazo.
Se juntar Luciano Huck, Sergio Moro e João Doria, algum jogo pode dar. Há a natural dificuldade de fazer dois dos três abrir mão. Até porque o prêmio parece apetitoso: assumir a Presidência da República com o apoio maciço do establishment e do que Roberto Campos chamava de “a opinião publicada”. Algum membro do trio aceitará ser vice? Vai saber…
“Se juntar Huck, Moro e Doria, algum jogo pode dar, mas será difícil fazer dois deles abrir mão”
Um desafio? O Brasil não chegará a 2022 em situação econômica brilhante. Haverá provavelmente, e inclusive em decorrência da Covid-19, mais pobres e quase tantos desempregados quanto havia quando Dilma Rousseff foi removida do Planalto. Se não mais.
Por que a referência é o ocaso de Dilma? Porque ao fim de 2022 já terão se passado longos mais de seis anos desde que foi apeada. E de lá para cá as políticas econômicas vêm seguindo uma linha de continuidade. E sempre com o apoio do antibolsonarismo dito de centro. É razoável, portanto, que o debate em 2022 volte a girar em torno da economia. O resultado das escolhas feitas. Isso se a oposição for esperta.
Um debate político centrado na economia não será muito confortável para o chamado centro, em seus diversos matizes, pois terá de explicar por que depois de mais de seis anos as coisas continuam, na essência, do jeito que estavam antes. E como encarnar o anseio de mudança propondo mais do mesmo? Não será trivial.
E tem ainda aquele outro problema, já detectado em 2018. A insistência em querer combater simultaneamente a esquerda e a direita que se assume como tal. É a história do gato que persegue dois ratos ao mesmo tempo. O mais provável, quase certo, é não capturar nenhum. Aliás, a experiência de 2018 já deveria ter servido para alguma coisa.
Poderiam aprender também com Joe Biden. Não dá para antever que o democrata vai ganhar, mas, por enquanto, ele mostrou ter absorvido uma lição fundamental na política. Procure sempre acertar na definição do adversário principal, que a cada momento é apenas um. O custo de errar nisso costuma ser muito alto.
*Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709
Alon Feuerwerker: Duas eleições. E as dúvidas entre o "se" e o "quando"
Não haverá debates, ou haverá poucos. A propaganda compulsória no rádio e na TV, dizem, atrairá bem menos interesse. O eleitor está tomado de preocupações relacionadas à pandemia da Covid-19 e à situação da (própria) economia. Há candidatos demais a prefeito, uma grande dispersão, o que provoca certo cansaço antecipado. E a campanha de rua e o corpo a corpo estão bastante limitados.
Bem, se tudo isso for mesmo verdade estas serão as eleições da inércia. E a inércia beneficia os mais conhecidos, quem está na frente nas pesquisas. E a grande dúvida: o que pode romper a inércia?
Um forte propulsor da tendência inercial são a homogeneização e pasteurização das candidaturas. O desfile dos nomes e suas propostas transmite certa sensação de "fim da história". Todo mundo propõe alguma modalidade de renda básica, mais dinheiro para as escolas, mais atenção para a saúde, subsídio ou gratuidade para o transporte, e por aí vai.
Eleições locais têm mesmo a tendência de serem essencialmente paroquiais, mas o grau previsto de paroquialidade destas apresenta uma contradição flagrante com o ambiente de polarização em que a sociedade brasileira já vem mergulhada há anos. Outra dúvida: a chegada da polarização nestas eleições municipais é uma questão de "se" ou de "quando"?
Bem, aqui cada um tem seu palpite, então lá vai mais um. Talvez estejamos diante do cenário não de uma eleição, mas de duas. Uma nos primeiros turnos repletos de candidatos, na maioria inexpressivos, com o eleitor desatento e desinteressado. Outra nos segundos turnos, quando o mano a mano irá, quem sabe?, impor automaticamente alguma polarização.
Joga contra a polarização, mesmo na eventual segunda rodada, o fato de a esquerda exibir muita fraqueza, numa escala inédita pelo menos nos últimos trinta e poucos anos. Até agora, a presença de candidatos competitivos da esquerda tem sido exceção. A praxe é a disputa mais provável estar entre as diversas correntes que se autonomeiam do centro para a direita que se declara como tal.
Claro que sempre é possível uma reviravolta, mas talvez seja sinal de que a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 tenha sido mais estratégica que circunstancial. A dispersão das candidaturas de esquerda explica apenas parte do quadro. Tirando as exceções, mesmo a soma das intenções de voto do chamado campo progressista está abaixo de desempenhos anteriores.
Outra variável a checar será a influência dos padrinhos nacionais. Outro palpite: ela tende a ser bem menor na eleição municipal que na presidencial.
Vamos então olhar o desenrolar dos acontecimentos. E vamos olhar também para o pós-eleição. Quando o eleitor finalmente se deparar com o provável cenário combinando 1) o fim do auxílio emergencial (mesmo os programas cogitados para substituir não parecem tão apetitosos assim), 2) o possível aumento de impostos, 3) a inelasticidade do desemprego.
Aguardam-se as consequências. Também aí a dúvida está entre o "se" e o "quando".
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: E se Bolsonaro estiver sendo subestimado?
Quase dois anos depois da inauguração de Jair Bolsonaro na presidência, já é possível esboçar algumas linhas de seu processo decisório. Uma delas, talvez a principal: ele navega sempre de olho nos objetivos programáticos mas nunca descuida de se garantir na variável-chave da sustentação política.
No limite, abre mão sempre que isso é indispensável para não perder base que o sustenta, e não apenas no Congresso.
Eis uma complexidade na vida dos que fazem oposição ou têm a missão de criticá-lo. Como no esquema do teatro grego, o bolsonarismo tem uma máscara, a da antipolítica. Acontece que no fritar dos ovos a política acaba sempre dando as cartas.
Vem daí certa frustração notada entre os apoiadores mais da ponta do espectro.
Uma avaliação honesta do processo decisório bolsonarista terá de admitir, verificada a realidade, que o capitão-deputado feito presidente não é tão tosco quanto alardeiam os detratores. E que há, ao contrário, algum grau de sofisticação na atual operação política.
Acontecia também com Luiz Inácio Lula da Silva, naturalmente que com sinal trocado. Os opositores e críticos viam-no como pior do que realmente era de jogo. O grave erro de, nos negócios e na política, subestimar o concorrente.
Vamos olhar aqui dois eventos. O primeiro é a política para o Nordeste. Claro que teve o acaso, que foram a Covid-19 e o consequente auxílio emergencial, que aliás nasceu magrinho e engordou pelos esforços da oposição. O segundo é a recente indicação do nome para o STF.
Sorte e azar fazem parte do jogo, e quando as decisões são tomadas é preciso levar isso em conta. Análises a posteriori sempre têm um pouco de engenharia de obra feira, mas talvez os governadores do Nordeste tenham tido azar na escolha que fizeram de aceitar uma certa polarização contra o Planalto.
Talvez trabalhassem com a premissa de que o governo ficaria inflexivelmente aferrado à austeridade econômica e isso lhes daria um terreno fértil para fazer oposição a Brasília nos seus estados, reconhecidamente os mais dependentes do dinheiro federal.
Simplesmente não aconteceu, e hoje o cenário é de um bolsonarismo que ganha terreno ali com base em política social, verba para obras e alianças com políticos de direita (mesmo quando ditos de centro) que aliás também já foram aliados do PT.
Talvez o jogo não se inverta completamente no Nordeste, mas Bolsonaro não precisa disso tudo. Basta a ele crescer na região e sustentar de algum modo a posição no Sudeste e no Sul.
As pesquisas mostram que esse objetivo está mais à mão no segundo do que no primeiro.
E tem a indicação para o STF, que claramente teve como vetores 1) não afrontar o próprio STF, 2) garantir o apoio no Senado Federal, com poder de veto neste caso e 3) sinalizar aos políticos com um nome não identificado com a caça a eles.
O fato é que nenhuma das especulações anteriores à indicação descrevia esses critérios como essenciais. Bolsonaro foi aqui claramente subestimado.
E talvez o erro tenha estado em ouvir demais o que se diz na política em vez de dar atenção ao que se faz. De vez em quando, já se disse aqui, o mais prudente é colocar a política no mudo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Troca no STF
Um fanático pela Carta faria bem ao tribunal, ao governo e ao país
Não é novidade a hipertrofia no Judiciário, em particular no Supremo Tribunal Federal. Aliás, começar uma coluna com “não é novidade” talvez devesse ser evitado. Mas, infelizmente, é a pura verdade. No caso específico do STF, já faz algum tempo que ele se sente tentado a operar como uma espécie de assembleia constituinte não formalizada.
Outra coisa que não é novidade: ficaram para trás os tempos quando se sabia de cor a escalação dos onze da seleção brasileira de futebol, mas não se tinha a menor ideia de quem eram os onze do STF. Hoje isso se inverteu. Cada um que julgue se melhoramos ou pioramos.
Importa menos saber como chegamos a esta situação, o fato frio é que nas próximas semanas um nome deverá passar pelo trâmite no Senado Federal para ocupar a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta. Dadas as circunstâncias jurídicas e políticas, trata-se de um baita momento.
Vamos ao retrospecto. A experiência de governantes indicarem nomes por critérios identitários não foi propriamente um sucesso para quem indicou. E o histórico das decisões e opiniões de antes da ascensão à Suprema Corte não tem sido garantia de coerência no voto, uma vez o ministro instalado na cadeira.
E exposição aos holofotes tem trazido casos de mudança radical nas ideias.
Mesma coisa o “Q.I.” (quem indica). Se pelo menos um ministro dos indicados por Dilma Rousseff tivesse votado para soltar Luiz Inácio Lula da Silva antes da eleição, o ex-presidente teria sido solto e ficado disponível para subir nos palanques do PT e aliados. Não aconteceu.
O que explica isso? Independência? Cada um, novamente, que faça seu juízo.
“O novo nome deve resistir à tentação do protagonismo, ser garantista e ter alergia a judicializar a política”
Onde estará então a virtude? Um critério importante é o nome não enfrentar obstáculos intransponíveis no Senado, que é quem aprova. E o Senado é composto de políticos, mesmo quando fantasiados de “anti”. Sugerir alguém publicamente identificado com a caça a suas excelências seria oferecer muita sopa para o azar.
O que de melhor um presidente da República deve esperar do STF? Que não se meta, ou meta-se pouco, na atividade de exercer o Poder Executivo. Um presidente que ajude a fazer o STF retornar ao tamanho previsto na Constituição estará prestando um serviço inestimável ao que se convencionou chamar de democracia.
Mas não basta. O desejável, do ângulo do Executivo, e mesmo do Legislativo, seria um STF que praticasse a autocontenção como regra em relação ao mundo político, e que começasse a expurgar a tentação permanente de enveredar pelo ativismo judicial. E que propagasse isso pelo conjunto do sistema.
Seria uma revolução.
A conclusão é óbvia: espera-se que o novo nome a substituir o decano que sai consiga resistir à tentação do protagonismo, seja rigorosamente garantista e tenha alergia à judicialização da política.
E que seja um fanático do respeito à Carta. Coisa que anda deveras em falta entre os nossos juízes.
Seria um favor que o ocupante do momento do Palácio do Planalto teria prestado a si mesmo, ao seu governo e ao país.
E um favor, antes de tudo, ao próprio Supremo Tribunal Federal.
Alon Feuerwerker: A enésima morte da nova política
A ideia da necessidade de uma política de tipo inteiramente novo não é novidade na política nacional. Basta lembrar do “Brasil novo” prometido pelo então candidato a presidente Fernando Collor de Mello, três décadas atrás. A tentação é permanente. Quem não gostaria de resolver os próprios problemas e aporrinhações simplesmente apertando o botão de reset?
De tempo em tempos, mais agudamente em crises que esgotam a paciência, o eleitor cai nessa. É arrastado pela promessa de que a ponte para superar os impasses é trocar as pessoas erradas pelas certas. E nunca faltam candidatos a preencher a necessidade. E acabam chegando ao poder carregados da esperança de que vão finalmente passar o sistema a limpo.
Mas tão previsível quanto o apelo cíclico das promessas de renovação é o poderoso efeito permanente da inércia. Se até nas rupturas dignas do nome ela opera com impacto decisivo nas políticas pós-revolucionárias, quanto mais em transições de superfície, como às que nosso país está habituado na sua já relativamente longa história.
O Brasil é quase um laboratório permanente de experimentação da teoria que adverte sobre o peso opressor das ideias mortas sobre as ações dos seres vivos que se imaginam como o novo. Nada é mais previsível por aqui que a alternância entre a euforia diante da novidade e o conformismo quando o velho finalmente volta a se impor.
O surto mais recente de ansiedade por uma nova política vem de 2014, impulsionado pela explosão de junho de 2013, o embrião do momento por que o país passa hoje. Mas se ao longo destes anos você fosse perguntando às pessoas “afinal, o que é a nova política”, provavelmente constataria, surpreso, que ninguém tinha a menor ideia da resposta.
Ao final, a nova política acabou se vestindo de algo bastante velho, o clássico bonapartismo. O culto ao poder unipessoal exercido em ligação direta com o desejo difuso das massas. O obstáculo? Este projeto unipessoal precisaria impor-se na prática aos bolsões de poder estabelecido.
No Brasil isso é praticamente impossível, ou muito difícil, por várias razões. Uma singela: o sistema está organizado para impedir qualquer presidente de eleger com ele a maioria parlamentar. Presidente, governadores e prefeitos. O problema está nos três níveis da federação. Na teoria, trata-se de um sistema de freios e contrapesos. Na prática, a garantia de que nada vai mudar.
Neste final da metade do (primeiro?) governo Jair Bolsonaro, assistimos ao enésimo enterro de um ensaio da possibilidade de uma política inteiramente nova. Mas, a exemplo de Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente teve a inteligência, e a prudência, de mandar a coisa toda do "novo" às favas enquanto ainda tinha força suficiente para dissuadir “a velha política” de tentar derrubá-lo.
Pois a coisa anda perigosa. Invocar questiúnculas para derrubar governantes que perderam a (ou nunca tiveram a) maioria parlamentar parece estar virando, como se diz, carne de vaca. Comprova-se, de maneira ineditamente disseminada, que governos “técnicos” estão sempre a caminho de cair. Ainda mais com a atual exuberância de um Judiciário inebriado de poder.
E de Legislativos que perceberam que podem derrubar quem for sem enfrentar reação ponderável.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: A luta do centrismo
O objetivo é construir a base de alternativas competitivas para 2022
Uma característica destas eleições municipais, além da pulverização das candidaturas a prefeito trazida pelo fim das coligações para vereador, é a movimentação do centrismo para construir a base de alternativas competitivas na eleição presidencial. Acontece na esquerda e na direita. Nesta, nota-se a atração mútua entre PSDB, MDB e Democratas. Naquela, entre PSB e PDT.
O objetivo de cada um é quebrar a hegemonia em seu campo. Na direita, reina soberano por enquanto Jair Bolsonaro. Na esquerda, apesar dos pesares, nenhum desafiante chega perto de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo consideradas as atribulações jurídicas do ex-presidente. Ciro Gomes ainda consegue alguma musculatura. Mas João Doria come poeira. E Sergio Moro até agora é uma incógnita.
Em condições normais de temperatura e pressão, a primeira fila no grid para 2022 estará, portanto, ocupada. Mas o que pode mudar? No centrismo de esquerda, uma esperança é que, desta vez, o eleitorado de Lula, se ele não puder concorrer, não marche para o candidato de Lula. No centrismo de direita, o sonho é que Bolsonaro seja removido antes da largada por algum fato ainda fora do radar.
Daí que, num apenas aparente paradoxo, o foco da pancadaria de cada um seja o “aliado” potencial, e não o adversário eleitoral. O objetivo principal de tucanos, democratas e emedebistas nesta eleição para prefeito e vereador é derrotar o bolsonarismo. E o esforço maior de pessebistas e pedetistas é maximizar as dificuldades político-eleitorais do PT para impor ao partido de Lula o maior desgaste possível.
Observadores cartesianos da cena podem até achar estranho, mas assim é a política. Qualquer análise desta que não tenha como centro a luta crua pelo poder é desperdício de tempo e energia intelectual. E ninguém alcança um segundo turno sem passar pelo primeiro. E o principal obstáculo no primeiro turno costuma ser exatamente aquele “amigo”, o eleitor a quem você vai ter de pedir apoio e voto quando chegar a hora da decisão.
Daí por que se compreende o presidente da República resistir a colocar o cacife dele na mesa dos primeiros turnos nos municípios. A não ser quando for importante para, desde agora, enfraquecer diretamente seus possíveis adversários em 2022. Já no caso de Lula, a prioridade parece ser evitar que o PT se dilua em alianças que podem fortalecer quem deseja aposentar o ex-presidente.
Não que ambos, Bolsonaro e Lula, dependam tanto assim do resultado deste novembro. Ele é vital para seus concorrentes, mas os dois podem sobreviver bastante bem a reveses de sua tropa. Pois eleição presidencial tem características de eleição solteira. O eleitor não vota no presidente porque o deputado ou o governador mandaram, mas pode muito bem decidir votar no governador ou no deputado porque são apoiados pelo candidato a presidente.
E tem outra: quanto mais cada partido, o bolsonarista e o lulista, vier a sofrer agora, mais precisará do líder para comandar a colheita na urna daqui a dois anos. Fica a dica.
Alon Feuerwerker: Uma dúvida para 2021
Resta pouca dúvida de que o auxílio emergencial teve um formidável efeito-tampão sobre duas variáveis na conjuntura: a atividade econômica, em particular no comércio, e a sustentação popular de Jair Bolsonaro. Produziu também, junto com o real fraco e a voracidade estrangeira por estoques, algo de carestia em alimentos básicos. O governo aposta que este efeito será passageiro e não vai se propagar.
Certa dúvida porém tende a colocar uma pulga atrás da orelha daqui até dezembro. Qual será o efeito do fim do auxílio, pois no momento o governo não quer que ele entre em 2021. Há o projeto do Renda Brasil, mas ainda está no forno e não tem nem de longe a dimensão do auxílio emergencial. Nas condições normais de temperatura e pressão, a cidadania vai ter de voltar a andar com as próprias pernas depois que a São Silvestre passar.
Partamos então da premissa de que vai ser assim mesmo. Uma dúvida: como o povão vai reagir? Vai voltar-se contra o governo por este ter esticado a coisa até a eleição e depois tirado? Ou vai sentir-se grato por o governo ter encontrado uma solução de emergência na pandemia e assim evitado o colapso econômico e social? Quem tiver certeza, que faça sua aposta. Não é um jogo de previsão simples.
Concessões e benefícios são fáceis de dar, e difíceis de tirar. Eis uma verdade, mesmo que não seja novidade. Mas é verdade também que uma conta mensal de R$ 50 bi não tem sustentação fiscal, ainda mais numa economia há uma década oscilando entre regressões brutais e crescimentos medíocres. Distribuir dinheiro funciona, mas precisa vir junto com aumento da produção ou da importação. Ou as duas coisas. Sem isso, é crise contratada.
A história recente traz dois casos em que governantes esticaram o conto de fadas até passar a eleição, depois tiveram de dar a real e viram a popularidade despencar: José Sarney e Fernando Henrique Cardoso. Há também o cavalo de pau de Dilma Rousseff entre o primeiro e o segundo mandatos. Os dois primeiros tinham base no Congresso e no establishment. Sobreviveram. Dilma pagou o preço por não fazer os amigos certos na época das vacas gordas.
Mas a história política brasileira é também pródiga em situações nas quais a gratidão popular acaba falando mais alto. Governantes que implementam programas de forte apelo junto ao povão acabam ganhando uma gordura de popularidade para queimar nas horas difíceis. E Jair Bolsonaro tem um trunfo: diferente de Sarney com o Cruzado e FHC com o dólar -- e o frango -- a um real, ninguém poderá dizer dele que prometeu o auxílio-emergencial para sempre.
O governo acaba de organizar uma base no Congresso Nacional, mais na Câmara dos Deputados que no Senado Federal. O ministro da Economia parece acreditar na solidez dela, mas as ironias de Rodrigo Maia deveriam acender uma luz amarela no Planalto. Na última linha da planilha, a administração e o próprio presidente da República dependem do que deles acha o povão. Daí a importância da dúvida para 2021.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação