Alckmin

Luiz Carlos Azedo: Candidato a Messias

A pesquisa MDA/CNT desta semana continua alimentando cenários eleitorais. Os principais mostram que o deputado Jair Bolsonaro, que ontem se filiou ao PSL, tem quase assegurada uma vaga no segundo turno das eleições. Essa afirmação é controversa porque alguns analistas acreditam que seus votos estão consolidados e ele estará mesmo numa segunda rodada de votações. Bolsonaro é o candidato de extrema-direita, com um discurso contra a corrupção e a criminalidade, a favor dos “valores da família”, como anunciou o senador Magno Malta (PSL-ES).

Na pesquisa, Bolsonaro tem de 20% a 20,9%, dependendo do adversário. Qualquer um deles enfrentará dificuldades para derrotá-lo, seja Marina Silva (Rede), seja Ciro Gomes (PDT), seja Geraldo Alckmin (PSDB), que estão embolados na disputa para enfrentá-lo. Corre por fora Álvaro Dias (Podemos), que cresce no Sul do país. Marina Silva se mantém no páreo, apesar da crise na Rede. Cresce de 7% para 12% quando Lula sai da disputa, mas Bolsonaro sobe de 16% para 20%.

Os dois estão herdando os votos do petista. No caso de Marina, essa é uma deriva natural da parcela do eleitorado petista que se identifica com a ex-seringueira e ex-senadora que se elegeu pela legenda no Acre. No caso de Bolsonaro, desloca-se o eleitor de mais baixa renda que acredita em salvador da pátria. Ontem, na cerimônia de filiação ao PSL, Bolsonaro não se fez de rogado: “Eu sou o messias. Jair Messias Bolsonaro”, discursou.

A palavra “messias” deriva do termo hebraico almashita, significava “ungido”, ou seja, alguém marcado na testa com óleo sagrado para realizar cerimônias religiosas. Com o passar do tempo, passou a descrever uma figura semidivina que deveria vir à Terra para resgatar seu povo. Para os judeus, “o salvador” deveria ser um rei descendente de Davi (que reinou no antigo Israel entre 1000 a.C. e 962 a.C.), com a missão de livrá-los da opressão estrangeira e implantar um mundo de justiça e salvação.

Quando o Novo Testamento foi escrito, em grego, no primeiro século da era cristã, a expressão mashiah foi traduzida como christos e se tornou o título de Jesus — ou seja, “Jesus Cristo” é o mesmo que “Jesus, o Messias”. Entretanto, o “messianismo” não se limita ao judaísmo e ao cristianismo, todas as grandes religiões do mundo têm uma figura messiânica, que virá para combater o mal e a injustiça, restaurando o paraíso sobre a Terra. Esse foi o sentido dado por Bolsonaro. No Brasil, tem a ver também com o “sebastianismo”, a crença de um salvador da pátria inspirado em Dom Sebastião, “O Desejado”, o jovem rei português que foi morto na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.

Eleição aberta

De onde vem a consolidação dos votos de Bolsonaro? Da extrema-direita saudosista do regime militar e dos evangélicos, mas também desse nosso “sebastianismo” lulista. Entretanto, Bolsonaro enfrenta dificuldades para seduzir os setores conservadores e liberais, que buscam uma alternativa mais moderada. A chamada direita progressista deseja modernizar a economia e aceita as mudanças dos costumes. Esses setores ainda estão em busca de uma alternativa. Marina não tem capacidade de seduzi-los, muito menos Ciro Gomes ou Álvaro Dias. A eleição está aberta, dependendo do cenário, de 38,7% a 42,1% dos eleitores não têm candidatos.

Quem pode atrair esses eleitores é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que sobe de 6,4% para 8,7% com Lula fora da disputa. O governador paulista, porém, enfrenta um cenário muito pior do que o das eleições de 2006, quando disputou com o petista e foi para o segundo turno, mas teve menos voto do que no primeiro. Naquela ocasião, o senador Aécio Neves foi acusado de cristianizá-lo para se eleger governador de Minas. Agora, a situação é pior ainda, pois o petista Fernando Pimentel lidera as pesquisas e Aécio respira de canudinho por causa da Lava-Jato. Alckmin está sem palanque em Minas porque o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) não quer ser candidato ao governo.

Do outro lado do espectro político, a situação do PT é de quem vai pro mato sem cachorro. A legenda insiste na candidatura de Lula mesmo sabendo que ele está inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa, que é autoexplicativa. Essa estratégia tem muito mais o objetivo de evitar a prisão de Lula do que viabilizar um candidato substituto. Em todos os cenários pesquisados, o ex-prefeito Fernando Haddad, que seria a alternativa petista, não passa de 2,4% das intenções de votos. Numa campanha curta, deixar a escolha para a última hora pode ser um haraquiri político, ainda mais se Lula estiver preso. (Correio Braziliense – 08/03/2018)


Eliane Cantanhêde: Meirelles vice de Alckmin

Ministro queria ser vice de Aécio e pode virar de Alckmin com apoio de Temer

Está em gestação a jogada mais pragmática de toda essa campanha eleitoral tão desajeitada: uma chapa com Geraldo Alckmin na cabeça e Henrique Meirelles na vice. Um pelo PSDB, outro pelo MDB, reativando a aliança entre os dois partidos interrompida nos anos do PT e agregando à candidatura Alckmin os êxitos econômicos do governo Temer, mas trazendo como contrapeso sua carga de denúncias e dívidas na Justiça.

As conversas avançam e podem ter evoluído na sexta-feira no encontro do presidente Michel Temer com o tucano Fernando Henrique Cardoso, já que uma costura assim só tende a evoluir com o aval de FHC e o patrocínio de Temer. Se FHC tem sido seguidamente azedo com o governo, vai ter que adoçar o tom.

A operação exige acordos delicados, mas não chega a ser tão complicada. Nem Meirelles é homem de partido, nem o seu partido, o PSD, deu a mínima bola para as pretensões presidenciais dele. Logo, o divórcio será amigável, com todos, ao final, participando da mesma campanha: a de Alckmin.

Se Meirelles é um candidato em busca de uma sigla, o MDB é uma sigla em busca de um candidato. Tenha os problemas que tiver, o MDB é precioso para Alckmin, pelo tempo de TV, ramificação nacional, bancadas no Congresso, governos estaduais e prefeituras. Bem... os emedebistas ajudam a manter o Brasil como a terceira maior população carcerária do planeta, mas que candidato despreza uma aliança assim mesmo?

De outro lado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, é um pragmático flexível e não tem do que reclamar. Tinha horror de Alckmin, mas encomendou a fantasia para ser vice de João Doria em São Paulo e, se “ceder” Meirelles para a coligação do próprio Alckmin ao Planalto, aumenta ainda mais suas fichas para 2019.

O sonho de Meirelles é ser político e a realidade é que ele sempre recua. Saiu do BankBoston para disputar a Presidência da República, mas se elegeu deputado pelo PSDB e virou mesmo foi presidente do Banco Central do PT. Desde então, colhendo troféus e reconhecimento no Executivo, nunca parou de sonhar com a adrenalina das campanhas.

Meirelles se lançou ao governo de Goiás em 2006 e 2010 e chegou a namorar a ideia de ser vice de Aécio Neves em 2014, mas não teve espaço. É natural que agora desça um degrau para trocar a própria candidatura pela vice de Alckmin, aliás, num País em que ser vice é uma aposta e tanto, que o digam Sarney, Itamar e o próprio Temer, em apenas trinta anos. E Meirelles não seria um candidato a vice qualquer, muito menos um vice qualquer.

