Alberto Aggio
Alberto Aggio: Na grande crise que vivemos é preciso resistir e derrotar Bolsonaro
Este vídeo faz parte de uma excelente iniciativa da Unesp que se propõe discutir as implicações da epidemia do Covid-19 para o país e o mundo. A ênfase da intervenção está centrada no diagnóstico da “grande crise” que vivemos (sanitária, econômica e política) e na dinâmica perversa que se instalou gerando milhares de mortos e centenas de infectados. O problema não envolve apenas a dimensão sanitária, a despeito da sua forte especificidade.
O problema tornou-se fundamentalmente político pelo comportamento aberrante do presidente Jair Bolsonaro, desdenhando as orientações médicas, manifestando comportamentos impróprios e exemplarmente negativos e, por fim, desorientando a população na medida em que confronta abertamente as orientações e medidas dos governadores e prefeitos que seguem as indicações da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Em meio à “grande crise”, Bolsonaro se tornou um agente provocador e negativo para o país. O Brasil precisa resistir a Bolsonaro em seu movimento sinistro contra os brasileiros. Em defesa da vida, contra a morte!
‘Partidos políticos estão muito oligarquizados’, afirma historiador Alberto Aggio
Professor da Unesp, que também é diretor da FAP, destacou importância da ‘cultura política’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Os partidos políticos estão muito oligarquizados. É preciso democratizar os partidos. As estruturas e instituições públicas precisam de uma renovação, já que estão dominadas pelo corporativismo e privilégios”, avalia o historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio. Ele abordou o assunto ao explicar progressismo e liberalismo, conforme mostra série de divulgação de vídeos da retrospectiva do IV Encontro de Jovens Lideranças, realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em janeiro.
No oitavo vídeo da série da retrospectiva, Aggio, que também é diretor da FAP, aparece no debate ao lado do cientista político e cofundador do Movimento Agora, Leandro Machado, e do sociólogo e também diretor da FAP, Caetano Araújo, que mediou a discussão. Ao abordar o assunto, o historiador citou diversos pensadores liberais e liberais progressistas.
» Confira o vídeo abaixo ou clique aqui!
https://www.youtube.com/watch?v=AmtxhP0SZx4&t=449s
De acordo com Aggio, defensor da esquerda democrática, redemocratizar a democracia vai abrir espaço para os movimentos mais recentes que ocorreram em vários lugares do mundo, como Madri (Espanha), Nova Iorque (Estados Unidos), Paris (França) e São Paulo (Brasil).
Aggio explicou que uma das linhas do liberalismo busca visão mais progressista da política e uma visão mais democrática da democracia. “Autores liberais são expressões do mal-estar e do descontentamento contra o engessamento da democracia e o neoliberalismo. Nos EUA, por exemplo, a corrente chama-se libertarismo.
O palestrante também destacou a importância de os participantes do evento terem cultura política. “Cultura política dá sustentação a quem faz política. Se não tiver cultura política, pode até ter voto, mas nós aqui estamos olhando o horizonte, não estamos olhando a esquina. Esse curso da FAP serve para olhar o horizonte”, afirmou.
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Alberto Aggio: Isso é Bolsonaro
Com recessão à porta, presidente combate as lideranças que ameaçam seu caminho para 2022
É traço comum das análises sobre o Brasil atual buscar entender o que melhor caracterizaria Jair Bolsonaro e seu governo. Bolsonaro é efetivamente um personagem singular, minimamente letrado, um tanto tosco, que numa circunstância especialíssima chegou à Presidência da República. Não estaria errada essa descrição, mesmo reconhecendo sua insuficiência.
Dizer que ele representa os militares seria uma generalização absurda e um desprestígio da categoria. Os militares compõem uma camada intelectual de relevância incontestável para o Estado brasileiro. Como se sabe, Bolsonaro foi afastado do Exército por indisciplina. Tornou-se político profissional com votos da corporação militar por longos 28 anos. Como parlamentar e agora como presidente permanece um defensor das demandas dos militares – vide a reforma da Previdência. É certo que recheou o Ministério com muitos deles, o que não garantiu identidade absoluta entre o presidente e os militares convidados.
Não há novidade também na caracterização de Bolsonaro como representante da extrema direita. Não apenas ele, mas seus filhos – igualmente políticos profissionais, vale ressaltar – não escondem isso de ninguém, até mesmo as ligações internacionais com essa corrente política. Tal posição, distinta de outras correntes e personalidades desse campo, acabou por definir mais precisamente Bolsonaro como expressão de uma facção da direita que tem cultivado um comportamento fascistizante.
O presidente não abre mão de concentrar em si a narrativa e a estratégia de seu governo. Embora em ambas não haja um programa determinado, coerente e sistêmico, que ele faça questão de explicitar. Mas há uma ênfase digna de menção: a persona (o “mito”) sobrepõe-se ao governo e por isso a dimensão pessoal está sempre à frente da institucional, no limite do decoro. A pessoalização existe, porém, sem nenhum afeto, nem o maneirismo típico da nossa tradição ibero-americana. A Bolsonaro não interessa o savoir-faire da política, as gentilezas com outros atores, mesmo com possíveis aliados.
Ele modula seu comportamento pelo que entende ser o jogo duro do poder. E para isso adota o método do confronto permanente, pondo sempre em relevo as discrepâncias ideológicas no lugar das soluções para os problemas da Nação. A confrontação é essencial para sua estratégia de manter o apoio de parcela significativa do eleitorado, rumo à reeleição de 2022.
Tudo isso lhe garantiu a iniciativa política até aqui. Mas 2020 começou mal para ele e para todos nós. A divulgação do “pibinho” (1,1%) de 2019, a disparada do dólar, a fuga de investimentos e, por fim, o ingresso do Brasil na pandemia do covid-19 alteraram o cenário. A pandemia jogou Bolsonaro nas cordas, fazendo-o perder a iniciativa política. Em poucos dias deu mostras de faltar-lhe o chão e de que sua estratégia maior poderia estar comprometida.
Desde então as ações do presidente visam à recuperação da iniciativa perdida. Com parte da sua equipe contaminada pelo vírus, Bolsonaro lançou-se numa escalada desesperada: não hesitou em cumprimentar os poucos manifestantes que pediam o fechamento do Congresso e do STF. Em seguida, com declarações estapafúrdias, atacou os governadores que determinaram o isolamento social para conter o avanço da epidemia. Essa atitude produziu uma fratura na estrutura federativa do País, criando embate institucional, desorientação política, além de complicar o combate à pandemia.
Mesmo na defensiva, Bolsonaro tenta manter a opção por uma “guerra de movimento” definida desde a campanha e a posse, cujo objetivo é destruir a democracia da Carta Constitucional de 1988 e implantar um regime iliberal no Brasil. Essa espécie de “revolução reacionária” levada em fogo brando (sem violência aguda, até o momento) não pode parar até as eleições de 2022. É nela que Bolsonaro imagina consolidar sua legitimidade e impor ao País uma “nova hegemonia”, não mais com os valores e ideias da “esquerda”. Para ele 2022 é o turning point.
Mas até lá haverá muita turbulência. O certo é que, para confrontar o frágil reformismo liberal-democrático que marcou a trajetória do País desde o fim da ditadura, Bolsonaro não cederá à “guerra de posições”. Em sua avaliação, esse é um ambiente hostil. No limite, poderia fazê-lo, mas imagina que estaria compactuando com um modelo que, segundo ele, marcou os governos dos presidentes que o antecederam, com custos e problemas que não saberia gerenciar.
Diante da pandemia, Bolsonaro age com mão pesada: escanteia governadores e prefeitos, desafia orientações epidemiológicas, desestrutura a federação e tensiona ao limite a relação com o Congresso. Mas não ganha nenhuma posição. Busca resgatar sua “guerra de movimento” e colocar nas ruas os que o apoiam incondicionalmente, pouco se importando em ver o País à beira da conflagração.
Com a recessão às portas, o que pode comprometer sua reeleição, Bolsonaro visa a combater as lideranças que ameaçam seu caminho rumo a 2022. Isso é Bolsonaro.
*Historiador, é professor titular da Unesp
‘Reação ao bolsonarismo nas urnas é legítima defesa da nação’, diz Alberto Aggio
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, professor da Unesp critica economia que naufraga e cita coronavírus como agravante
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O ano de 2020 se anuncia difícil, mas é de eleições. O calendário é óbvio para os brasileiros, mas serve também como alerta. “Responder, plebiscitariamente, ao bolsonarismo nas urnas deve ser um ato de legítima defesa do povo e da nação brasileira”, afirma o historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, em artigo publicado na 17ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela entidade.
» Acesse aqui a 17ª edição da revista Política Democrática Online!
Na avaliação de Aggio, que também é diretor executivo da FAP, Bolsonaro mira em 2022 visando atingir a reeleição. No entanto, de acordo com o professor, outras questões agravam o cenário brasileiro, como o que ele chama de “raquítico PIB (Produto Interno Bruto) de 2019”, no patamar de 1,1%, a baixa expectativa de crescimento, a tensão entre Executivo e Legislativo e a pandemia do Covid-19, ou coronavírus.
“O conjunto da economia naufraga, o dólar dispara, os investidores somem, e a perturbadora crise do petróleo dá as caras”, afirma ele, em um trecho da análise publicada na revisa Política Democrática. “Já não há mais ‘herança maldita’ a ser condenada: o desastre dos anos Dilma ficou para trás; o breve período Temer, de frágil recuperação, agora se perde inapelavelmente. Bastou pouco mais de um ano para os brasileiros conhecerem os resultados da “nova política econômica” de Paulo Guedes, cujos números atestam prepotência e fracasso”, acrescenta.
Pós-doutor pela Universidade de Valenia (Espanha), Aggio também reforça que o cenário preocupante se agrava ainda mais com a chegada ao país do novo coronavírus, cujo foco original afetou drasticamente a produção da “oficina do mundo”, o principal parceiro comercial do Brasil. “As estatísticas relativas ao último trimestre são dramáticas para um país acostumado a índices invejáveis. Pode-se projetar, portanto, graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta a recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo, especialmente em ano eleitoral”, ressalta.
O historiador também lembra, no artigo publicado na revista Política Democrática Online, a manifestação de 15 de março, convocada pelo presidente Jair Bolsonaro. “O nível de contraposição entre Executivo e Legislativo que Bolsonaro impõe é bastante nocivo ao país. E isso só ocorre pela recusa do presidente em compor uma base de apoio no Congresso para, dentre outros assuntos legislativos, negociar politicamente o orçamento da República e sua implementação”, diz ele, em outro trecho.
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Compre na Amazon: Livro Gramsci no seu Tempo tem reflexões sobre problemas da sociedade
Edição da FAP está à venda no site da Amazon; italiano se destacou no início do século 20
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O legado do fundador do Partido Comunista da Itália, Antonio Gramsci, continua com a marca de um grande autor conhecido pela sua capacidade de analisar problemas da sociedade de maneira universal, sem limitar suas reflexões ao tempo em que as produziu. O livro Gramsci no seu Tempo (2ª edição, 416 páginas), editado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), apresenta uma coletânea de ensaios selecionados por ele e que, nesta edição, foram reorganizados por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca. A obra está à venda no site da Amazon.
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A obra compõe-se de ensaios selecionados de Gramsci em seu tempo, originalmente organizado por Francesco Giasi e publicado em dois volumes (Roma: Carocci, 2008), com exceção das contribuições de Francesca Izzo e de Giuseppe Vacca, incluídas especialmente nesta edição brasileira. Com o reordenamento dos textos, os leitores podem ver os resultados de algumas das pesquisas mais avançadas no universo gramsciano, fundamentais para a renovação e o aprofundamento do debate teórico na cultura democrática e socialista brasileira.
Críticos afirmam que Gramsci tinha a plena consciência de que sua reflexão não deveria se limitar ao momento presente, mas, sobretudo, considerar o que havia de universal em suas manifestações. Ele nasceu na Sardenha, na Itália, em 22 de janeiro de 1891, e morreu em Lacio, também na Itália, em 1937, aos 46 anos, em razão de problemas de saúde agravados durante a sua prisão.
Gramsci escreveu os textos dos Cadernos – que começou a redigir em 1929, três anos após sua prisão pela polícia política do fascismo italiano – sob a forma de fragmentos a serem desenvolvidos sistematicamente quando viesse a oportunidade, futuramente. As críticas dele abordavam diversas questões, como literatura, política, economia e filosofia. “Seus múltiplos objetos, contudo, sempre estavam aplicados para uma única direção: exausto o ciclo aberto pela Revolução de 1917, quais as novas circunstâncias com que se confrontava a luta pelo socialismo e que inovações teóricas eram exigidas a fim de levá-la à frente”, escreveu o cientista social Luiz Werneck Vianna.
De acordo com Vianna, Gramsci revive na prisão, sob a forma de um pensamento refletido, o seu passado. “Dele extrai uma teoria nova, o que lhe permite observar a cena contemporânea com categorias originais, instituindo um campo próprio para o estudo do processo de modernização capitalista, em particular na modalidade de modernização autoritária, tal como em suas análises sobre o corporativismo italiano”, acrescenta o cientista social.
“A precocidade e o alcance de sua pesquisa teórica sobre esse assunto, antecipando-se em décadas a feitos da ciência política contemporânea, são bem indicados na formulação do seu conceito de revolução passiva, sua maior contribuição para os estudos dedicados à mudança social, hoje de uso generalizado”, completa Vianna.
Ele sugere destaca que, nesta coletânea de artigos de importantes especialistas italianos na obra gramsciana, reunida por respeitados intérpretes do legado do genial sardo, o leitor encontrará um bom mapa do estado da arte e do tipo de recepção contemporâneos às extraordinárias criações do grande autor que foi Gramsci.
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RPD || Alberto Aggio: Um ano que se anuncia difícil
Cenário do pibinho de 1,1% da “nova política econômica” de Paulo Guedes, aliado ao corona vírus, projeta graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo
2020 começa mal para os brasileiros, e, pelo andar da carruagem, seguiremos assim o ano todo. Após a divulgação do raquítico PIB de 2019 (1,1%), as expectativas de crescimento se esvaneceram. O conjunto da economia naufraga, o dólar dispara, os investidores somem, e a perturbadora crise do petróleo dá as caras. Já não há mais “herança maldita” a ser condenada: o desastre dos anos Dilma ficou para trás; o breve período Temer, de frágil recuperação, agora se perde inapelavelmente. Bastou pouco mais de um ano para os brasileiros conhecerem os resultados da “nova política econômica” de Paulo Guedes, cujos números atestam prepotência e fracasso.
Esse cenário preocupante se agrava ainda mais com a chegada ao país do novo corona vírus, cujo foco original afetou drasticamente a produção da “oficina do mundo”, nosso principal parceiro comercial. As estatísticas relativas ao último trimestre são dramáticas para um país acostumado a índices invejáveis. Podem-se projetar, portanto, graves problemas para a economia brasileira, comprometendo a lenta recuperação do emprego, fator politicamente sensível para qualquer governo, especialmente em um ano eleitoral.
Imaginar que o governo de turno poderia nos salvar seria um exercício de autoengano, levando-se em conta o personagem que os brasileiros escolheram para dirigir a Nação. Não bastasse o show de horrores patrocinado durante 2019, Jair Bolsonaro parece esmerar-se em fazer com que as projeções para o ano em curso se afigurem cada vez mais temerárias.
O lamentável affaire dos vídeos convocando as manifestações contra o Congresso e o STF em 15 de março – que, por fim, resultaram pífias –, evidenciou um presidente mitômano que extrapola o decoro do mandato. Sua insistência na convocatória, como vais-e-vens retóricos, e, por fim, sua participação nas manifestações, contrariando as orientações sanitárias do próprio governo, expressam apenas a reiteração de sua já conhecida visão conspiratória contra as instituições da Carta Constitucional de 1988. Em seu conjunto, o episódio ascendeu todas as luzes em defesa da democracia, elevando a sensação de ameaça.
O nível de contraposição entre Executivo e Legislativo que Bolsonaro impõe é bastante nocivo ao país. E isso só ocorre pela recusa do presidente em compor uma base de apoio no Congresso Nacional para, dentre outros assuntos legislativos, negociar politicamente o orçamento da República e sua implementação. O presidente parece imaginar que a vitória eleitoral de 2018 lhe garante discricionariedade absoluta na aplicação dos recursos públicos sem o contrapeso do Congresso, eleito de forma tão legitima quanto ele. Como observou o editorial de O Estado de S. Paulo (08/03), “quando um governante se limita a enviar projetos ao Congresso, sem se dar ao trabalho de explicá-los nem de defendê-los, menospreza o Parlamento”. E mais, caso o Congresso os rejeite, estará, de acordo com Bolsonaro, “se opondo não ao governo, mas ao próprio país – o que é um absurdo”. Os riscos presentes nessa estratégia costumam ser devastadores, com aumento progressivo de tensões que podem levar a relação entre Executivo e Parlamento ao colapso, iniciando um processo de ruptura institucional tendente à supressão da representação e consequentemente da democracia.
Bolsonaro mira em 2022 visando atingir o ponto ótimo para esse empreendimento. Dizer que as oposições devem construir uma coalizão político-eleitoral contra isso é tão óbvio quanto raso ou até ingênuo. Unir as forças democráticas deve significar, antes de tudo, ultrapassar a chantagem bolsonarista que tem a cartada do retorno do PT, como ameaça de última instância. É um argumento poderoso, uma vez que a sociedade, com razão, não esquece nem a corrupção sistêmica nem a débâcle econômica petista. Por isso, demandar autocrítica do PT não é um capricho ou uma ausência de lógica formal, como pensam alguns intelectuais, fazendo coro com Lula. Ao contrário, é algo necessário, uma vez que está na base das razões que possibilitaram a vitória eleitoral de Bolsonaro.
Ao contrário de Bolsonaro, o horizonte da oposição começa hoje e deve se colocar contra esse governo de facção que aí está. A demanda por reformas que tornem o Estado mais eficiente e justo, assim como a defesa das instituições democráticas, não são dele; são da sociedade. É isso que o Congresso representa, e a isso que vem tentando responder, a despeito de Bolsonaro.
2020 é um ano que se anuncia difícil, mas é um ano de eleições. Responder plebiscitariamente ao bolsonarismo nas urnas deve ser um ato de legítima defesa do povo e da Nação brasileira.
Alberto Aggio: Um Gramsci para o século XXI
O livro de Marcus Vinicius Oliveira, versão revisada de sua tese de doutorado, tem uma qualidade notável que se observa de imediato. Ao se fixar na leitura do texto original dos Quaderni del Carcere, escritos por Antonio Gramsci nas prisões do fascismo, o autor esclarece de saída que eles se transformam em “obra” por meio das várias edições a que foi submetido desde o final da Segunda Grande Guerra. Levar isso em conta já é um grande mérito porque compreende claramente sua principal fonte de pesquisa e exploração reflexiva além de estabelecer um critério de interpretação historiográfica hoje considerado absolutamente necessário para o entendimento do pensamento de Gramsci.
Como se sabe, Gramsci nunca publicou um livro em vida e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, primeiramente publicados a partir de temas que se entrecruzavam nos Quaderni, para só depois, na década de 1970, ganharem uma “edição crítica” que buscou acompanhar a cronologia da escritura gramsciana. Hoje, os Quaderni, junto a outros textos e cartas de Gramsci, estão sendo organizados na denominada “edição nacional”, que já conta com alguns volumes publicados na Itália. Para Marcus Vinicius, os editores, os estudiosos e os comentadores de Gramsci formam o conjunto de “intelectuais mediadores” que deram vida à difusão do pensamento de Gramsci e são tratados com a distância e a importância historiográfica que têm cada um deles.
Por essa razão, a pesquisa que subsidia a tese e o livro não teria como deixar de levar em conta as atuais correntes interpretativas do pensamento de Gramsci, relevando tanto a leitura filológica do pensador sardo, que enfatiza a compreensão dos seus conceitos no ato da escritura, quanto o viés de “historicismo integral” que procurou analisar simultaneamente pensamento e vida como a interpretação mais profícua de Gramsci, fazendo jus ao líder político do comunismo italiano, primeiro, para em seguida aloca-lo no corpo dos pensadores democráticos do século XX.
Situando o debate nesses termos, Marcus Vinícius assume a perspectiva de um diálogo entre filologia e historicismo integral. Também não esconde sua permanente intenção de convocar Gramsci para a grande discussão dos dilemas políticos da nossa contemporaneidade, centrada nas temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois vetores essenciais para a compreensão e o enfrentamento dos conflitos e dos desafios de um mundo globalizado.
Feita essa opção, o autor não prescindiu, em momento algum, de enfatizar o caráter aberto do texto gramsciano, reconhecidamente uma das razões da grandeza do seu pensamento. Um outro aspecto importante é que não há no livro a perspectiva, como se fez no passado, de procurar extrair do pensamento de Gramsci orientações imediatas para a ação política ou então concepções de mundo integrais sobre a moral e a cultura, a sociedade e a história, o que invariavelmente produz operações reducionistas. É preciso enfatizar, assim, que o autor comunga a ideia da impossibilidade de se pensar em um gramscismo como sistema ou esquema que deveria ser seguido por seus supostos adeptos. O pensamento de Gramsci efetivamente não se presta a isso. Criteriosamente, ao contrário, pode-se notar que está presente em cada passagem do livro a advertência para o fato de que a grandeza do pensamento de Gramsci encontra-se muito distante de qualquer esquema ideológico predeterminado. O que possibilitou ao autor uma orientação metodológica no sentido de compreender e tratar o próprio caráter fragmentário e inacabado do texto gramsciano como um signo da abertura, em sentido produtivo.
Entretanto, é preciso chamar atenção para algumas tentações às quais o nosso autor procura não se deixar seduzir. No livro, não há sinais daquele Gramsci interpretado como homem exclusivamente vinculado à cultura, fora da política, ou como um personagem “aprisionado” na cultura heróica do movimento comunista. Mesmo porque, em relação a esta última imagem cristalizada de Gramsci, hoje já se sabe das dissensões entre Gramsci e a Internacional Comunista (IC), dentre elas a discrepância frente à proposição de luta por uma Constituinte contra o fascismo. A IC buscava fomentar a revolução proletária na Itália como processo simultâneo e sucessivo à derrubada do fascismo enquanto Gramsci projetava uma estratégia de luta democrática para derrotar o fascismo a partir da conquista de uma Constituinte que reunificasse a Nação. É relevante esse aspecto uma vez que explica o isolamento de Gramsci não apenas motivado por sua prisão pelo fascismo, mas por uma “condenação” da IC, desde 1929, em relação à sua proposta de uma Constituinte para a Itália.
Visto sob esse aspecto essencial, há um pressuposto que deve ser assumido de forma límpida: mesmo sendo Gramsci um intelectual-político vinculado ao comunismo histórico, seu pensamento deve ser tratado a partir de uma posição de autonomia em relação ao movimento comunista de sua época e especialmente daquele que se seguiu a ela. Por muito tempo se pensou numa relação estreita e reiterativa entre Gramsci e o comunismo, apesar de reconhecida sua especificidade no interior daquele movimento. Nesta perspectiva, Gramsci deveria ser lido como um pensamento caudatário do desenvolvimento do marxismo revolucionário mundial, reservando a ele um lugar especial em torno da reflexão a respeito da estratégia revolucionária nos países centrais do desenvolvimento capitalista. Relevado como “teórico da revolução” nos países avançados, isto é, como um teórico do “Estado ampliado” ou da “revolução processual”, esse Gramsci perderia os elementos de inquietação intelectual que marcam um texto escrito não somente numa situação-limite como também obcecado em buscar o entendimento de como enfrentar as novíssimas configurações do novo mundo que se descortinava no seu tempo.
É esta perspectiva analítica que dá viço ao livro de Marcus Vinicius, acompanhando o percurso realizado por alguns estudiosos de Gramsci que procuraram buscar efetivamente sua originalidade, especialmente quando enfatiza que nos Quaderni havia o reconhecimento de que o século XX havia presenciado uma emergência de massas jamais vista em qualquer época da história. Gramsci seria assim um pensador que havia assimilado produtivamente essa grande mudança, tornando-a presente, de forma permanente em toda sua reflexão. Nesse quadro, a revolução bolchevique havia sido, antes de tudo, uma revelação da até então desconhecida possibilidade de ação das massas, mas depois desse momento a questão da revolução se havia complicado em termos reais. Na linguagem gramsciana, as ações dos dominantes também sofreriam uma inflexão em relação às massas, revelando que os métodos exclusivamente repressivos não eram mais seguros, sendo necessário acolher, responder e controlar suas demandas e reivindicações. É desse reconhecimento que nasce em Gramsci o conceito de “revolução passiva” que, por sua vez, iria estimulá-lo a pensar na necessidade de um novo tipo de direção política e intelectual, que assumisse a política como elaboração positiva e de reconstrução consensual da ação e da estratégia dos setores subalternos.
O conceito de “revolução passiva” em Gramsci seria a abertura para uma nova concepção de política que se apresentasse de forma produtiva e com capacidade de intervenção nesse novo cenário. Propositalmente polêmico, o conceito de “revolução passiva” não era assumido por Gramsci como um programa político, mas se configurava como a referência analítica e o instrumento de conhecimento mais importante de toda sua obra. Por meio dele se poderia compreender não apenas o movimento da transição para a ordem burguesa, mas também sua universalização, ultrapassando a interpretação de que esses processos teriam, como dimensão empírica, apenas o paradigma clássico da revolução francesa. É, nesse sentido, que Gramsci irá anotar que o americanismo – pela hegemonia da fábrica – se apresentava como a modalidade de revolução passiva típica do capitalismo maduro, uma expressão de racionalidade integral com enorme capacidade de universalização. Na Europa, a política realizaria, de muitas maneiras, a intermediação entre as classes do mundo produtivo. Nos países retardatários – não apenas europeus –, avançava-se em direção ao moderno por meio de uma superestrutura que se colocava à frente dos movimentos da infraestrutura, compensando a defasagem que os caracterizava frente aos países de capitalismo maduro. Em todos esses cenários, contudo, haveria saltos e processos moleculares. Seriam modalidades especificas de revolução passiva que teriam vigência histórica, condicionariam e determinariam fortemente os processos de generalização do capitalismo e da ordem burguesa. Muitos desses processos históricos, fracassados ou não (como o fascismo), iriam marcar profundamente as sociedades contemporâneas que vivenciariam, mais à frente, a passagem do século XX para o século XXI.
Conforme nos explica Marcus Vinícius em seu belo livro, a integridade do categorial gramsciano somente pode ser bem compreendida por meio da mobilização das ferramentas de estudo da história do pensamento político. Trata-se de uma escolha feliz para acompanhar os movimentos criativos e de ruptura que se encontram nos Quaderni, dando sustentação para a historicização das inovações conceituais da hegemonia, da revolução passiva e da filosofia da praxis, seus conceitos basilares.
Um dos tratamentos inovadores deste livro e que compõe um dos referentes do seu título é o fato de Marcus Vinícius considerar o texto gramsciano como um conjunto de “fractais”, em “constante mutação” e gerador de uma “nova consciência histórica”. Para o autor, ancorado em Marx, mas sem reiterá-lo, Gramsci ultrapassa efetivamente o marxismo e o bolchevismo na medida em que seus conceitos são deduzidos do diagnóstico histórico a respeito da transformação morfológica que havia ocorrido entre o final do século XIX e inicio do século XX, principalmente na Europa e nos EUA, exigindo que história e política passassem a ser pensadas “fora do paradigma revolucionário”. Mediante essa operação Gramsci vai se tornar “o político e o intelectual da hegemonia, pensando a política, a democracia e o consenso como formas de transformação histórica”. Assim, depois de ter descoberto o sentido e a dinâmica das estruturas em que se assentou o século XX, o autor sugere que Gramsci tenha aberto a nós a possibilidade de pensarmos, de forma similar, o mesmo para o século XXI.
Assumidamente polêmico, o livro que o leitor tem em mãos é um convite à reflexão, aberta e profunda, a respeito de um pensamento que pertence rigorosamente ao nosso tempo.
'Bolsonaro se afirmou no comando de um governo de 'destruição'', diz Alberto Aggio na Política Democrática online
Em publicação da FAP, professor da Unesp diz que Bolsonaro é um político "que quer retroagir a marcha da história"
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O ano passou com Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988. A avaliação é do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Alberto Aggio, em artigo publicado na nova edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania e sediada em Brasília.
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Todos os conteúdos da revista mensal podem ser acessados gratuitamente na página do Facebook e no site da FAP (www.fundacaoastrojildo.com.br). No artigo, o historiador diz que Bolsonaro, em seu primeiro ano de governo, fez questão de não evitar e mesmo assegurar suas posições homofóbicas, racistas, antiecológicas, antiparlamentares, anti-institucionais, antidemocratas ou similares.
“Foi mais corporativo, em defesa dos diversos grupos militares e religiosos que o apoiam, do que reformista. Mesmo quanto à Reforma da Previdência, aprovada em 2019, Bolsonaro não pode proclamar como uma vitória sua, uma vez que pouco ou nada fez para que ela passasse na Câmara e no Senado”, avalia Aggio, no artigo produzido exclusivamente para a Política Democrática online.
Ideologicamente, conforme escreve Aggio, “Bolsonaro é, sem dúvida, um político reacionário e regressivo”. De acordo com o historiador, o presidente, para chegar a ser conservador, necessitaria de um programa de governo consonante com o desenvolvimento brasileiro e com os avanços civilizacionais do Ocidente, mas que supusesse um “freada de arrumação”, visando a garantir ou conservar parte do padrão histórico alcançado em ambas dimensões.
“Entretanto, Bolsonaro (e seu entorno, filhos inclusos) não chega a ser um conservador. Quer retroagir a marcha da história. Menos ainda um liberal, em termos políticos”, destaca o professor da Unesp. “Inúmeras vezes vociferou indiretamente contra a Constituição, a ‘Carta das liberdades e dos direitos’, como a ela se referia o liberal Ulisses Guimarães. Bolsonaro rejeita os vetores emancipatórios contidos nas transformações valorativas da modernidade. As metamorfoses atuais do mundo lhes são inadmissíveis. Identifica-se essencialmente com o mundo do pentecostalismo e seu cortejo de falaciosas restrições”, completa.
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Alberto Aggio: Há resistências à “guerra de movimento” de Bolsonaro
Paulo Guedes, ministro da Economia do Governo Bolsonaro, se inspira no ditador Augusto Pinochet
Creio que sejam necessários alguns referenciais para compreender a conjuntura política em curso, pelo menos em sua linhas gerais. O centro da conjuntura passa pelas iniciativas permanentes e recorrentes do governo Jair Bolsonaro. É ele quem tem a ofensiva, no momento. O seu método é equivalente a uma “guerra de movimento” (para usar aqui o categorial gramsciano), com objetivos no curto e no longo prazo.
Embora o cenário mundial e nacional seja mais propício à “guerra de posições”, Bolsonaro escolheu a primeira porque se imagina dotado de um “programa” geral de alteração das perspectivas por onde o Ocidente trilhou o estabelecimento e consolidação de uma sociedade democrática. As oposições e a sociedade civil permanecem, por ora, em atitude de “resistência” e, portanto, na defensiva, mas realizam uma “guerra de posições”, em termos políticos e organizativos que poderá se consolidar e dar frutos.
A “guerra de movimento” de Bolsonaro pode ser sinteticamente vista como o que se convencionou chamar de “bolsonarismo” e seu objetivo maior é a alteração do regime político democrático no Brasil. O bolsonarismo é uma especie de pinochetismo meio torto em situação democrática. Não nasceu de um golpe de Estado e, portanto, não pode ter domínio de todo o Estado e da sociedade, mas seu movimento tem precisamente o sentido de estabelecer um regime político iliberal no Brasil. Evitar esse desfecho é essencial para a manutenção da democracia. Cada contenda com o governo tem esse preciso sentido. Talvez o episódio de manifestação de caráter abertamente nazista tenha sido o ápice desse embate. Mas, certamente, seguirão outros.
A movimentação de Bolsonaro é incessante e não tem como ser diferente. As parcas vitórias do governo em termos econômicos não são alçadas como elementos centrais pelo próprio presidente. As razões para isso estão nessa estratégia de “guerra de movimento” e não de “posições”. Os blefes de Bolsonaro em relação a Sergio Moro, Ministro da Justiça, fazem parte da mesma estratégia. Pode ser que Bolsonaro tenha que mudar sua orientação geral, mas isso é bastante improvável.
No final do livro de Thaís Oyama, Tormenta (Companhia das Letras, 2020) no qual a jornalista narra, com competência, momentos significativos do primeiro ano do governo Bolsonaro, a impressão exposta ao final não deixa de revelar a estratégia do presidente. Escreve a jornalista: “No final do primeiro ano de mandato, os lábios de Jair Bolsonaro não tremiam mais, nem seus olhos se movimentavam nervosos de um lado para o outro. Estavam fixos em 2022” (p. 211). Curiosamente, me detive nesse ponto. O final do artigo que escrevi para a revista Política Democrática On-line n. 15 (FAP, no prelo) carrega sentido similar. No inicio de janeiro, quando mandei o artigo ao editor, finalizava o texto da seguinte maneira: ” O “ano 1” de Bolsonaro está focado no segundo mandato. Ele precisa desesperadamente da sua reeleição. Para isso quer nos manter estacionados politicamente em 2018″.
Ao que parece, os anos seguintes de Bolsonaro serão mais do mesmo: movimento incessante de sentido reacionário, errático, mas controlado; atropelos na governança que exigirão reformas tópicas, com substituições aleatórias; blefes e recuos; e que a economia siga sua recuperação estabilizadora – mais do que isso, não é o objetivo deste governo.
Política Democrática || Alberto Aggio: Bolsonaro, ano 1
O ano de 2019 passou com o presidente Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988, avalia Alberto Aggio
Ele veio como um terremoto, mobilizando as profundezas da sociedade. Assustou, verdadeiramente. E continua a assustar, pois o tremor que se sentiu continua, dia após dia, sob fogo cerrado de um discurso intolerante e de uma linguagem marcada pela confrontação permanente, sem remissão nem acordos. Em meio ao turbilhão que se instalou com a vitória e ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, já é tempo de entender que ele não veio “do nada”. O antipetismo que se formou desde as manifestações de 2013 até o impeachment de Dilma Rousseff foi o que essencialmente o elegeu. Mas há mais do que isso.
É necessário, de saída, reconhecer que Bolsonaro foi eleito dentro dos parâmetros democráticos que nos guiam e, portanto, sua vitória está coberta de legitimidade. Interessa a Bolsonaro ultrapassar a imagem de que seu êxito representou apenas um instante fugaz. Quer conclamar homens e mulheres a segui-lo e refazer o caminho de sua vitória eleitoral, rumo a outra, a de 2022. Mesmo com os olhos mergulhados no passado, busca alterar o tempo histórico. Mais importante do que conquistar posições que lhe garantam trânsito sustentável em direção ao futuro, importa instituir um movimento, em tempo curto, que o leve a mais um mandato.
No já longínquo 2018, o candidato derrotado do PT, Fernando Haddad, balbuciou palavras referentes à “resistência” de uma “outra nação”, mas permaneceu imóvel, como seu partido, esperando a “soltura” de seu guia, que continuaria a vociferar como antes, reiterando que nada mudara em sua visão. Diferentemente de Bolsonaro, Lula movimenta-se no sentido de voltar a ter posições mais favoráveis nas relações de força que compõem o difícil e complexo terreno da política brasileira nos dias que correm. Na linguagem preferida do velho líder: “corre muito, quer o jogo concentrado nele, mas marca poucos gols”!
A consigna de “resistência” a Bolsonaro foi aceita quase que generalizadamente, mas deveria ser traduzida por uma estratégia de construção de uma “oposição democrática” no corpo das instituições, na opinião pública e na sociedade, cuja principal missão deveria ser a de evitar que “as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno” se transformem em “regime político”, como expusemos em Política Democrática Online 2, em novembro de 2018 (pp.18-19). Transcorrido um ano do governo Bolsonaro, não parece que tal objetivo tenha perdido sua validade, muito ao contrário. Atesta-se, por outro lado, a incapacidade do PT em dar corpo e solidez a essa estratégia.
O ano passou com Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988. Fez questão de não evitar e mesmo assegurar suas posições homofóbicas, racistas, antiecológicas, antiparlamentares, anti-institucionais, antidemocratas ou similares. Foi mais corporativo, em defesa dos diversos grupos militares e religiosos que o apoiam, do que reformista. Mesmo quanto à Reforma da Previdência, aprovada em 2019, Bolsonaro não pode proclamar como uma vitória sua, uma vez que pouco ou nada fez para que ela passasse na Câmara e no Senado.
Diante das dificuldades de governança e do declínio em sua popularidade, atestado nas pesquisas, o presidente não se furtou a estimular especulações a respeito da sua sucessão. Sem um projeto claro a perseguir como marca de governo, Bolsonaro passou o ano fazendo com que a questão eleitoral de 2022 fosse o terreno oculto a lhe possibilitar uma contraposição retórica com seus possíveis adversários. O presidente da República não teve dúvidas em instrumentalizar antecipadamente sua sucessão para sondar como andam seus apoios, sem necessitar, mais uma vez, ceder à articulação com o mundo político. Parece convencido de que investir suas fichas nas correias de transmissão que lhe deram a vitória eleitoral, com prevalência para as redes sociais, poderá lhe garantir a vitória novamente. Permanecer com o percentual de apoio que lhe assegure um lugar no segundo turno em 2022 é o objetivo almejado. Bolsonaro subiu a rampa do Planalto, mas imediatamente retornou ao palanque: é um presidente-candidato, como o foi Lula, o tempo todo, embora os estilos sejam notavelmente diferentes.
Ideologicamente, Bolsonaro é, sem dúvida, um político reacionário e regressivo que, para chegar a ser conservador, necessitaria de um programa de governo consonante com o desenvolvimento brasileiro e com os avanços civilizacionais do Ocidente, mas que supusesse um “freada de arrumação”, visando a garantir ou conservar parte do padrão histórico alcançado em ambas dimensões. Entretanto, Bolsonaro (e seu entorno, filhos inclusos) não chega a ser um conservador. Quer retroagir a marcha da história. Menos ainda um liberal, em termos políticos. Inúmeras vezes vociferou indiretamente contra a Constituição, a “Carta das liberdades e dos direitos”, como a ela se referia o liberal Ulisses Guimarães. Bolsonaro rejeita os vetores emancipatórios contidos nas transformações valorativas da modernidade. As metamorfoses atuais do mundo lhes são inadmissíveis. Identifica-se essencialmente com o mundo do pentecostalismo e seu cortejo de falaciosas restrições.
No plano internacional, Bolsonaro aposta na sua capacidade de anular a dinâmica e os efeitos da globalização entre nós e, por isso, se posiciona claramente contra o globalismo, sustentando um nacionalismo manchado de anacronismo. Diante do irredutível “conflito econômico mundial”, que se expressa de forma global, Bolsonaro não contempla uma perspectiva de cooperação entre os países, isto é, uma política de interdependência que favoreça a convivência entre diferentes e a busca de um destino comum para a humanidade. Sua postura extremista nos tem levado a uma posição subalterna ao atual governo norte-americano, além de vincular o país ao que há de mais reacionário na política europeia.
O “ano 1” projetou um líder que se recusou a formar uma base política no Parlamento, rifou o partido pelo qual se elegeu e busca construir um “novo partido” (Aliança pelo Brasil), de perfil personalista, seguindo as orientações de Olavo de Carvalho, um ideólogo saturado de nostalgia e extremismo. A construção desse partido seria então a resposta do presidente ao isolar-se do mainstream político e procurar consolidar, na sociedade, um movimento que possa lhe dar sustentação e lhe ser estritamente fiel.
Na dimensão reconhecidamente mais exitosa deste “ano 1”, os parcos resultados alcançados na economia são avaliados em meio a fortes suspeitas sobre sua sustentabilidade. A reforma da Previdência acionou, como afirma Luiz Carlos Mendonça de Barros, “a força de uma recuperação cíclica tradicional, que já existia desde o governo Temer (e que) começou a ganhar tração ao longo dos últimos meses. Mas a lentidão desta recuperação, principalmente na questão do desemprego, criou um ambiente de ceticismo entre os analistas e mesmo junto à sociedade” (Valor, 16.12.2019). Em síntese, a economia deu sinais de que está saindo da recessão provocada pelos disparates efetuados no governo de Dilma Rousseff (PT), mas não tem como avançar senão lentamente, mesmo com o rebaixamento dos juros a um nível jamais visto na história recente.
Em um ambiente político mais apropriado à “guerra de posições”, Bolsonaro preferiu a “guerra de movimento”, como o comandante de um “exército” embrionário identificado no “bolsonarismo”. Entretanto, à diferença dos seus pares internacionais, o iliberalismo de Bolsonaro não demonstrou, neste “ano 1”, força real para impor derrotas à democracia, como sistema político. Embora haja uma sensação de ameaça permanente, não há posições conquistadas no sentido de destruir a democracia da Carta de 1988 em seus fundamentos. As oposições resistem institucionalmente, mas não demonstram capacidade de enfrentar a “guerra de movimento” do bolsonarismo.
O “ano 1” de Bolsonaro está focado no segundo mandato. Ele precisa desesperadamente de sua reeleição. Para isso, quer nos manter estacionados politicamente em 2018.
Alberto Aggio: O populismo com as lentes de Gramsci
O video registra a minha exposição no Seminário Internacional Egemonia e Modernità – il pensiero di Gramsci in Italia e nella Cultura Internazionale, realizado em Roma entre 18 e 20 de maio de 2017. Nessa exposição procuro refletir sobre o conceito de populismo sugerindo que o conceito de “revolução passiva”, presente nos Cadernos do Cárcere, escritos por Gramsci nas prisões do fascismo, poderia ser altamente produtivo na análise daquilo que se convencionou chamar de a “era do populismo” na América Latina.
O texto completo da exposição encontra-se publicado no capitulo 10 do livro Itinerários para uma esquerda democrática, cuja referência de acesso também está aqui no Blog, na seção “Livros”.
https://youtu.be/2XJCbRNrq7E
Alberto Aggio: As lacunas e os equívocos de Marcos Nobre
Marcos Nobre é um ensaísta cada vez mais requisitado pela mídia. Seus méritos acadêmicos são inquestionáveis. Contudo, no plano da análise política nem sempre estou de acordo com ele. O artigo “Contagem Regressiva” (veja aqui) que ele publica na revista Piauí (edição 159, dezembro de 2019; indicado abaixo) evidencia mais uma vez muitos desacordos. O principal deles é que sua referência maior para o “campo democrático” é a oposição ao governo Bolsonaro por ser este “contra a democracia”. Estamos de acordo com essa formulação. No entanto, ela ilude e não apreende a realidade política como ela realmente é. Na nossa concepção, o “campo democrático” tem também a tarefa de combater também o partido (e suas lideranças) que criou um sistema de corrupção jamais visto na nossa história, o que comprometeu profundamente a crença da sociedade na política democrática. E isso, sem dúvida, abriu passagem para a vitória de Bolsonaro e a afirmação do Bolsonarismo.
Essa leitura não é sequer considerada na análise de Marcos Nobre. Dai fica difícil apreender a situação como realmente ela se mostra. Nobre chancela a posição de Lula ao rejeitar o pedido de autocrítica do PT. Esse posicionamento do analista anula qualquer possibilidade de conversa entre forças democráticas. Aliás, em nenhum momento o PT é responsável pela crise em que estamos metidos como país. Na leitura do artigo, o lugar do centro vem na fala de Jorge Bornhausen e isso me parece injustificadamente provocador não fosse absolutamente lacunar.
A menção a Luiz Carlos Prestes e ao PCB é outra provocação que somente quem não tem conhecimento básico da história das forças políticas do campo democrático aceita de bom grado. A opção desta linhagem política é por uma “frente democrática”, defendida por Roberto Freire, presidente do Cidadania, que nem sequer é mencionada – e mereceria, para dar algum sentido à ideia de “espírito de urgência”, de que fala o autor, na construção de uma suposta “concertação democrática”.
Aliás, Nobre pensa que a defesa de cada um dos “terços” que divide as forças políticas no Brasil, pelas forças de esquerda e de centro-direita, é inteiramente negativa, por ser defensiva em relação a Bolsonaro. Ora, a política de “frente” também é defensiva; o que ele propões como “concertação” não deixa de ser defensiva em relação a Bolsonaro; é apenas ofensiva em relação aos propósitos do PT, que é de reconquista do poder pela via eleitoral (mas isso Nobre não diz).
Por qual razão as forças de centro (para Nobre só existe centro-direita)se aliariam hoje com o PT. Não há nenhuma razão para isso, ainda mais com o sentido dos discursos de Lula, cada vez mais afirmativo do partido e dele mesmo, muito distante da ideia de “concertação”. Ao final, Nobre fala em DR (discussão da relação) no campo democrático. Mas creio que antes disso, faltam anos de terapia para intelectuais como ele possam repensar a trajetória petista e o mal que ela fez para a política democrática.
Fora disso, não vejo saída, a não ser construir um centro democrático e progressista animado por uma esquerda democrática que, com clareza, possa competir eleitoralmente contra o Bolsonarismo (que é a guerra de movimento de Bolsonaro) e o lulopetismo. (Blog do Aggio)
*Alberto Aggio, historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista)