Alckmin

Desmatamento na Amazônia | Foto: AFP

Nas entrelinhas: Desmatamento internacionalizou a Amazônia

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

A visita ao Brasil do enviado especial do governo Biden, John Kerry, para tratar da participação dos Estados Unidos no Fundo Amazônia, coincidiu com o registro de recrudescimentos das queimadas na floresta. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados até 17 de fevereiro um recorde para o período. No encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Itamaraty, Kerry se comprometeu a buscar recursos “vultosos” para o Fundo. Na visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Branca, o presidente Joe Biden havia anunciado essa intenção.

Estima-se que essa participação pode chegar a US$ 50 milhões. Segundo a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, o montante será definido numa negociação da Casa Branca com o Congresso americano. O Fundo ficou parado entre 2019 e 2022, no governo Bolsonaro. Depois da posse de Lula, foi reativado e seus recursos liberados pelos doadores, principalmente Noruega e Alemanha. A União Europeia (UE) também pretende colaborar.

O desmatamento da Amazônia durante o governo anterior virou uma ameaça para o mundo, que reage a isso fortemente. Na prática, Bolsonaro “internacionalizou” a Amazônia, cujo impacto no aquecimento global é enorme, por causa das queimadas e derrubadas de árvores. Zerar o desmatamento é a forma mais eficiente e barata de reduzir o aquecimento global e ganhar tempo para a conversão à economia verde. Por exemplo: o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou, sábado passado, durante a Feira Internacional Agrícola de Paris, que o acordo entre o Mercosul e a UE pode subir no telhado em razão da questão ambiental.

Na COP27, no Egito, Macron fez dobradinha com Lula, então recém-eleito, com duras críticas ao ainda presidente Bolsonaro. Na verdade, a advertência é dirigida principalmente à Venezuela, que passa a ser pressionada também pelos vizinhos. Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai têm interesse no acordo. A França, por causa da Guiana Francesa, se considera “uma potência amazônica”. Macron faz alusão ao centro espacial de Kourou, que hospeda a base de lançamento de foguetes e satélites da Agência Espacial Europeia (ESA). O empreendimento gera tecnologia de ponta e informática, além de empregos.

Situada na costa setentrional da América do Sul, como o Suriname e a República da Guiana, a Guiana Francesa parece mais um território caribenho do que sul-americano. Está isolada do resto do continente pela floresta amazônica, pois é essencialmente povoada na faixa atlântica. O idioma francês e o dialeto créole, também presentes nas Antilhas, não são falados nos países sul-americanos. Por ser uma província francesa, também foi excluída dos tratados entre os países da América do Sul, porém representa a França na Associação dos Estados do Caribe, junto com a Martinica e a ilha da Guadalupe. É um enclave europeu no subcontinente.

Garimpo ilegal

Com 200 mil habitantes, mercado de consumo pequeno e fronteira vulnerável, a Guiana Francesa se manteve isolada, mas agora sofre com os imigrantes ilegais, principalmente garimpeiros brasileiros e peruanos, traficantes colombianos e refugiados haitianos. O Brasil sempre deu mais importância estratégica à cooperação com a Guiana do que a própria França, da qual é um departamento, porque a fronteira de 760km entre os dois países nos torna também vizinhos da UE.

Entretanto, a ponte que ligaria a Guiana ao Amapá, o único estado brasileiro que não tem ligação terrestre com o resto do país, não saiu do papel. A estratégica ligação entre Manaus e Georgetown, sonhada pelos militares nos anos 1970, também não. A ligação com o Suriname, após a construção da estrada de Cayenne ao Oiapoque, porém, virou uma porta aberta para os traficantes colombianos e garimpeiros brasileiros — ou seja, um problema.

As fronteiras entre Brasil, Guiana, Suriname, Venezuela e Colômbia são praticamente virtuais, o que coloca em xeque a soberania efetiva entre esses países, ainda mais depois que a preservação da Amazônia se tornou um problema global. Várias operações foram realizadas pelo governo francês para combater o garimpo ilegal na Guiana Francesa. Entretanto, após cada operação os garimpeiros voltaram.

Em 12 de março de 2010, soldados franceses e policiais de fronteira foram atacados enquanto retornavam de uma operação bem-sucedida, durante a qual prenderam 15 mineiros, confiscaram três barcos e apreenderam 617 gramas de ouro. Os garimpeiros retornaram para recuperar seus saques e colegas perdidos. Os soldados dispararam tiros de advertência e balas de borracha, mas os garimpeiros conseguiram retomar um de seus barcos e cerca de 500 gramas de ouro. A cooperação com a França será fundamental para conter o garimpo ilegal e o tráfico de drogas na Amazônia.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-desmatamento-internacionalizou-a-amazonia/

Equipe de Lula se reuniu com Marcelo Castro nesta quinta-feira (3) | Foto: Assessoria Jean Paul Prates (PT-RN)

Relator do orçamento e Alckmin propõem "PEC da Transição" para garantir verbas da gestão Lula

Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato

O Congresso Nacional poderá analisar e votar até o final do ano uma proposta de emenda constitucional que já vem sendo apelidada de "PEC da Transição". O objetivo é que esse texto dê conta de verbas adicionais que precisarão ser previstas no Orçamento de 2023 para financiar programas e ações do primeiro ano da gestão Lula (PT).

O anúncio sobre a proposição da medida veio após uma reunião ocorrida entre o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), e uma comitiva de senadores e deputados ligados ao PT. O grupo se reuniu nesta quinta-feira (3), no Senado, no que foi a primeira agenda oficial da equipe de transição.

O Congresso Nacional discute atualmente a Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o ano que vem. Enviado pelo governo Bolsonaro, o texto prevê um salário mínimo de R$ 1.302 a partir de janeiro, taxa básica de juros de 12,5% e inflação de 4,6% em 2023.

Os números, no entanto, só serão fechados quando o Legislativo aprovar finalmente o texto da PLOA, o que deve ocorrer em 16 de dezembro, segundo divulgado pelo presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Celso Sabino (União-PA). Enquanto isso não ocorre, a equipe destacada por Lula para liderar a transição se movimenta junto a parlamentares para costurar saídas que evitem um rombo no primeiro ano de gestão.

A ideia da PEC foi proposta pelo grupo como forma de solucionar o impasse relacionado à discrepância entre o orçamento previsto pela gestão Bolsonaro para o ano que vem e as promessas de campanha do presidente recém-eleito. A equipe ficou de detalhar os números na próxima semana, mas a situação preocupa o grupo desde já.

"É, seguramente, o orçamento mais restritivo, o que traz mais furo da nossa história, [em] que nós temos ano a ano diminuído os investimentos. Um órgão importante como o DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] este ano só tem R$ 6,7 bilhões. Isso é insuficiente até para a manutenção da nossa malha. Nós já tivemos, em governos passados, uma média de investimentos no DNIT em torno de R$ 15 bilhões", comparou Marcelo Castro.

Ele ressaltou que o DNIT já chegou a ter orçamento anual de R$ 20 bilhões. "Apesar de estarmos com quase dez anos depois e com inflação durante todo esse período, estamos diminuindo em valores nominais", lamentou o senador.

Combo

A equipe de Lula tem, no centro da mesa de negociação, a preocupação de garantir o custeio de programas como o Bolsa Família, além de várias outras medidas de caráter social prometidas pelo petista ao longo da campanha. Castro destacou que há um conjunto de desafios pela frente em meio às tratativas sobre o Orçamento de 2023.

"Não tem recurso pro Bolsa Família, pro [programa] Farmácia Popular, pra saúde indígena, pra merenda escolar, então, são muitas as deficiências do orçamento, mas nós temos que trabalhar dentro da realidade. O orçamento em cima do qual estamos trabalhando foi apresentado legitimamente pelo atual governo e, legitimamente, o governo eleito está fazendo gestões para emendá-lo pra que ele possa se adequar à maneira de governar do novo governante eleito legitimamente pelo povo brasileiro", afirmou.

Segundo Castro, a ideia é que a proposta de aprovação da "PEC da Transição" seja apresentada agora às outras lideranças políticas que têm relação com o tema. O grupo pró-Lula entende que é preciso abrir exceções fora dos limites do Teto de Gastos para despesas consideradas "inadiáveis".

"É como o Bolsa Família no valor de R$ 600, que é um compromisso público assumido pelo presidente Lula. E seria inconcebível que 21,6 milhões de famílias recebessem a partir de janeiro apenas R$ 400", disse Castro.

Agenda

O roteiro das tratativas viverá novos capítulos a partir de segunda-feira (7), quando a equipe de transição se reúne diretamente com Lula. Depois, na terça (8), o grupo tem um novo encontro com o senador Marcelo Castro. Também ocorrerão agendas com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), bem como com o presidente da CMO, deputado Celso Sabino.

De acordo com Alckmin, uma das preocupações do novo governo é evitar que haja paralisação de serviços no país. "Isso não está adequado no orçamento enviado para o Congresso Nacional, então, há necessidade de se ter uma suplementação pra garantir os serviços, as obras e, ao mesmo tempo, por exemplo, o Bolsa Família de R$ 600 reais".

Ainda segundo a equipe, o objetivo é que a PEC tramite em regime de urgência, já que precisaria ser aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado até dezembro para valer em 2023. "Tudo tem que ser muito rápido porque tem ainda uma série de procedimentos, então, a rapidez e a agilidade são muito importantes", reforçou Alckmin.

O senador recém-eleito Wellington Dias (PT-PI) disse que uma equipe técnica vai se debruçar sobre o texto da PEC até a próxima semana. "Eu diria que o grande desafio é o tempo. Nós teremos que já na terça-feira ter as condições da redação dessa emenda constitucional, ter a definição dos valores e também a posição do presidente Lula a partir da apresentação a ser feita."

Estrutura

A equipe de transição terá 50 nomes e ainda será formalmente constituída junto ao Diário Oficial da União (DOU) a partir de segunda-feira (7), mesma data em que os trabalhos mais operacionais do grupo terão início no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília (DF), local que já sediou outros gabinetes de transição de governo.

Texto publicado originalmente em Brasil de Fato.


Andrea Jubé: No meio do caminho, tinha um Bolsonaro

Ainda não surgiu quem representará o “antibolsonaro”

O recente cerco a dois próceres tucanos, José Serra e Geraldo Alckmin - dois finalistas da corrida presidencial - leva o PSDB de novo às cordas, num momento em que o partido tenta se reerguer no plano nacional, mesmo com outro presidenciável, Aécio Neves, ainda no chão.

O novo disparo da Lava-Jato que atingiu o PSDB reforça o processo de esgarçamento do sistema partidário. Um movimento que eclodiu em 2013, com as incendiárias jornadas de junho, e teve o seu apogeu na eleição de Jair Bolsonaro, que embora sete vezes eleito deputado federal, convenceu o eleitor de que encarnava o “antipolítico”.

O advento da Lava-Jato em 2014, e o desdobramento das investigações nos anos seguintes, acentuaram a deterioração do sistema partidário. As eleições de 2016 foram marcadas pelo antipetismo: foi simbólica a derrota do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pelo candidato do PSDB, João Doria, ainda no primeiro turno.

Finalmente, em 2018, impulsionados pela descrença no sistema, pelo cansaço de “tudo isso que está aí”, 57 milhões de eleitores elegeram um candidato filiado a um partido inexpressivo, sem fundo partidário e tempo de propaganda no horário eleitoral.

Dois anos depois, vê-se que os partidos resfolegam. Os entregadores de aplicativos - prestadores de serviços que se revelaram essenciais nesta pandemia - ganharam projeção ao organizarem paralisações por condições de trabalho dignas e justas. Em seus atos, também rejeitam bandeiras de partidos. Os protestos em defesa da democracia, que ocuparam as ruas de muitas capitais em plena pandemia, foram convocados por torcidas organizadas, e não por políticos profissionais.

O cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas, afirma que a reforma política iniciada em 2018 vai impor uma reconstrução do sistema partidário após as eleições municipais. “Haverá uma recomposição partidária na esquerda e na centro-direita, até porque a cláusula de barreira em 2022 vai ser muito séria para muitos partidos”, diz o professor, que também é colunista do Valor.

Em 2018, 14 legendas não alcançaram a cláusula de desempenho, inclusive o PRTB do vice-presidente Hamilton Mourão e o Rede Sustentabilidade de Marina Silva. Esse resultado deflagrou as primeiras mexidas para garantir acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV no horário eleitoral: o PCdoB incorporou o PPL, e o Patriota incorporou o PRP.

Em 2022, os partidos terão de obter 2% dos votos válidos, distribuídos em um terço das unidades da federação, ou eleger pelo menos 11 deputados. Em 2018, o percentual exigido foi de 1,5%. Em 2030, chegará a 3%.

No pleito deste ano, começa a vigorar outro obstáculo aos pequenos partidos: o fim das coligações proporcionais, ferramenta que ajudava a ampliar as bancadas.

Há conversas em andamento entre as principais lideranças sobre o futuro político. O governador de São Paulo, João Doria, tenta renovar o PSDB para pavimentar o caminho rumo ao Planalto e evitar uma revoada de quadros, como o senador Tasso Jereissati (CE).
Pela centro-esquerda, os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), Marina Silva e o apresentador Luciano Huck rascunham cenários.

Há quem fale em uma fusão entre Rede e Cidadania após a eleição municipal, mas o que efetivamente foi à mesa foi a eventual fusão entre Rede e PV, ainda longe de se concretizar. Dino aventa a formação de federações partidárias, modelo que ainda precisa ser amadurecido no Congresso.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) concorda que seja necessária a reorganização partidária. “A ideia de partido político distanciou-se do povo”, admite.

Mas Randolfe lembra que o Rede já integra uma coalizão de partidos que se uniram em torno de um mesmo discurso de oposição ao bolsonarismo e da tentativa de formarem o máximo de alianças no pleito deste ano, e quem sabe, na eleição de 2022. O Rede caminha ao lado do PDT, PSB, PV e Cidadania.

Abrucio também identifica uma crise de lideranças, e alerta que conjugada com a crise partidária, isso pode ser uma “combinação explosiva”.

Ele aposta numa renovação das lideranças nacionais, porque as atuais já cumpriram um papel: articularam a redemocratização e viabilizaram um período de muita estabilidade democrática, econômica e de inclusão social, que ele define como os anos entre os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Mas Abrucio ressalta que o cerco às lideranças políticas atinge os partidos. “Porque não se pode pensar em partidos sem as lideranças. O que seria do partido conservador inglês após a Segunda Guerra sem Winston Churchill?”

Abrucio vê sinais desse ocaso das lideranças na pesquisa do Instituto Paraná, divulgada na última sexta-feira. Em um dos cenários, Ciro Gomes (PDT) tem recall baixo, porque aparece empatado com Luciano Huck, que nunca disputou eleições. Também achou tímido o desempenho de Doria, que ganhou projeção nacional no combate à pandemia nos últimos meses. Mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o nome mais competitivo para enfrentar Bolsonaro em 2022, revela um desempenho aquém do que normalmente apresentaria. “Na trajetória do Lula, é pouco ainda. Das lideranças do antigo ciclo, mesmo depois de 500 dias preso, ele ainda é o mais forte”, diz o professor da FGV.

Para Abrucio, encerrou-se o ciclo pós-redemocratização da política brasileira, mas ainda não começou o seguinte. “Bolsonaro não é o novo, ele é o interregno, ele é a transição desses ciclos”.

Se a tônica da eleição de 2018 foi o antipetismo e a antipolítica, a de 2022 será o antibolsonarismo, aposta Abrucio. “O antibolsonarismo é maior que o bolsonarismo, isso é matemático. Mas o eleitor ainda não identificou quem será o polo antibolsonarista. Isso está em construção”.

Em suma, como diria Drummond: no meio do caminho da renovação, tinha Jair Bolsonaro.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro não tem agenda e está fazendo o Brasil perder tempo, diz Alckmin

Ex-governador não poupa nem equipe econômica e afirma que governo precisa saber que Muro de Berlim caiu

Daniela Lima, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Protagonista da mais dura derrota do PSDB em eleições presidenciais, o ex-governador Geraldo Alckmin, 66, quebrou um silêncio de oito meses no sábado (1º).

Em entrevista à Folha, classificou a disputa de 2018 como um plebiscito sobre o PT e o ex-presidente Lula, reconheceu que o tucanato não vivia o melhor momento e fez cobranças ao vencedor.

Para ele, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sua equipe não têm um plano e fazem o “país perder tempo”. “Ele precisa saber que o Muro de Berlim caiu há mais de 30 anos.” Nem a equipe econômica, a cargo de Paulo Guedes, escapa das críticas.

O tucano mandou recados para João Doria, atual governador paulista e novo expoente do PSDB: “Política é paciência cívica. Não nasci ontem”. Alckmin ainda anunciou um “pit-stop” da política. “O futuro a Deus pertence.”

O sr. disse que a derrota às vezes ensina mais do que a vitória. O que aprendeu com 2018? 
Vencer e perder fazem parte da vida política. Quem não estiver preparado para isso, não deve participar. Havia acabado de sair do governo, reeleito em primeiro turno, vencendo em 644 dos 645 municípios, e depois fiquei em quarto lugar para presidente. Cada eleição é uma eleição. Mas, como dizia Mário Covas, quando perde só há uma justificativa: faltaram votos [risos].

A eleição foi atípica? 
Diria que, se tivesse tido um curso mais natural, o quadro seria diferente. Na realidade, vivemos uma crise política. E houve dois fatos importantes: o impeachment da Dilma [Rousseff] e aprisão do Lula. O PT se vitimizou. Depois veio a facada do Bolsonaro, [com quem] me solidarizei e reitero a solidariedade, mas teve impacto. No fim, foi um plebiscito sobre Lula e PT, e venceu o anti-PT. Como Bolsonaro estava na frente, o rio correu para o mar.

Por que o PSDB não conseguiu se manter como o polo oposto ao PT? 
Sempre achei que teria um candidato mais à esquerda e um mais ao centro. O PSDB não vivia um bom momento, o Bolsonaro começou antes —e não tiro os méritos dele. Acabou avançando e o voto útil foi para ele. Quero dizer que não tenho nada contra o presidente, pessoalmente. Até simpatizo pelo jeito simples, mas discordo totalmente da agenda do governo, acho que está fazendo o Brasil perder tempo.

Como assim? 
Temos 13,2 milhões de desempregados, cadê a agenda de produtividade? O Brasil não cresce, ficou caro para quem vive aqui, e tem dificuldade de exportação. Onde está essa agenda? Cadê a reforma tributária, fiscal? Eles não têm uma agenda e a única proposta é voltar com a CPMF, que é um imposto ruim, em cascata, que onera as cadeias produtivas.

A questão da política externa... Uma ideologização, que não é da velha, é da antiga, da antiquíssima política. Precisa dizer para ele que o Muro de Berlim caiu faz quase 30 anos.

Há a reforma da Previdência. 
Que o governo, indiretamente, atrapalha. Para mudar a Constituição precisa de maioria qualificada, deve-se buscar consenso. Se você cria confrontos —alguns injustos, inclusive...

Quais? 
Tem muita gente boa na política. Conheci uma mulher admirável, a Ana Amélia [concorreu como vice dele no ano passado], que é do PP. [O ataque à política] É injusto, oportunista e acaba criando muitos problemas.

Bolsonaro ataca as instituições? 
Quero repetir que não tenho nada de pessoal contra ele, mas há um oportunismo de querer se aproveitar enfraquecendo as instituições. Temos é que melhorá-las. Não é estigmatizando que vai avançar. Veja, por exemplo, a educação. Enquanto se discute ideologização ninguém fala do Fundeb, que vai acabar no fim do ano. Como se financia a educação básica? Isso é que é o importante.

Há um debate sobre risco à democracia. 
Nossa democracia já deu provas de muita resistência. Nós é que precisamos dar uma ajudinha [risos]. A melhor forma de fortalecê-la é com reformas, e a reforma política é parte importante. Temos um dos piores sistemas político-partidários. Defendo o distrital misto, ele barateia a eleição. E, no futuro, o parlamentarismo.

Voltaram a falar na mudança para o parlamentarismo. 
Não é opção para agora. Não temos nem um sistema político-partidário digno desse nome. Mas, adiante, feita a reforma, é a opção. Para, como no sistema português, dar estabilidade ao que deve ser estável, o chefe de estado, e instabilidade ao que deve ser instável, o chefe de governo. A sorte é que o [Rodrigo] Maia [presidente da Câmara] defende as reformas.

O sr. falou da educação. Há um impasse hoje na área.  
Há uma crise fiscal que precisa ser enfrentada. Agora, governar é escolher. Tem que ter uma agenda que realmente seja importante, não discutir questões perfunctórias. Veja a segurança: se há um consenso entre os especialistas é o de que quanto mais arma, mais crime. Arma tem que estar na mão da polícia, que é preparadíssima. Não na das pessoas.

Já havia ouvido falar no Olavo de Carvalho, patrono de uma ala do governo?
Nunca. Nada. Aliás, é estranha essa eminência parda. Não mora no Brasil, não vive as questões do país, não foi eleito... Sobre pauta de comportamento, é preciso ouvir, dialogar. O contrário do que está sendo feito, que é ‘é do meu jeito e quem não quer é inimigo’.

O sr. é um conservador.... [Interrompe]
Não. Sou reformista. Aliás, fica essa coisa de que o PSDB não tem posição, vive no muro. Não é verdade. O PT ganhou a eleição e manteve a política econômica do FHC. Eles mudaram, nós não. Bolsonaro era contra a reforma da Previdência, hoje defende. Tem muito populismo, incoerência. O que nós não somos é extremistas.

Em quem votou no segundo turno? 
No tal de Geraldo Alckmin.

No segundo turno. 
Votei nele. No 45 [indica, portanto, que anulou o voto].

E em São Paulo? 
No Doria.

Houve uma disputa acirrada entre ele e Márcio França, que foi seu vice. A fidelidade partidária falou mais alto? 
Sempre. Partido tem que ter divergência para ser grande e forte.

Esse discurso sobre o novo PSDB é do Doria, que se elegeu alinhado ao Bolsonaro.  
Todos os novos quadros são bem-vindos. É natural, temos que estimular. Agora, precisamos cumprir o que o povo disse nas urnas. Quem ganha governa, quem perde fiscaliza. É tão patriótico ser governo como ser oposição. Ou não há democracia.

Em algum momento se arrependeu de ter levado Doria para o PSDB? 
Quem não tiver paciência cívica não pode fazer política. Não nasci ontem. Então: paciência cívica. Mas, ao passar a presidência do PSDB ao Bruno Araújo [aliado de Doria], deixamos três legados: o código de ética, as mudanças estatutárias e o compliance. É de uma transparência absoluta.

Criticaram o código por não definir situações mais complicadas, como as de Aécio, Beto Richa e Marconi Perillo.  
Código de ética baliza as obrigações, as infrações e as punições. É claríssimo: se tiver improbidade, corrupção, transitado e julgado, é expulsão sumária. Não tendo, analisa caso a caso. Para ter ética é preciso ser justo. Se não teve ainda nenhuma condenação... É exibicionismo, não é ética.

Seus bens estão bloqueados [por decisão da Justiça, em investigação sobre repasses não declarados da Odebrecht para a campanha de 2014]. 
Quem está na vida pública tem o dever de prestar contas. Às vezes, há, num primeiro momento, sentimento de injustiça, e para isso existe o Judiciário, para corrigir. Não vou criticar, confio nele. Agora, não tem cabimento entrar com ação de improbidade. Fui prefeito aos 24 anos. Hoje tenho 66, um apartamento de dois quartos e um sítio de cinco alqueires em Pindamonhangaba. Mais nada. Abri mão da aposentadoria especial. Vivo de R$ 5.000 do INSS. Se há um cuidado que eu sempre tive é o ético. Agora, pode ter questionamento? Pode. É explicar.

O Paulo Vieira de Souza (conhecido como Paulo Preto) entra nesse contexto? 
Não conheço o Paulo Vieira de Souza. Ele entrou no final do meu governo na Dersa e não tinha atividade maior, era uma diretoria mínima. Quando voltei em 2011 ele já estava fora. Mas todos têm que prestar contas.

Após a derrota passou um tempo no sítio. 
Não descansei nem 24 horas, gosto de trabalhar. Voltei a duas paixões, a medicina e o magistério. Dou aula na Uninove, aliás, olha, ganhei dos alunos de medicina [sobe a barra da calça e mostra uma meia bordada]. Dou aulas em SP, Osasco, Guarulhos, São Bernardo, Mauá e Bauru, e na Unimes, em Santos.

E o programa na TV com o Ronnie Von? 
Sou voluntário lá, de 14 em 14 dias, só falando de saúde. E às quintas, Hospital das Clínicas. Faço curso e atendo. Estou fazendo curso de acupuntura. [pega uma agulha]. É um espetáculo. Isso aqui é um ponto chamado IG 4 [insere a agulha na mão]. Cada vez que estimula aqui, pelo meridiano, age no cérebro. É impressionante.

E a política? 
Na política eu vou dar um pit-stop. Gosto muito de estudar. O futuro... É stop, mas é pit. Vamos deixar. O futuro a Deus pertence.


Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, disputa entre PSDB e PT será para ir ao segundo turno, diz FHC

Para tucano, atacar capitão é gol contra e Haddad e Alckmin terão dificuldades similares

Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jair Bolsonaro (PSL) antecipou a tradicional disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno.

O tucano recebeu a Folha em sua fundação, em São Paulo, na quarta (29).

Neste sábado (1º), ele comentou o veto à candidatura de Lula. “A decisão do TSE [Tribunal Superior Eleitora] já era esperada. A Lei da Ficha Limpa está vigiando e é clara quanto aos requisitos para o registro de candidatos. Lei de iniciativa popular, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio presidente Lula.”

O sr. está surpreso com a resiliência de Bolsonaro? 
Tenho uma visão mais analítica. O mundo todo está sofrendo modificação na percepção das pessoas e, em alguns setores, alguém que simbolize a ordem tem alguma chance. As pessoas estão com medo do futuro, horrorizadas com a corrupção, a economia está parada e tem muita violência.

Havia expectativa de que, com debates e entrevistas na TV, ele começaria a derreter. 
Não sou de menosprezar a potencialidade das pessoas. Não quero que ele ganhe nem creio que vá. Por isso mesmo não se pode desprezar o que ele significa.

O sr. já disse que discorda da expectativa de que seja PT contra a direita, seja Alckmin, seja Bolsonaro, no segundo turno. Inclusive, o sr. aposta que pode vir a ser Bolsonaro e Alckmin.
Isso.

Qual deve ser a estratégia para o Alckmin para chegar ao segundo turno? 
Eu não sou estrategista eleitoral, não sei. Pelos dados, onde a cultura estatal tem mais força, ricos e pobres votam pelo Estado. Quando tem menos força, a mesma coisa. Não é tão ricos contra pobres, que foi a tradução habitual do que acontecia entre PT e PSDB, azuis e vermelhos. O que está acontecendo? Está tudo fragmentado. Os partidos não são expressivos e os que são, vêm de setores que têm mudanças.

O PT tem simpatia crescente, chegou a 24%. 
Mas onde cresceu? Não foi entre trabalhadores, foi geral. A ligação da classe com o partido deixou de contar. Tem mais força no Nordeste, porque o Lula representa uma espécie de Padim Ciço, que deu resultados para as pessoas. Os outros partidos nunca tiveram muita expressão.

O PSDB nesse sentido fracassou? 
Bom, a pergunta é casca de banana [risos]. O PSDB mudou muito, o Brasil também, e sofreu os abalos. Bem ou mal, até agora, ele e o PT expressavam visões mais de Estado ou mais de sociedade, era essa a diferença. [Agora] tem mais gente expressando a mesma coisa, dos dois lados, mas mais do PSDB.

O PSDB tem 4% de simpatizantes. 
A eleição não é PT contra PSDB, é fulano contra beltrano. Sempre foi assim. Ou você acha que o PSDB ganhou a eleição quando eu ganhei? Eu ganhei. Ou que o PT ganhou quando Lula ganhou? Lula ganhou.

Aliados advogam que Alckmin deve esconder o PSDB. 
Não precisa nem deve, vai ser denunciado pelos outros. O PSDB não está no governo, este é o PMDB.

O PSDB está com o Aloysio Nunes no governo e esteve após o impeachment. 
O povo não sabe, não se liga nisso. Uma coisa somos nós, intelectuais, jornalistas, que vivemos nesse meio. Para o povo, tem que mostrar como é o Geraldo. É uma fragilidade das instituições democráticas. O desempenho da personalidade, do líder, conta mais que os partidos.

A personalidade do Alckmin é criticada porque não move multidões. Ele deve trabalhar de que forma? 
Eu movo multidões? O que diziam de mim? Um professor, fala melhor francês que português, o que é mentira! A população vai olhar duas coisas. Primeiro, o que levo com isso? Está sempre subjacente o que eu ganho. Segundo —falo por mim—, vai ter que acentuar as características que a pessoa tem. Que características tem Alckmin? É experiente, não está envolvido em corrupção.

Tem alguns processos judiciais em curso. 
Mas você vai ver e não é nada. Como Haddad, não tem nada.

Há processos envolvendo aliados, o cunhado, Laurence Casagrande.
Não conheço, mas Geraldo põe a mão no fogo por ele. [Lula] está preso e deixou de ter voto? Por que Geraldo vai deixar de ter porque não sei quem está metido?

O sr. acha que a mensagem de Alckmin está certa? 
Qual é a mensagem? Eu não sei ainda.

Por exemplo, o jingle diz que ele é cabeça e coração.
Em campanha, acho eu, você tem que ser do jeito que você é. Geraldo não pode ser uma pessoa extravagante, porque ele não é. Tem que mostrar que é bom ser como ele é para governar o Brasil. Estamos frente a uma situação em que tem muita falta de rumo. Bolsonaro diz que vem com tacape e põe ordem. Geraldo tem que dizer que não precisa de tacape para pôr ordem.

Como os dois poderiam ir juntos para o segundo turno?
Não sei até que ponto [a polarização entre] azul e vermelho vai sumir mesmo. Porque os dois têm estrutura, muitas prefeituras, enraizamento, história.

O MDB também. 
E vai sumir? Não. O MDB sempre fez o que está fazendo agora. Não está jogando para presidente da República, está jogando para poder repetir...

De depois aderir ao governo eleito?
Sim. Se tiver força, vai ter que negociar com ele. Você acha que foi o Partido Republicano que elegeu Trump? Não.

Mas se não fosse o Partido Republicano ele não se elegeria. 
É o que estou dizendo. É uma soma da estrutura com a capacidade de expressar um sentimento da população.

Alckmin e Bolsonaro disputam o mesmo eleitorado? 
Mais ou menos. Uma parte do pessoal estatista vai votar no Bolsonaro também. Eu não sou uma pessoa assertiva que vai dar tal coisa, porque depende. O desempenho dos candidatos é importante, o jeitão deles é importante. A democracia é assim. Se quer garantias, na China é tudo mais garantido que aqui.

Que eleitorado Alckmin belisca para chegar ao segundo turno?
Como o PSDB foi crescendo? Bom, eu ganhei em toda parte, não conta. Era outro momento. Cresceu basicamente de São Paulo para o Sul. Centro-Oeste vai até o Acre. Chega no Rio, perde. Em Minas, às vezes ganha, às vezes perde, e no Nordeste inverte. Acho que a estratégia deve ser consolidar o que tem, e não arriscar onde não tem. A escolha da vice foi correta.

No Sul, Bolsonaro tem 30% e Alckmin, 6%.
Mas não começou a campanha ainda. Acho muito importante fazer pesquisas e tal, mas a dinâmica eleitoral é de confronto. O confronto está começando a se dar. Reitero, acho que o candidato do PSDB tem que concentrar onde sempre teve mais votos. Aí tem que brigar com quem? Bolsonaro.

Tem espaço para os dois?
Pode ter. A mesma dificuldade do PSDB, o PT tem também de entrar no Rio, no Nordeste, porque é paulista,.

Haddad passa para o segundo turno?
Vai ser difícil. A competição neste momento vai ser entre PT e PSDB. Aceitando que o sentimento bolsonarista vai se manter, para ir para o segundo turno, é PT e PSDB. Tradicionalmente, a disputa ia ser PT e PSDB no segundo turno. Agora, eu acho que será para ver quem vai para o segundo turno.

Se PSDB tem que ter o voto que já está com o Bolsonaro no Sul... 
É dinâmico. Em política, as coisas não são. Vão sendo. Além disso, outro problema que se sobressai no campo mundial é que a sociedade contemporânea está mudando. As estruturas fixas, os partidos já não correspondem mais à coesão anterior, então é tudo mais flutuante. Por isso uma pessoa como Bolsonaro, que não tem estrutura, parece como se pudesse.

Como tirar voto dele?
[Dizer que] Bolsonaro apoia o regime militar. Já acabou! Reforça os deles. Como muda? Não é atacando. O povo, no fim, não gosta de ataques, sobretudo ataques pessoais. Atacar Bolsonaro é gol contra.

Então tem que mostrar... 
O positivo. Eu posso. Você não.

A estratégia de Lula de postergar ao máximo a definição da candidatura petista foi boa para eles?
Não sei julgar. Lula sempre se caracterizou por não aceitar número dois. Com a Dilma fez assim e deu certo. Agora é mais difícil, a situação do Lula é mais delicada e já houve a experiência de eleger alguém que o Lula apoiou e esse alguém não é querido da população. Agora, reitero o que eu disse para o Haddad também. Depende de como vão se comportar, a mensagem. [O poder da rede social] de transformar em voto não foi testado. Há a sensação de ser crescente. Do ponto de vista sociológico, é interessante o que vai acontecer.

Alckmin passou a defender armar a população no campo.
Quem não muda?

Está certo ceder?
Não é do temperamento do Geraldo ceder, ele é uma pessoa que tem linha, tem vida, tem história. Tenho muito medo de quem não tem história, porque esse é imprevisível. Geraldo não é imprevisível. Isso pode até não ser bom do ponto de vista de fazer onda eleitoralmente. Mas ele não é imprevisível. Ele tem uma característica que não vejo ressaltada que ele não é intolerante, nunca foi. É religioso, mas não é intolerante. A democracia requer personalidades que tenham capacidade de aceitar a diversidade.

Ele acolhe sugestão? 
Poucas vezes eu digo algo que queira que acolha. Falei sobre a Vice-Presidência e fui ouvido.

Em que medida o PSDB contribuiu para a extrema direita, assombreada por ele até ser desgastado na Lava Jato, ganhar vida própria? 
Quem fez a polarização que deu no que deu foi o PT, pobres e ricos, eu contra você. O PSDB nunca teve esse tipo de comportamento ‘só eu sou bom’.

O PT acha que o PSDB tem essa postura. 
Mas não tem. Na prática, o que fez Lula? Governou com quem?

Com os mesmos? 
Claro. Estou criticando? Não, porque existem, estão lá, você tem que ter maioria no Congresso. Os métodos, aí é outra coisa.

Foram diferentes? 
Uai, eu nunca tive mensalão, não é? Pode revirar.

O PSDB deve fazer aceno no segundo turno ao PT contra o Bolsonaro?
O PSDB tem que ir para o segundo turno. O Brasil precisa de ordem sem tacape.

PT seria desordem?
Não, seria outra coisa. O PT voltou a ficar no estado anterior dele, mais intransigente, mais hegemônico. Eu não gosto disso.

Ciro disse que Bolsonaro é um 'projetinho de hitlerzinho tropical'. Ele é mais contundente ao criticar o Bolsonaro.
Criticar o Bolsonaro é dar corpo a Bolsonaro. Dá força. Eleitoralmente não acho que seja bom. Ciro é um radical livre, pode falar o que quiser. Ele tem essa característica de ter sido sempre assim. Agora é isso que limita também a a possibilidade de ser presidente.


Luiz Carlos Azedo: O voto útil

“Há dois tipos de indecisos: o que não está nem aí para a política e decide de última hora; e o que escolheu um campo político, mas não sabe qual é o candidato com mais chances de ir ao segundo turno”

Um dos ingredientes da democracia é o imponderável nas eleições, sem o qual não haveria alternância de poder. Num país de dimensões continentais como o Brasil, com um contingente eleitoral de 147 milhões de eleitores, a 44 dias das eleições, nada mais natural que o mercado ter uma crise de nervos por não saber quem ganhará o pleito. Objetivamente, as pesquisas mostram isso. É natural que os analistas façam interpretações e tentem antecipar resultados. Acertar com essa antecedência é um bilhete premiado na loteria das consultorias políticas. Para as futuras eleições, é claro. Na atual, é pura adivinhação.

Conversando com um amigo macaco velho do jornalismo político, ele fez uma observação muito pertinente sobre as duas últimas pesquisas eleitorais: “Não sei ainda em quem vou votar, mas sei em quem não voto de jeito nenhum. O que vai decidir essa eleição é o voto útil!” Não vou revelar o “não-voto” do amigo, mas o raciocínio serve para muita gente. Há dois tipos de indecisos: o eleitor que não está nem aí para a política e decide de última hora; e o que já escolheu um campo político, mas não sabe qual é o candidato com mais chances de ir ao segundo turno.

Sem fazer previsões precipitadas, diria que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu se tornar um grande eleitor da disputa, mesmo estando preso em Curitiba, cumprindo pena de 12 anos e 1 mês de reclusão, após ter sido condenado em segunda instância por causa do triplex de Guarujá. A narrativa do golpe contra Dilma Rousseff e a vitimização do petista colaram numa fatia do eleitorado, que já era simpática ao ex-presidente da República. Fosse mesmo candidato pra valer (sua candidatura será impugnada), Lula estaria no segundo turno e poderia até voltar ao poder, como aconteceu com Getúlio Vargas (PTB), em 1950.

Lula opera uma estratégia de risco, afronta a Justiça e as regras do jogo democrático, mas os adversários precisam reconhecer que o plano funcionou: pode até chegar ao horário eleitoral gratuito como candidato. Ganha com isso o PT, que conseguiu varrer para debaixo do tapete os escândalos do mensalão e da Petrobras para evitar uma nova derrocada eleitoral, como a de 2016, quando perdeu 59,4% das prefeituras. Vêm daí as apostas de que Fernando Haddad estará no segundo turno das eleições, beneficiado pela combinação da transferência do prestígio de Lula e do apoio da militância petista nas redes sociais.

Resiliência

Um exemplo desse apoio foi a reação petista ao resultado das pesquisas, que mostraram a fragilidade de Haddad nos cenários sem Lula. Os votos do ex-presidente migraram principalmente para Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT). A AP/Exata, que acompanha as redes sociais em tempo real, registrou que as hashtags #LulaManuHaddad e #Haddad rapidamente se equipararam às menções de Bolsonaro, que lidera a campanha eleitoral nesse meio. Fala-se muito numa disputa tempo de televisão e de rádio versus redes sociais. Ao contrário de Bolsonaro e Marina, que lideram nas redes sociais, Haddad dispõe de razoável condição de campanha no universo analógico e paridade no meio digital.

Lula empurra com a barriga a candidatura até 17 de setembro, utilizando os prazos do processo de impugnação no Tribunal Superior Eleitoral (TRE), para ser substituído por Haddad em pleno horário eleitoral gratuito, que começa em 31 de agosto. Seus marqueteiros dizem que bastariam 60 segundos para fazer a transferência de votos, numa fusão de imagens. Será? Até agora, Lula se passou por vítima de uma grande armação judicial; se o ex-presidente for à televisão, Haddad terá que ser abatido na pista, antes de decolar.

Geraldo Alckmin (PSDB) aposta todas as fichas no tempo de televisão e de rádio para desconstruir a imagem dos adversários e resgatar a própria; subestima as redes sociais. Para chegar ao segundo turno, terá que crescer nos eleitorados de Bolsonaro, à direita; Marina Silva, à esquerda; Ciro Gomes, no Nordeste, e Álvaro Dias, no Sul, que já demonstraram grande resiliência. E avançar entre os indecisos. É aí que voltamos ao ponto de partida. Chegará ao segundo turno quem capturar os votos anti-Lula e/ou anti-Bolsonaro, que são os protagonistas da polarização eleitoral. Ou seja, o voto útil. Por enquanto, segundo as pesquisas, Marina Silva continua melhor posicionada do que Alckmin para isso.


Marco Aurélio Nogueira: Como se não houvesse amanhã

Candidatos à Presidência precisam ensaiar mais, ser mais sérios e cuidadosos em todos os fundamentos

Um novo debate eleitoral sempre cria expectativas e esperanças. Fica-se na torcida para que haja um avanço, para que cada candidato mostre finalmente a que veio.

Não foi bem o que ocorreu ontem na RedeTv.

O tom foi um só, basicamente: eles falam como se não houvesse amanhã. Limitam-se a brandir promessas, frases genéricas, pegadinhas e compromissos, como se tudo dependesse deles e nada mais precisasse ser feito a não conseguir que um novo personagem ocupe a cadeira presidencial. São ilusionistas. Atores de uma pantomima típica da vida de exposição que levamos, feita de insights, caras e bocas, frases curtas, minutos controlados, pressa.

Dá para apontar o dedo, seletivamente, para os momentos em que alguém foi além disso, embasando de modo mais “técnico”, político-administrativo, seus planos de governo.

Somente três candidatos se destacaram. Ciro e Alckmin mostraram firmeza, serenidade e conhecimento prático. Marina cresceu ao enquadrar Bolsonaro e ser mais propositiva. Os demais perderam uma boa oportunidade para esclarecer o que estão a fazer ali, que papel estão se propondo a representar.

Bolsonaro tropeçou nas próprias palavras e teve de ver Daciolo pressioná-lo pelos flancos. Álvaro e Meireles, muito pouco à vontade, limitaram-se a repetir slogans e chavões. Boulos, uma caricatura forçada do Lula de bem antes, mostrou ter língua afiada, mas continuou a se perder nas propostas maximalistas e de “ataque frontal”.

São políticos antipolíticos, que recusam a política realmente existente como se lhes fosse possível eliminá-la por decreto. Políticos que não falam de alianças e negociações, a não ser para demonizá-las ou justificá-las envergonhadamente. Que não se dedicam a falar do “como”, das concessões inevitáveis, dos “sacrifícios” que precisarão pedir ao povo. Derramam-se em elogios ao “novo” sem se darem ao trabalho de qualificá-lo.

Sempre haverá quem faça um desconto e diga que, num palco de TV, rola um show e nele o comportamento é fictício: estão a jogar para a plateia, obedecendo a roteiros traçados por assessores e especialistas em marketing eleitoral, onde o que menos importa é o conteúdo, já que o fundamental é produzir efeito e fumaça com uma performance calculadamente eficiente.

É verdade. Mas deve-se considerar também que existem dramas e dramas, roteiros melhores e piores, bons e maus desempenhos cênicos. Candidatos à Presidência precisariam, no mínimo, ensaiar mais e ser mais cuidadosos em todos os fundamentos. Não podem ser artistas, nem mesmo quando estão no palco.

Afinal, estão se dispondo a fazer girar a roda da História, a interferir na nossa vida, a direcionar um País que assiste ao show com várias pulgas atrás da orelha.


Luiz Carlos Azedo: Jogo de profissionais

Teremos a menor renovação política das últimas sete eleições, em razão da redução do tempo de campanha de 90 para 45 dias; do horário eleitoral gratuito de 45 para 35 dias; e do financiamento público

Havia grande expectativa em relação ao papel dos chamados movimentos cívicos nas eleições de 2018, na onda dos protestos e grandes manifestações organizados pelas redes sociais desde março de 2013. Esses protestos resultaram, mais tarde, no impeachment de Dilma Rousseff e no apoio maciço à Operação Lava-Jato. Entretanto, já se pode dizer, com toda certeza, que não conseguirão renovar a representação política no Congresso; e talvez, não tenham também grande peso nas eleições para presidente da República. A política dos cidadãos, digamos assim, nunca foi tão vigorosa, mas eleitoralmente não resulta na formação de coalizões políticas robustas o suficiente para romper a blindagem das velhas estruturas partidárias e oligarquias políticas.

A razão desse fenômeno é uma mix de decisões intempestivas do Supremo Tribunal Federal (STF), como a portabilidade dos recursos e tempo de televisão, que estimularam a formação de partidos franquia, e a nova política de financiamento público, que fortaleceu ainda mais os donos de partidos e os candidatos endinheirados, sem nenhuma garantia de que não haverá caixa dois. Essas decisões provocaram a reação dos grandes partidos no sentido de bloquear a renovação e salvar a pele dos seus caciques na reforma eleitoral e partidária.

O instinto de sobrevivência do establishment político é notável. Embora, mais cedo ou mais tarde, muito de seus integrantes venham a ter que acertar contas com a operação Lava-Jato, o esquema montado para neutralizar seus efeitos eleitorais tem um lado muito positivo: a sobrevivência da nossa democracia, que estava em vias de ser garroteada por um movimento em pinça de projetos autoritários à direita e à esquerda. Isso explica a ampla coalizão de forças formada em torno do candidato de PSDB, Geraldo Alckmin, que foi um bom governador de São Paulo e tem a simpatia das elites econômicas do país.

De certa forma, os mecanismos de financiamento eleitoral e distribuição de tempo de televisão são o grande obstáculo à candidatura do capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSL), cujo vice, general Mourão, chama de “ditabranda” o regime militar que vigorou no país entre 1964 e 1985. A outra face da moeda é o fato de Marina Silva, em que pese a enorme representatividade alcançada nos dois últimos pleitos, ir às urnas sem dispor da paridade de meios que deveria ter, se levássemos em conta a votação que obteve para a Presidência e não, apenas, o número de deputados da Rede e do PV, como estabelece a legislação eleitoral.

Como outra contradição do mesmo processo, temos a resiliência do PT, cujo líder principal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está preso e inelegível. A reforma eleitoral foi feita sob encomenda para evitar que o desastre eleitoral petista de 2016 se repita nas eleições desse ano. Em aliança com o PMDB e outros grandes partidos, a legenda somente não conseguiu tudo o que queria na reforma eleitoral, porque não foi aprovado o voto em lista, assim como o MDB não conseguiu aprovar o “distritão” proposto pelo presidente Michel Temer. Na distribuição de recursos do fundo partidário e tempo de televisão, o PT tem cacife para sonhar com um candidato no segundo turno, seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seja o ex-governador da Bahia Jaques Wagner.

Vantagens

Em contrapartida, podemos registrar as dificuldades de dois candidatos: Ciro Gomes (PDT) se posicionava para ser herdeiro dos votos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro, principalmente no Brasil setentrional. O próprio Lula, da cadeia, se encarregou de inviabilizar a coligação que lhe daria tempo de televisão para entrar na disputa para valer. O PSB, que seria o aliado principal do PDT, optou por não ter candidato e não fazer coligação para Presidência. Outro que ficou em situação parecida foi Álvaro Dias (Podemos), que ameaçava Geraldo Alckmin no Brasil meridional. Também foi isolado, conseguindo apoio apenas de partidos muito pequenos. João Amoêdo (Novo), que pensava atrair os movimentos cívicos para sua candidatura, Guilherme Boulos (PSol), que sonha com os votos de Lula em São Paulo, são pigmeus políticos no horário eleitoral.

Arguto observador do Congresso, o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar, garante que teremos a menor renovação política das últimas sete eleições. Cita três razões: redução do tempo de campanha de 90 para 45 dias; redução do horário eleitoral gratuito de 45 para 35 dias; e financiamento público. Segundo ele, deputados e senadores são favorecidos por: disputar no exercício do mandato, serem mais conhecidos, terem serviços prestados e bases eleitorais consolidadas, cabos eleitorais, dobradinhas, financiadores, acesso à mídia, estrutura de campanha e emendas parlamentares que garantem o apoio dos beneficiados pelo Orçamento da União.

 


Sergio Fausto: Por que Geraldo Alckmin

Ele tem condições para liderar o esforço para recolocar o País nos trilhos e fazê-lo avançar

Com as convenções partidárias, encerrou-se a etapa preliminar das eleições de outubro. Os candidatos à Presidência estão definidos e seus vices, escolhidos. A exceção é o candidato do PT, que servirá de espelho fictício à imagem de Lula.

Para quem não quer se submeter à lógica dualista do petismo vs. antipetismo bolsonarista, apresentam-se três hipóteses plausíveis entres os presidenciáveis: Geraldo Alckmin, Marina Silva e Ciro Gomes. Quero, aqui, explicar por que Geraldo Alckmin me parece a melhor opção, seguido de Marina Silva.

Ciro impressiona pela articulação verbal e pela capacidade de expor suas ideias. Pena que estas, além de variarem muito ao longo do tempo, assim como suas filiações partidárias, hoje paguem tributo a um nacionalismo-estatista fora do tempo e do espaço e a um plebiscitarismo perigoso para a democracia representativa. Pena, também, que sua eloquência repetidamente se perca na ofensa e no destempero.

Díspares em muitos aspectos, Geraldo e Marina compartilham características que têm escasseado no Brasil: serenidade, disposição ao diálogo e recusa à demagogia. Num país em que a retórica do nós contra eles se disseminou impulsionada pela esquerda e pela direita e o argumento racional perdeu espaço no debate público, essas qualidades individuais, em si mesmas, não são pouca coisa.

As chapas Alckmin/Ana Amélia e Marina/Eduardo Jorge, com candidatos a presidente e vice à altura dos respectivos cargos, oferecem ao eleitorado duas alternativas qualificadas. Esta última é em princípio mais transformadora do que a primeira, por incorporar com maior ênfase os temas do século 21, a começar pela sustentabilidade ambiental, por não nascer vinculada a forças tradicionais do sistema político e por ser encabeçada por uma mulher de extraordinária biografia.

Se assim é, então por que Geraldo Alckmin? Em breves palavras, porque ele reúne as melhores condições para liderar o imenso esforço necessário para recolocar o País nos trilhos e fazê-lo avançar. Tem de longe a melhor e mais experimentada equipe de assessores econômicos (a de Marina é composta por brilhantes intelectuais e acadêmicos, o que é coisa muito diferente). Além disso, está em condições de manter, pelo tempo que seja conveniente e necessário, quadros do atual governo que estão realizando um excepcional trabalho de reconstrução na área econômica à frente do Banco Central e do Ministério da Fazenda.

Dispõe de um programa de governo com uma agenda amadurecida de reformas que vão à raiz dos problemas que impedem o crescimento sustentado do País (protecionismo, baixa produtividade, alto custo Brasil, etc.). Tal agenda encontra respaldo na sua gestão como governador de São Paulo, onde se destacou pelo equilíbrio das contas, preservação do investimento público, promoção de parcerias com a iniciativa privada na área de infraestrutura e com o terceiro setor na área social, sem descumprimento de contratos ou de obrigações constitucionais em educação e saúde. Em condições muito adversas em seu último mandato, manteve o governo paulista superavitário e investindo, apesar da significativa queda da arrecadação, caso único entre os maiores Estados da Federação.

Seu programa expressa, ainda, o conhecimento técnico e a experiência acumulada na área de segurança pública, com uma bem definida atribuição de papel ao governo federal na coordenação do combate ao crime organizado, sem recorrer a pseudo-soluções que, a pretexto de assegurar a autodefesa dos cidadãos, aumentariam os já intoleráveis níveis de violência na sociedade brasileira.

Sei que a esta altura o leitor deve estar se perguntando se a aliança com o centrão é compatível com a agenda de reformas que Alckmin apresenta ao País. Eis o paradoxo: para fazer reformas “modernizadoras”, que exigem a aprovação de emendas constitucionais e leis complementares, é preciso buscar apoio em partidos que são percebidos, e em boa medida o são, representantes do “atraso” patrimonialista e clientelista. A necessidade desse apoio seria menor se as forças ditas “progressistas” não fossem “atrasadas” também, visto que em geral defensoras do corporativismo e do dirigismo estatal.

Geraldo Alckmin decidiu buscar esse apoio antes das eleições. Marina Silva, se eleita, terá de conquistá-lo depois. O dilema, porém, é inescapável. Pode-se argumentar que um(a) presidente que se eleja sem o apoio das forças do “atraso” esteja em melhores condições para negociar com o Congresso uma vez eleito(a). É possível, mas terá de incorporá-las a seu governo. Se não o fizer, o sonho de um governo dos “melhores” (ilusão que Marina vende ao eleitorado) logo se transformará no pesadelo de um governo inoperante, incapaz de produzir mudanças. No mundo real, a questão é sempre os termos da barganha com as forças do “atraso” (o quanto e onde se cede em troca de quê), equação na qual o capital político do(a) presidente tem peso determinante. Este é alto ao início do mandato e precisa ser renovado constantemente se o(a) presidente quiser manter a direção política do seu bloco de apoio.

Estou convencido de que Alckmin está em melhores condições para realizar com sucesso esse desafiante exercício. É um político de mãos limpas e pés no chão, que já formou e governou amplas coalizões à frente do maior Estado da Federação, experiência que lhe dá a têmpera e tarimba necessárias para ser chefe de Estado, chefe de governo e chefe da administração federal.

Ele só não pode esquecer que na campanha, assim como no governo, a aliança principal é com as forças sociais que desejam para o Brasil uma sociedade aberta e ambientalmente responsável, uma economia de mercado criativa e próspera e um Estado republicano capaz de contribuir decisivamente para que todas as pessoas tenham igualdades reais de oportunidade e garantias razoáveis de uma vida digna.

*Sérgio Fausto é superintendente Executivo da Fundação FHC. Colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP


Mauricio Huertas: Políticos, meus velhos, vocês não entenderam nada!

Talvez o eclipse tão falado nestes dias, apresentado como o maior do século, seja uma boa metáfora para a ausência de luz que vivenciamos atualmente, às vésperas das eleições majoritárias e proporcionais. A nova política, que despontava alvissareira no céu, segue na penumbra do velho mundo que gira em torno de si mesmo e do sistema dominante, em rotação e translação partidária automática e constante. No lugar da lua de sangue, bela e mística, embora real, quem sangra é a democracia, ferida por mitos e mitômanos surreais.

Senhores políticos, vocês não entenderam nada! Passados cinco anos das já históricas manifestações de junho de 2013, seguem ignorando todos os sinais de vida inteligente vindos de fora do seu universo particular. Se naquela época ficaram atordoados com a juventude alienígena que proliferava em cada canto deste país, buscando em vão seus supostos líderes, inexistentes na realidade horizontal e difusa das redes e das ruas, os nativos da velha política demonstram outra vez que não aprenderam nada ao reproduzir em 2018 todos os erros que motivaram aquele “big bang” dos movimentos pela renovação.

O primeiro grande erro, essencial, além de ignorar os sinais emitidos desde 2013, foi desprezar o recado claro das urnas em 2016. Afinal, deveriam ter percebido que não podia ser apenas coincidência a eleição de prefeitos que, cada um à sua maneira, representavam uma ruptura com o sistema dominante nas principais capitais do país: João Doria em São Paulo, Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, Alexandre Kalil em Belo Horizonte, Nelson Marchesan Júnior em Porto Alegre, Rafael Greca em Curitiba, Luciano Rezende em Vitória, ACM Neto em Salvador, entre outros.

Tentou-se em vão passar réguas ideológicas, geracionais ou partidárias e não se chegou à conclusão óbvia: todos eles representavam de alguma forma o “novo”. Do veterano Grecano Paraná, eleito pelo minúsculo PMN, ao bispo da Universal vitorioso no Rio; do “gestor” João Doria aos políticos de tradição familiar, como o gaúcho Marchesan ou ACM, o baiano reeleito assim como o capixaba Luciano Rezende; mas todos eles notadamente escolhidos pelo eleitor para mudar ou para protestar contra a política local que se praticava até então.

Depois de passar despercebido – ou ser deliberadamente ignorado – esse sinal dado em 2016, os nomes que surgiram como opções para a consolidação de candidaturas “outsiders” à Presidência da República foram sendo seguidamente abduzidos pelas forças da velha política. Fiquemos nos dois mais significativos: Luciano Huck e Joaquim Barbosa, que desistiram (ou adiaram suas pretensões) diante da monstruosa pressão de políticos e partidos tradicionais.

Aí talvez esteja o erro mais gritante dos principais analistas e estrategistas do mundo político: julgar como favas contadas que a eleição de 2018 será decidida pelas mesmas regras tácitas e os velhos costumes da política institucional brasileira, resumida ao “nós” x “eles”, ou à repetição da disputa simbiótica PT x PSDB, tão normal nas últimas décadas. Afinal, por esse raciocínio raso, restaram no cenário apenas as candidaturas do mecanismo binário e polarizado que se retroalimenta. Então, para vencer, bastaria reunir a maior quantidade de partidos nas coligações e dominar o tempo da propaganda na TV. Será?

Vetustos e velhacos da política não compreendem que até os inabaláveis 30% de Lula nas pesquisas de intenção de voto estão impregnados pelo desejo da mudança e pela rejeição à política tradicional. Como assim? Na lógica cartesiana é inaceitável que Lula- candidato em cinco eleições, presidente duas vezes e avalista de Dilma em outras duas – tenha ainda eleitores que considerem votar nele como forma de protesto contra a política tradicional. E depois de tudo que foi revelado ainda votam no PT? Impossível! Absurdo! Mas quem foi que disse que essa é uma ciência exata e que o eleitor age dominado pela razão?

Quem anuncia a intenção de voto em Lula – ou pede #LulaLivre nas redes sociais ou em algum desses manifestos de artistas, intelectuais e influenciadores digitais – não é um simples alienado que considera o petista o último dos inocentes ou o PT uma reserva de moralidade. Ao contrário. Excluído o petista de carteirinha, sobra em grande parte um eleitor saturado da política partidária tradicional, que um dia acreditou no discurso de Lula, viu vantagens em seus governos e agora, pesando na balança eleitoral o que está aí, considera tudo uma maçaroca de imundície e podridão. Solução simplista: se todos são iguais na sujeira e na corrupção, eu escolho aquele que ao menos fez algo de bom por mim quando esteve no poder. É quase uma reedição do “rouba mas faz”.

Pensamento semelhante tem o eleitor de Jair Bolsonaro, ainda que no sentido inverso. Quanto mais os políticos e a mídia tradicional o apontarem como um boçal com ideias esdrúxulas, maior apoio e repercussão terá entre o exército anônimo de indignados e revoltados anencéfalos contra o atual sistema político. O folclórico Bolsonaro segue a linhagem dos Enéas, Tiriricas e Cacarecos da história brasileira. Periga ser o herdeiro legítimo de quem elegeu Fernando Collor em 1989. Aí estaremos fritos de verdade.

É evidente (para quem se propõe a enxergar fora da caixinha), assim, que a polarização que traz Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas pré-eleitorais também carrega em si o desejo da mudança. Não se trata, em sua grande maioria, do voto racional, partidário ou ideológico, mas do simbolismo dessas duas candidaturas. Com Lula fora por conta da prisão e da ficha suja, restará conferir a sua capacidade de transferência de votos. Quem será o maior beneficiário do espólio lulista? O PT vai lançar Fernando Haddad? Ou será que Ciro Gomes personifica melhor esse eleitor órfão de Lula? E Marina Silva, somará quanto desses indignados ao legado de 20 milhões de eleitores cativos das duas últimas eleições?

Finalmente, precisamos falar de Geraldo Alckmin. É simples: se o roteiro do candidato tradicional prevalecer ainda sobre a modernidade e a diversidade das redes e sobre a demanda por uma nova forma de fazer política, que não seja tão influenciável pelo tamanho das coligações partidárias e pelo monopólio da propaganda oficial no rádio e na TV, o tucano é o favorito disparado para ganhar essa eleição. Ponto, portanto, para quem fez a aposta na estratégia dessa múltipla aliança com o “centrão” e com o “status quo”. Do contrário, apertem os cintos… Estaremos perdidos no espaço!

*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente


O Globo: Tempo de TV de Alckmin é 40 vezes maior do que o de Bolsonaro

À exceção de tucano, principais candidatos têm pouco espaço por falta de alianças

Por Daniel Gullino e André de Souza, de O Globo

A divisão do horário eleitoral gratuito ainda não está definida, mas o pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, tem, até agora, larga vantagem em relação aos seus adversários. Com o apoio de nove partidos, o tucano terá ao menos 5 minutos e 12 segundos de cada um dos dois blocos diários de 12 minutos e meio. Além disso, deve ter 11 inserções diárias de 30 segundos, que serão exibidas durante a programação normal.

O retrato do momento deixa Alckmin com um tempo de exposição mais de 40 vezes superior ao do presidenciável do PSL, Jair Bolsonaro, que lidera as pesquisas de intenção de voto nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A campanha de Alckmin escolheu Bolsonaro como um dos principais rivais, por entender que os dois disputam parte do mesmo eleitorado. Caso o deputado federal continue sem conseguir fechar uma aliança (já rejeitada por PR e PRP), ele deve ter direito a seis segundos diários e a uma inserção a cada cinco dias.

O cenário ainda pode mudar até o dia 5 de agosto, data final para as candidaturas serem registradas. Até o momento, 15 dos 25 partidos definiram seus candidatos. Além de Alckmin, apenas outro presidenciável conseguiu fechar uma aliança até agora: Guilherme Boulos (PSOL), que terá o apoio do PCB. Nove partidos ainda não definiram qual rumo tomar, e o PMN decidiu que ficará neutro. O segundo maior tempo de televisão deve ficar com o PT (1 minuto e 45 segundos), que pretende inscrever Lula. Se a candidatura do ex-presidente for barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com base na Lei da Ficha Limpa, o horário eleitoral terá um papel crucial para o partido, já que será preciso transferir os votos de Lula para seu substituto — o ex-prefeito Fernando Haddad e o ex-governador Jaques Wagner são os mais cotados para assumir o posto. O PT tentou conseguir autorização para gravar vídeos de Lula dentro da prisão, mas o pedido foi negado pela Justiça.

MARINA TEM SITUAÇÃO PARECIDA A DE BOLSONARO
O MDB, que tem como pré-candidato o ex-ministro Henrique Meirelles, vem logo atrás, com 1 minuto e 41 segundos. Assim como o PT, a legenda teria três inserções diárias.
Pré-candidato do PDT, Ciro Gomes tem, até agora, 34 segundos e uma inserção diária. Ele ainda tenta o apoio do PSB — o que lhe garantiria mais 50 segundos — e do PCdoB, que tem como pré-candidata Manuela D’Ávila, e é dono de 18 segundos. As duas legendas, no entanto, também são cobiçadas pelo PT. O PSB, até agora, caminha para a neutralidade.

Outra pré-candidata que tenta fechar alianças para aumentar seu tempo de televisão é Marina Silva (Rede), segunda colocada nas pesquisas, mas com apenas oito segundos e uma inserção a cada quatro dias. Um dos alvos de Marina é o PROS, dono de 14 segundos. Pré-candidato do Podemos, Alvaro Dias conta, até o momento, com 10 segundos.


Paulo César Nascimento: O que está por trás do “Polo Democrático e Reformista”?

Algumas lideranças políticas têm martelado na tecla da união das correntes políticas, da centro-direita à centro-esquerda, para enfrentar as próximas eleições de 2018. Faz parte deste esforço o manifesto “Por um Polo Democrático e Reformista”, assinado inicialmente por três líderes do PSDB e um do PPS, no início de junho deste ano, e na sequência apoiado por diversos políticos do DEM, PV, PSD, MDB e PTB, além de vários intelectuais e acadêmicos.

Contudo, existem alguns aspectos nebulosos nessa ideia de unir as forças de centro. A primeira delas é que o manifesto cita correntes ideológicas – liberais, democratas, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democratas, etc. – como forças que deveriam unir-se nas eleições deste ano. Mas estas correntes ideológicas se apresentam de forma difusa no cenário político nacional, não se encarnando adequadamente nem nos partidos que carregam seus nomes. O que, por exemplo, tem de republicano o Partido da República (PR), ou de progressista o Partido Progressista (PP)? Onde o Solidariedade, de Paulinho da Força Sindical, se encaixaria nessa constelação de ideologias políticas?

O centro só se torna mais claro quando seus apoiadores declaram que dele podem participar todas as forças que pensam o Brasil fora do campo populista autoritário de direita e de esquerda. Ou seja, aqueles que rejeitam a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), de Ciro Gomes (PDT) e do candidato do PT, seja ele quem for. Estas candidaturas, segundo a ótica dos formuladores do “Polo Democrático e Reformista”, carregariam um potencial de provocar a ruptura da ordem democrática, devido o seu populismo autoritário e atrasado. Daí a necessidade, muito na forma da Frente Ampla propugnada pelo PCB na luta contra o regime militar, de todas as forças democráticas e reformistas se unirem para preservar a democracia e avançar nas reformas que o país necessita.

O problema com essa visão política é que nada indica que a democracia no Brasil esteja correndo perigo, e basta acompanhar a movimentação tanto de Bolsonaro como de Ciro Gomes para certificar-se disso. O primeiro abandonou o discurso do passado, quando chegou a pregar o fechamento do Congresso, entre outras pérolas autoritárias, – para adotar uma postura muito mais amena e conciliadora, chegando ao ponto de escolher um economista ultraliberal para ser seu Ministro da Fazenda, de forma a acalmar o mercado e se livrar da imagem pró-estatizante que construiu ao longo de sua carreira política.

Já Ciro Gomes, ao contrário, tem se utilizado de uma retórica radical para atrair os votos do lulopetismo, mas ao mesmo tempo e contraditoriamente, tenta ampliar suas alianças para o centro e a centro-direita, chegando a disputar e perder para Alckmin o apoio dos partidos fisiológicos do chamado “centrão”. Persiste, porém na busca de uma aliança com o PSB, partido que nada tem de radical. E o PDT, partido que o lançou candidato, tem muito de fisiológico e populista, mas nada de radical. Ou seja, retórica à parte, seu comportamento não é o de um político que esteja colocando em risco a ordem democrática.

Não há nada de surpreendente na atitude destes políticos. Há muito tempo se tornou um truísmo na ciência política que nas democracias contemporâneas, os candidatos tendem a moderar seu discurso de forma a capturar o medium voter – aquele eleitor mediano avesso a radicalismos que representa a maioria do eleitorado. É claro que candidatos extremistas sempre existirão, mas isto faz parte do cenário político de toda e qualquer democracia.

Alguns apoiadores do “Polo Democrático e Reformista” alegam ainda que as candidaturas populistas antes referidas podem levar o país à “ingovernabilidade”, insinuando assim que, mesmo que elas não estejam diretamente empenhadas em derrubar a democracia brasileira, a solapam com suas políticas de irresponsabilidade fiscal e de confronto com o Judiciário e o Legislativo.

“Ingovernabilidade”, contudo, não leva necessariamente ao caos e ao fim da democracia. As sociedades democráticas têm mecanismos institucionais para lidar com situações em que o Chefe do Governo ou do Estado perde a capacidade de dirigir o país, seja por uma política econômica catastrófica, falta de diálogo com o Legislativo ou mesmo incapacidade física e mental, como ocorreu com o presidente Abdalá Bucaram, no Equador, em 1997. Para casos assim, existem diversos mecanismos institucionais, como o impeachment e o recall de novas eleições.

A democracia brasileira, por ter passado por diversas crises, incluindo dois impeachments, já está com suas instituições democráticas bastante consolidadas. Tanto que elas puderam resistir aos 13 anos da longa “guerra de posições” que o PT deslanchou para submeter a sociedade e os três poderes a seu plano de perpetuar-se no poder. Como todos sabem, essas tentativas fracassaram, e o Judiciário do país condenou Lula e vários outros líderes petistas à prisão pelo fantástico esquema de corrupção montado por aquele partido e sua base aliada.

Se a democracia brasileira não está sob qualquer risco, por que então as aves de mau-agouro do “Polo Democrático e Reformista” insistem em levantar o espantalho do perigo de ruptura democrática? O que está por trás disso? A resposta é óbvia: para apoiarem com mais legitimidade a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência da República. Torna-se muito mais palatável, para a esquerda democrática, defender o desgastado PSDB e seu candidato se este é apresentado como a última boia na qual a democracia brasileira pode agarrar-se para não afundar. Muito mais difícil é defender Alckmin pela trajetória de seu partido ou pelo seu próprio perfil.

Já faz algum tempo que o PSDB se afastou do ethos renovador e modernizante que inspirou os “autênticos” a abandonar o antigo MDB quando este mergulhou de cabeça no fisiologismo. Atualmente, o PSDB nada tem de renovador e muito menos de “socialdemocrata”. Uma prova disso é que sua estrela ascendente, e talvez futuro candidato à Presidência, o ex-prefeito de São Paulo João Dória, é um neoliberal de carteirinha. Igual que o MDB, o PSDB “regionalizou-se”, sendo dirigido atualmente por lideranças políticas dos mais diversos perfis ideológicos.

Nos anos em que comandou o país, o PSDB não realizou uma só reforma política, com exceção da aprovação do instituto da reeleição, de forma a garantir mais um mandato para o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Desgastou-se com os múltiplos casos de corrupção e caixa 2 em que algumas de suas principais lideranças se envolveram, e cujas investigações ameaçam chegar até ao próprio Alckmin.

Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que a questão que se coloca para um governo renovador no Brasil é se ele vai comandar o atraso ou se é o atraso que vai comandá-lo. É a questão que também estará colocada no caso de Geraldo Alckmin ser eleito para presidente. Sua aliança com o centrão lhe garante um tempo extraordinário de propaganda eleitoral na tevê, mas pode comprometer a realização de qualquer tipo de reforma política, social ou econômica.

Incomodados com a imagem negativa que a aliança com o centrão pode trazer para o “Polo Democrático e Reformista”, ativistas da esquerda democrática reagiram com veemência, tratando de dourar a pílula. “O centrão atual é diferente do centrão da Constituinte”, gritam em coro. Ora, embora isso seja verdade, não faz o atual centrão melhor que seu antecessor. Ao contrário, é até pior, já que sua versatilidade e falta de compromisso ideológico permitem que costure qualquer tipo de aliança com forças as mais díspares, como fizeram nos governos do PT, de Temer e agora com a candidatura Alckmin, desde que tenham seus interesses particulares contemplados. É um tipo de fisiologismo arraigado na cultura política brasileira, que tem tradicionalmente impedido reformas estruturais na política, na economia e no combate às desigualdades sociais, além de ser foco constante de corrupção e patrimonialismo.

Argumenta-se ainda que a coalizão que sustenta a candidatura Alckmin não se esgota no centrão, já que abarca outras correntes mais comprometidas com as reformas, como a própria esquerda democrática que integra o “Polo Democrático e Reformista”. Mas com 164 deputados e 32 senadores, o centrão certamente terá uma influência muito maior que a minguada bancada da esquerda democrática, provavelmente indicando os presidentes da Câmara e do Senado, e tendo voz hegemônica nos rumos da campanha presidencial do PSDB.

Muitos tucanos, por outro lado, vivem ressaltando as qualidades de Alckmin como político moderado, gestor experiente e grande articulador político. Ele teria, dessa forma, todas as condições para exercer uma exitosa presidência. Infelizmente para o candidato, não é assim que o eleitorado, até agora pelo menos, tem percebido o político Alckmin, daí o candidato do PSDB estar, já faz um bom tempo, patinando nas pesquisas eleitorais, sem alcançar os dois dígitos, apesar de ser um nome nacionalmente conhecido, ter governado São Paulo e dispor de uma enorme estrutura nacional para sua campanha.

Falta a Alckmin – e é impossível não perceber–, a estatura de um estadista e líder nacional capaz de empolgar o eleitorado, tirar o país do buraco onde o lulopetismo o enfiou, e liderar um projeto de reformas. Até porque, para a elaboração de um plano de reformas estruturais, é necessário um corpo de ideias - a última coisa no mundo que o provinciano médico de Pindamonhangaba é capaz de produzir. Em 2006, quando disputou a eleição com Lula, não teve nem a coragem de defender o programa de seu partido, escondendo-se atrás de uma fotografia em que aparecia ostentando adesivos de estatais brasileiras, para afastar a imagem de “privatista”. Como resultado, acabou tendo menos votos no segundo turno do que obteve no primeiro.

Se Alckmin não tem perfil de reformador, sua aliança eleitoral tampouco ajuda no desenvolvimento da democracia brasileira. Apesar de seus apoiadores falarem interminavelmente sobre democracia, parecem esquecer um aspecto desta forma de governo que a frente que montaram agride frontalmente: o pluralismo.

É difícil encontrar qualquer estudo sério sobre democracia que não a ligue com o pluralismo. Este nada tem a ver com individualismo, como sugeria a vulgata marxista soviética. O pluralismo se baseia no fato muito simples de que o espaço público é habitado por pessoas, e não por uma só pessoa. É por isso que todo sistema coletivista, não pluralista, em que um líder máximo substitui o povo, tende para o autoritarismo. É o caso de sistemas de partido único, democracias plebiscitárias ou regimes populistas, da China de Xi Ji Ping à Venezuela de Maduro, onde o eleitor não é apresentado a propostas alternativas e a pluralidade política é limitada ou mesmo suprimida.

Nas democracias contemporâneas, ao contrário, a pluralidade é muito valorizada. Juntamente com as liberdades civis e políticas, o regime eleitoral de dois turnos compõe, em muitas dessas democracias, o instrumento mais adequado para combinar pluralismo com estabilidade, pois incentiva os partidos políticos a lançarem seus candidatos e apresentarem suas propostas no primeiro turno, ao mesmo tempo em que garante ao vencedor do segundo turno a legitimidade adquirida com a conquista da maioria dos votos.

Isto posto, é natural que, sob um regime autoritário, diversas correntes políticas se unam para lutar pela democracia, como o PCB propôs acertadamente à época da ditadura militar. Ou mesmo que, em um primeiro turno, alguns partidos com forte familiaridade política se coliguem. Mas este não é o caso do frentão que apoia a candidatura Alckmin. Apesar de composto por diversas forças políticas, não tem nada de plural. Os grupos que integram este frankenstein político se limitam a disputar espaços de poder em seu seio, perseguindo suas sinecuras em lutas de bastidores, sem desenvolver perfil próprio além de uma vaga carta de intenções. A identidade política dos candidatos e dos partidos se dissolve em meio a siglas de nomes confusos e contraditórios.

Os políticos que integram o “Polo Democrático e Reformista”, assim como a frente de apoio a Alckmin, parecem apostar que o longo tempo de tevê que o candidato do PSDB dispõe, mais sua capacidade de formar palanques estaduais fortes, vai fazê-lo subir nas pesquisas assim que a campanha eleitoral começar. É possível que isso aconteça, mas falta ainda combinar com o eleitor. O fato é que mesmo que Alckmin não seja eleito presidente, os partidos menores que o apoiam esperam que a aliança com o PSDB os ajude a eleger deputados e senadores em número suficiente para escapar da guilhotina da cláusula de barreira e garantir o fundo partidário.

É perfeitamente normal e justo que os partidos brasileiros busquem os recursos necessários e cumpram as exigências institucionais para se manterem em atividade e garantir sua sobrevivência. Mas poderiam explorar melhor as possibilidades de alianças no contexto de outras alternativas políticas. O presidente do PPS, Roberto Freire, por exemplo, foi contra a candidatura de Cristovam Buarque, alegando que o senador não tem voto. Mas descartou rapidamente o convite que lhe foi feito para ser vice na chapa de Marina Silva, que tem muito mais intenções de voto que Alckmin, inclusive em São Paulo. Poderia ter sido uma opção para a futura criação de um partido democrático de esquerda, sonho do PPS há décadas. A proposta nem foi levada para discussão no partido, já que há um temor em apostar as fichas em uma candidata sem tempo de tevê e sem fortes alianças estaduais, que pode desidratar quando começar a propaganda eleitoral. Mas quem garante que isso vai mesmo acontecer? E se Alckmin tiver o mesmo destino que Ulyssses Guimarães em 1989, que tinha muito tempo de tevê mas acabou bem atrás de outros candidatos com menos tempo e estrutura partidária menor? E isso em uma época sem redes sociais, hoje um elemento que pelo menos relativiza o poder da mídia tradicional.

Seja como for, a ideia que Alckmin seria o candidato das reformas e o salvador da democracia brasileira não passa de uma quimera. Seu histórico político de alianças fisiológicas, a visão liberal da economia e o cristianismo conservador que o candidato do PSDB professa indicam que ele será o candidato do big business: das grandes corporações empresariais, do capital financeiro e do agronegócio. Tanto que o mercado vibrou quando Alckmin selou aliança com o centrão. Imediatamente as ações na Bolsa subiram e o dólar caiu!

Estes fatos nos permitem antever que caso Alckmin seja eleito, diferentemente do que imagina o “Polo Democrático e Reformista”, seu governo vai significar um retrocesso em termos de política ambiental, direitos sociais e econômicos dos trabalhadores, legislação das agências reguladoras e políticas para a área cultural. Quem viver verá.

*Professor do Instituto de Ciência Política, da UnB