A candidatura Alckmin tem sobrevivido de solavanco em solavanco, mas vai se afirmando em cima de uma constatação límpida: não apareceu ninguém melhor para unificar o tal “centro”. Doria queimou a largada e vai caminhando para seu Plano B, o governo de São Paulo. Luciano Huck era para valer (apesar do sarcasmo dos mal informados), mas amarelou na hora de acelerar. Rodrigo Maia mal engatou a primeira. E Álvaro Dias, um ex-tucano, não sai do Sul.

O projeto Alckmin avança e tem uma peça chave: Michel Temer. O presidente vive numa gangorra estonteante, ora lá em cima, com intervenção no Rio, dados econômicos, leve recuperação de empregos; ora lá em baixo, com decisões da PGR e do STF sobre o porto de Santos e as relações perigosas do MDB com a Odebrecht. Um fato, porém, é inquestionável: ele recuperou força política.

Temer tem o que mostrar, demonstrou capacidade de iniciativa e, com certeza, será “um player”. O beneficiário tem tudo para ser Alckmin, mas o apoio tem preço: a defesa do seu “legado”. É assim que, nem amado nem odiado, como os bons candidatos, Alckmin vai pela estrada largando concorrentes e colhendo aliados a partir de uma dura conclusão: “Se não tem tu, vai tu mesmo”.

 


Valor Econômico: 'Espero que voto de Huck migre para Alckmin', diz Arminio Fraga

Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, defendeu, em entrevista ao Valor, uma ampla reforma tributária com a criação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) e mudanças no Imposto de Renda (IR) para tributar mais a renda dos serviços que, com a "pejotização", é muito pouco taxada.

Por Claudia Safatle, do Valor Econômico

Mesmo que a proposta de emenda constitucional da Previdência ainda seja aprovada por este governo, ele acredita que será preciso uma nova rodada de reformas nessa área e sugere que os economistas do atual governo, que mergulharam no assunto, deixem um amplo projeto pronto para a próxima gestão. O financiamento da seguridade social não deve ser feito primordialmente pela tributação da folha de salários. "Acho que se deveria descarregar a necessidade de arrecadação em outros impostos, sobre um IVA bem feito e também no Imposto de Renda, onde há espaço, dado que rico, no Brasil, não paga imposto", disse.

Segundo Arminio, há vários grupos de economistas discutindo o Brasil. O resultado desses debates deverá ser prático, com propostas concretas e as respectivas medidas legais colocadas no papel. Se tiver que ser projeto de lei ou medida provisória, eles já estarão prontos. Ele próprio está se dedicando à elaboração de propostas para uma ampla e profunda reforma do Estado, junto com a economista Ana Carla Abrão.

Reformas do Estado, tributária e da Previdência são algumas das medidas que poderão servir a um eventual governo reformista. Elas compreendem outras iniciativas importantes, como a desvinculação geral do Orçamento, mecanismos de avaliação dos programas, fim da estabilidade do funcionalismo. Esses grupos não estão necessariamente ligados a um candidato à Presidência da República. Com a desistência de Luciano Huck, Armínio espera que Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo, seja o herdeiro desses votos.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: O presidente Michel Temer disse que vão sobrar poucas reformas para serem feitas pelo próximo governo. Na sua avaliação, sobram poucas ou muitas?

Arminio Fraga: Falta muita coisa. Sem nenhum demérito da reforma trabalhista, do que foi feito no setor de petróleo, no setor elétrico, nas estatais, no BNDES, isso é um início. O teto que foi aprovado não funciona sozinho, tem que ter uma boa reforma da Previdência - ou duas, talvez - e muito mais. Tem o lado tributário, que é um prato cheio para reformas, tanto o lado indireto quanto do Imposto de Renda. Temos o país da 'pejotização', do fundo fechado, tudo o mais, que precisa ser repensado.

Valor: Teria que rever as deduções do IR também?

Arminio: Também. Toda a discussão sobre terceirização, que foi boa, deixou de lado o fato de que muito do que se vê tem motivação tributária, o que está errado. No lado fiscal, da gestão pública, há também um enorme caminho pela frente. Para isso é preciso uma reforma muito completa e profunda do Estado. E não é só uma questão fiscal - embora o 'só' seja entre aspas porque é uma questão enorme. É muito mais. É criar condições para se ter um Estado mais eficaz. Essa é uma agenda importantíssima. Com certeza, na infraestrutura tem muito a se fazer. Acho que a agenda [do governo] é boa, não estou reclamando, mas está longe de estar concluída. Muito longe.

Valor: Quando o senhor fala da reforma do Estado, está falando de um Estado menos empresário, mais voltado para as questões sociais?

Arminio: Com foco na segurança, saúde, educação e Previdência até um nível básico. Um Estado que consiga entregar nessas áreas. Nos últimos anos houve algum progresso, mas estamos muito longe de ter um sistema público de educação e de saúde como o que gostaríamos. As crianças estão na escola, mas as avaliações qualitativas são muito ruins. Temos saúde universal com um desenho bom, mas também cheio de problemas. E segurança nem se fala, é um assunto emergencial.

Valor: A intervenção federal no Rio, recém anunciada, é parte de uma ação emergencial?

Arminio: Sim, pois de fato é uma emergência. Mas depois será necessário algo permanente.

Valor: Voltando à questão fiscal, onde além do teto houve medidas importantes, como a devolução do 'funding' do BNDES. Mas isso não resolve o cumprimento do teto para o gasto público...

Arminio: Não, não resolve.

Valor: A reforma da Previdência, se ainda for aprovada, vai ser modesta, o que leva a crer que o próximo governo terá que continuar nesse tema, não?

Arminio: Tenho certeza. Os especialistas dizem que a primeira reforma resolvia 70% - um número aproximado - da questão; a que está aí hoje resolve metade. Então, tem que ter outra.

Valor: Dado o engessamento do Orçamento, não seria preciso fazer algo mais drástico como um orçamento base-zero?

Arminio: Tem que fazer orçamento base-zero, repensar a estabilidade, desvincular o Orçamento todo.

Valor: Para fazer essa revolução não teria que haver um governo...

Arminio: O governo tem que querer. E aí, se descobrir que falta ferramenta, tem que propor. Eu estou até envolvido em umas discussões para preparar projetos e propostas nessa área com um teor mais prático.

Valor: Como é isso?

Arminio: Há vários grupos discutindo o Brasil, sem necessariamente ter ligações diretas com eventuais candidaturas. Acho necessário ir além de preparar textos sobre duas dezenas de assuntos e avançar em alguns dos temas, principalmente sobre os que exijam mudanças em lei, e que se pense na execução das medidas. Se precisar de um projeto de lei, que tenha ele preparado.

Valor: Quais as medidas que esses grupos devem propor?

Arminio: As mais óbvias são a reforma tributária - a consolidação dos vários tributos indiretos e a criação de um IVA moderno. Há muita gente pensando nisso. Precisa ter um grupo de pessoas para deixar isso pronto. Outro tema é o da Previdência. Nesse, o próprio governo poderia preparar um projeto, nem que seja para ficar na prateleira, incluindo tudo. A proposta que está aí merece ser aprovada, é necessária. Mas é preciso ir além e fazer "a" reforma que traz pendurados outros assuntos, como a tributação da folha. Será que é necessário financiar a transição para um sistema mais atuarialmente equilibrado cobrando da folha [de salário das empresas]?

Valor: Qual a resposta?

Arminio: Acho que não. Pode ter alguma, mas deveria descarregar a necessidade de arrecadação em outros impostos, sobre um IVA bem feito e, também, no Imposto de Renda, onde há espaço dado que rico, no Brasil, não paga imposto. Aliás, é estranho que depois de tantos anos de governo do PT não se tenha avançado nesse tema [taxar os ricos]. Esse é um assunto adormecido.

Valor: Imposto sobre herança? Patrimônio?

Arminio: Sobre herança, pode ter também. Mas acho que o imposto sobre patrimônio não funciona. O único patrimônio onde se cobra imposto no mundo inteiro é o imobiliário. Sobre herança é razoável, as alíquotas no país vêm subindo. Pode-se tributar mais a renda sobre setor de serviços, que com a 'pejotização' é pouquíssimo tributada. Então, trata-se de deixar como projeto um grande redesenho da área previdenciária, mercado de trabalho e da tributária.

Valor: Qual a proposta para a reforma do Estado?

Arminio: É dar uma geral no Estado para que seja mais eficaz. Na área de recursos humanos, ter uma avaliação das pessoas, repensar o tema maior da estabilidade e, por outros ângulos, avaliar programas de governo, que é crucial para que se saiba o que está dando certo e o que não está dando certo. É preciso um processo de avaliação permanente. A Ana Carla Abraão [economista] está trabalhando nisso e vamos incluir outras pessoas, como advogados que entendam do tema. Desse eu estou mais próximo. Sem tudo isso e, particularmente, a parte do Estado, acho difícil o país chegar aonde pode chegar.

Valor: Quais os programas mal avaliados?

Arminio: O que existe hoje no mundo da educação, da saúde e da segurança não dá para dizer que está dando certo. Progressos ocorreram, o SUS é bem avaliado, mas precisa de ser aperfeiçoado e tem problemas enormes de gestão. Idem para educação; e segurança nem se fala. É coisa grande, estamos falando das coisas de maior peso na vida de uma nação. Em função disso, é preciso pensar na desvinculação do Orçamento, que é totalmente amarrado. As prioridades mudam com o tempo. É irônico que o que o [José] Serra [exministro da Saúde] - encarava, lá atrás, como piso no orçamento da Saúde hoje virou teto.

Valor: Num país que envelhece esse é um gasto que deveria aumentar, não?

Arminio: Exato. Essa é uma área onde, por razões demográficas e tecnológicas, se espera mais gastos com o tempo.

Valor: Na educação é o contrário?

Arminio: É o contrário, apesar de o Plano Nacional de Educação demandar mais cinco pontos percentuais do PIB que eu não sei de onde sairia a essa altura, com o país quebrado. O Orçamento não deveria ser um negócio engessado. Tinha que ser uma coisa viva. É uma ferramenta que vai se avaliando: está dando certo, vai em frente, faz mais; está dando errado, corrige.

Valor: Os bancos públicos estão em processo de reversão do agigantamento que tiveram na gestão do PT. O BNDES volta a ser um banco de R$ 90 bilhões em desembolsos; a Caixa está sob restrições. O sr. acha que eles deveriam voltar ao tamanho que tinham antes de 2008/2009?

Arminio: Não tem por que, na minha opinião, ter um setor financeiro público agigantado. Não tem razão. Muita gente que discorda e diz que 'os bancos públicos deveriam prestar um papel anticíclico'. Eu tenho muita dificuldade em ver isso.

Valor: Por quê?

Arminio: Aqui sempre tem política anticíclica quando as coisas vão mal, e quando vão bem ela é pró-cíclica. Ou seja, é pé na tábua sempre. Aí não é saudável. Além do mais o Banco Central tem muito espaço para fazer política anticíclica. Na hora da recessão os bancos ficam conservadores demais. Será que o Banco Central não poderia compensar isso reduzindo mais agressivamente os juros?

Valor: O custo do capital é alto no Brasil. Com a taxa de juros em um patamar mais normal, isso se resolve pelo mercado? Como fica?

Arminio: Do lado do juro básico, o Brasil viu, nas últimas décadas, uma boa queda. Mas os juros aqui seguem altos, 5% reais na ponta longa. No Chile, hoje, deve ser 1% real para 25 anos. No México é um pouco mais. Acho que a nossa situação ainda é um tanto precária, porque temos um ajuste fiscal relevante a fazer sob pena disso não durar. No momento, [os juros], tem mais a ver com a recessão e com a sensação de que a gestãotemerária que nós tivemos não está mais presente.

Valor: Mas os juros para o tomador final continuam elevados.

Arminio: Aí resta a questão do prêmio de risco de crédito. Esse é um desafio antigo, o Banco Central tem se dedicado bastante a isso ao longo dos anos. Eu acho que esse projeto tem princípio, meio e fim. Tem a ver com insegurança jurídica, com tributação... Tem todo um diagnóstico que fizemos lá atrás. O Banco Central de vez em quando refaz, isso também não é uma coisa gravada em pedra.

Valor: Falta concorrência? Há quatro ou cinco grandes bancos.

Arminio: Em algumas áreas isso parece mais claro do que em outras... que estão merecendo a atenção das autoridades, cartão de crédito, cheque especial. A qualidade das garantias - que parecia uma grande promessa, hoje está sendo questionada. A própria alienação fiduciária para financiamento de automóvel e de imóveis parecia funcionar melhor do que anda funcionando hoje.

Valor: O sr. escreveu artigo em defesa da privatização do Banco do Brasil e da Petrobras...

Arminio: É o que eu acho. Acho que o Estado não devia ter empresa, assim, como primeira aproximação. Isso não quer dizer que não se possa transformar algumas empresas em corporações com boa governança. Mas ter empresa na mão do Estado, com objetivos políticos, não transparentes, que não transitam pelo Orçamento, é um prato cheio para problemas.

Valor: Um convite à corrupção?

Arminio: Não só à corrupção como ao desperdício. Acho que a gente devia cair na real e desistir. Não funciona, esquece. Se o governo quiser subsidiar a pesquisa básica, que o faça; se quiser ter programas para os mais pobres, com certeza deve fazer. Mas põe no Orçamento e cobra a execução. A execução tem que ser profissional, transparente, bem incentivada, com concorrência. Desses todos, têm os que estão avançando. O BB vem avançando há anos; a Petrobras avançou muito nesse período recente; a Eletrobras . Mas tem uns casos incríveis, que já existem há muito tempo, que têm avançado pouco. O exemplo que me vem à cabeça é a Caixa e, no Rio, a Cedae.

Valor: Se falta equilíbrio fiscal, falta sustentação para a política monetária. Há o risco de aumento dos juros no horizonte?

Arminio: Não, no momento isso não está no horizonte. Mas não há política monetária de excelência sem uma política fiscal robusta.

Valor: Algum candidato sairá das eleições com legitimidade para fazer um ajuste dessa dimensão?

Arminio: Acho difícil. O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) deu uma entrevista excepcional tocando nesse assunto. Tocou em todos os pontos, e isso inaugura um debate eleitoral com o pé direito. Eu espero que as pessoas não sejam bobas de achar que ele está pedindo um sacrifício desnecessário. No governo passado houve uma deterioração fiscal de cerca de seis pontos percentuais do PIB. Um quarto por perda de receita na recessão, o resto por aumento de gastos e desonerações. Essa correção de rumo é necessária para estancar o crescimento exponencial da dívida pública e para consolidar um patamar de taxa de juros bem mais baixo do que aquele que temos tido há décadas.

Valor: Isso seria ser feito em um ano?

Arminio: Se o governo tiver uma agenda bem estruturada e crível, e as ferramentas forem sendo desenvolvidas com as reformas do Estado, da Previdência - não seria necessário nem recomendável fazer o ajuste todo em um só ano. Poderia ser ao longo de três anos. Tem muita área onde dá pra mexer. O relatório recente do Banco Mundial tem uma lista bem-feita.

Valor: Fala-se muito que o Brasil se desindustrializou. É o caso de se reindustrializar?

Arminio: O mundo inteiro se desindustrializou. A China, que é o polo industrial do planeta, também está vivendo um movimento onde o setor de serviços já é maior do que a indústria. O que temos de negativo em relação à indústria no Brasil é que ela foi desenvolvida debaixo de um regime de proteção bastante radical, que no início era tido como sendo proteção à indústria nascente, que já dura décadas.

Valor: Tornou-se uma proteção danosa?

Arminio: E isso não ajudou, porque hoje as coisas estão muito integradas e as necessidades tecnológicas são crescentes. Se você não está integrado fica mais difícil. E mais: o Brasil vive essa situação esdrúxula onde a indústria é muito mais tributada do que o setor de serviços e a agricultura. Não há por que ser assim. Isso está errado. Para compensar o fato de se ter regras trabalhistas complicadas, uma tributação complicada e cheia de distorções, uma infraestrutura ruim, o custo do capital alto etc... o governo, na outra ponta, começou a dar muito subsídio. Aí fica uma economia toda engatilhada, exposta a grupos de interesse e acaba como um monstrengo que não é produtivo.

Valor: O sr. estava trabalhando na candidatura do Luciano Huck à Presidência. Com a desistência dele quem pode herdar seus eventuais eleitores?

Arminio: Olha, eu não estava trabalhando na candidatura, mas eu tive a oportunidade de conversar com ele muitas vezes no último ano. Nós moramos no Rio, acho que descobrimos interesses comuns, de tentar melhorar as coisas.

Valor: Ele desistiu ou adiou por quatro anos?

Arminio: Eu não tenho dúvida de que ele vai para vida pública em algum momento. Poderia ter ido agora, o que seria um movimento muito ousado; e poderia deixar para se preparar um pouco mais e ir mais adiante. Para uma pessoa com os talentos que ele tem, é uma ideia bastante boa também.

Valor: O sr. já sabia da decisão dele?

Arminio:Acho que nem ele sabia! Deve ter sido uma decisão impossível.

Valor: Quem o sr. acha que herda os votos que ele teria?

Arminio: Espero que o Geraldo Alckmin.


O Estado de S. Paulo: 'Há espaço para duas candidaturas de Alckmin em SP', diz Aníbal

Pré-candidato ao governo, José Aníbal elogia lealdade do atual vice Márcio França, do PSB, e critica João Doria
Por Pedro Venceslau, de O Estado de S. Paulo
O ex-senador José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, centro de estudos e formulação política do PSDB, sugeriu, em entrevista ao Estado, que o prefeito João Doria desista de disputar a vaga ao governo do Estado e fique no cargo. Aníbal, que é um dos pré-candidatos ao Palácio dos Bandeirantes, também considera que há espaço em São Paulo para duas candidaturas da base de Geraldo Alckmin. Veja os principais trechos da entrevista.
O sr. admite a possibilidade de o PSDB apoiar o vice-governador Márcio França, do PSB, na disputa pelo governo paulista?
Pensou-se na ideia de trazer o Márcio França para o PSDB. Estive com ele recentemente. Márcio, porém, acha difícil essa ideia progredir. Quanto à ideia do PSDB não ter candidato, já vimos que a maioria do partido deseja que tenha.
 
Então, estão descartadas essas possibilidades?
Em princípio acho que sim. O partido quer ter candidato, mas deve haver uma construção. Não temos nenhuma candidatura óbvia e inquestionável. A pressa, se prevalecer, vai prejudicar a construção da candidatura.
O sr. defende prévias em maio para definir o candidato ao governo. A ideia é para forçar o prefeito João Doria a deixar o cargo caso queira ser o candidato?
Se o nosso prefeito está tão determinado a sair da Prefeitura, ele fará isso com ou sem prévias. Eu pessoalmente acho que ele deveria ficar e ter um desempenho em sintonia com o que pregou durante a campanha: uma gestão eficiente. João Doria deve ajudar quem o ajudou. O Geraldo foi muito presente na campanha dele. Mobilizou o partido. O prefeito já ficou namorando no ano passado a hipótese de uma candidatura presidencial, mas as coisas não andaram por ali. Agora ele tem essa coisa de candidatura a governador. Se você fizer uma pesquisa, ele está na frente de todos. É prefeito e tem um trabalho de comunicação intenso e permanente, mas esses climas que vão sendo criados em geral são sucedidos por um anticlímax.
Em 2008, a candidatura de Alckmin à Prefeitura de São Paulo foi ‘cristianizada’ e ele não teve apoio de muitos tucanos, que apoiaram Gilberto Kassab (PSD). Isso pode se repetir caso se formem dois palanques da base na disputa pelo governo?
Em 2008, o processo foi muito infeliz. Faltou diálogo. Teve gente do PSDB que não fez a nossa campanha. Mas eu acho que não será assim agora. Há um espaço enorme no eleitorado de São Paulo para duas candidaturas da base do governador. Na última eleição, o Alckmin teve 57% dos votos. São 12 ou 13 milhões de votos. A candidatura do PSDB não nos obriga a hostilizar o Márcio França. Pelo contrário. Márcio tem sido um leal companheiro do Geraldo Alckmin.
 
Se o PSB nacional não apoiar o Alckmin à Presidência, esse cenário em São Paulo pode mudar?
Não sei se será possível um apoio integral do PSB. Mas certamente ele vai ter algum apoio no partido. O apoio do PSB ao Alckmin não está vinculado ao fato do PSDB ter candidato em São Paulo. Está mais vinculado ao desejo de manter uma relação amistosa com Márcio França. Vamos disputar o mesmo universo de eleitores, com ele podendo agregar mais porque tem composições à esquerda.
O sr. acredita que a aproximação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o apresentador Luciano Huck constrangeu o PSDB?
Valeu muito uma conversa que eles tiveram há uma semana. Huck é um excelente comunicador e tem muita sensibilidade, mas não é fácil governar o Brasil. Acho que o presidente sugeriu a ele não aceitar. A decisão do Huck foi correta.
Huck teria uma predileção natural a apoiar o Geraldo Alckmin?
Não posso falar por ele. Mas vejo ele próximo, além do Fernando Henrique, do Andrea Calabi (padrasto de Huck, ex-ministro de FHC e ex-secretário de Alckmin) e do (ex-presidente do Banco Central) Armínio Fraga, que têm a sensibilidade do PSDB. Isso me faz imaginar que, se ele vier a manifestar sua intenção de voto ou apoio, o mais natural é que seja no PSDB, ao Geraldo Alckmin.
 
Doria tem sido um dos interlocutores do PSDB mais próximos de Temer. Que leitura faz da distância entre Alckmin e o presidente?
Eu não divulgo isso, mas converso com o presidente Temer com frequência. Almocei com ele na semana passada no Palácio do Planalto. Ele me disse que quer ter uma conversa com o Geraldo. Acha que é um bom momento para isso. O presidente Temer conversa com várias pessoas do PSDB, como o (José) Serra e o Aloysio Nunes. Eu tenho uma amizade com ele há muito tempo.
 
O prefeito de Manaus, Arthur Virgilio, fez críticas duras a Alckmin, que é pré-candidato à Presidência. Ele passou dos limites?
Eu acho que sim. Nós tivemos uma reunião com ele em Brasília, há duas semanas, na qual participaram cinco ex-presidentes do PSDB: Tasso Jereissati, Pimenta (da Veiga), Teotônio Vilela, Alberto Goldman e eu. Dissemos que não faz sentido ficar atacando. A disputa interna deve servir para construir convergência. Nós até brincamos: passamos nossos números de celular e dissemos que, se houver qualquer problema, é só ligar.

Luiz Carlos Azedo: Dança das cadeiras

Treze ministros sairão do governo até 7 de abril. Ontem mesmo, o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), que ocupa uma das pastas mais cobiçadas, anunciou que deixará o cargo

Começou mais cedo do que se imaginava a dança das cadeiras na Esplanada dos Ministérios. Era para ocorrer por ocasião do fim do prazo de desincompatibilização, 7 de abril, mas não é isso o que está acontecendo. Foi precipitada pela convenção do PSDB em dezembro passado, quando a legenda decidiu desembarcar do governo e o ministro tucano da Secretaria de Governo, Antônio Imbassay (BA), deixou a Esplanada — contra a própria vontade e a do presidente Michel Temer. Foi substituído pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MT), que liderava a tropa de choque governista na Câmara.

A movimentação em curso tem duas leituras possíveis; difícil saber qual delas prevalecerá no processo: a primeira, sinalizada pelo governador paulista Geraldo Alckmin, ao assumir o comando do PSDB, é o descolamento da antiga oposição, que se afasta do PMDB e das demais forças governistas que participaram do governo Dilma; a segunda, uma resposta do próprio Temer ao distanciamento de Alckmin, que resultou no relativo isolamento do tucano. Desconsiderando-se a questão eleitoral, que ainda está muito indefinida, hoje, o presidente da República tem mais moedas de troca do que o governador de São Paulo, cuja candidatura ainda não gera grande expectativa de poder.

O melhor exemplo dessa situação ambígua é a solução dada para a saída do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB-RS). O primeiro substituto escolhido foi o deputado Pedro Fernandes (MA), indicado pelo líder da bancada na Câmara, Jovair Arantes (GO), mas vetado pelo ex-presidente José Sarney. Roberto Jefferson não engoliria um veto dessa ordem facilmente, a não ser que fosse jogo combinado e/ou a deixa para fazer a própria filha, deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), a nova ministra do Trabalho. Ora, o PTB é um dos aliados mais leais a Alckmin em São Paulo, onde está o eixo de atuação do ministério. Se houver uma reaproximação entre o PSDB e Temer, a mudança veio para somar. Mas pode ser que isso não ocorra. Aí a situação se complica um pouco mais para o tucano, que anda correndo sério risco de “cristianização” por parte de outras lideranças de seu partido.

Temer não esperava a saída antecipada do ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, do PRB. Em razão disso, resolveu fazer do limão uma limonada e antecipar a reforma ministerial, mirando a aprovação da Previdência. É uma manobra inteligente, de quem quer aproveitar uma situação inexorável — a desincompatibilização dos que desejam se candidatar no pleito deste ano —, para construir uma vitória parlamentar que pode dar um novo fôlego ao próprio mandato. Se dará certo ou não é outra história, mas o desenho é esse. O nome mais cotado para o cargo não é um parlamentar, mas o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira, indicado do PRB e ligado ao presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que é do PMDB paulista.

No sereno

Treze ministros sairão do governo até o fim do prazo de desincompatibilização. Ontem mesmo, o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), que ocupa uma das pastas mais cobiçadas da Esplanada, principalmente pelo PMDB, anunciou que deixará o cargo para concorrer a uma vaga de deputado federal. Normalmente, um cacique político como ele só larga o osso quando tem um nome na cartola para o seu lugar, mas isso significaria assumir compromisso de longo prazo com o governo. Não havendo esse compromisso, dificilmente Barros fará o sucessor. Vem daí o poder de Temer na reforma, tendo tantos cargos para recompor sua base de apoio no Congresso. Quem não assumir compromisso com a aprovação da reforma da Previdência, corre o risco de ficar no sereno até as eleições.

Mas há outra variável nessa dança de cadeiras que preocupa a todos. A substituição do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que deseja ser candidato a presidente da República pelo PSD. O simples fato de o ministro manifestar essa intenção gera críticas e incertezas no mercado. A sua substituição tem a ver com a preservação ou não da atual política econômica, que perderia a blindagem. Há muitos contenciosos entre a equipe econômica e os caciques do PMDB, principalmente seu presidente, senador Romero Jucá (RR), que controla o Ministério do Planejamento.


O Globo: Alckmin no labirinto do PSDB

Partido em crise de identidade corre risco de perder coerência ideológica
Por Paulo César Pereira

BRASÍLIA — O governador Geraldo Alckmin assume hoje o PSDB com um desafio extraordinário. Desde a fundação do partido em 1988, os tucanos jamais enfrentaram crise tão grave quanto a atual. Se a gravação do senador Aécio Neves negociando R$ 2 milhões com Joesley Batista confirmou que os tucanos haviam aderido às piores práticas da política brasileira, a falta de um mínimo de coerência ideológica pode tirar da legenda o que lhe resta de credibilidade administrativa.

Os tucanos sempre foram alvo de críticas pela dificuldade em tomar decisões. Tucanar virou um verbo folclórico, mas ainda assim o eleitorado sabia, eleição após eleição, que o PSDB era um dos partidos brasileiros relevantes com ideologia definida — uma social-democracia, na qual o liberalismo econômico era equilibrado por um conjunto de políticas sociais. Sua contraface era o PT, e não à toa eles rivalizaram as seis últimas eleições presidenciais. Mas isso pode estar chegando ao fim.

Ironicamente, justo no momento em que a pauta econômica liberal parece encontrar algum lastro — ainda que modesto — na sociedade brasileira, os tucanos parecem dispostos a largar seu posto de representantes da racionalidade fiscal para se converterem em mais um amontoado de políticos que não consegue vocalizar uma pauta comum e responsável.

Dividido até em relação a um tema como a reforma da Previdência, o PSDB parece prestes a cair no populismo que durante muito tempo seus eleitores tentaram evitar. E há poucas formas tão eficientes para se tornar mais uma legenda desimportante quanto abandonar bandeiras históricas em nome de uma popularidade sabidamente fugaz.

 


Eliane Cantanhêde: Ou vai ou racha

Alckmin se consolida e atrai governo e PMDB. Mas isso custa caro...

A semana consolidou o protagonismo de Geraldo Alckmin no PSDB e na eleição presidencial, irradiando articulações com outros partidos, particularmente o PMDB, e para governos estaduais, particularmente o de São Paulo. João Doria, por exemplo, acionou seu plano B: a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.

Depois de deslizar ladeira abaixo na disputa com o padrinho Alckmin pela vaga de presidenciável tucano, Doria vem aí para sua sucessão. Aliás, os dois vão juntos a Brasília, no mesmo avião, para a convenção tucana que elegerá Alckmin presidente do PSDB e, provavelmente, o indicará candidato ao Planalto.

A costura, no entanto, desagrada a setores do PSDB, depende fortemente do PMDB e será uma nova pedreira para Alckmin e Doria, agora unidos para sempre, até que a morte – ou turbulências na campanha – os separe. Vai que Alckmin se consolide politicamente, mas não se viabilize eleitoralmente? Doria estará a postos.

Um fator decisivo na equação (talvez no resultado) do PSDB é o Planalto. Mesmo recém-operado, o presidente Michel Temer viaja pelo País, comemora os índices positivos na economia que pingam mês a mês e está metido até a alma na aprovação de alguma reforma da Previdência. Tudo isso com dois objetivos: participar ativamente da sua sucessão e não passar vexame nos livros de História.

Temer candidato a um segundo mandato? Praticamente impossível. Henrique Meirelles unindo governo e base aliada em torno do seu sonho pessoal? Improvável. Sobra a opção de emprestar os êxitos e os instrumentos de Temer para outro candidato – e contra os demais.

O PMDB, maior e mais ramificado partido do País, era uma federação de partidos e se transformou em federação de problemas e incógnitas. Uma parte (Renan Calheiros) vai com o PT, outra (Eliseu Padilha) com o PSDB e em direção a Alckmin. Os interesses, disputas e picuinhas estaduais vão definir o resto.

O presidente do partido, senador Romero Jucá, xingado ontem em um voo, tem uma habilidade política inquestionável. O que dizer do líder dos governos FHC, Lula e Dilma e Temer? Poderia ir para um lado ou para outro, mas está com o PSDB e, quando defende “um projeto único para o País”, tenta dar uma ordem unida a favor do PSDB – ou de Alckmin.

Isso não sai de graça, como nada no PMDB e na própria política sai de graça. Jogar a máquina do governo e o peso do partido significa negociar a garantia de votos tucanos para a reforma da Previdência, o uso dos palanques para defender o governo Temer e o apoio a candidatos do PMDB nos Estados.

O pacote PMDB-PSDB caminha para Doria ao governo paulista, rifando o peemedebista Paulo Skaf e provocando o tucano José Serra com vara curta. Mas há pragmatismo aí: se alguém comanda a política paulista é Alckmin...

A oposição não está parada. Jair Bolsonaro é o oposto de Alckmin: ele se viabiliza eleitoralmente, mas não demonstra força política e partidária. A fórmula deu certo (em termos de votos) com Fernando Collor. A ruptura de 2018 se assemelha à de 1989? Andamos para trás?

Nas esquerdas, há a tentativa de unificar o discurso, mas cada qual com seu candidato. Logo, “unificar o discurso” significa meter o pau no governo Temer. Neste fim de semana, Guilherme Boulos experimenta saltar de líder do MTST a candidato do PSOL, enquanto o PCdoB inova ao lançar uma candidatura própria, a da deputada gaúcha Manuela D’Ávila.

A Rede continua à espera de Marina Silva anunciar se vai disputar ou não pela terceira vez. E o PT? Vai se segurando com o que tem à mão, que é Lula, o campeão das pesquisas e dos processos. E se não for ele? Fernando Haddad está de prontidão, mas a eleição com Lula é uma e, sem ele, outra bem diferente.

 

 


Merval Pereira: Fora do prumo

O PSDB decididamente perdeu o rumo. No mesmo momento político em que decide dar ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a presidência do partido com o objetivo de tentar uni-lo em torno de sua candidatura à Presidência da República no ano que vem, toma duas atitudes completamente divisionistas: a bancada na Câmara decidiu impor condições para aprovar a reforma da Previdência, defendendo privilégios para servidores públicos; e divulga um documento pelo Instituto Teotônio Vilella com pretensas diretrizes para o programa partidário que não foi colocado em discussão.

Tudo indica que o partido acredita mesmo que a eleição de 2018 tem semelhanças com a de 1989, tanto que retornou no tempo para defender nesse documento supostamente partidário um “choque de capitalismo”, coisa que o então candidato do PSDB Mario Covas pediu em 1989.

Como o partido é reconhecido como o que tem dos melhores quadros de economistas, responsáveis pelo Plano Real, é espantoso que nenhum deles — Pedro Malan, Edmar Bacha, Elena Landau — tenha sido pelo menos consultado sobre esse texto divulgado. Não é à toa que Gustavo Franco decidiu deixar o PSDB para aderir ao Partido Novo, e André Lara Resende, Pérsio Arida e Armínio Fraga estejam afastados do partido, assessorando novos potenciais candidatos.

E é igualmente inexplicável que se lance um projeto de programa para as eleições de 2018 quando o partido está em fase de transição na sua direção nacional. Fora que a defesa de um “Estado musculoso”, em contraposição ao “Estado mínimo” ou “Estado forte” é um achado linguístico desastroso, que pode encobrir novas incoerências na questão das privatizações que já foi uma pedra no caminho da candidatura presidencial de Alckmin em 2006.

Do mesmo modo, a defesa de pontos programáticos históricos como a reforma da Previdência esbarra em interesses corporativos e populistas de parte da bancada de deputados, que pede mais concessões ao governo em sua proposta. O documento da bancada exige benefício integral na aposentadoria por invalidez, independentemente do lugar onde o problema ocorreu; permissão para acumular benefícios (pensão e aposentadoria) até o teto do INSS, hoje em R$ 5.531 e acima do que o governo propõe; e uma regra de transição especial para que os servidores que ingressaram no sistema até 2003 possam ter integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) sem ter que cumprir idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).

Quer dizer, o PSDB, que iniciou a reforma da Previdência como projeto de Estado, está sendo mais corporativista que o governo do PMDB. O partido já havia explicitado sua incoerência na campanha presidencial de 2014, quando votou pelo fim do fator previdenciário, mecanismo engenhoso aprovado pelo governo do PSDB para compensar a impossibilidade de aprovar a idade mínima para aposentadoria, derrotada na Câmara pela falta de um voto, justamente a do tucano Antonio Kandir, que alegadamente se equivocou na hora de votar apertando a tecla errada.

Para completar as trapalhadas, fala-se agora em acabar com as prévias, frustrando a pretensão do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, de disputar a indicação. Claro que é uma atitude voluntarista de Arthur Virgílio, já que a maioria do partido já se decidiu pela candidatura Alckmin. Mas, pelo menos enquanto tentam convencê-lo a desistir, não deveriam aventar a hipótese de não haver prévias. Foi o próprio Geraldo Alckmin quem disse que, se houvesse mais de um candidato à Presidência da República entre os tucanos, a prévia partidária era a melhor saída.

 

 


Luiz Carlos Azedo: O choque de Alckmin

A deliberada distância do tucano em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para outro projeto de centro

Ao mesmo tempo que o PSDB lança um documento no qual propõe uma espécie de novo “choque de capitalismo”, para citar a expressão usada pelo falecido governador Mario Covas na campanha eleitoral de 1989, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ontem, deixou muito claro que defende a saída imediata do PSDB do governo Temer. Se fosse feita há uma semana, a declaração seria parte do tiroteio tucano; agora, não. Candidato único a presidente da legenda, com as desistências do governador de Goiás, Marconi Perilo, e do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), soa como uma espécie de aviso aos navegantes do rumo que tomará campanha eleitoral, mantendo distância regulamentar do presidente Michel Temer nas eleições de 2018.

Na campanha eleitoral de 1989, as teses de Covas causaram perplexidade no campo da centro-esquerda, que foi às urnas profundamente dividida, com seus principais partidos buscando a própria identidade. Numa eleição com 22 candidatos, Leonel Brizola (PDT), Luiz Inácio Lula da Silva (PTB), Roberto Freire (PCB) e até mesmo Ulysses Guimarães (PMDB) ironizaram as posições de Covas, que acabaram abduzidas por Collor de Mello (PRN), com um discurso forte de abertura da economia, reformas liberais e combate às mordomias da alta burocracia e dos políticos. A radicalização política levou Lula e Collor ao segundo turno, dois candidatos que poderiam ser chamados de outsiders. Ao contrário do que se imaginava, as teses de Covas eram até modestas diante das demandas da sociedade.

De certa forma, o documento do PSDB, intitulado “O Brasil que queremos”, faz um contraponto ao programa “Ponte para o futuro”, lançado pelo PMDB às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff e que serve de norte político para as reformas iniciadas pelo presidente Temer. A cúpula tucana defende que o Estado brasileiro deixe de ser “vetor de distribuição de privilégios e concentração de renda nas mãos de ricos e poderosos”. E propõe o fim do “capitalismo de compadrio”, com critérios e metas para concessão de subsídios, renúncias fiscais e benefícios tributários, além do acompanhamento periódico do orçamento público. “Em particular, o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos precisa ser reavaliado”. É um contraponto às práticas do PMDB e de outros aliados no governo.

O PSDB argumenta que o crescimento econômico é condição necessária para a redução das desigualdades e a geração de riqueza e renda — “Sem crescimento, os demais objetivos sociais e políticos ficam inviabilizados” —, mas fica no meio do caminho quanto à questão da redução do tamanho do Estado: “Nem máximo, nem mínimo, pois esse é um falso dilema, o Estado eficiente, musculoso, deve também recuperar sua capacidade de regulação, garantindo melhores serviços aos usuários e a necessária segurança jurídica para a realização dos negócios”. Coordenado pelo presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal, o texto afirma que o capitalismo é o sistema que “gera melhores condições” para a conquista de qualidade de vida, porém, manéêm o viés social-democrata ao fazer a ressalva de que o livre mercado, por si só, “não é capaz de assegurar distribuição mais equânime das riquezas produzidas e, assim, superar as desigualdades e a pobreza”.

Empecilho
No ninho tucano, Perilo e Tasso desistiram do comando do PMDB para viabilizar a candidatura de Alckmin, pondo um fim à disputa interna pelo controle da legenda, o que é um desfecho lógico diante da relação de forças internas. Ontem, ao inaugurar quatro novos andares do Hospital de Criança de Ribeirão Preto, Alckmin ensaiou o discurso para as eleições de 2018: “Nós precisamos tirar esse Estado pesado, ineficiente, das costas dos trabalhadores e dos empreendedores brasileiros. Não cabe no PIB o tamanho desse Estado que hoje acaba sendo um empecilho ao crescimento do país. De outro lado, um Estado que funcione, que seja eficiente, que tenha boas políticas públicas, que atenda aqueles que mais necessitem e que promova o desenvolvimento regional”, disse.

Aparentemente, apostará numa política econômica mais austera e liberal para consolidar sua candidatura, que vem sendo bem-sucedida internamente, porém, do ponto de vista eleitoral, não se revelou robusta o suficiente para se impor às demais forças do chamado campo democrático. A deliberada distância em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para o grupo palaciano articular outro projeto, no qual a centralidade seja do PMDB e não dos tucanos.


Marco Aurélio Nogueira: Huck, Alckmin e a política

Com o artigo de Huck e o acordo que põe Alckmin na presidência do PSDB, a política poderá entrar em outra etapa

 O Estado de S. Paulo - 27 Novembro 2017 | 18h57

Dia movimentado na política nacional.

Começou com o artigo em que Luciano Huck deixa claro que não será candidato a Presidente, embora pretenda manter uma agenda cívica e política. Muita gente criticou, em nome do que seria uma falsidade do apresentador, areia usada para encobrir alguns maus passos que ele teria dado ao longo de sua trajetória recente. As suas seriam palavras lançadas ao vento, prontas para serem consumidas por quem quer que seja. As redes sociais foram invadidas por vozes indignadas, algumas intolerantes e outras simplesmente contrárias ao que poderia estar associado ao projeto Huck.

No artigo em questão, ele deixou algumas pontas soltas e manteve um certo suspense sobre os rumos que tomará. Houve mesmo quem viu no texto uma manobra “sebastianista”, na linha “se é para o bem de todos e interesse geral da Nação, digo ao povo que volto”. Parte do jogo. O texto, muito bem redigido, contém também uma mensagem interessante, especialmente por estar sendo emitida por uma celebridade como Huck. É que o artigo faz a devida valorização da política e da atividade política, podendo assim auxiliar a que se reduza o preconceito que parte da sociedade tem em relação a isso. Ajuda muito, portanto, mostrando que há muitos espaços a serem explorados para que se criem verdadeiras pontes democráticas na sociedade, que interliguem “velhos” e “novos”, política tradicional e momentos cívicos.

Fico imaginando o efeito que teria a seguinte passagem do artigo caso fosse levada para o “Caldeirão do Huck”, e repetida ao vivo e a cores: “não há nada mais importante do que tomarmos consciência da importância da política e de que precisamos nos mover concretamente na direção da atuação incisiva, para que não sejamos mais vítimas passivas e manobráveis de gente desonesta, sem caráter, despreparada e incapaz de entender o conceito básico da interdependência ou de pensar no coletivo. A hora é de trabalhar por soluções coletivas inteligentes e inovadoras para o país, e não de focar o próprio umbigo ou de alimentar polêmicas pueris e gritas sem sentido”.

Depois do artigo, abre-se um outro momento, mais rico e promissor, na política brasileira. Claro, sempre a se ver. Embora a candidatura de Huck não esteja mais posta na mesa, o futuro a Deus pertence e o “centro democrático” ainda não encorpou. Os mares que atazanavam o pobre Ulysses usado por Huck como imagem continuam a atazanar nós outros seres viventes.

O mesmo deve ser dito do anúncio do acordo que praticamente celebrou a ida do governador Geraldo Alckmin para a presidência do PSDB. O partido vivia em um estado de turbulência interna jamais visto em sua história. Os tucanos sempre se bicaram uns aos outros, especialmente seus caciques. Perderam muitas oportunidades por causa disso. Na fase atual, corriam o risco de perder até mesmo o protagonismo político e a força eleitoral em 2018. As luzes amarelas piscaram forte e devem ter ajudado a que um acordo fosse alcançado. Se o armistício for levado a sério, todos ganharão com ele. Até os que não são tucanos, pois a democracia ganha quando os partidos principais se revigoram. É de se esperar que algo assim ocorra no PSDB.

Com o equacionamento da questão da presidência e a suspensão dos atritos internos mais visíveis, o PSDB poderá se dedicar a dois outros movimentos igualmente estratégicos. Um, será o de formular uma plataforma consistente em termos doutrinários, anexando a ela uma agenda nacional com sensibilidade social, que pelo menos honre a tradição socialdemocrática que o partido carrega no nome. Tal passo poderá começar a ser dado já na Convenção Nacional marcada para o início de dezembro. Seria uma espécie de cartão de visitas de Alckmin.

O segundo movimento é ainda mais importante. Vai para fora, para além das fronteiras tucanas. Seria o de se projetar como artífice de uma articulação democrática que traga a marca da renovação política e também esteja impregnada de sensibilidade social. Afinal, nada está decidido nesse campo e muita poeira ainda nele terá lugar.

Se o PSDB se dedicar a caminhar nessa direção, poderemos estar ingressando em outra etapa, na qual todos os cálculos terão de ser refeitos.

Olhos atentos, portanto, para o que farão os tucanos a partir de agora.


Luiz Carlos Azedo: A Odisseia

Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto

Luciano Huck anunciou ontem que não será candidato a presidente da República, seu artigo de anticandidato na Folha de S. Paulo, porém, poderia ser um manifesto de candidato antipolítico. Bastaria mudar o final. Mas reflete o que andou dizendo a diversos interlocutores sobre as dúvidas quanto a ser ou não ser candidato. Huck resistiu ao que chamou de canto das sereias, comparando-se a Ulysses na Odisseia. No caso, as sereias eram os amigos do empresário, principalmente o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, não os políticos que lhe ofereceram legenda para disputar o Palácio do Planalto, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), legenda com a qual o apresentador da TV Globo mais simpatizava. Estes estavam na deles.

O administrador e conferencista Bruno Scartozzoni, especialista em construção de narrativas e mitologia comparada, foi quem apresentou a interpretação mais diferenciada da “carta” de Huck. Segundo ele, o texto faz parte do roteiro tradicional da “saga do herói”. Representaria, no caso, a “recusa inicial” diante do chamado, temendo não estar “pronto” ou ser “comum demais” para a árdua tarefa. O passo narrativo seguinte, porém, seria a aceitação da missão após a mesma se tornar “impossível de ser recusada”.

Explica Bruno: “Décadas atrás, um cara chamado Joseph Campbell estudou mitologias de diversas sociedades, algumas que nunca se encontraram ou nunca souberam da existência umas das outras, e descobriu algo impressionante. Todas as histórias mitológicas (ou religiosas, dependendo do ponto de vista) já contadas pelo homem seguem o mesmo padrão ou a mesma estrutura narrativa. Ainda que os elementos mudem, a sequência de fatos é extremamente parecida em todas as sociedades. E para essa sequência ele deu no nome de Monomito ou Jornada do Herói.

E continua: “O primeiro passo da Jornada do Herói é justamente alguém comum, que só quer continuar vivendo sua vida, na sua zona de conforto, receber um chamado para uma aventura espetacular. Inicialmente esse alguém rejeita o chamado, mas, por uma série de razões, em um futuro próximo, ele não terá escolha. É como se o universo puxasse ele pelo braço e falasse ‘és tu mesmo, vem!’”.

Ulysses (Odisseu para os gregos) foi um grande herói da Guerra de Troia, um de seus mais famosos ardis foi a construção de um cavalo de madeira que permitiu a entrada dos exércitos gregos na cidade. Após a derrota dos troianos, ele iniciou uma viagem de volta que durou 10 anos. Penélope, sua mulher, o esperou com fidelidade obstinada, apesar da demora e dos assédios dos amigos. Essa viagem mereceu a criação por Homero do poema épico Odisseia, no qual são narradas as aventuras e desventuras de Ulysses. Sua fidelidade à Ítaca era recíproca e tem tudo a ver também com a situação de Huck, cuja mulher, a também apresentadora Angélica, liderou a resistência da família à candidatura.

Centro à deriva

O suspense em torno da candidatura de Huck, em três semanas de noticiário, porém, transformou o apresentador num grande ator da política nacional, não a dos políticos propriamente ditos, mas a da sociedade desconectada dos partidos políticos tradicionais, que deseja um candidato de perfil moderno e liberal nas eleições de 2018. Huck ocupou um espaço vazio deixado por outros outsiders, como o juiz Sérgio Moro e o prefeito de São Paulo, João Doria, o que é o objeto de desejo de muitos políticos, como Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Cristovam Buarque (PPS), que já pleitearam a liderança de “terceira via” em outras eleições.

Ouro aspecto a considerar: a forte presença de Huck no noticiário fragilizou ainda mais o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), cuja candidatura está confinada ao eleitorado paulista, em meio ao racha do seu partido em razão da participação no governo Temer. E serviu para animar o círculo próximo do presidente Michel Temer a articular sua candidatura à reeleição, no pressuposto de que os bons indicadores previstos para a economia em 2018 e o peso do governo federal poderiam ser suficientes para reverter sua impopularidade. Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto.


Luiz Carlos Azedo: Huck, Temer e Alckmin

A polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico

Para a reconstrução do centro democrático como alternativa de poder, apareceu uma espécie de teoria do pó de pirlimpimpim: bastaria um candidato que simbolize a antipolítica, com bom trânsito entre os nossos intelectuais e técnicos iluministas e conhecido no povão para que isso acontecesse num passe de mágica. O apresentador Luciano Huck, por exemplo, preenche muito bem esses requisitos. Vem de uma família de professores universitários, é carinhoso com seu público e tem as ideias liberais que caracterizam a maioria das nossas celebridades quanto aos costumes, o sucesso individual e o glamour social, alavancados pelo empreendedorismo bem-sucedido e pelo alto e bom gosto no padrão de consumo.

Huck é o sujeito que qualquer um que acredita no próprio taco e na ascensão social via “sociedade do espetáculo” gostaria de ser. Seu ingresso na política é um avanço: reflete uma força que vem se manifestando na sociedade de maneira multifacetada: a do nosso “americanismo”, que está em toda parte. No estilo de vida que levamos, nos nossos padrões de consumo urbano e rural, no “neotaylorfordismo” que a “internet das coisas” começa a engendrar, na música, nos movimentos negro e de gênero, mas que ainda não havia chegado com força à nossa política.

Nela emergiu por onde menos se esperava: a alta burocracia do chamado “poder instalado”, via Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e Justiça Federal. O abre-alas do nosso “americanismo” é a Operação Lava-Jato, que protagoniza uma limpeza ética nas relações promíscuas do Estado com os interesses privados patrocinada pelos políticos e grandes empresários. Mas esbarra nas muralhas de nossa fortaleza ibérica: o Congresso Nacional, com seu patrimonialismo, seu fisiologismo e seu clientelismo atávicos. Desde as jornadas de junho de 2013, nas quais os jovens de todos os matizes protestaram contra as obras e desperdícios da Copa do Mundo (como se viu, um grande butim para os políticos se financiarem nas eleições de 2014), o “americanismo” rondava a política com um discurso antipolítico e moralizador.

Não foi à toa que jovens investidores do mercado financeiro e da inovação tecnológica emergiram como líderes dos protestos organizados pelas redes sociais na campanha do impeachment de Dilma Rousseff, formando movimentos e grupos organizados em rede que agora buscam canais de expressão na grande política institucional. Como não foram capazes de se unificar e formar um grande partido renovador da política brasileira, seja porque não fosse esse o projeto original, seja porque a reforma política foi feita para impedir que isso ocorresse, estão diante da pergunta clássica: o que fazer em 2018? Em todos esses movimentos — Vem Pra Rua, Renova, Agora, etc. —, há jovens empresários que viveram nos Estados Unidos e observaram de perto as campanhas do ex-presidente democrata Barack Obama e do republicano Donald Trump, que alavancaram suas campanhas nas chamadas “novas mídias”, embora com objetivos, estratégias e momentos diferentes. Ambos flanquearam seus respectivos partidos para impor suas candidaturas de fora para dentro.

Bloqueio
Muita água ainda vai rolar até as eleições, porém o roteiro da candidatura de Luciano Huck é mais ou menos esse. A eleição parece polarizada pela dicotomia direita-esquerda, alimentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC), que exploram o medo recíproco dos eleitores mais à esquerda e mais à direita. Entretanto, a polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico. Bastaria encontrar um partido com o mínimo de estrutura nacional, algum tempo de televisão e disposição de servir à causa de um projeto transformista liberal pós-moderno. Será?

Depende. Os grandes partidos brasileiros ainda não morreram. Pode ser que se enfraqueçam muito nas eleições, mas resistem. O PMDB, por exemplo, domou a Lava-Jato e controla o governo federal. Enquanto o presidente Michel Temer não desistir de sua enrustida candidatura à reeleição, essa máquina poderosa inviabiliza qualquer candidatura que unifique as forças que apoiaram o impeachment. Não deixa, por exemplo, que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, consiga articular a coalizão dessas forças em nível nacional. A candidatura unificadora do centro democrático é apenas uma narrativa. Não surgirá de articulações iluministas, mas do resultado do primeiro turno, que não terá um candidato único do centro democrático.