Alon Feuerwerker
Alon Feuerwerker: O ovo cru e o omelete
A dúvida é como vamos sair da pasmaceira. Um caminho é sempre a eleição presidencial
Alon Feuerwerker / Análise Política
Um aspecto tem passado algo despercebido em todo esse imbróglio sobre o novo valor do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) e de onde virão os recursos: o assunto ter provocado a necessidade de aprovar uma emenda constitucional. Isso parece ter decorrido de dois fatores: a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os precatórios e o teto de gastos ter sido lá atrás introduzido na Constituição.
Tudo sempre guarda alguma explicação, mas é bastante anômalo que decisões simples de governo tenham passado a depender de mudar sistematicamente a Constituição. É um sintoma de várias coisas, antes de tudo de ter caducado a ordem constitucional construída em 1988. É sintoma também do grave enfraquecimento do Executivo. Uma tendência inaugurada pelas vicissitudes de Dilma Rousseff e acelerada no intervalo Michel Temer.
A eleição de Jair Bolsonaro representou um impulso à retomada da centralidade política do Palácio do Planalto, mas a tendência centrífuga retornou conforme o presidente se enfraqueceu devido aos próprios erros políticos, especialmente na abordagem da Covid-19. E chegamos à situação atual, quando mexer nos programas sociais depende de PEC, e a rotina diária dos ministros do STF supõe passar o tempo desfazendo o que o governo faz.
A situação agrada a quem está na oposição pois vai levando à progressiva paralisia governamental, e também neutraliza as teóricas vantagens operacionais da maioria congressual. Antigamente, governar dava trabalho. Era preciso ganhar a eleição de presidente e formar base parlamentar sólida. Hoje em dia, basta eleger meia dúzia de deputados e recorrer ao STF quando o governo faz algo que desagrada à opinião pública.
É uma situação confortável para quem, na política, não tem perspectiva de poder formal e regular, e também para quem mais influencia o ir e vir dos cordéis que movimentam a opinião pública. A dúvida é sobre a sustentabilidade. Um debate constante no Brasil é se as instituições estão funcionando. Estão funcionando sim, e funcionando tanto que o sistema de freios e contrapesos chegou ao estado da arte, com eficiência ótima: tudo travou.
A dúvida é como vamos sair da pasmaceira. Um caminho é sempre a eleição presidencial. O problema: faz muito tempo a humanidade já sabe como transformar ovo cru em omelete, mas a rota inversa é um mistério que permanece insolúvel, desde sempre, aos mais brilhantes cérebros científicos. É ilusão imaginar que bastará eleger alguém para “as instituições” recolherem-se à casinha.
Mas História não é Biologia ou Química. Na História, o omelete pode voltar a ovo cru. Geralmente, situações assim são destravadas por alguém que acaba cortando o nó górdio. Uma coisa é certa, como já foi dito: o cenário crônico de paralisia política, baixo crescimento econômico e travamento institucional não permanecerá indefinidamente. Alguma transição virá. Há apenas duas dúvidas: quem a fará e como.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/11/o-ovo-cru-e-o-omelete.html
Alon Feuerwerker: A sinuca da ingovernabilidade
Nenhum mecanismo de disciplinamento é infalível, mas há os melhores e os piores
Alon Feuerwerker / Análise Política
Todo sistema político estável supõe mecanismos eficazes de disciplinamento do partido, ou partidos, que sustentam o governo. E a regra essencial é o detentor principal de poder deter também grande influência sobre as possibilidades de reprodução do poder de quem lhe dá sustentação. De vez em quando isso se dá com o predomínio da força. No AI-5, o presidente da República podia cassar mandatos. Era sem dúvida um forte instrumento de persuasão.
Em modelos baseados no voto distrital, parlamentaristas ou presidencialistas, o detentor de mandato legislativo costuma equilibrar-se entre a fidelidade ao líder, aos militantes partidários do distrito e ao eleitorado dali. Um exemplo didático são os Estados Unidos. Se o deputado ou senador não dosar bem essas variáveis, corre risco real de ser, inclusive, derrotado nas primárias partidárias da eleição seguinte, e aí não poder nem disputar a recondução.
De vez em quando fica complicado, porque o presidente da República (ou o primeiro-ministro no parlamentarismo) pode querer muito uma coisa que os eleitores do distrito não querem. Um exemplo do momento são governantes que buscam conter fortemente o uso de carvão, no âmbito das iniciativas contra as mudanças climáticas, mas enfrentam a resistência de correligionários eleitos por distritos cuja economia se baseia exatamente nisso.
Nenhum mecanismo de disciplinamento é infalível, mas há os melhores e os piores. Nesse ponto, o Brasil parece esmerar-se na construção de um sistema político em que o Executivo terminará por não dispor de nenhum mecanismo ao mesmo tempo eficiente e aceitável para disciplinar a maioria do Congresso Nacional. É disso também que nasce o crescente e pelo visto irrefreável protagonismo do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal.
Um mecanismo de disciplinamento provado na vida prática é distribuir ministérios aos partidos que apoiam o governo e exigir desses partidos fidelidade nas votações do Congresso. Mas as décadas recentes assistiram à degradação e criminalização dessa prática, que acabou plasmada na consciência coletiva como sinônimo de corrupção. Interessa menos aqui discutir se essa visão é “justa”. Para a política, o que vale é a maneira como a opinião média a enxerga.
E há a agravante do grande número de partidos a satisfazer.
Outro mecanismo é garantir a prevalência dos parlamentares governistas na execução de recursos orçamentários destinados a suas bases eleitorais. Isso também vem sendo crescentemente mal visto, pelas mesmas razões do “loteamento” de cargos. Mas há aí um complicador adicional: o orçamento impositivo, que obriga o governo a pagar parte das emendas parlamentares e na prática dificulta deixar de executar despesas introduzidas no orçamento por quem não lhe dá apoio.
O experimento político brasileiro vem tentando criar um modelo único no mundo, em que se criminaliza oferecer ao parlamentar algum mecanismo de compensação que o faça votar em medidas impopulares, ou simplesmente condenadas pela chamada opinião pública. E governos precisam o tempo todo adotar medidas assim.
O resultado:
1) teratomas como os bilhões de reais destinados às “emendas de relator” e
2) a ingovernabilidade que mesmo assim avança.
Há alguns caminhos para sair da sinuca. Um, que na teoria resolveria, seria implantar o voto distrital, puro ou misto, em um ou dois turnos, limitar drasticamente o número de partidos por meio de uma duríssima cláusula de desempenho e tornar obrigatórias as primárias partidárias para indicação de candidatos a todos os cargos. Ah, sim: e impor que partidos só poderão lançar candidatos ou participar em coligação onde tiverem feito convenção.
Há outros, mas nenhum indolor. Todos, para ser aplicados aqui, demandariam uma ruptura com o atual desenho, trazido pelos constituintes de 1988.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/11/a-sinuca-da-ingovernabilidade.html
Alon Feuerwerker: Nunca subestime a política
Aplicação de doses de reforço espalha-se pelo planeta. Ou melhor, pela parte rica do planeta
Alon Feuerwerker / Análise Política
Pergunte a qualquer especialista digno do nome se a pandemia acabou. E se chegou a hora do liberou geral. Duvido que algum responda “sim” e “sim”. E por que não se nota uma grita generalizada contra a reabertura ampla, geral e irrestrita das atividades? Pois o patamar de mortes/dia por Covid-19 ainda bate as centenas.
A explicação está mais no âmbito da ciência política que da infectologia, da imunologia ou da epidemiologia. O liberou geral decorre da crescente péssima relação custo/benefício, para os políticos, de continuar tentando impor as antes celebradas medidas de distanciamento social para reduzir a circulação do SARS-CoV-2.
A real é que o pessoal se cansou e decidiu virar a página. E os políticos, de olho nas urnas do ano que vem, resolveram que não é o caso de dar murro em ponta de faca. Fim.
Poderiam, pelo menos, reforçar a necessidade do uso de máscaras quando a circulação volta ao normal. Mas nem isso.
É verdade que chegamos a bons níveis de vacinação e estamos rondando o número mágico de 60% de vacinados com duas doses, ou única. Mas outros países bem vacinados vêm assistindo a repiques de casos e mortes por novas variantes, e o conceito de “completamente vacinado” sofre mutações em velocidade viral.
A aplicação de doses de reforço espalha-se pelo planeta. Ou melhor, pela parte rica do planeta. Os países pobres continuam comendo poeira. Não chega a ser novidade.
Sim, não parece, mas o Brasil ainda convive com milhares de casos e centenas de mortes no registro diário. Uma atenuante, dirão, é os números estarem declinando já faz algum tempo. Eles vêm caindo desde março/abril, quando a taxa de vacinados ainda era pequena. Eis outro “por quê?” à espera de resposta.
E outra: se estamos abrindo agora porque os números estão caindo, por que não abrimos antes?
Uma boa hipótese para o declínio de casos e mortes desde março/abril é a variante Gama (“de Manaus”) ter “vacinado” em massa a população brasileira, mas isso ainda aguarda comprovação.
Outra hipótese a pesquisar é se vacinas de vírus inativado não seriam mesmo mais eficazes contra variantes. Mas não tem sido elegante tocar nessa possibilidade em certos círculos, dado que a CoronaVac é chinesa.
Mudando de assunto, os Estados Unidos reabrem o turismo a vacinados, inclusive com as vacinas chinesas da Sinovac (nossa CoronaVac) e Sinopharm. E Israel, pioneira na vacinação em massa, aceita, além dessas, também a russa Sputnik V, apesar de o imunizante não estar chancelado pela Organização Mundial da Saúde.
E no Brasil? Por que a CoronaVac ainda não tem aqui o registro definitivo e a Sputnik V continua bloqueada?
As respostas deveriam estar sendo cobradas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas esta corre em raia mais ou menos livre desde que conseguiu transmitir a impressão de não ser alinhada a Jair Messias Bolsonaro. Parece ter recebido, por causa disso, um amplo passe livre.
Nunca subestime a política, mesmo quando ela se esconde atrás da moral ou da ciência.
Alon Feuerwerke é jornalista e analista político/FSB Comunicação
====================
Publicado na revista Veja de 27 de outubro de 2023, edição nº 2.763
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/11/nunca-subestime-politica.html
Alon Feuerwerker: A força do convencimento
Eleição brasileira de 2022 ameaça ser um caso típico. O espectro político está dividido em três grandes campos
Alon Feuerwerker / Veja / Análise Política
O sistema político-eleitoral brasileiro, a exemplo das engenharias de qualidade duvidosa, tem uma falha estrutural: o processo de escolha dos governantes procura contornar o debate sobre o que farão caso eleitos. E isso é potencializado pela esperteza dos diretamente interessados: quanto menos se antecipa o plano de ação, teoricamente mais liberdade de ação haverá.
A eleição brasileira de 2022 ameaça ser um caso típico. O espectro político está dividido em três grandes campos. Uns querem evitar a volta de Luiz Inácio Lula da Silva. Outros desejam impedir a continuidade de Jair Messias Bolsonaro. Outros ainda propõem ao eleitor derrotar ambos. E, portanto, escolher algo ainda desconhecido, mas que segundo esse campo certamente será preferível às duas alternativas.
A crítica aqui não pretende ser moral, pois os políticos estão apenas escolhendo o caminho aparentemente mais fácil. Como quando o votante é convencido a votar no “novo”, em contraposição ao “velho”. Foi mais ou menos o ocorrido em 2018. E nem dá para condenar o eleitor que de tempos em tempos decide fazer uma faxina, a única atitude à mão diante do descalabro geral, real ou construído no imaginário.
Mas, infelizmente, a conta tem sido pesada. A experiência brasileira com a democracia representativa instituída em 1984-85 não vem sendo boa. Os donos da pátria declaram dia sim outro também o apreço pela Carta de 1988, mas o produto do sistema por ela formalizado é uma cena persistente de baixo crescimento econômico, resiliência da desigualdade social e desorganização política.
Qual a conexão entre as duas coisas, um método de escolha dos governantes baseado na obscuridade e as imensas dificuldades para enfrentar os desafios históricos do Brasil? Toda. Um poder político não se sustenta só no convencimento pela força, precisa da força do convencimento. O processo de escolha do líder é a oportunidade para reunir a musculatura política necessária ao enfrentamento de interesses encastelados na economia e na política.
E aqui se explica aquele “teoricamente” no primeiro parágrafo. O líder que se acha esperto, e surfa só a rejeição do outro para ascender, percebe rapidamente nos espelhos do palácio a imagem de um pato manco prematuro, ocupado somente em sobreviver, enquanto observa o poder de decisão sobre as políticas governamentais ser retalhado por concorrentes que não foram eleitos para tal, mas reinam, inclusive por antiguidade, sobre o Estado real.
E o problema multiplica-se quando o governante, por erros ou circunstâncias, tanto faz, entra num ciclo de dificuldades novas e crescentes. É a hora em que talvez olhe para trás e note a sabedoria do ditado, que dizem ser mineiro e segundo o qual esperteza quando é muita vira bicho e come o dono. E costuma ser o momento do vale-tudo. No qual única a pergunta que não apenas o líder, mas o grupo, se coloca é: “o que devemos fazer para continuar?”.
E ai de quem ousar lembrar “mas isso não é o contrário do (pouco) que dizíamos que faríamos?”.
====================
Publicado na revista Veja de 27 de outubro de 2021, edição nº 2.761
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/10/a-forca-do-convencimento.html
Alon Feuerwerker: Um Bolsonaro para Bolsonaro? E Moro
Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB
Alon Feuerwerker / Blog do Noblat / Metrópoles
Toda previsão no Brasil deveria trazer junto um seguro-imprevisibilidade, mas é razoável supor que entramos num período algo estável, no qual a guerra de movimento vem sendo substituída por uma guerra de posição, e de baixa ou média intensidade. Por uma razão: nem o presidente da República reuniu até o momento força para suplantar os demais poderes nem os opositores acumularam por enquanto massa crítica para depô-lo.
Daí que as atenções comecem a se voltar cada vez mais para a próxima janela de oportunidade na disputa do poder: a eleição. Com uma competição particular entre os candidatos a ser o “Bolsonaro do Bolsonaro”. Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB na corrida de 2018. Um PSDB que nas seis disputas anteriores ou ganhara ou pelo menos fora ao segundo turno…
Os dois pré-candidatos tucanos afiaram as lanças esta semana, exibindo suas impecáveis credenciais antipetistas, pouquíssimo tempo após a vaga de opiniões e emocionados apelos pela “frente ampla”. Faz sentido. Para a legenda, a vaga em disputa no segundo turno não é a de Luiz Inácio Lula das Silva, mas a do adversário dele. E os governadores paulista e gaúcho estão num momento de “ciscar para dentro”.
Enquanto isso, o presidente busca um certo reposicionamento, mostrando que a carta redigida em conjunto com o ex Michel Temer não foi raio em céu azul. Tem lógica, pois Jair Bolsonaro não enfrenta concorrência séria no campo da direita. Se mantiver os traços estruturais do discurso, pode tranquilamente fazer movimentos táticos ao “centro”, inclusive por não ter maiores antagonismos com o centrismo. Corre pouco risco de perder substância.
Quanto vai durar a (quase) calmaria? Um palpite é que dure enquanto os dois blocos que hoje travam a disputa mais acalorada, o bolsonarismo e o centrismo, acreditarem reunir potencial de voto para prevalecer em outubro de 2022. Por isso mesmo, seria imprudente apostar todas as fichas num processo eleitoral no padrão dos anteriores, absolutamente estável. Pois alguma hora um desses dois blocos notará que a vaca está indo para o brejo.
A não ser que Lula derreta no caminho. O que por enquanto não está no horizonte.
E os imprevistos? Como dito amiúde, é imprudente desprezá-los. Especialmente diante de um Judiciário fortemente inclinado ao ativismo. Mas eventuais decisões que removam algum contendor manu militari não garantem vida fácil a quem sobrar na corrida. Pois pode perfeitamente acontecer como em 2018: o removido apoiar alguém e manter ocupado o espaço político que se pretendeu deixar vago.
E há outra variável, que ensaia alguns passos, costeando o alambrado: Sergio Moro. As ofertas para ele estão feitas. Com o pulverizado cenário da “terceira via”, a possibilidade de ocupar esse espaço não deixa de ser atraente para o ex-juiz e ex-ministro.
Sobre isso, escrevi em janeiro do ano passado (E se Moro virar o “candidato do centro”?).
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/um-bolsonaro-para-bolsonaro-e-moro-por-alon-feuerwerker
Alon Feuerwerker: O encapsulamento, o armistício e o cessar-fogo
As melhores pesquisas, as que costumam errar menos, mostram o mesmo fenômeno
lon Feuerwerker / Blog do Noblat / Metrópoles
Um certo encapsulamento de Jair Bolsonaro, uma convergência de seu piso e teto eleitorais, girando em torno de 25% a 30%. O presidente mantém a fatia de mercado que o alavancou ao segundo turno em 2018, mas mostra dificuldade de fechar a fatura, se a eleição fosse hoje.
Outro dado relevante é que cerca de 20% do eleitorado, nos cruzamentos, dizem preferir um candidato que não seja nem Bolsonaro e nem Luiz Inácio Lula da Silva. Quando são apresentadas as alternativas, naturalmente esse número cai, pois todo nome carrega com ele alguma rejeição. E nenhum da “terceira via” passa muito dos 10%.
Mas é razoável supor que se houvesse um único nome relevante “terceirista” (como em 2010 e 2014) ele teria boa probabilidade de abrir a corrida, daqui a pouco menos de um ano, com uns 15%. O que o colocaria, mantidos grosso modo os números de hoje, no espelho retrovisor do capitão.
E aí criar-se-ia uma condição já vista em eleições. Se Bolsonaro se mostrasse consistentemente debilitado no mano a mano com Lula, um pedaço do mercado eleitoral do presidente poderia achar mais importante derrotar o petista do que reeleger o capitão.
E Bolsonaro poderia ser objeto de um ataque especulativo que transferisse alguns pontinhos vitais dele para o nome “de centro”, que seria alavancado ao segundo turno com a missão de derrotar o PT.
Há alguma especulação, claro, nisso tudo, mas o cenário e as possibilidades numéricas explicam em boa medida os movimentos dos protagonistas. Especialmente no embate mais selvagem do momento: para definir quem carregará a espada do antilulismo em 2022.
Nada disso chega a ser novidade, mas é nesse contexto que precisam ser olhados os movimentos da agitada semana que fecha.
A muito expressiva, mas não decisiva, mobilização do Sete de Setembro não deu a Bolsonaro o impulso para o xeque. Mas criou um equilíbrio de forças propício ao que se seguiu: um cessar-fogo, um armistício.
Para projetar a duração do armistício, a correlação de forças tem mais importância do que as convicções. Sobre estas, aliás, é saudável partir da premissa de que cada jogador, se puder, prefere ganhar o jogo por W.O. Expurgar os adversários da disputa.
A estabilidade do atual cessar-fogo depende, em última instância, da confiança que dois dos três jogadores principais, o bolsonarismo e o centrismo, depositam na própria força eleitoral. O primeiro tem a liderança, ainda que baqueada, da máquina estatal. O segundo tem a hegemonia absoluta nos mecanismos de formação e controle da opinião pública (que não se confunde com a opinião popular).
Sobre Jair Bolsonaro, ele estará mais aderente ao armistício quanto mais estiver confiante de que tem boas chances de virar o jogo e buscar a reeleição. E isso nunca deve ser subestimado, pois desde que a reeleição foi permitida todos os presidentes se reelegeram.
P.S: A respeito das frentes, e o tema vale um texto à parte, é sempre prudente buscar fortalecer-se no processo frentista, porque pode acontecer mais cedo ou mais tarde que o amigo de hoje vire o inimigo de amanhã. E é bom estar preparado.
Alon Feuerwerker – jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-encapsulamento-o-armisticio-e-o-cessar-fogo-por-alon-feuerwerker
Alon Feuerwerker: Equilíbrio instável
Um erro habitual na política é fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade
Alon Feuerwerker / Análise Política
Um exercício preliminar na análise deste momento é procurar quando e por que aconteceu o ponto de inflexão que transformou o equilíbrio estável em instável. Um objeto está em equilíbrio estável quando qualquer pequena perturbação nele tende a fazê-lo retornar para a situação de equilíbrio. E o instável é quando mesmo uma pequena perturbação tem o poder de desorganizar a situação.
