alberto ramos
Míriam Leitão: O risco maior do ano é interno
O risco do Brasil este ano não é externo, é brasileiro mesmo, diz o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do banco Goldman Sachs. “Não tem vacina e se tivesse não teria seringa”, disse. De fato, a crise aqui está pior do que a do mundo. Nos Estados Unidos a primeira semana do ano começa num alto grau de tensão institucional. Donald Trump transformou eventos que são apenas protocolares em atos tardios da eleição que já perdeu. Na política, a semana começa intensa na disputa da Câmara dos Deputados com o apoio do PT a Baleia Rossi (MDB-SP).
O que nos aflige é que dezenas de países já começaram a vacinar e o Brasil está parado. Ontem, a boa notícia, postada no meu blog por Ana Carolina Diniz, é que a indústria fornecerá 30 milhões de seringas e agulhas. E na próxima semana sairá o edital de 300 milhões de seringas.
— O Brasil tem um problema pandêmico e outro que é endêmico — falou o economista Alberto Ramos, de Nova York, ao jornalista Alvaro Gribel.
O pandêmico será resolvido mais cedo ou mais tarde, quando o país for vacinado. O endêmico é a lentidão das reformas macro e micro e o baixo crescimento crônico.
— A última vez que o Brasil cresceu mais de 3% foi em 2013. Já são quase 10 anos — disse Ramos.
O Congresso começou o ano intensamente por causa da disputa para a presidência da Câmara dos Deputados. Durante a manhã de ontem, vários parlamentares do PT receberam ligações de Baleia Rossi e nessas conversas ficou claro que haveria uma divisão na votação, mas que a maioria ficaria a favor de apoiar a candidatura de centro contra o candidato de Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL). Parlamentares que ouvi contam que o acordo da candidatura de Baleia Rossi com a esquerda não passou pelas reformas, mas sim nos pontos de defesa institucional e autonomia do legislativo. Contudo, a reforma tributária já havia sido discutida antes. A esquerda quer, com toda razão, que a estrutura de impostos seja mais progressiva e por isso pediu aumento de impostos sobre heranças e cobrança de tributos sobre lucros e dividendos. E isso foi incluído no projeto.
Da perspectiva do mercado, o Brasil teria que aprovar este ano ainda a reforma administrativa, apesar de Alberto Ramos considerar que a proposta do governo “deixou muita gente de fora”. A reforma tributária ele define como “minimalista”. A do governo, de fato, é. A proposta é apenas a unificação de PIS e Cofins:
— Há um grau de frustração muito grande com as reformas que não avançam e o conteúdo deixa a desejar. A da previdência deixou de fora os estados e municípios e manteve privilégios dos militares.
Ele acha que o Brasil pode crescer 3,8% este ano, grande parte por efeito estatístico da queda do primeiro semestre do ano passado. Mas o país tem chance de se beneficiar do cenário externo porque a vacina pode virar o jogo na recuperação econômica do mundo, os preços das commodities estão em alta, os estímulos monetários e fiscais de vários governos continuam. O problema brasileiro é que a pandemia agravou muito a crise fiscal e as respostas são fracas.
Nos Estados Unidos, o mercado já olha para o governo Biden, que começará no dia 20. Segundo Ramos, no curto prazo o presidente democrata significa mais atividade, porque haverá mais estímulo. A médio prazo, pode representar mais impostos e mais regulação. Mas ele disse que, sem expressar preferência política, o mercado reagiu bem à vitória de Biden porque Trump gerava ruído com o resto do mundo.
Os Estados Unidos deveriam estar vivendo agora apenas a formalidade da transição, mas está numa crise. O estarrecedor telefonema do presidente Donald Trump para o secretário de Estado da Georgia, Brad Raffensperger, que o jornal “Washington Post” divulgou, mostra como o país mais poderoso do mundo democrático está nesses últimos dias do governo Trump a um passo do abismo institucional. Trump queria que a autoridade estadual fraudasse a eleição. Ontem, analistas estavam avaliando, segundo o “Post”, se Trump violou as leis da Georgia. Ora, ele violou as regras básicas da democracia. Os Estados Unidos viveram, nestes quatro anos, tantos absurdos que ainda têm dúvidas se esse caso viola ou não a lei. Esse é o risco no Brasil de Bolsonaro. O país se acostumar com a anomalia institucional.
Míriam Leitão: Pacote de ruído assusta o capital
O Brasil tem sido visto como um pacote de problemas pelos investidores. Há baixa perspectiva de crescimento, alta acelerada da dívida, ruídos institucionais e má condução da pandemia. É o que explica Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do banco americano Goldman Sachs. Ele também avalia como tímidas as reformas aprovadas nos últimos quatro anos, como a da Previdência, porque ela não incluiu estados e municípios e manteve privilégios para algumas categorias.
Ramos é português de nascimento e está na Goldman Sachs desde 2003. Antes disso, foi economista sênior do FMI. É PhD em Chicago, onde foi professor. Tinha tudo para achar que um governo que chegou ao poder defendendo um programa liberal estaria no caminho certo. Ele é defensor de um programa forte de reformas e acha que elas serão mais necessárias depois da pandemia, porque a projeção do FMI, divulgada ontem, é de que a dívida brasileira chegará a 100% do PIB.
— O Brasil está sofrendo o que todo mundo está sofrendo na pandemia, mas, além disso, tem ruídos políticos e institucionais que persistem e podem levar à perda de governabilidade. São coisas que não ajudam, com risco fiscal elevado, e a economia sem crescimento e com desemprego alto — alerta.
O economista faz uma lista do que considera como ruídos provocados pelo governo, que, em sua visão, trabalha com uma “polarização muito grande”, o que não ajuda na recuperação da crise.
— Tem ruído entre governo e Congresso, entre governo e STF, entre governo e imprensa, entre o governo e o próprio governo, da equipe econômica do Paulo Guedes com assessores do presidente e outros ministros. Houve as saídas dos ministros da Educação, da Justiça, de dois ministros da Saúde em plena pandemia. Há fricção entre o governo federal e governadores — afirmou.
Este ano, os investidores estrangeiros já tiraram R$ 73 bilhões da bolsa brasileira e o risco-país subiu acima da média de outros países emergentes. A recuperação do índice Ibovespa, que saltou da casa dos 65 mil para os 95 mil pontos, aconteceu principalmente pela entrada do investidor pessoa física brasileiro, que tem fugido da baixa rentabilidade da renda fixa. Muitos são pequenos investidores tendo a primeira experiência. A grande dúvida, para quem faz projeções de longo prazo no país, é se o Banco Central vai conseguir manter a taxa Selic em patamares baixos, caso o governo e o Congresso não consigam transmitir confiança de que vão conter a escalada da dívida.
— O Brasil é como uma família que já estava no cheque especial e sofreu um acidente de carro. Vai ter que se endividar mais para consertar o veículo. E com isso pode ter que pagar juros mais caros no cartão. No pior cenário, pode até ficar sem o cartão — disse.
A imagem do cartão serve para explicar a situação fiscal do Brasil. Já não era boa antes da pandemia. Agora, como em todos os países, o gasto está dando um salto pela crise da saúde. Na visão de Alberto Ramos, o aumento da “fricção” institucional diminui a chance de se obter consensos políticos para a futura aprovação de reformas.
De Nova Iorque, onde mora e trabalha, o economista não acredita em risco de ruptura institucional no Brasil. Entende que há “excessos de linguagem” por parte de alguns atores políticos, mas faz um alerta. Continuar com esses ruídos não seria bom para a economia, porque haveria forte aumento do risco, disparada do dólar e fuga de capitais. Em outras palavras, isso aprofundaria a recessão:
— Seria um ambiente que poderia levar à retração do investimento, e com isso à destruição do potencial de crescimento da economia, pela instabilidade e aumento do risco. Isso confunde a cabeça do investidor. É ruído desnecessário e de custo econômico elevado.
Embora haja o temor de uma segunda onda do coronavírus nos Estados Unidos, a recuperação da economia americana tem sido melhor do que o esperado, na visão de Ramos. Na América Latina, o cenário é pitoresco: há dois líderes conservadores, Bolsonaro e Piñera, promovendo aumento de gastos, um populista de esquerda no México cortando despesas, e o FMI na Argentina aplaudindo quebras de contratos e permitindo reestruturação da dívida.