Alon Feuerwerker
Alon Feuerwerker: Ofensiva ou defensiva? E uma lembrança sobre 1964
As movimentações do poder nos últimos dias permitem pelo menos duas leituras. Uma diz que a troca dos comandantes das Forças Armadas faz parte de certo rearranjo numa ofensiva política do presidente da República. Expressão desse raciocínio é a palavra “golpe” ter dado as caras com assiduidade durante algumas horas.
Em especial no intervalo entre a demissão da antiga cúpula militar e o anúncio da nova.
Cada um tem sua própria opinião, mas a minha é que talvez tenha sido o contrário. Talvez o movimento presidencial tenha sido essencialmente defensivo, parte da construção de barreiras protetivas num período em que a ofensiva é dos adversários ferrenhos, circunstância que sempre embute o risco de provocar desequilíbrios em aliados não tão orgânicos assim.
O cenário das últimas semanas combina números trágicos e explosivos da Covid-19, dúvidas disseminadas sobre o ritmo da vacinação, desconforto sobre o valor do novo auxílio emergencial, temores de perda de fôlego da atividade econômica, conflito aberto do presidente com a maioria dos governadores em torno das medidas de isolamento social.
E até dias atrás juntava-se a isso a encrenca do então chanceler com o Senado Federal.
Em certo momento da confusão, o presidente da Câmara, último muro que separa a oposição de entrar no terreno do impeachment, ligou o sinal amarelo. Quem avisa, aliado é. A partir dali, ficar parado não era mais opção para Jair Bolsonaro. Ele entrava na situação corriqueira dos presidentes brasileiros: ter de oferecer os anéis antes de perder os dedos.
Mas só recuar provocaria efeitos colaterais indesejados. Preservaria forças e recursos do poder. Mas também transmitiria sinal de fraqueza. Que sempre tem uma resultante perigosa: acender ainda mais apetites. Na última linha, a política não se define pelo sentimento de gratidão, define-se pela correlação de forças. Quem quer sobreviver precisa ter força, ou ao menos dar a impressão.
É fácil constatar. Se Bolsonaro tivesse apenas trocado o chanceler e aberto espaço no núcleo do Planalto para uma aliada do presidente da Câmara, o noticiário giraria em torno do recuo do presidente sob pressão. Como ele, ao mesmo tempo, deu certo sinal de “manda quem pode”, trazendo as Forças Armadas para dançar, o jogo simbólico ficou algo equilibrado.
Sim, apenas equilibrado, porque restou claro que os novos comandantes foram indicados em consenso com o escalão mais alto de cada força. Assim, ao final, todo mundo mostrou um pouco de dentes: a Câmara dos Deputados, o Senado, o Presidente da República e a turma das quatro estrelas na Marinha, no Exército e na Aeronáutica.
E segue o jogo. E qual é esse jogo? Há a necessidade de combater a pandemia e retomar a economia, claro, mas a bússola política está apontada mesmo é para 2022. Aliás, esse talvez seja o principal saldo semiótico das últimas semanas. Tem projeto? Então foco. Prepara-te para outubro do ano que vem. As outras opções são bem menos prováveis.
Pois, a rigor, ninguém relevante está, tirando a retórica, interessado numa ruptura. Entre os vários motivos: ao contrário de Fernando Collor e Dilma Rousseff, o vice agora não é uma ponte potencial dos políticos para a ocupação do governo. E outro detalhe: numa ruptura digna do nome, não tem seguro que proteja 100% de ser tragado pelo tsunami.
Sobre tsunamis, esta semana registrou-se mais um aniversário de 31 de março de 1964. Como habitual, reacendeu-se a discussão sobre o que teria acontecido se Jango não tivesse sido derrubado. Debate que persistirá para a eternidade. Uma coisa, porém, é certeza. Nem Juscelino Kubitschek, nem Jânio Quadros e muito menos Carlos Lacerda eram comunistas.
Todos apoiaram a deposição de João Goulart. E quem não souber o que aconteceu depois com eles, é só procurar no Google.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Monitorar a vacinação
A primeira é que o imunizante de Oxford e da AstraZeneca conseguiu 79% de eficácia na prevenção de casos sintomáticos. A vacina também revelou 100% de eficácia contra casos graves.
Além disso, não aumentou o risco de coágulos sanguíneos (leia). O estudo foi conduzido com mais de 30 mil vacinados nos Estados Unidos, Chile e Peru.
A segunda é que o imunizante da chinesa Sinovac é efetivo e seguro para crianças e adolescentes (leia).
Parece que as duas escolhas, do governo de São Paulo e do federal, vão se provando adequadas, resta agora torcer para que as entregas prometidas se realizem conforme o planejamento. A velocidade na vacinação é importante para ganhar a corrida contra as novas cepas que a seleção natural produz.
Para quem deseja acompanhar em tempo (quase) real a vacinação pelo mundo, no Financial Times tem os dados absolutos e proporcionalmente à população. Eu escolhi comparar Brics, México e Argentina (leia). Mas você pode comparar o que quiser. Vale favoritar.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Os desafios políticos no curto prazo. E o inglório boxe da ideologia contra os fatos
As forças políticas estão diante de desafios imediatos. Na oposição, o trágico agravamento da epidemia de Covid-19 é uma oportunidade, talvez a melhor, para tentar enfraquecer decisivamente o governo Jair Bolsonaro. Para removê-lo já, ou ao menos fazê-lo chegar a outubro de 2022 tão emagrecido que se torne incapaz de reunir a maioria do eleitorado no segundo turno presidencial, ou até impossibilitado de ir à rodada final.
A remoção imediata tornou-se mais difícil após a eleição de aliados do presidente para comandar a Câmara dos Deputados e o Senado. Mas a política não é estática, então a pressão também recai sobre os comandantes do Legislativo. Que, entretanto, podem escorar-se nas maiorias ali dispostas a respaldar o núcleo econômico da agenda governamental em troca de espaços de poder, lato sensu.
Daí certa tendência ao “morde e assopra”: uma hora agradam aos críticos, mas nunca faltam ao Planalto.
A janela de oportunidade para enfraquecer o presidente e o governo, ao menos com vistas a 2022, acabou unindo o que estava difícil de juntar: a esquerda com a direita não bolsonarista. Ainda que uma parte desta continue aferrada ao discurso de “luta contra os extremos” e prefira ser chamada de “centro”, ou pelo menos “centro-direita”. Mas tanto faz: uma parte do bloco bolsonarista de 2018 está se deslocando.
O “caminhar juntos” da esquerda com a centro-direita (vamos então caracterizar assim) na luta de momento contra Jair Bolsonaro também se alimenta da grande esperança maximalista desta última: tirar o presidente até do segundo turno. No qual, a esse grupo se apresentaria finalmente uma possibilidade material de aparecer como a tal alternativa viável aos “extremos”. Aliás, o desafio do “centro” é só esse, ir ao segundo turno.
Pois ali estaria em posição excelente para eleger-se com base apenas na rejeição ao oponente. Qualquer um.
Já para a esquerda, a ampla convergência antibolsonarista de agora é chance de ouro para o “reset”, para sair do isolamento. A elegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ajuda, na medida em que desenha alguma expectativa de poder, sempre fator de atração. Mas chegará a hora em que esse mesmo “centro” voltará a brandir a “ameaça da volta do lulopetismo”. Pode ser no primeiro ou no segundo turno. É uma narrativa já contratada.
Já no lado do governo, a missão é atravessar o desfiladeiro, à espera de que a curva de vacinação neutralize, ao menos amorteça, a de mortes registradas diariamente pela Covid-19. As informações do Butantã do governador João Doria e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) são moderadamente animadoras. A política é mesmo cheia de contradições misteriosas: bate-boca à parte, o governo de São Paulo está objetivamente ajudando o federal no momento mais difícil deste.