Um exemplo clássico é o da bolinha numa bacia. Se a bacia está de boca para cima e a bolinha sofre um pequeno deslocamento, ela tende a retornar para o centro. Mas se a bacia está de boca para baixo e a bolinha é deslocada, ela tende a rolar e ir embora.
O governo Jair Bolsonaro atravessou seu primeiro período em equilíbrio estável por duas razões principais: maioria parlamentar sólida para o essencial de seu programa econômico -e para evitar um impeachment- e manutenção da expectativa de poder, da capacidade de reeleger-se. Quando, devido principalmente à condução na pandemia, em particular na vacinação, o segundo pilar entrou em corrosão, o primeiro também passou a sofrer.
Todos os sinais são de termos ingressado num período de equilíbrio instável. No qual aumenta a possibilidade de os desejos dos personagens serem tragados pelas circunstâncias. Um erro habitual na política é fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade. Quando a situação passa a ser de equilíbrio instável, aumenta bem o poder das circunstâncias. Em vez de os personagens conduzirem, tendem a ser conduzidos.
Na linguagem militar, a situação passa a ser de perda da capacidade de iniciativa.
E são conduzidos, no mais das vezes, pelas personas que criaram para si mesmos. Como é que o presidente da República vai poder, a certa hora, dizer que aceita qualquer resultado na eleição do ano que vem, com a urna eletrônica? Pois é disso que se trata. A única saída pacífica possível para o atual impasse é todos estarem de acordo em que todos disputem a eleição e quem ganhar, pelo atual sistema de coleta de votos, toma posse e governa.
O problema é que quase ninguém está confortável com assumir esse tipo de compromisso. Daí o superaquecimento conjuntural. Para baixar a temperatura, seria necessário um freio de arrumação. Faltam duas coisas para isso. Como dito acima, falta que todos aceitem não apenas o sistema de regras eleitorais, mas também os prováveis desfechos. E talvez falte alguém com liderança para fiar o acordo coletivo.
Entrementes, vamos de soluço em soluço, subindo um degrau de cada vez. 7 de setembro será um dia importante, em que Bolsonaro imagina reunir gente suficiente para dar uma demonstração de força. Mas, mesmo supondo que tudo corra pacificamente no feriado, e isso não é tão provável assim, e depois? Qual é a estratégia de saída de cada ator? Um dado decisivo ainda não suficientemente claro.
Pois nem a oposição tem força para fazer o impeachment, ou mesmo para a Câmara afastar o presidente em caso de denúncia por crime comum, nem Bolsonaro tem força, mantido íntegro o ordenamento jurídico, para impor os desejos dele sobre como vai acontecer a eleição. Um nó górdio à espera de que alguém o corte.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/equilibrio-instavel.html
Alon Feuerwerker: Nunca mais?
Decisão a favor do ex-presidente Lula é mais uma pá de terra sobre a Operação Lava Jato
Alon Feuerwerker / Veja / Análise Política
E os últimos dias assistiram ao enterro da 17ª ação judicial contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Advogados e apoiadores dele festejaram mais uma pá de terra sobre a Lava Jato.
Se nenhum obstáculo jurídico aparecer até outubro de 2022, e se o acaso não pregar nenhuma peça, o petista caminhará elegível para as urnas eletrônicas, hoje alvo preferencial do até agora principal adversário dele, o presidente Jair Messias Bolsonaro.
O incumbente, aliás, enfrenta especulações algo semelhantes às ameaças que acabaram removendo Lula de 2018. Um cerco judicial que ronda tirá-lo da eleição. Como, ainda não se sabe muito bem.
Um problema, para certos personagens que sonham com 2022 sem Bolsonaro, é a possibilidade de parte dos votos dele acabarem migrando para Lula e assim ajudarem a liquidar a fatura logo de cara.
Sobre esse pessoal, e essa possibilidade, Talleyrand repetiria que não aprenderam nada e não esqueceram nada.
Diante do risco, uma solução especulada nos círculos do “lavajatismo pós-Lava Jato” é simplesmente tirar os dois. Por enquanto, nenhum gênio das alquimias de Brasília descobriu o caminho, mas acham que não custa sonhar. E, segundo a sabedoria empresarial, sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho.
Enquanto a turma sonha, a crise já vem contratada, pois estamos a anos-luz de algum consenso nas regras do jogo.
O único ponto de contato no discurso dos atores políticos neste momento é afirmarem estar preocupados apenas e somente com a preservação da liberdade e da democracia. Qual é o problema? Para quase todos eles, Bolsonaro incluído, a “verdadeira democracia” supõe certos adversários não poderem assumir o governo, em nenhuma hipótese, pois representariam um risco à própria democracia.
A transição de 1984-85 impôs o “nunca mais” aos que apoiaram o regime militar. Depois de 2002, reinou o “nunca mais PSDB”. Aí a era petista terminou e abriu-se o ciclo do “nunca mais PT”. Que deu em Bolsonaro, que carrega a tocha do antipetismo. Mas o capitão agora enfrenta um “nunca mais” todinho só dele.
A tara pelo "nunca mais" é um sintoma. A atual instabilidade decorre em última instância de ter colapsado o acordo fundamental que fez nascer a hoje agonizante Nova República.
Que acordo? As diversas forças políticas conviverem num ambiente de democracia constitucional, e as diferenças serem resolvidas nas urnas. E entre duas eleições os conflitos serem dirimidos no Legislativo. É sabido que as circunstâncias históricas levaram a um desgaste desse pacto, afinal sepultado em algum ponto da viagem entre 2013 e 2018.
E cá estamos nós de novo à beira de uma grave crise institucional. Fenômeno que os otimistas, ou ingênuos, achavam ser coisa do passado. É inevitável? Ainda não, mas o trem está em marcha. E se acontecer, de quem será a culpa, a responsabilidade histórica?
Periga tornar-se mais um assunto de debate e disputa entre políticos, historiadores, jornalistas, profissionais e amadores, para todo o sempre.
====================
Publicado na revista Veja de 01 de setembro de 2021, edição nº 2.753
Fonte: Veja / Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/nunca-mais.html
Alon Feuerwerker: Enfim, a crise
Alon Feuerwerker / Análise Política
A palavra “crise” vem sendo vulgarizada há décadas entre nós, a ponto de a psique nacional ter normalizado a sensação de estarmos sempre em crise. O que costuma ser exagero retórico. Mas desta vez parece que vamos para uma crise mesmo, pois esboça-se um cenário inédito nos últimos quase sessenta anos: não há consenso sobre o método e as circunstâncias que vão decidir a luta pelo Planalto.
A aceitação consensual das normas que orientam e regulamentam a alternância no governo é talvez o pilar fundamental da paz política em regimes como o nosso. Ou seja, se os jogadores e os times não estão de acordo sobre as regras, ou sobre quem pode jogar ou não, é difícil o jogo acabar bem. Não é obrigatório que acabe mal, mas a chance é grande. Exatamente a situação agora do processo político brasileiro, a caminho da desestabilização.
A existência desse consenso fez o edifício resistir com certa estabilidade ao impeachment de Fernando Collor. Aí vieram Itamar Franco, que não podia se candidatar à reeleição, e em seguida dois nomes do “mainstream”, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Que resistiram às turbulências também por aceitar um fato: o poder não é um espaço vazio à espera do vencedor da eleição, é um prédio ocupado que troca de zelador.
Essa realidade não havia sido respeitada por Collor, nem foi em boa medida por Dilma Rousseff. Nem na largada por Jair Bolsonaro. Não significa que ele vá ter o destino dos dois, pois fez ajustes a tempo e conta, até o momento, com proteções que certa hora faltaram a ambos. Por exemplo a presidência e a maioria da Câmara dos Deputados (onde começam os impeachments), e apoio militar. E a crise agora escalou quando falta pouco para a eleição.
Este último aspecto deveria, teoricamente, oferecer a possibilidade de uma desanuviada no ambiente, e fazer os políticos voltarem-se para a preparação da disputa eleitoral. Costuma funcionar como válvula de escape. E por que não está funcionando agora? Precisamente porque falta o acordo essencial de que todos disputarão, e com as regras de agora, e quem tiver mais votos assume a cadeira no Palácio do Planalto em janeiro de 2023.
Daí que a política esteja enredada num novelo de difícil desembaraço. Hoje, Bolsonaro iria ao segundo turno e perderia de Lula. E a chamada terceira via teria os cerca de 20% que Marina Silva teve em 2010 e 2014, exatamente por ser a única “terceira via”. Num país mais próximo da normalidade, os insatisfeitos com esse cenário estariam cuidando de buscar alianças e de fixar imagens programáticas favoráveis. Não no Brasil de 2021.
Um novo impedimento de Lula tornou-se possibilidade remotíssima, após as decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito. Resta, portanto, hoje, uma vaga na decisão. Bolsonaro, enfraquecido pelos erros na condução da pandemia, mas ainda apoiado por um terço, resiste ao cerco, alimentando, por convicção ou conveniência, dúvidas sobre a higidez do processo eleitoral. Se perder mesmo a eleição, parece visualizar aí uma trincheira de resistência.
Entre os adversários, o PT e Lula começam a se movimentar, nos périplos e nas alianças. Na esquerda, o grande problema é que falta muito tempo para as urnas, mas se até lá nada mudar estará tudo bem. O difícil é nada mudar até lá, pois todos estão vendo o mesmo jogo.
Já para a terceira via é imperioso criar um fato novo, que lipoaspire ou impeça um dos dois favoritos. E quem está agora na situação mais vulnerável é Bolsonaro. Que, como se sabe, talvez tenha cometido um equívoco complicado, na política e na guerra: errar na identificação do inimigo principal, e também no diagnóstico de onde vai vir o ataque mais perigoso.
Pois ele está vindo, como era previsível e foi previsto, exatamente dos companheiros de viagem no auge da glória da Lava Jato, das jornadas de rua pela derrubada de Dilma e das decisões estratégicas na eleição de 2018.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/enfim-crise.html
Alon Feuerwerker: A urna e as pesquisas
Alon Feuerwerker / Análise Política
Uma expressão usada pelo presidente da República é “jogar dentro das quatro linhas da Constituição”. O problema de Jair Bolsonaro: quem interpreta o que a Constituição quer dizer não é ele. É o Supremo Tribunal Federal.
E, no processo histórico de construção do nosso “bonapartismo distribuído”, as diversas forças políticas gastaram as décadas recentes estimulando o STF a adotar interpretações cada vez mais elásticas da Carta, conforme a conveniência do momento.
E as decisões passaram a depender mais da correlação momentânea de forças e menos do texto.
E voltamos à inevitável citação do Conselheiro Acácio: as consequências vêm sempre depois.
Foi a oposição de esquerda que inaugurou, nos anos 90, o hábito de recorrer ao Supremo quando perdia votações no Congresso, ou quando não gostava de alguma decisão do governo e faltavam-lhe votos no Legislativo para reverter.
Basta procurar nos arquivos da imprensa a profusão de episódios com a foto dos principais líderes da oposição protocolando recursos no tribunal.
Nos anos recentes, a direita incorporou-se à caravana e passou a liderá-la, especialmente no período de glória da Lava Jato.
Talvez o episódio mais agudo desse último movimento tenha sido o STF aprovar a prisão após condenação em segunda instância. Tempos depois, a decisão foi revertida, mas o estrago estava feito.
No passar dos anos, esse ativismo judicial passou a ser anunciado como tendo vindo para melhorar a República. Alguns veem também a oportunidade de “refundar” a dita cuja, e por outros meios que não o cansativo caminho de convencer o eleitor a dar os votos para construir a hegemonia no Executivo e Legislativo.
O ativismo judicial é um vetor da “nova política”, ou política de novo tipo. Agora parece termos enveredado por uma política de tipo inteiramente novo.
Política em que o Judiciário é arrastado a um papel equivalente ao dos outros dois protagonistas da Praça dos Três Poderes. E na qual o Executivo flerta com trazer as Forças Armadas para desequilibrar (ou equilibrar) o jogo. A parada em 2022 será decidida nessa moldura.
A raiz das tensões políticas, como costuma acontecer na História do Brasil, é a sucessão presidencial. No cenário de hoje, Jair Bolsonaro iria ao segundo turno e perderia para Luiz Inácio Lula da Silva. E o desempenho da “terceira via” ainda engatinha.
Se fosse um político convencional, o presidente estaria 100% concentrado em melhorar sua popularidade por meio de ações governamentais no combate à pandemia e no relançamento da economia.
Decidiu, porém, ir por outro caminho. Insistir que só perderá a eleição se for roubado. Mas quem decidirá se a eleição foi ou não limpa não vai ser ele, será a Justiça Eleitoral, que ele não controla. E quem vai resolver qualquer imbroglio na última instância é o Supremo Tribunal Federal, onde tampouco o presidente tem maioria.
E ambos os tribunais têm também como buscar apoio planetário. E o Brasil se candidata a ser mais uma “photo op” para os tais “observadores internacionais”.
O método brasileiro de coleta de votos pode ser aperfeiçoado, como todo método de coleta de votos. Mas talvez Bolsonaro devesse ter aberto esse debate em janeiro de 2019, e não só quando a má condução das políticas na pandemia e a elegibilidade de Lula fizeram notar que a reeleição tinha subido no telhado.
Abrir esse debate quando na prática não há mais tempo hábil para mudanças radicais pode fazer desconfiar que o problema do presidente não é tanto com a urna eletrônica, mas sim com as pesquisas.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-urna-e-as-pesquisas.html
Alon Feuerwerker: À espera do desempate
Alon Feuerwerker / Veja / Análise Política
O nó da conjuntura está na fraqueza das forças. Nem a oposição a Jair Bolsonaro tem até agora músculos para remover o presidente ou tirá-lo do segundo turno, nem ele parece reunir reservas no momento para transmitir a seus potenciais apoiadores a segurança de que irá derrotar Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Daí o cenário ser, como descreve a literatura política, um “empate catastrófico”, equilíbrio crônico de forças (ou fraquezas) que produz degradação progressiva. Uma evidência pode ser vista nas reformas eleitoral e tributária.
Na teoria, o palco para o desempate será a eleição. Bolsonaro luta para manter coeso o núcleo ideológico da sua base, com as bandeiras já bem conhecidas. É seu passaporte para o segundo turno. Mas o movimento principal é buscar recursos orçamentários que turbinem programas sociais. Nem que tenha de aumentar impostos. O candidato Jair Bolsonaro era crítico de aumentar impostos e de as pessoas dependerem de governos. Mas na hora do aperto cresce a tentação de engatar o vagão das ideias na locomotiva das necessidades.
No ano passado, o pagamento do auxílio emergencial de seiscentos reais coincidiu com uma melhora na avaliação do presidente. Agora, a retomada daquele suporte financeiro, mas com menos da metade do valor e para menos gente, não parece estar ajudando a atenuar a dificuldade política. É possível que o novo Bolsa Família mude isso, mas será preciso esperar para ver. Até porque a inflação anda turbinada, especialmente nas compras do povão.
E inflação incomodando em ano eleitoral nunca é boa notícia para quem está no poder e quer continuar.
Se o esforço na área social funcionar, será a deixa para alguma distensão na política. Se o atalho for insuficiente, é provável mais turbulência lá na frente. Está bastante enganado quem acha que a derrota da PEC do voto impresso/auditável encerra a disputa sobre a urna eletrônica.
Uma tendência da conjuntura é o azeitado rolo compressor governista na Câmara acabar transferindo as fagulhas da crise para o Senado. Onde a articulação palaciana é bem menos consistente, como mostra a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
Em meio à agitação desencadeada com a mobilização pelo voto impresso, o debate sobre novos programas sociais e os frequentes arreganhos do Executivo são temas que ajudam a reduzir o impacto comunicacional da CPI, cuja hora da verdade está chegando. Aguarda-se o relatório para ver se a comissão tem mesmo garrafas para entregar. Ou se vai fazer barulho mas alcançar apenas bagrinhos. Ou ex-bagrinhos.
A incógnita-chave do momento é o que poderia mudar o ânimo popular o suficiente para inverter a tendência das pesquisas. No mundo objetivo, o presidente e o governo têm os instrumentos para tomar providências financeiras que caiam no gosto da massa. No subjetivo, o Planalto ainda tateia por onde resolver a encrenca que criou para si mesmo na pandemia. Pois em épocas de grandes ameaças e riscos, as pessoas costumam preferir os resolvedores de problemas aos que têm mais vocação para criar.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
====================
Publicado na revista Veja de 18 de agosto de 2021, edição nº 2.751
Fonte: Revista Veja / Blog Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-espera-do-desempate.html
Alon Feuerwerker: A raiz da instabilidade
Já havia sido bastante descrito e dissecado que o (primeiro?) mandato presidencial de Jair Bolsonaro seria uma disputa de bonapartismos. A fraqueza terminal dos governos Dilma Rousseff e, depois, Michel Temer trouxe pelo vácuo a anabolização de múltiplos polos de poder em Brasília. Especialmente no Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário. Mas também, por exemplo, no Tribunal de Contas da União. Sem falar do Congresso Nacional.
Daí que, para governar, o presidente eleito em 2018, qualquer que fosse, veria pela frente uma batalha morro acima pela retomada de poder. Inclusive o Moderador, que formalmente foi revogado com a República mas na prática permaneceu em vigor na mão do Executivo até bem pouco tempo atrás. A Constituição de 1988 deu mais músculos ao Legislativo, mas pelo menos até o primeiro mandato de Dilma os presidentes vinham submetendo deputados e senadores.
Bolsonaro estava manobrando com alguma eficiência nesse teatro de operações. Um exemplo? Livrou-se do até então dito superministro Sergio Moro sem maior custo político imediato. E emplacou com alguma facilidade os indicados ao Supremo Tribunal Federal, à Procuradoria Geral da República e ao TCU. E viu a vitória de um aliado para comandar a Câmara dos Deputados. Mas em Brasília não dá para deixar flanco desprotegido. E assim estava o Senado Federal, como se viu na hora complicada.
E vieram a pandemia, e os lapsos de avaliação e condução de Jair Bolsonaro. Algum dia talvez se explique como e por que o presidente conseguiu distanciar sua imagem o máximo possível, e simultaneamente, do isolamento e afastamento sociais, do uso de máscaras e da vacinação. Podia ter escolhido esta última, e teve a deixa quando o STF empoderou governadores e prefeitos. Não fez. E nesse ínterim Luiz Inácio Lula da Silva teve a elegibilidade devolvida pelo STF.
E explodiu o número de mortos pelo novo coronavírus. E instalou-se naquele flanco frágil, o Senado, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
E a maioria da Câmara que bloqueia o impeachment não é de incondicionais, tem um custo orçamentário inédito.
A correlação de forças resultante dos fatores objetivos e subjetivos acabou ilhando o presidente no núcleo mais fiel dos eleitores dele e nos políticos menos condicionais. A ideia de que a popularidade de Bolsonaro está derretendo é falsa, ele mantém cerca 30%, a maior parte disso dispostos a votar nele no primeiro turno e o restante no segundo. O problema (dele) é que os não incondicionais estão se agrupando contra. E isso parece cristalizar-se. E aumenta o custo político de manter uma base.
Mas o jogo não está jogado. O governo aposta na retomada da economia, nos novos benefícios sociais aos mais pobres e na contenção da Covid-19. A dúvida está em quanto a adesão a Bolsonaro será elástica em relação a cada uma dessas variáveis, e ao conjunto delas. Isso só o futuro dirá, mas por agora a eleição está configurada de modo amplamente desfavorável ao presidente.
Mais ou menos como no judô, quando você está imobilizado e precisa dar um jeito de sair da imobilização antes de o tempo regulamentar esgotar-se.
Na análise política, uma pergunta sempre útil é: “Se nada acontecer, acontece o quê?” Claro que é remota a possibilidade de na política brasileira faltando um ano e dois meses para a eleição nada se passar de relevante pró-governo até lá. Mas a raiz de toda a instabilidade política e, no limite, institucional, é o fato de, se nada acontecer de muito diferente, o presidente estar apontado para entrar na temporada eleitoral pressionado pelos números e precisando ele próprio alterar o cenário.
Pois, no momento, a inércia joga do outro lado.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-raiz-da-instabilidade.html