Pois o único trunfo, ou boia, do Planalto nesta hora é a vacinação.
Mais ironias? O governo Bolsonaro faz há dois anos um esforço descomunal para desacoplar o Brasil da lógica Sul-Sul e engatar nosso vagão no que chama de Ocidente, ou “mundo livre”. Mas, no pior aperto sanitário da nossa história, só podemos contar mesmo é com chineses, indianos e, se a Anvisa deixar, russos. Ideologia é agradável, mas quando ela sobe ao ringue para bater de frente com os fatos nunca tem muita chance.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Segunda, terceira
Depois da segunda onda vem a terceira? Isso aconteceu, por exemplo, na Gripe Espanhola. E ali a mais mortífera foi a segunda. Agora, a Europa parece às voltas com o recrudescimento das infecções pelo SARS-CoV-2, uma terceira onda que preocupa as autoridades sanitárias (leia).
Também porque o ritmo da vacinação no Velho Continente deu uma engasgada, por causa das dúvidas sobre a vacina de preferência deles, a Oxford/AstraZeneca. Houve relatos de complicações após a administração, ela foi interrompida em diversos países mas agora parece que vai ser retomada.
Lá, como cá, a disputa se dá em torno de apertar e estender, ou não, as medidas de isolamento social. Mas ali preservou-se um grau bom de coordenação entre governos e países. Se acertarem, a chance de todos acertarem juntos é grande. Igualmente se errarem.
Por aqui, a turbulência federativa vai firme. Um exemplo insólito é a divergência entre o governador de São Paulo e o prefeito da capital, aliados e ambos do mesmo partido, sobre o feriado prolongado que a prefeitura determinou (leia). E assim caminha o Brasil. Tomara que a vacinação acelere logo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Com firma reconhecida
Documento oficial do governo americano informa que os Estados Unidos atuaram (ainda atuam?) junto ao Brasil para evitar que usássemos (usemos?) vacinas russas contra a Covid-19 (leia). Aparentemente, essa pressão tem sido feita sem a oferta de contrapartidas. Por exemplo, os americanos poderiam oferecer-nos vacinas deles em lugar das do concorrente geopolítico.
Pressões desse tipo são esperadas num ambiente global de acirramento das disputas. A principal hoje é entre os Estados Unidos e a China, mas a polarização entre americanos e russos também vai adquirindo desenhos assemelhados aos da Guerra Fria, que durou do pós-2a. Guerra até o colapso e a consequente extinção da União Soviética.
Mas não é normal que o poder de barganha de um país esteja tão diminuído para uma pressão desse tipo não vir acompanhada de ofertas compensatórias. Afinal, vacinar os brasileiros deveria em teoria interessar ao mundo todo. Ou, pelo menos, ficar bem com o Brasil deveria ser do interesse do ocupante da Casa Branca, qualquer que fosse ele.
O debate político aqui dentro vai muito aquecido, com cada jogador tentando tirar o máximo proveito da desorganização no combate à Covid-19. Parece faltar, entretanto, quem esteja pensando antes de tudo no interesse nacional. E o interesse nacional é um só. Ter e aplicar o maior número de doses de vacina no menor tempo possível.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Mar das dúvidas
A decisão do ministro Edson Fachin de anular as sentenças contra Luiz Inácio Lula da Silva, por considerar que as acusações não tinham conexão com a Petrobras, deu uma antecipada no calendário eleitoral e acendeu incógnitas na cabeça dos concorrentes do PT em 2022.
O petismo é o único que parece não ter dúvida: se Lula puder concorrer, e quiser, o candidato será ele. E, aparentemente, o PT ainda não deu sinais de estar matutando sobre os detalhes da escolha. Primeiro, vai ser preciso ter certeza de que a decisão de Fachin continua como está.
Pois o jogo ainda corre aberto, como evidenciou a parada no julgamento da suspeição de Sergio Moro pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. E do atual STF nada que venha será surpresa.
Lula parece beneficiar-se momentaneamente de um certo “equilíbrio do terror”. Mesmo se o plenário do Supremo reverter a decisão de Fachin, continuará o risco de a Segunda Turma declarar Moro suspeito, e aí desencadear um terremoto sob os pés da Lava-Jato.
Desta vez um grande.
E com Moro declarado suspeito cairiam também as condenações de Lula.
Se a decisão de Fachin é mantida, e impede-se a Segunda Turma de prosseguir no julgamento da suspeição de Moro, salva-se (momentaneamente?) a Lava-Jato. Mas Lula fica com caminho aberto para 2022. A não ser que volte a receber condenação pelo menos em duas instâncias até lá. Difícil.
E se o STF não reverte o que Fachin decidiu, mas tampouco impede a Segunda Turma de concluir o julgamento da suspeição? Aí juntar-se-iam a fome e a vontade de comer. Qual será a probabilidade de vingar este cenário maximalista?
Tem também a hipótese minimalista. O plenário reverte a decisão de Fachin e a Segunda Turma ou não declara Moro suspeito ou simplesmente não decide nada sobre isso até que passe a eleição de 2022. Será um jeito de tirar Lula de novo da corrida.
Aguardemos. Entrementes, algumas forças políticas quebram a cabeça sobre o que fazer. O movimento mais visível é a tentativa de agrupar o “nem-nem”, os políticos que não querem nem o petista nem Jair Bolsonaro. A dificuldade aí não é saber o que não querem, mas o que querem.
Além do poder, claro.
Se bem que em outros momentos da história agitar uma rejeição foi suficiente para fazer valer alternativas políticas programaticamente nebulosas. Aliás, o Brasil está cheio de casos. O antimalufismo, por exemplo, foi vaca leiteira para muita gente boa por pelo menos duas décadas.
A dificuldade do dito centro parece residir no enigma não decifrado de 2018, e que o levou à catástrofe eleitoral: quando o gato quer caçar dois ratos, como fazer para não escaparem os dois? Desta vez, o discurso “contra os extremos” vai sensibilizar as massas?
Ou seria preferível escolher um adversário principal e apresentar-se como a melhor opção disponível para derrotá-lo? Bem, esse é um problema para os especialistas destrincharem. Enquanto isso, Lula vai agregando simpatias, ou pelo menos reduzindo antipatias, por gravidade.
E tem Jair Bolsonaro. Ele não está num momento confortável em popularidade, mas a agenda econômica parece ganhar tração no Congresso e a vacinação promete entrar em certo ritmo entre este mês e o próximo. E o Brasil inteiro quer que a vacinação funcione.
E tem Sergio Moro, que também está elegível.
E a eleição não é agora. É só em outubro de 2022.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Concorrência benigna
Em tempos de pessimismo, dada a realidade crua do números de casos, hospitalizações e óbitos, nada como um pouco de otimismo para equilibrar a balança. Hoje o diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que os entraves ao fornecimento de insumos para a produção da CoronaVac foram removidos. E que a entrega do imunizante vai se dar em bom ritmo (leia).
E a Fundação Oswaldo Cruz, com a ajuda do governo federal, conseguiu liberar matéria-prima para produzir 45 milhões de doses de vacinas Oxford/AstraZeneca (leia). Olha só a concorrência benigna. E se cada um dos pretendentes ao Planalto em 2022 se esforçasse para arrumar mais vacinas que os demais? Por falar nisso, o governador da Bahia trabalha para trazer a russa Sputnik V.
Aliás, parece que felizmente superamos a fase das disputas ideológicas sobre a proveniência das vacinas, ou pelo menos estamos perto de superar. Pena que tivemos de chegar aos tristes números de agora para desvencilhar-nos das amarras do preconceito. A única posição razoável sobre vacinas é querer todas. E que, numa situação como a de agora, a urgência seja a prioridade.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Batalha tucana morro acima
O PSDB tem dificuldades para voltar a liderar o seu campo político
Não é frequente eleições presidenciais no Brasil trazerem surpresas. De 1994 a 2014, deu a lógica, pelo menos sobre quem iria ao segundo turno, ou ganharia no primeiro. Foram as duas décadas da polaridade PT/PSDB. Tempos nos quais os apelos “contra a polarização” tiveram pouca acolhida no debate público e na opinião pública. No máximo, viam-se ensaios de “terceira via”, que as circunstâncias invariavelmente acabavam deixando na poeira.
O que mudou em 2018? Jair Bolsonaro desalojou o PSDB da hegemonia no bloco que vai do centro à direita. É interessante notar que a Lava-Jato acabou tendo para os tucanos um efeito mais destrutivo que para os petistas. Varrido do cenário nacional pouco mais de dois anos atrás, o PSDB luta agora para retomar o posto de líder de seu campo, não sem razoável dificuldade. Uma batalha morro acima.
Os tucanos mantêm alguma expressão pelo Brasil em nível estadual, mas, à exceção de São Paulo, não dá para dizer que o partido tenha capilaridade hegemônica em nenhum outro estado. Um lugar onde mostrava algo parecido com isso era Minas Gerais, mas ali razões históricas conhecidas fazem hoje o PSD de Gilberto Kassab ser o candidato mais forte a ocupar a vaga de eventual partido hegemônico — inclusive com a participação de ex-peessedebistas.
“Em 2018, Bolsonaro tirou dos sociais-democratas a hegemonia no bloco que ia do centro à direita”
Situações de crise trazem oportunidades, diz o batido bordão, e o governador João Doria luta com todas as forças para ser o comandante da ofensiva de reconquista tucana. Teve a ousadia de sair na frente nas vacinas contra a Covid-19 e espera colher os frutos no próximo ano. Os fatos dirão. Um problema para Doria? É provável que daqui a um ano e meio, na hora da eleição, as “vacinas federais” já sejam em bem mais quantidade que a “de São Paulo”.
Doria tem um histórico de respeitáveis arrancadas eleitorais. Aconteceu quando concorria à prefeitura da capital paulista e, depois, ao governo estadual. É um argumento que ele tem usado ao ser confrontado com seus baixos índices atuais de intenção de voto. Há precedentes também na eleição presidencial. Fernando Henrique Cardoso em 1994, Dilma Rousseff em 2010 e Jair Bolsonaro, em 2018, partiram de trás — ainda que não tanto quanto o governador hoje.
Há, porém, uma diferença essencial entre os cenários enfrentados por Doria nas corridas de 2016 e 2018 e a disputa pela sucessão presidencial de 2022. O desafio ali era ocupar um espaço em larga medida desocupado. Nem para a prefeitura nem para o governo estadual, Doria teve de lutar em seu bloco com um Jair Bolsonaro. Os oponentes a ultrapassar eram Celso Russomanno e a incógnita entre Paulo Skaf e Márcio França.
Logo no começo do mandato de agora, Doria escolheu abrir, mais cedo do que recomenda a sabedoria convencional, a refrega com o atual presidente. Talvez tenha sido apenas por estilo, ou vai ver o governador avaliou que Bolsonaro se enfraqueceria rapidamente. A favor de Doria está o fato de as arremetidas anteriores dele terem dado certo. Contra, a também certeza de que enfrentar um presidente na cadeira costuma pedir mais frieza quando ainda falta muito tempo para a eleição.
Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729
Alon Feuerwerker: O estado da corrida
Vamos esperar as próximas pesquisas, mas a primeira presidencial feita após Luiz Inácio Lula da Silva ter voltado a ficar elegível mostra ele uns dois dígitos atrás de Jair Bolsonaro no primeiro turno e empatado tecnicamente com o presidente no segundo turno, apesar de numericamente atrás quatro pontos (a margem de erro do levantamento é três) (leia).
O presidente mantém sólido o contingente que votou nele no primeiro turno em 2018. Ele teve então algo que correspondeu a pouco menos de um terço do eleitorado total. A diferença está nas simulações de um eventual segundo turno, pois em 2018 Bolsonaro colocou em torno de dez pontos de vantagem sobre o então candidato do PT, Fernando Haddad.
Na referida pesquisa, os demais nomes ainda lutam para romper a barreira dos dois dígitos no primeiro turno. Tentarão fazer isso argumentando contra a polarização. Não funcionou da última vez. Vai funcionar agora? Há dúvidas. O tema polarização versus despolarização parece por enquanto meio fora do universo de preocupações do público mais amplo.
O que vai decidir, então? Em tese, como a economia vai chegar em meados do ano que vem. E isso dependerá da vacinação. Se ela andar razoavelmente, Bolsonaro tende a atravessar a turbulência e chegar competitivo. Pois removeu até o momento o risco de vir a sofrer nesse meio tempo um processo de afastamento na Câmara dos Deputados.
Se não, tende a se tornar um “pato manco”, como se diz nos Estados Unidos. Essa é a esperança dos concorrentes dele do centro para a direita.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: A corrida dos anti
O andamento dos trabalhos na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a suspeição do então juiz Sergio Moro vai desenhando o cenário para 2022. Uma advertência: no realismo fantástico da política brasileira fazer previsões com um ano e meio de antecedência é uma loteria. Aqui tudo literalmente pode acontecer, inclusive o contrário. Exemplos recentes não faltam.
Mas, a consolidar-se o cenário atual, o quadro das eleições estará desenhado. Daqui até o final do primeiro turno a disputa mais feroz será dentro de cada campo. Do centro para a direita, o discurso corrente vai ser sobre o risco de Jair Bolsonaro ser derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva num eventual segundo turno. E aparecerão os candidatos a salvador da pátria.
Do centro para a esquerda, a narrativa tentada será a mesma, de sinal trocado: o risco de Lula perder para Bolsonaro no segundo turno. Ou seja, de um lado e do outro os candidatos apresentar-se-ão menos pelo que são de fato e mais pela (suposta) capacidade de bater o dito mal maior. E isso não chega a ser novidade na política, muito menos na brasileira.
Aqui já fomos movidos pelo antimalufismo (Montoro, Tancredo), pelo antilulismo de primeira geração (Collor e Fernando Henrique), pelo antitucanismo (Lula, Dilma) e pelo antilulismo e antipetismo de segunda geração (Bolsonaro). E chegamos onde chegamos. Talvez a política seja só isso mesmo, talvez o eleitor esteja mesmo mais interessado em saber quem vai derrotar.
Mas vale o registro.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Lula ficha limpa, por enquanto
Sobre a decisão do ministro Edson Fachin de anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva (tríplex e sítio) em Curitiba, o argumento dos advogados era de que as acusações nada tinham a ver com a Petrobras. E por que decidir só agora? Segundo Fachin, porque os advogados só apresentaram esse argumento em novembro.
Questões juridicas à parte, é preciso fixar que a decisão representa uma vitória política para Lula e o PT. É claro que Lula pode ainda ser condenado pela Justiça Federal do DF, e se a condenação for confirmada em segunda instância voltará a ficar inelegível. Mas a partir de agora o cenário é outro.
Fachin não anulou os atos instrutórios de ambos os processos. O juiz em Brasília poderá, se desejar, simplesmente decidir em cima de tudo o que foi preliminarmente produzido sob a supervisão de Sergio Moro em Curitiba. Mas é possível que os advogados de Lula argumentem que Moro tampouco deveria ser o juiz encarregado de tocar a instrução.
Por que Fachin fez o que fez? Uma hipótese é tentar evitar que a Lava Jato descesse pelo ralo junto com os processos de Lula se a Segunda Turma declarasse a suspeição de Moro. Mas a esta altura é menos relevante para o quadro político. O fato é que Lula está de volta ao palco. E isso tem efeitos imediatos, como mostrou hoje a queda da Bolsa.
Quem ganha e quem perde? Ganham Lula e o PT. Mas também em algum grau Jair Bolsonaro, que vem sob fogo cerrado dos segmentos políticos “ao centro”. Com Lula no cenário, certamente será revivido o argumento de que o atual presidente seria uma espécie de mal menor para esse grupo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: O ano dos balões de ensaio
A situação do governo Jair Bolsonaro, especialmente dele próprio, é contraditória. De um lado, o governismo venceu as eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e ergueu um muro contra tentativas de impeachment. Também ganhou no Senado, o que completa o desenho favorável à aprovação das propostas centrais da equipe econômica. Desde que negociadas, claro, no Congresso Nacional. Mas isso é do jogo.
Ainda pelo lado favorável a Bolsonaro, todas as pesquisas apontam sua liderança na corrida presidencial para 2022, posição sustentada no cerca de um terço do eleitorado que, por enquanto, segue firme com ele. Isso o coloca facilmente no segundo turno. Para completar, o presidente parece ter sobre os mecanismos de Estado capazes de desestabilizá-lo uma ascendência bem maior que os dois antecessores imediatos.
Na outra face da moeda, Bolsonaro enfrenta problemas. O grau de liberdade para o presidente ser ele mesmo diminuiu. Diz a sabedoria filosófica que quando alguém transforma a realidade ela também modifica quem a transformou. Os partidos do dito centrão hoje são de fato governo e protegem o presidente. Porém este também passa a depender mais deles. Até aí, nada de muito novo no Brasil. Mas talvez para Bolsonaro seja novidade.
Outro complicador é o contra-ataque do Supremo Tribunal Federal, facilitado pelo passo em falso do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). O potencial campo político antibolsonarista pode estar dividido nas ambições para 2022, mas anda coeso no apoio a iniciativas do STF que criem constrangimentos ao comandante do Planalto. Igualmente a esmagadora maioria da imprensa. É uma verdadeira frente ampla.
A resultante das forças no momento indica que nem a oposição tem músculos para retirar Bolsonaro da cadeira, nem este terá espaço e terreno livre para ganhar muita tração neste resto de primeiro mandato. Daí a tendência a se manter uma guerra de posição relativamente prolongada. A não ser, naturalmente, que sobrevenha o fato novo. Mas sempre repito por aqui que o imprevisível é muito difícil de prever.
E tem a pandemia. Até o momento, ela talvez tenha contido a capacidade de o presidente ampliar o mercado eleitoral dele, mas não corroeu significativamente sua fatia. E o que ele possa ter perdido com o divórcio da Lava-Jato ganhou a partir da operação do orçamento federal. Vamos ver como evolui. Se a vacinação contra a Covid-19 andar, é provável o cenário continuar meio congelado. Se der chabu, aí o voo de Bolsonaro enfrentará fortes turbulências.
A vacinação vai no Brasil mais ou menos em linha com a maior parte do mundo. Tudo meio devagar, desde que algumas potências reservaram para elas o grosso dos imunizantes nesta primeira etapa. Mas por aqui somou-se a isso a subestimação presidencial da necessidade de vacinar. Se o cronograma não andar conforme o projetado vai introduzir um forte elemento de instabilidade.
E o termômetro para medir a coisa será sempre a popularidade presidencial. Se baixar muito, os políticos ficarão tentados a pensar em alternativas imediatas.
Se a eleição de 2022 fosse hoje o presidente provavelmente iria ao segundo turno e teria grande dificuldade para fechar a fatura. Pelas pressões em favor de uma frente ampla na reta final, dada a progressiva convergência dos opositores em torno da vontade de impedir a continuidade do capitão. Decorre também daí a briga de foice do outro lado. Pois o cenário atual faz do potencial adversário de Bolsonaro na reta final um nome bem forte, qualquer que seja ele. É um bolo apetitoso demais.
Por isso, é ilusão imaginar a sedimentação rápida do cenário para 2022. A hora é de testar as águas. E o que não falta são balões de ensaio. 2021 será o ano deles.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação