Alberto Aggio
Cenário político pode caminhar para pulverização de candidaturas, diz Alberto Aggio
Reflexões e especulações marcaram, em São Paulo, lançamento do livro Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: Mudanças, metamorfoses, transformismos
Comunicação FAP
O historiador Alberto Aggio alertou para a possibilidade de pulverização de candidaturas presidenciais nas eleições de 2026. Essa análise marcou, na quarta-feira (2/4), em São Paulo, o lançamento do livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: Mudanças, metamorfoses, transformismos (232 páginas), de sua autoria. A obra foi editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, e pela Annablume. Segundo o autor, o cenário político, marcado pela erosão da popularidade do presidente Lula e pelos imbróglios judiciais do ex-presidente Bolsonaro, favorece o surgimento de diversas candidaturas, o que, acrescentou, pode apresentar riscos, assim como a polarização.
“O cenário político caminha para pulverização de candidaturas diferenciadas, e, talvez, as eleições de 2026 possam ser semelhantes às de 1989, quando se apresentaram 11 candidaturas”, disse o autor do livro, que é parte do projeto 40 anos de democracia no Brasil, organizado pela FAP e pelo partido. Aggio é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), livre-docente e titular pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Também tem pós-doutorado pela Universidade de Valência, na Espanha, e pela Universidade Roma Tre, na Itália.










Antipetismo
O professor lembra as eleições de 2018, quando a prisão de Lula impulsionou a candidatura de Bolsonaro, que, de acordo com o autor, não foi resultado de pulverização, mas do antipetismo. “O grande líder do petismo estava preso, e a candidatura de Bolsonaro apareceu como a mais viável para impedir a reprodução do petismo. Era o antipetismo, ainda existente, que predominava, mesmo antes das eleições, da apresentação das candidaturas", acentuou.
A erosão da popularidade de Lula, segundo o autor, pode dificultar a candidatura do petista em 2026. "Se as pesquisas mostrarem que a erosão vai se aprofundar, poderá ficar difícil para Lula ser candidato”, analisa. Além do antipetismo, de acordo com ele, outro elemento importante é a definição de possíveis nomes que poderiam derrotar o presidente e o seu partido. “Podem aparecer vários candidatos, e a tendência, se Lula não for candidato, se o antipetismo não for elemento importante na disputa eleitoral, é que várias facções vão dizer que seus candidatos representam o futuro melhor para o país", acrescentou.
No entanto, o historiador destacou que tanto a polarização quanto a pulverização de candidaturas são negativas para a democracia. "A polarização já mostrou que é ruim, mas a pulverização também é. São dois cenários: um que a gente já conhece, que é o da polarização e bloqueia o debate. Na polarização entre Lula e Bolsonaro, entre Bolsonaro e petismo, ninguém ouve ninguém", afirmou Aggio.
"Ruído geral"
"Se formos para o terreno da pulverização, o que teremos são muitas falas simultaneamente. Haverá uma espécie de ruído geral, mas na política não tem vazio. Alguém vai se sobressair. No cenário de pulverização, os dois que vão para o segundo turno representarão cerca de 20% do eleitorado brasileiro cada um deles, tomando como referência o cenário de 1989 vivido no país. Nesse caso, os dois candidatos não vão representar a maioria do eleitorado. O restante ficou fora", disse.
O professor afirmou, ainda, que o sistema político eleitoral está deixando de representar fielmente os interesses da maioria da população. “O cenário da polarização é de bloqueio. Na pulverização, corre-se o risco de uma representação muito baixa dos que vão para o segundo turno", ressaltou, para enfatizar que o momento exige cautela e atenção. "Estamos em um momento em que, por diversas razões, fomos parar nessa circunstância. Vamos ver como os candidatos irão se apresentar e como o cenário político vai se configurar", pondera.
Live e lançamentos
Aggio vai participar, na terça-feira (8/4), a partir das 19 horas, da live "Como compreender os 40 anos da Nova República?", que será realizada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas para o Fortalecimento da Democracia (IEPFD), com transmissão no canal do instituto no Youtube.
Novo lançamento do livro está previsto para o dia 24 de abril, em Recife. Também há previsão de ser lançado, em maio, no Rio de Janeiro. Assim como em São Paulo, o trabalho já foi lançado em Brasília, em 14 de março deste ano, um dia antes da data de celebração do fim da ditadura militar no país.
O processo de construção democrática dos últimos 40 anos no Brasil, segundo o texto, defronta-se hoje com um cenário global no qual os desafios à democracia são cada vez mais evidentes. “Tal situação produz mal-estar e desorientação ao conjunto da sociedade brasileira”, diz um trecho.
Os maus jogadores da Nova República e os 40 anos de redemocratização
Vinícius Müller*
Uma das maiores complexidades da história se revela na dificuldade de estabelecermos certo consenso sobre quais itens e personagens de um determinado período merecem ser considerados fundamentais ou mais relevantes para quem, no futuro, tenta capturar a essência daquela conjuntura. Essa dificuldade se acentua quando a história a ser compreendida é suficientemente atual para que possamos chamá-la de ‘história do tempo presente’, afinal não podemos contar, nesse caso, com o distanciamento temporal como um aliado daqueles que se dedicam a decifrar o passado. Por isso, uma das maneiras de mitigar essa dificuldade reside no uso das efemérides como um auxílio para a definição de parâmetros, criando um espaço que, ao mesmo tempo, limita e possibilita nosso entendimento sobre a história. E apenas com essa limitação dada pela efeméride é que podemos identificar os itens persistentes e personagens ainda vivos que tornam essa história não só inteligível, mas própria ‘do tempo presente’.
Neste ano de 2025 temos uma chance maiúscula de usarmos uma efeméride para reconstruirmos uma história que ainda nos define como sociedade. Há 40 anos, o colégio eleitoral escolhia Tancredo Neves como presidente da República, formalizando a ascensão de um civil ao cargo maior do País após 21 anos de ditadura militar. Esse é o recorte histórico estabelecido por Alberto Aggio em seu novo livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: mudanças, metamorfoses, transformismos (Fundação Astrojildo Pereira/Editora Annablume). Aggio, professor de História na Unesp e intelectual com longa contribuição ao entendimento da história política do Brasil e da América Latina, não apenas descortina a origem da Nova República brasileira, cuja fundação ocorreu exatamente no episódio da eleição de Tancredo, mas lança luz sobre os itens e personagens fundamentais desse que, embora seja o mais longevo período democrático brasileiro, enfrenta nos últimos momentos o aumento da desconfiança em relação aos seus próprios fundamentos. Ou seja, reconstrói aquela que se apresenta como a mais urgente ‘história do tempo presente’ para uma geração, da qual Aggio faz parte, que vivenciou a transição do poder militar para os civis e que inaugurou a redemocratização brasileira.
Transições e rupturas na redemocratização brasileira
O modo como essa história nos é revelada se relaciona à uma série de leituras que temos sobre nosso passado. Essa variedade é a janela que possibilita o entendimento das origens não só da Nova República, mas também — e principalmente — dos motivos que nos levaram a pensar que ela está em risco desde, ao menos, 2013.
Explicitamente, três questões se impõem a partir da escrita de Aggio. Uma delas é o uso, caro ao autor, da abordagem do italiano Antonio Gramsci, teórico que cunhou a tese da revolução passiva. Nesse caso, a transformação operada pela redemocratização que caracteriza a Nova República não deve ser vista pela ruptura, mas sim por uma transição cujos elementos da mudança são tão visíveis quanto os elementos da continuidade, embora a direção dessa transformação aponte para certa predominância dos primeiros sobre os últimos. Dessa forma, há uma espécie de sentido da história que, entre avanços e obstáculos, se consolidou majoritariamente como uma transformação cujos itens constitutivos devem ser vistos ao longo da trajetória. Tais itens são inegavelmente aqueles que formam uma estrutura que, mesmo insuficiente, dá coerência ao período: eleição de Tancredo Neves; Constituição de 1988, Plano Real e avanço das questões sociais sob os dois primeiros governos de Lula.
A segunda questão, de certa forma complementar à primeira, é a leitura da Nova República a partir da obra de Luiz Werneck Vianna e sua citada frase de que o Brasil “tem horror à linha reta, uma vez que o traço de preferência nacional é o ziguezague”. Esse vai e vem tem se revelado nas últimas quatro décadas por aparentes contradições entre a modernização e o arcaísmo que, de tempos em tempos, ganha nova roupagem. No caso da Nova República esse conflito pôde ser visto de forma mais nítida na contingência da presidência de José Sarney. Eleito como vice na chapa de Tancredo, Sarney carregava a contradição de ter sido aliado da ditadura militar e o primeiro presidente, de fato, da Nova República. Mais do que isso, de ter operado seu governo a partir de elementos contidos no ambiente democrático, mas ainda carregando o ‘entulho autoritário’ do período anterior. Em uma leitura que desconsidera a ‘revolução passiva’ e seu andar em ziguezague que, com temporalidades diversas, ao fim e ao cabo, garantiu avanços significativos e democráticos à Nova República, Sarney e seu governo foram e ainda são vistos por certos segmentos da esquerda brasileira como muito pior do que realmente foram. Cabe aqui, portanto, a proposta de que sem uma revisão dos primeiros anos da Nova República que reposicione, sob um olhar amplamente positivo sobre o que significou o governo de Sarney para a redemocratização brasileira, não teremos a dimensão necessária para compreendermos o debate sobre uma possível crise que nossa democracia estaria vivendo desde 2013. Ou seja, o destaque ao governo Sarney não deve ser dado ao seu passado de aliado aos militares, e sim à sua relação fortemente amparada em valores democráticos junto à Constituinte de 1988, criadora da principal sustentação da Nova República.
E a aproximação entre a abordagem da revolução passiva e o ziguezage de Werneck Vianna possibilita transparecer o terceiro item fundamental da obra de Aggio. Parcelas significativas entre aqueles que se diziam os restauradores da democracia, notadamente entre as esquerdas brasileiras, têm uma histórica dificuldade em compreender para além da perspectiva do conchavo, a possibilidade de um avanço democrático, em sentido amplo, e, portanto, uma transformação verdadeira, a partir da política da conciliação. Tal dificuldade revela um olhar maniqueísta sobre a história brasileira e que, de certa forma, justificou a equivocada percepção de que a verdadeira redemocratização só ocorreria por ruptura. Embora a obra de Aggio concentre a análise no período da Nova República, essa percepção se repete em outras leituras sobre momentos variados de nossa história, como a Independência, a conciliação do Império, a Proclamação da República e a lei da Anistia.
O resultado dessas diferentes leituras de nossa história foi a criação de ao menos dois grandes rompimentos. Um deles, interno à esquerda, foi a cisão entre aqueles que rapidamente se posicionaram não só como democratas, mas que também reconheceram a legitimidade dos itens que formam o escopo da democracia brasileira. De outro lado, aqueles que se disseram democratas, mas se posicionaram contrariamente aos itens que constituem a institucionalidade da Nova República. O problema é que, passados 40 anos, está evidente que foi o segundo grupo que se destacou e se transformou numa das forças hegemônicas no País.
A regra do jogo e os jogadores
Em certa medida, a repactuação do federalismo contemplada pela Constituição de 1988 potencializou certa hegemonia sobre o jogo eleitoral da Nova República ao PMDB. Oriundo do antigo MDB, de oposição ao regime militar, o partido teve três presidentes (Sarney, Itamar e Temer), mas inúmeros poderes subnacionais, além de figurar tanto no Congresso quanto na divisão ministerial dos governos nacionais como protagonista durante quase todos os quarenta anos de redemocratização. Teve também sua dissidência à esquerda, o PSDB, como responsável por um dos pilares fundamentais do período, o Plano Real, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso. Contudo, a cultura política que após as quatro décadas ainda se revela majoritária é aquela identificada na intersecção entre o petismo e o papel de seu líder máximo, Lula da Silva, e sua ideologia, o lulismo. Com cinco vitórias eleitorais ao cargo majoritário do País — e mais tantas outras derrotas, quase todas em segundo turno — o petismo e o lulismo estiveram sempre como um dos dois protagonistas no plano eleitoral e político do País. Aggio acerta ao concentrar parte significativa de sua análise sobre a Nova República na cultura petista e, por isso, insinua o que pode ser o cerne de certa dicotomia que, depois de quatro décadas, nos deixa apreensivos quanto à crise da nossa democracia.
Não é novidade na história brasileira o embate entre as regras do jogo e seus elementos fundamentais de construção institucional, de um lado, e os principais jogadores, de outro. Como se houvesse um limite, testado sob forte pressão feita por alguns jogadores que oscilam, calculadamente, entre a aderência às instituições a partir de certa posição organicamente forjada e o descrédito dessas mesmas instituições a partir da construção de uma narrativa que se ampara no confronto, nunca na conciliação. A cultura petista e lulista que parcialmente se confunde com a trajetória desses quarenta anos de redemocratização apostou, ao longo de sua construção, no descrédito dos processos e eventos que deram, ao fim, a sustentação da Nova República. Embora tenha usado todos esses itens como trampolim não só para a sua contribuição mais acertada — o avanço das pautas sociais — mas também e, oportunamente, na defesa de alguns dos itens que estruturam a Nova República, o petismo se opôs à eleição de Tancredo (chegou a expulsar membros do partido que votaram em Tancredo no Colégio eleitoral), fez feroz oposição a Sarney, não chancelou a Constituição de 1988, foi contra a modernização econômica iniciada de modo atrapalhado por Collor, não aceitou compor o governo Itamar, chegando a desligar membros do partido que aceitaram cargos no governo (como ocorreu com Luiza Erundina), se opôs ao Plano Real — o qual acusava, infantilmente, de ser neoliberal — e contribuiu decididamente para a polarização que antecipa a tragédia atual ao associar sem nenhum pudor o governo FHC à direita ideológica.
Portanto, uma trajetória na qual o principal jogador usa as regras do jogo, no limite de sua violação, mas sem violá-la, para desacreditar os próprios marcos de criação e legitimidade das instituições. Essa aparente contradição não é novidade e nem exclusividade da Nova República. Infeliz e coincidentemente, ocorreu em certa medida no início da década de 1930, no período que imediatamente antecede ao golpe do Estado Novo varguista e na década que antecede o golpe militar de 1964. Não à toa, a última eleição presidencial foi disputada entre um saudosista do varguismo e um apologista da ditadura militar.
Entre os avanços e obstáculos da Nova República, a sociedade mostrou que identificava que parte das dificuldades desse período histórico vinha do confronto entre o ‘espírito’ das instituições e o modo como os jogadores se comportavam. A resposta foi a ampliação da recusa de um e outro, que significou a radicalização de alguns contra as instituições democráticas e a desconfiança em relação à honestidade e integridade dos agentes políticos. Ou seja, uma avenida para a ascensão da direita (essa sim, de verdade!) que estressou ainda mais a polarização e seriamente se comprometeu com a ruptura institucional.
Se a Nova República e a democracia brasileira estão sob risco, o livro de Aggio é esclarecedor na medida em que identifica e explica sem moralismos e vulgaridades a trama que, nas últimas quatro décadas, nos levou até essa situação. Se, de fato, não estão sob risco, é exatamente pela força das instituições que foram criadas e sustentaram o maior período democrático da história brasileira. Mesmo sob forte descrédito de alguns seus principais jogadores.
*Doutor em História Econômica, professor do INSPER, da Faculdade Belavista, da IBMEC, da FECAP, da Fundação Dom Cabral e do CLP-FAAPO. O autor publicou o texto, originalmente, no Estado da Arte/Estadão. Foto destaque: Felipe Rau/Estadão.
Livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025, será lançado em São Paulo
Fundação Astrojildo Pereira e Annablume editaram obra, que é parte do projeto de 40 anos do regime no país
Comunicação FAP
O livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: Mudanças, metamorfoses, transformismos (232 páginas), do historiador Alberto Aggio, será lançado nesta quarta-feira (2/4), em São Paulo. O trabalho, editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, e pela editora Annablume, é parte do projeto 40 anos de democracia no Brasil, organizado pela entidade e pelo partido, e será comercializado na internet.
O lançamento será realizado, a partir das 18 horas, na Livraria Martins Fontes Paulista, na Avenida Paulista, 509, Bela Vista, perto do Metrô Brigadeiro. O evento contará com a presença do autor, que vai recepcionar o público em uma noite de autógrafos. O livro foi lançado, em Brasília, no dia 14 de março deste ano. Aggio é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), livre-docente e titular pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Também tem pós-doutorado pela Universidade de Valencia, na Espanha, e pela Universidade Roma Tre, na Itália.
“Neste livro, procuro realizar uma reflexão sobre o processo político brasileiro das últimas quatro décadas. Uma ideia organiza o livro: a construção da democracia. Nesse processo, coincidem mudanças, metamorfoses e transformismos que marcam os principais atores políticos dessa construção”, diz o autor, convidando o público para marcar presença no lançamento.
O processo de construção democrática dos últimos 40 anos no Brasil, segundo o texto, defronta-se hoje com um cenário global no qual os desafios à democracia são cada vez mais evidentes. “Tal situação produz mal-estar e desorientação ao conjunto da sociedade brasileira”, diz um trecho do livro.
“É reconhecível, quase que consensualmente, que há uma crise de legitimação democrática, que se vem impondo às democracias hodiernas, produzida por um gradativo e persistente arrefecimento da formulação programática dos partidos políticos, enfraquecendo as estruturas de representação, acompanhado por processos de colonização da lógica de mercado, o que tem proporcionado um enfraquecimento das possibilidades de consenso democrático”, afirma.
No livro, Aggio ressalta que o elevado índice de desigualdade social, chamada por ele de “marca dolorosa que ainda se mantém”, a despeito da ampliação do consumo das classes populares, nas últimas décadas, continua como um dos principais obstáculos que se colocam à construção de uma democracia de maior qualidade no Brasil. Essa constatação, segundo o autor, é possível ao analisar o caminho percorrido e o lugar a que se chegou o país.
“Apesar da diminuição da extrema pobreza, o país não conseguiu resolver o problema da desigualdade social e racial dentro de parâmetros aceitáveis. Não há como não reconhecer que isso afeta a convicção de que a democracia pode mudar a vida para melhor”, observa o autor.
De acordo com o livro, depois de 20 anos de autoritarismo e da imposição de uma modernização avassaladora que alterou a morfologia da sociedade brasileira e 40 anos de uma construção democrática exitosa, mas com reconhecidos déficits, não é facultado ao Brasil perder o rumo que o mantém atrelado à trilha do moderno. Isto é expresso principalmente nos atores representativos da política democrática.
Apesar de todas as dificuldades e das poderosas dúvidas a respeito do presente, segundo o texto, resta a expectativa de que o país possa ser capaz de romper os entraves que bloqueiam os avanços democráticos e, simultaneamente, inventar maneiras de aprofundar, em novo patamar, a modernidade política que, de alguma forma, a construção democrática dos últimos 40 anos estabeleceu como uma aspiração compartilhada. Isso, de acordo com o autor, é possível em um contexto que valoriza o que se fez de positivo e projeta aberturas e inovações correspondentes às irreversíveis mudanças tecnológicas.
A democracia, segundo o livro, se consolidou institucionalmente, prova disso é que conseguiu suportar a realização de dois processos de impeachment – um acontecimento político sabidamente traumático –, o que, de acordo com o autor, ocorreu “sem sobressaltos dramáticos”.
A partir de 2018, no entanto, a democracia brasileira viveu sob risco com a chegada da extrema-direita ao poder, mas os órgãos de controle institucionais conseguiram barrar as iniciativas de erosão democrática colocadas em marcha durante o governo de Jair Bolsonaro, impedindo que sua “guerra de movimento” contra as instituições políticas prosperasse.
O livro afirma, ainda, que a democracia brasileira conseguiu suportar a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, que fazia parte de um dispositivo previamente preparado de quebra da ordem institucional para impedir que se consumasse o retorno de Lula à presidência da República.
A fortaleza institucional da democracia contrasta, todavia, com a fragilidade da forma como a sociedade vivencia e participa da política, segundo o texto. Os partidos políticos, organismos centrais da vida democrática, foram e ainda são incapazes de se abrirem para a dinâmica de transformações que ocorrem na vida social e econômica. “Os partidos se oligarquizaram e se enrijeceram”, diz o livro.
“[Os partidos] passaram a ser estruturas voltadas para o enriquecimento de suas lideranças – e aqui não estamos nos referindo à corrupção –, o que gera um sentimento de rejeição da sociedade em relação aos partidos. O resultado é a perda de confiança na política, processo que acaba se generalizando por todos os setores sociais”, diz um trecho.
O livro reconhece avanços nessa dimensão, especialmente no que se refere à mecânica eleitoral, transformando o Brasil numa democracia de massas, legitimada interna e internacionalmente. Contudo, diz o autor, o sistema político presidencialista, com seu hibridismo característico, no qual o Executivo é eleito majoritariamente e o Parlamento proporcionalmente, não tem permitido e tampouco impulsionado reformas políticas significativas no campo da representação, o que afeta a qualidade da democracia.
Muitas oportunidades foram perdidas, nesses 40 anos, para serem realizadas reformas que melhorassem a estrutura de representação, como a implantação do voto distrital misto. Segundo o autor, algumas que foram feitas, como a cláusula de desempenho para os partidos nas eleições parlamentares, tardarão a ser implementadas integralmente.
“Esses dois exemplos apenas evidenciaram a dificuldade de legitimação das instituições na sociedade. Por isso, o êxito da construção democrática e o mal-estar diante da dificuldade de legitimação das instituições políticas parecem compor, paradoxalmente, duas faces de uma mesma moeda. Em razão disso, acaba predominando a desconfiança em relação às instituições políticas que dão sustentáculo à democracia. Mesmo assim, apesar das imperfeições e ineficiências, as instituições políticas têm sido um fator real de sobrevivência da democracia no Brasil”, diz o livro.
Uma Homenagem ao “Partido da Democracia”
Nossa democracia veio à luz a partir de um processo de transição negociada
Foi bastante importante, em termos políticos e também históricos, a propositura, montagem e realização do evento de lembrança dos quarenta anos da nossa redemocratização, celebrado no Seminário “40 anos de democracia no Brasil – conquistas, dívidas e desafios”, realizado em 15 de março no “Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves”, em plena Praça dos Três Poderes de Brasília. O evento, promovido pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e pelo Cidadania 23, contou com apoio do jornal Correio Braziliense, que produziu uma exposição magnífica de fotos, documentos e objetos significativos. As palestras e debates reuniram políticos, intelectuais, dirigentes e militantes políticos, além do público interessado.
Pelo espírito que guiou o encontro e pelas personalidades que lá discursaram, destacando-se o ex-presidente José Sarney, tratou-se de um evento que, no essencial, homenageou o “partido da democracia” – o “partido” que conduziu a transição, produziu a Constituição de 1988 e a sustenta até os dias que correm. Não se trata de um “partido” com registro no TSE. Refiro-me aqui a uma “invenção política”, melhor dizendo, a uma “convicção política”. Para todos que lá estiveram, o sentimento era de que esse “partido da democracia” lá se expressou desde a ideia que decantou o evento até as últimas palavras pronunciadas naquele espaço. Por outro lado, a contrapelo, a celebração dos 40 anos de democracia no Brasil não foi a produção de mais uma “narrativa”. Diferentemente, o que se fez foi refletir e produzir História in atto, a saber, um “discurso” interpretativo e aberto, mas colado aos fatos históricos.
No contexto desse evento pude apresentar ao público o meu livro A construção da democracia no Brasil, 1985-2025 – mudanças, metamorfoses e transformismos (FAP/Annablume, 2025), cuja intenção maior foi a de elaborar uma interpretação crítica sobre a história política dos últimos 40 anos. Como se sabe, a democracia vem sendo acossada pelo extremismo de direita no mundo e também no Brasil e, por isso, é preciso defendê-la mais do que nunca. Não há melhor forma de defende-la senão por meio de uma releitura da história da sua construção, apontando os momentos cruciais de suas conquistas bem como os pontos essenciais em que os atores que protagonizaram essa trajetória claudicaram no seu desenvolvimento, o que acabou produzindo um conjunto de déficits reconhecidamente problemáticos.
Apesar disso, é preciso registrar, antes de mais nada, que além da Constituição de 1988, os 40 anos de democracia legaram à sociedade a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), consagrando o direito à saúde como sendo de todos e não um privilégio. Com o Plano Real, recuperou-se o valor da moeda e selou-se o fim da hiperinflação, iniciando-se um processo de redução da pobreza que viria a ser aprofundado em seguida. Nessa jornada, houve reconhecidamente uma ampliação do acesso à educação a segmentos sociais antes excluídos. Em síntese, a democracia está sendo, para milhões de brasileiros, um fator civilizador capaz de efetivamente melhorar a vida.
Mesmo assim, nem todos os atores políticos, dentre os mais significativos, compartilham a mesma visão a respeito dos passos positivos que foram dados para que pudéssemos construir a democracia nos últimos 40 anos. É difícil obter um consenso interpretativo a respeito da necessidade histórica desses passos bem como do seu significado e mais difícil ainda obter consensos a respeito da validade das etapas percorridas. Por isso somos tão divididos e incapazes, no mais das vezes, de enfrentar e vencer os mais poderosos desafios que se apresentam.
A começar pelo processo de transição do autoritarismo para a democracia. Nossa democracia não nasceu de uma revolução. Nossa democracia veio à luz a partir de um processo de transição negociada, como foi na Espanha, depois da morte de Franco, ou no Chile, depois da derrota de Pinochet no plebiscito de 1988. São exemplos de democracias que nasceram de transições negociadas com a institucionalidade ou com segmentos do regime anterior. Foram necessárias operações políticas complexas para se extrair resultados positivos dessas negociações. Por isso, algumas forças políticas, à esquerda e à direita, não compreenderam a transição e se colocaram contra ela. Contudo, é preciso que se afirme que a transição brasileira foi negociada, mas também foi uma transição com um apoio popular. Como escreveu a economista Maria Conceição Tavares, asseverando, no calor da hora, que o Brasil daqueles anos não era mais o Porto Seguro das elites e nem a Estação Finlândia dos revolucionários.
Como afirmou, no evento, o ex-deputado constituinte, Miro Teixeira, “não foi fácil chegar até onde estamos”, reconhecendo que a nossa transição foi heroica, popular e, sobretudo, empenhou-se em isolar e conter os extremistas e os extremismos. É, portanto, falsa a avaliação de que se tratou de uma transição conservadora. É hora de a intelectualidade compromissada com a democracia rever essa visão enganadora e equivocada que maltrata a história – nos dois sentidos, pode-se enfatizar.
Hoje, mais do que uma crise da democracia, o que se observa é uma crise do sujeito político portador do moderno, que sempre carregou consigo a proposição que conectava liberdade, democracia e autonomia com vistas a uma sociedade mais justa, próspera e igualitária. Na hora presente, é preciso convocar os democratas a construírmos os desenhos que possam informar um novo horizonte democrático, isto é, uma nova cultura política, democrática e interdependente, que se afirme no Brasil e se expanda pelo mundo.
Para isso, precisamos de estadistas à altura dos desafios do nosso tempo. Infelizmente, como bem observou o jornalista José Casado em seu artigo intitulado “O ‘pobrismo’ se tornou matéria-prima eleitoral básica”, publicado na edição de 15 de março de 2025, Lula e o PT “parecem não ter compreendido a dimensão da mudança ocorrida sob seus pés nos últimos quarenta anos”, cujo processo ultrapassou “a representação política baseada no critério de classes”. As metamorfoses dos atores democráticos que o país vivenciou no contexto de uma globalização triunfante, na passagem do século XX para o XXI, dentre eles Lula e o PT, ensejaram a possibilidade de um transformismo positivo. Naquele contexto, como escrevi no livro e que Casado reproduz, “foi possível vociferar diante de tudo, de todos e das mais difíceis circunstâncias que o projeto político (de Lula e do PT) era, como dizia o ex-deputado petista José Dirceu, ‘governar no Brasil’. Pois era, enfim, simplesmente isso e não construir uma sociedade democrática, justa, solidária, mesmo que não se conseguisse alcançar o poder. Agora, tudo indica que não será mais possível, pelo menos na forma como se pensava”.
No andamento do terceiro mandato, continua Casado – ainda citando literalmente o meu livro –, as identidades se esfumaçaram “num ambiente onde partidos e seus líderes substituíram projetos de modernização nacional pela visão tosca da política como negócio, com prioridade às transações nem sempre transparentes, mas convergentes à garantia de poder numa “partidocracia” patrimonialista e endinheirada”.
Em absoluta contradição com o momento inicial da construção democrática, a sensação que temos hoje é de degradação política pelo vazio de hegemonia, derivando no estabelecimento de um transformismo negativo, no qual a política significa apenas negócio. Para concluir, como anotei no final de um dos capítulos do livro, “trata-se de um transformismo que poderá bloquear a democracia e seus possíveis avanços. Seria desastroso para o país cumprir esses 40 anos de construção democrática sem reconhecer uma ameaça dessa magnitude”.
*Artigo publicado originalmente no portal Revista Será
"Anistia ao 8 de Janeiro não é reconciliação", diz historiador Alberto Aggio
Autor de livro sobre os 40 anos da redemocratização afirma que movimento em favor dos golpistas do 8 de janeiro tem como finalidade trazer Bolsonaro de volta às urnas. E que imediatismo prejudica consensos democráticos
A poucas quadras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na Rua Capote Valente, quase esquina com Teodoro Sampaio, no bairro Pinheiros, morava o historiador Alberto Aggio. Em 21 de abril de 1985, ele decidiu fazer uma caminhada dramática. Pôs a filha de seis anos sobre os ombros e seguiu a pé até a Avenida Rebouças, a menos de 2 km de casa. Pai e filha iam acompanhar o traslado do corpo do presidente eleito Tancredo Neves pela capital paulista. Para Aggio, a incerteza que se instaurou com a morte do político mineiro, personagem central na redemocratização, este foi o primeiro momento em que a abertura política esteve ameaçada desde o declínio do regime militar. Mas não foi o último.
Alberto Aggio lançou, em Brasília, o livro A construção da democracia no Brasil (1985-2025): mudanças, metamorfoses, transformismos. Na publicação, Alberto faz uma síntese de seus estudos sobre o Brasil e a América Latina contemporâneos e organiza sua interpretação sobre os 40 anos da redemocratização do país. Neste sábado, Aggio participa de evento, no Panteão da República, em comemoração ao restabelecimento de um governo civil após 21 anos de ditadura militar.
Em entrevista ao Correio Braziliense, o historiador afirma que a sociedade brasileira precisa entender melhor o tempo da democracia, incompatível com imediatismos e soluções fáceis. “Queremos a democracia, mas, por ela ser complexa, e até mesmo uma novidade para nós, para a sociedade, não compreendemos muito bem a sua dinâmica, os seus tempos, os seus atores”, diz.
Qual é a perspectiva do livro?
Esse livro é uma síntese dos meus estudos sobre o Brasil e a América Latina contemporânea. Recolhe um conjunto de estudos e organiza uma interpretação sobre os 40 anos da democracia ou da redemocratização do país. Ele não é propriamente uma tese de mestrado ou doutorado com um tema restrito. É bem demarcado, com uma visão teórica, mas busca fazer uma interpretação e um debate com a historiografia, a ciência política, que se voltou para estudar esse processo todo de fim do regime militar, início da transição, a transição se completando com a Constituição de 88, as primeiras eleições e daí para frente, com os problemas que o Brasil enfrentou, o período do Fernando Henrique Cardoso, que aí se estabelece a reeleição, logo depois o período petista de Lula, que é o período mais abrangente de uma única força política nesses 40 anos, e vai até o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. E depois retorna em 2022 com um interregno governo Temer e depois Bolsonaro.
A redemocratização foi ameaçada em algum momento?
Quando Tancredo se prepara para a posse e adoece, esse é um momento muito delicado. Parecia que poderia haver um retrocesso no processo de transição que estava avançando para estabelecer a democracia no Brasil. Se nós pudermos considerar as atitudes do general que comandava o Exército em Brasília, que era um general muito estridente e que mobilizou o fechamento de Brasília para o processo de eleição do Colégio Eleitoral (Newton Cruz), a vitória do Tancredo e a organização da posse, eu acho que foi um momento muito tenso. Essa tensão acabou finalizando com a posse interina de José Sarney, por conta da doença do Tancredo Neves, às cirurgias a que ele começou se submeter e à morte em 21 de abril. Até aí, nós temos um momento que é quase uma suspensão. Ninguém sabia precisamente se a democracia ia vingar ou não. O outro momento viria décadas depois, com a vitória do Jair Bolsonaro, em 2018. Esse é o momento mais ameaçador.
O governo Bolsonaro foi mais perigoso do que os impeachments de Collor e Dilma?
Bolsonaro foi uma crise muito maior. Nem com o impeachment de Collor, nem com o impeachment da Dilma, a democracia esteve ameaçada. Foram dois processos seguramente difíceis, complicados, cheios de tensão, mas não creio que se possam catalogá-los como ameaça à democracia. O governo Bolsonaro, sim. Ele não se configura no sentido de impor mudanças efetivas que destruíram o caminho de democracia que nós temos. Bolsonaro não consegue fazer isso. O que ele consegue é reorganizar as forças políticas contrárias à democracia, estabelecer um clima de tensão e de ameaça, que é maior do que a sensação de ameaça.
Essa sensação se tornou algo concreto?
A sensação de ameaça se estabelece e cresce até a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Aí sim essa ameaça quase se configura numa ruptura institucional. Se o 8 de janeiro tivesse vingado, seria um momento de reversão do processo que começou nos anos 1970, mas se configura em 15 de março de 1985, por conta da posse do primeiro governo civil, que nós chamamos, na época, de primeiro governo de transição.
O país precisa de mais forças políticas democráticas, para além da figura do Lula e do PT, para derrotar a extrema direita nas urnas e afastar ameaças à democracia?
A presença do PT e de Lula na democracia brasileira é uma questão complexa. O PT é, ao mesmo tempo, uma solução e um grande problema. Evidentemente, se nós pensarmos que há uma polarização, trata-se de uma polarização entre Lula e Bolsonaro. Essa polarização estanca as possibilidades do Brasil de avançar na democracia, na economia, no projeto de inserção na economia global, que está cada vez mais complicado com Trump, com Putin, com guerra da Ucrânia, com a China. Então, em um momento como esse, a polarização entre PT e Bolsonaro, Lula e Bolsonaro é bastante negativa, porque isso estreita o debate político, o debate de projetos para o Brasil.
A polarização já poderia ter sido superada no Brasil?
Em um contexto interno, com o Bolsonaro inelegível, nós poderíamos ter decantado esse processo. Se efetivamente Bolsonaro não puder se candidatar, espero que a gente possa ter um leque muito maior de possibilidades. Mas ainda estamos longe de 2026. No meu ponto de vista, as forças políticas devem se reorganizar, porque a gente não sabe precisamente o que irá ocorrer.
O que pensa da anistia aos réus do 8 de Janeiro?
A anistia só se pode pleitear quando os processos estiverem julgados e condenados. Então, é possível que juridicamente se possa pensar em anistia. No momento, acho absurdo propor anistia porque, efetivamente, aquelas pessoas participaram – não importa se conscientemente ou não -- de um processo que daria um resultado. Imaginavam que aquela invasão dos prédios públicos no centro da República desencadearia uma ruptura da institucionalidade. E que, a partir daí, os militares ocupariam o poder. Eu não sou a favor da anistia. Acho que ela está muito mal colocada pelos próprios defensores. No fundo, eles escondem que estão pedindo anistia para Bolsonaro.
Há uma diferença entre a anistia de 1979 e essa em discussão?
Temos aqui uma maneira de trabalhar um tema importante da civilização, que é o perdão. A anistia configura perdão. Nós vivemos isso no passado e, no passado, a anistia foi um tema colocado para toda a sociedade brasileira, no sentido de reconciliação dos brasileiros. A anistia que estão pedindo agora não tem esse caráter de reconciliação dos brasileiros, como a anistia que se pedia nos anos 1970 contra o regime autoritário. Isso aconteceu naquele momento e resultou na Lei de Anistia. É uma lei complexa, complicada, problemática, mas favoreceu a transição política de forma pacífica, do regime militar à construção democrática. Espero que esses processos sejam julgados o mais rápido possível, para que fique muito claro que a sociedade brasileira e suas instituições defendem a democracia que nós construímos há 40 anos.
Por que o golpe não vingou?
Não vingou por duas razões. Primeiro porque os comandos militares não deram aval para a execução do golpe de Estado. Os comandos militares, não dando aval, bloquearam os setores militares que eram minoritários e que poderiam desencadear a ruptura. Se fizessem isso, a situação iria para um confronto de segmentos das Forças Armadas, que seria deplorável, uma tragédia para o país. Os comandos militares reconheceram que o país vive a democracia e precisa continuar dentro da democracia, inclusive com o respaldo das Forças Armadas. Por outro lado, havia também um uma divisão do ponto de vista político. Muita gente já escreveu sobre isso, inclusive o colunista do Correio Luiz Carlos Azedo, apontando claramente, coisa que eu cito no livro, que a divisão existente no núcleo político do Bolsonaro se encaminhava muito mais para evitar essa ruptura do que para realizá-la.
Havia resistência?
Sim. Os principais líderes do Centrão, que dava sustentação política a Bolsonaro, não queriam a ruptura institucional. É claro que o comando militar foi decisivo, evitando um encaminhamento do golpe, mas a base aliada do governo Bolsonaro não estava inteiramente favorável.
O perfil de Bolsonaro também dificultava a concretização de um golpe?
Penso que sim. Veja, estamos falando de um golpe dado por um presidente como Bolsonaro, um homem de facção política. Bolsonaro nunca foi um homem de unidade política. Na história brasileira, toda vez que isso foi tentado, culminou em derrota. Enfraqueceu o país, o Estado brasileiro, nossa ideia de nação, compartilhada por todos os brasileiros. Tenho a impressão de que Bolsonaro e suas hostes mais radicais, que pretenderam encaminhar o golpe 8 de janeiro de 2023, erraram profundamente na análise que fizeram das circunstâncias do país.
Vivemos em uma democracia. Por que ainda é importante falar dela?
Nossa democracia não nasceu de uma ruptura, de uma revolução. A nossa democracia nasceu de um processo de transição negociada, como foi na Espanha, depois da morte do Franco. Como foi no Chile, depois da derrota de Pinochet no plebiscito de 1988. Temos aqui dois exemplos de democracias que nascem de transições negociadas com segmentos do regime anterior. Essa situação por si só é muito complexa. Nem mesmo algumas forças políticas organizadas valorizaram o que foi feito. A redemocratização, na verdade, foi uma operação política muito sofisticada com apoio popular. A transição brasileira foi negociada, mas também foi uma transição com um apoio popular. Como escreveu certa vez a economista Maria Conceição Tavares, o Brasil agora não é mais o porto seguro das elites, mas também não é a Estação Finlândia dos revolucionários.
Então, o que é o Brasil?
O Brasil é uma sociedade de massas buscando construir a democracia. É um engano dizer que a nossa transição foi conservadora. E mais, a nossa transição, diferentemente do Chile e da Argentina, por exemplo, produziu uma nova ordem institucional, que foi a Constituição de 1988. Nenhum desses países fez isso. Hoje o Chile está ainda sob a sombra do pinochetismo. Claro que tudo foi reformulado do ponto de vista legal, mas vimos na história recente do Chile toda a discussão para se produzir uma nova Constituição e que no final redundou em fracasso, tanto de um lado, quando a Constituição projetada era muito mais à esquerda, quanto de outro, quando a Constituição projetada era mais de centro-direita, mais moderada. Nenhum dos dois modelos a população aprovou.
Tivemos um processo bem-sucedido aqui?
Em 1988, nós conseguimos uma assembleia constituinte, uma grande participação da sociedade discutindo diversos temas, com uma grande organização profissional, conduzida pelo Dr. Ulysses, por vários outros, respondendo aos anseios dos brasileiros. Os brasileiros gostam de mudança, pensam sempre no novo. E o novo é substancialmente a democracia, a participação, a equidade, o desenvolvimento, o progresso. A nossa democracia se conectou a maior parte do tempo com esses temas.
E por que ela ainda continua sob ameaça?
Quando nós chegamos à democracia, o Brasil tinha muitas ilusões em relação a ela. Percebeu-se depois que a democracia é algo muito complexo, que exige muito dos atores políticos, da sociedade. Os tempos da vida política democrática não são imediatistas, necessitam de negociação e de construção de consensos. Quando chegamos à democracia, tudo era para “já”. “Diretas Já”, isso era mais do uma expectativa, era uma ilusão do que ela seria, e fomos percebendo que não era bem assim.
O imediatismo prejudica a democracia?
Tenho dúvidas se toda a sociedade compreende a complexidade de tudo isso. Por essa razão surgem os discursos antipolítica, de um sujeito que diz que vai resolver tudo no ato, retoma essa ideia do imediato. Nenhuma democracia consolidada do mundo é assim. Nós não desenvolvemos uma cultura política democrática. Acreditamos na democracia, queremos a democracia, mas, por ela ser complexa, e até mesmo uma novidade para nós, para a sociedade, não compreendemos muito bem a sua dinâmica, os seus tempos, os seus atores.
Historiador Alberto Aggio lança livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025
Fundação Astrojildo Pereira e Annablume editaram obra, que é parte do projeto de 40 anos do regime no país
Comunicação FAP
O livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: Mudanças, metamorfoses, transformismos (232 páginas), do historiador Alberto Aggio, será lançado nesta sexta-feira (14/3), em Brasília. O trabalho, editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, e pela editora Annablume, é parte do projeto 40 anos de democracia no Brasil, organizado pela entidade e pelo partido, e será comercializado na internet.
O lançamento será realizado, a partir das 19 horas, no restaurante Osteria Vicenza, no Complexo Brasil 21, no Setor Hoteleiro Sul. O evento contará com a presença do autor, que vai recepcionar o público em uma noite de autógrafos. Aggio é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), livre-docente e titular pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Também tem pós-doutorado pela Universidade de Valencia, na Espanha, e pela Universidade Roma Tre, na Itália.
“Neste livro, procuro realizar uma reflexão sobre o processo político brasileiro das últimas quatro décadas. Uma ideia organiza o livro: a construção da democracia. Nesse processo, coincidem mudanças, metamorfoses e transformismos que marcam os principais atores políticos dessa construção”, diz o autor, convidando o público para marcar presença no lançamento.
O processo de construção democrática dos últimos 40 anos no Brasil, segundo o texto, defronta-se hoje com um cenário global no qual os desafios à democracia são cada vez mais evidentes. “Tal situação produz mal-estar e desorientação ao conjunto da sociedade brasileira”, diz um trecho do livro.
“É reconhecível, quase que consensualmente, que há uma crise de legitimação democrática, que se vem impondo às democracias hodiernas, produzida por um gradativo e persistente arrefecimento da formulação programática dos partidos políticos, enfraquecendo as estruturas de representação, acompanhado por processos de colonização da lógica de mercado, o que tem proporcionado um enfraquecimento das possibilidades de consenso democrático”, afirma.
No livro, Aggio ressalta que o elevado índice de desigualdade social, chamada por ele de “marca dolorosa que ainda se mantém”, a despeito da ampliação do consumo das classes populares, nas últimas décadas, continua como um dos principais obstáculos que se colocam à construção de uma democracia de maior qualidade no Brasil. Essa constatação, segundo o autor, é possível ao analisar o caminho percorrido e o lugar a que se chegou o país.
“Apesar da diminuição da extrema pobreza, o país não conseguiu resolver o problema da desigualdade social e racial dentro de parâmetros aceitáveis. Não há como não reconhecer que isso afeta a convicção de que a democracia pode mudar a vida para melhor”, observa o autor.
De acordo com o livro, depois de 20 anos de autoritarismo e da imposição de uma modernização avassaladora que alterou a morfologia da sociedade brasileira e 40 anos de uma construção democrática exitosa, mas com reconhecidos déficits, não é facultado ao Brasil perder o rumo que o mantém atrelado à trilha do moderno. Isto é expresso principalmente nos atores representativos da política democrática.
Apesar de todas as dificuldades e das poderosas dúvidas a respeito do presente, segundo o texto, resta a expectativa de que o país possa ser capaz de romper os entraves que bloqueiam os avanços democráticos e, simultaneamente, inventar maneiras de aprofundar, em novo patamar, a modernidade política que, de alguma forma, a construção democrática dos últimos 40 anos estabeleceu como uma aspiração compartilhada. Isso, de acordo com o autor, é possível em um contexto que valoriza o que se fez de positivo e projeta aberturas e inovações correspondentes às irreversíveis mudanças tecnológicas.
A democracia, segundo o livro, se consolidou institucionalmente, prova disso é que conseguiu suportar a realização de dois processos de impeachment – um acontecimento político sabidamente traumático –, o que, de acordo com o autor, ocorreu “sem sobressaltos dramáticos”.
A partir de 2018, no entanto, a democracia brasileira viveu sob risco com a chegada da extrema-direita ao poder, mas os órgãos de controle institucionais conseguiram barrar as iniciativas de erosão democrática colocadas em marcha durante o governo de Jair Bolsonaro, impedindo que sua “guerra de movimento” contra as instituições políticas prosperasse.
O livro afirma, ainda, que a democracia brasileira conseguiu suportar a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, que fazia parte de um dispositivo previamente preparado de quebra da ordem institucional para impedir que se consumasse o retorno de Lula à presidência da República.
A fortaleza institucional da democracia contrasta, todavia, com a fragilidade da forma como a sociedade vivencia e participa da política, segundo o texto. Os partidos políticos, organismos centrais da vida democrática, foram e ainda são incapazes de se abrirem para a dinâmica de transformações que ocorrem na vida social e econômica. “Os partidos se oligarquizaram e se enrijeceram”, diz o livro.
“[Os partidos] passaram a ser estruturas voltadas para o enriquecimento de suas lideranças – e aqui não estamos nos referindo à corrupção –, o que gera um sentimento de rejeição da sociedade em relação aos partidos. O resultado é a perda de confiança na política, processo que acaba se generalizando por todos os setores sociais”, diz um trecho.
O livro reconhece avanços nessa dimensão, especialmente no que se refere à mecânica eleitoral, transformando o Brasil numa democracia de massas, legitimada interna e internacionalmente. Contudo, diz o autor, o sistema político presidencialista, com seu hibridismo característico, no qual o Executivo é eleito majoritariamente e o Parlamento proporcionalmente, não tem permitido e tampouco impulsionado reformas políticas significativas no campo da representação, o que afeta a qualidade da democracia.
Muitas oportunidades foram perdidas, nesses 40 anos, para serem realizadas reformas que melhorassem a estrutura de representação, como a implantação do voto distrital misto. Segundo o autor, algumas que foram feitas, como a cláusula de desempenho para os partidos nas eleições parlamentares, tardarão a ser implementadas integralmente.
“Esses dois exemplos apenas evidenciaram a dificuldade de legitimação das instituições na sociedade. Por isso, o êxito da construção democrática e o mal-estar diante da dificuldade de legitimação das instituições políticas parecem compor, paradoxalmente, duas faces de uma mesma moeda. Em razão disso, acaba predominando a desconfiança em relação às instituições políticas que dão sustentáculo à democracia. Mesmo assim, apesar das imperfeições e ineficiências, as instituições políticas têm sido um fator real de sobrevivência da democracia no Brasil”, diz o livro.
Alberto Aggio: Tempos e silêncios em Ainda estou aqui
Pelos olhos e pelas mãos de Salles, os tempos do Brasil se sucedem e, recortados, ganham sentido na trajetória da família Paiva
Alberto Aggio, historiador e professor universitário, em artigo publicado originalmente no Correio Braziliense
Ainda estou aqui é um grande filme. Muito já se escreveu e se falou sobre ele por diversos ângulos e razões. E se vai continuar falando e escrevendo sobre ele por algum tempo. Seu lugar na cultura brasileira vai além da filmografia, da arte. Trata-se de um filme político, de ensinamentos e aberto à reflexão política. Pela amplitude de espectadores, ele é também um fenômeno político. Cativa por expressar o desejo de compreender o que se passou no Brasil nas últimas décadas do século 20 e o que esse período nos legou.
O filme, dirigido por Walter Salles, diz muito sobre o Brasil desse período, mas também sobre o Brasil dos dias que correm, por meio dos acontecimentos que marcaram a vida da família do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e assassinado pela ditadura no início da década de 1970, especialmente pela resistência da mulher, Eunice Paiva, a principal protagonista do filme, representada de maneira extraordinária por Fernanda Torres.
O início e o final do filme mostram reuniões familiares que evidenciam as marcas do tempo em que se sustenta a narrativa do filme. No início, a reunião familiar é repleta de alegrias de uma típica família de classe média alta do Rio de Janeiro no início da década de 1970. O ambiente é vivo e cheio de cores, num magnífico sobrado em frente à praia. No final do filme, a reunião familiar é de uma alegria contida, densa e preocupada com a saúde da matriarca da família.
No início, os personagens vivem as interações de um Brasil culturalmente aberto ao mundo, uma continuidade, sem interrupções, dos "gloriosos anos" cinquenta e início dos sessenta. Para além da tranquila vida familiar, os sinais de que havia ocorrido uma dura interrupção aparecem de maneira esparsa e sutil, embora carregada de tensões, evidenciando o temor a cada cena. A reunião familiar do final do filme também mostra um Brasil aberto ao mundo, sinalizada previamente por passagens relativas aos anos 1990, quando Eunice Paiva passa a viver em São Paulo, 25 anos depois da tragédia familiar provocada pelo sequestro e assassinato do marido. O Brasil da globalização e da democratização convive, ao final, com aquela herança maldita, ao lado do peso dos anos que se passaram na vida de todos os protagonistas ali reunidos, as filhas e o filho, todos adultos, e a matriarca já padecendo da doença de Alzheimer.
Entre um tempo e outro, os 25 anos, que expressam a transição e a democratização, estão silenciados, o que é também uma forma de dizer e dar sentido. O filme é a expressão das pesadas consequências da repressão da ditadura e a resistência - penosa, mas vitoriosa - da chefe de uma família, que não permitiu que ela fosse destruída. No final, os anos da ditadura são imagens do passado, em preto e branco, que ainda tocam — mesmo que abatida pela doença — a velha senhora que protagoniza dramaticamente a narrativa. No final do filme, as cenas sobre a ditadura que aparecem num documentário na TV chamam a atenção mais de Dona Eunice do que dos familiares que espreitam de soslaio seu comportamento.
Pelos olhos e pelas mãos de Salles, os tempos do Brasil se sucedem e, recortados, ganham sentido na trajetória da família Paiva. Ali estão a esperança de um país melhor interrompida pela ditadura e, ao final, independentemente dos protagonistas, o cenário de inserção do país no mundo globalizado, anteriormente antevisto. No Brasil do ex-deputado assassinado, a opção de um caminho de tipo cubano ainda era acalentada como alternativa por muitos setores da esquerda. Mas isso não prosperou. A resistência democrática encontrou sua via de passagem pela política, derrotando a ditadura.
Pode-se dizer que esse é um dos silêncios do filme. Ele não pretendeu incluir na narrativa as complexas dimensões da superação da ditadura por meio de um processo de transição e construção democrática que seguiu seu curso ascendente, mas carregou consigo muitos deficits políticos, institucionais, sociais e culturais. O filme também nos sugere que pensemos sobre as razões que levaram com que a conquista da democracia não tenha se configurado como uma ruptura, que delimita um antes e um depois, e, mesmo assim, podemos nos postar sorrindo — como fez Eunice Paiva, de forma admirável — para uma foto que possa retratar o país como, de fato, ele é.
Em evento da FAP, Alberto Aggio e Eumano Silva lançam livros em São Paulo
Comunicação FAP
Dezenas de intelectuais e jornalistas participaram, nesta quinta-feira (4/4), em São Paulo, do lançamento conjunto dos livros Ainda respira... a democracia sob ameaça, do historiador Alberto Aggio, e Longa jornada até a democracia (Volume 2), do jornalista Eumano Silva. O evento foi organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23. Apesar de suas diferenças, as duas obras, que estão à venda na internet, têm em comum a preocupação com a esquerda brasileira.










































O lançamento teve início às 19h30, na Rua Tinhorão, nº 60, na Consolação. O lugar convidativo e aconchegante deixou ainda mais à vontade para o diálogo todos os leitores que prestigiaram os autores. Cada um dos presentes aproveitou a ocasião para compartilhar memórias da vida, principalmente as da resistência à ditadura militar, que continuam a dar fôlego na luta em defesa da democracia.
Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Aggio teve o seu livro editado pela Appris e, assim como Eumano Silva, recebeu o reconhecimento do público pela qualidade de sua obra. “Vimos muita gente vinculada à história do PCB nos anos 1970 e 1980. Houve presença de muitos jornalistas e membros do Cidadania de vários lugares, principalmente de Campinas e São Carlos. Alguns políticos do PSDB. Foi um lançamento com pessoas muito simpáticas”, contou.
O historiador ressaltou os pontos de convergência dos dois livros. “São diferentes, mas se tocam por preocupações em relação à esquerda brasileira, ao Partido Comunista, à forma de entender a política no Brasil, a história política brasileira e seus impasses, dilemas e, eventualmente, derrotas e vitórias, como o livro do Eumano narra a estratégia vitoriosa que o PCB conseguiu implementar contra a ditadura militar”, disse.
Depois de lançar seu livro em Brasília e no Rio de Janeiro, Eumano Silva viu a obra Longa jornada até a democracia, editado pela FAP, ser bem recebida pelo público na capital paulista. “A noite de autógrafos foi compartilhada com o historiador Alberto Aggio. Foi, então, uma grande oportunidade de encontro de antigos participantes da luta pela democracia, pessoas que militaram no PCB, intelectuais, jornalistas e amigos. A hospitalidade proporcionada pelo Instituto Fernand Braudel e o conforto do local deixaram o ambiente ainda mais acolhedor e agradável", contou.
Alberto Aggio lança em SP livro Ainda respira... a democracia sob ameaça
Comunicação FAP
Ex-diretor da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), o historiador Alberto Aggio, professor da da Universidade Estadual Paulista (Unesp) vai lançar, no dia 4 de abril, em São Paulo, o seu mais novo livro, Ainda respira… a democracia sob ameaça, da editora Appris. O evento será realizado na Rua Tinhorão, nº 60, na Consolação, a partir das 19h30.

De acordo com a editora Appris, o livro Ainda respira… a democracia sob ameaça convida o público a pensar os problemas políticos atuais a partir de uma perspectiva global, convergindo a análise para a história presente do Brasil e do Chile, especialmente de 2019 até os dias que correm.
Cada uma de suas partes expressa um enfoque inovador e estimulante no sentido de possibilitar uma compreensão maior dos dilemas do nosso tempo. O Brasil de Jair Bolsonaro e o Chile da revolta popular que levou Gabriel Boric à presidência da República são os referenciais nacionais aqui trabalhados como paradigmas para essa reflexão.
O pano de fundo é a situação paradoxal que vive a democracia ao redor do mundo, no seu momento de maior generalização e também de profunda crise. Daí o necessário tratamento de temas que incidem sobre a realidade atual como o populismo, o iliberalismo, a antipolítica, a crise da socialdemocracia e o espectro da revolução.
O desafio que o livro de Aggio apresenta é o de a sociedade ser capaz de superar modelos explicativos estanques visando a elaboração de indagações produtivas que possibilitem a formulação de interpretações abertas e orientadas a desvendar as contradições que nos cercam.
No mesmo evento, será realizado o lançamento do livro-reportagem Longa Jornada até a Democracia, Volume 2, de autoria do jornalista Eumano Silva.
SOBRE O AUTOR

Alberto Aggio é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), livre-docente e titular pela Unesp. Tem pós-doutorado na Universidade de Valencia/Espanha e na Universidade Roma Tre, na Itália. Publicou inúmeros artigos em periódicos nacionais e estrangeiros, além dos livros “Democracia e socialismo: a experiência chilena” (Annablume, 2a. ed., 2002), “Frente Popular, Radicalismo e Revolução Passiva no Chile” (Annablume/Fapesp, 1999), “Itinerários para uma esquerda democrátiva”(FAP/Verbena, 2018) e “Um lugar no mundo” (FAP, 2a. ed. 2019). É autor e organizador de “Gramsci: a vitalidade de um pensamento” (Unesp, 1998) e “Pensar o Século XX (Unesp, 2003). Foi diretor-executivo da FAP.
Revista online | O Chile do pós-plebiscito
Alberto Aggio*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)
Passados mais de 20 dias do plebiscito de 4 de setembro, aprofundam-se as avaliações a respeito do significado daquela que está sendo considerada a maior derrota eleitoral da esquerda chilena, desde a retomada da democracia, no alvorecer da década de 1990. Depois disso, nunca a esquerda havia sido derrotada por mais de 25% dos votos, numa eleição de altíssima participação. Nem mesmo quando a direita chilena se impôs com Sebastian Piñera, por duas vezes, já nos primeiros anos do novo século. A discrepância é enorme se comparada à votação no chamado “plebiscito de entrada”, no qual cerca de 80% dos eleitores votaram a favor da montagem de uma Convenção Constitucional (autônoma e paritária) para a elaboração de uma “nova Constituição” para o país.
A derrota da opção apruebo foi dura e contundente, e é necessário refletir sobre isso. Trata-se de uma reflexão obrigatória especialmente para aqueles que pensam na continuidade do governo de Gabriel Boric até o final do seu mandato. Vale enfatizar que nunca a esquerda chilena havia sido derrotada de forma tão acachapante, logo após vitórias expressivas como foram a conquista da maioria dos convencionais da Convenção e a vitória de Gabriel Boric para a presidência da República. Alguns analistas chamam atenção para o fato de que, anteriormente, apenas na década de 1970, a esquerda havia sofrido uma derrocada tão forte, mas naquela oportunidade houve um golpe militar que impôs, pela força, uma ditadura implacável que daria sustentação à sua “revolução” neoliberal.
A situação agora é diferente. Em termos sintéticos, foi uma derrota expressiva das correntes políticas que se expressaram nas manifestações multitudinárias de outubro de 2019 contra o governo direitista de Sebastian Piñera e transformaram aquela explosão de “rebeldia” numa operação política de refundação do país. Essas forças, somadas ao Partido Comunista e à Frente Ampla do presidente Gabriel Boric, “hegemonizaram” a Convenção Constituinte, que passou a ser identificada como uma assembleia de extremismo esquerdista, identitarista e antagonista. Dela saiu o texto constitucional que acabou sendo rejeitado pela imensa maioria dos chilenos.
Veja todos os artigos da edição 46 da revista Política Democrática online
Para o cientista político chileno Kenneth Bunker, trata-se de uma derrota “transversal” que abarca todos os segmentos econômico-sociais, de gênero, urbano-rural, etc.; inclusive os setores que a esquerda diz representar. Para ele, foi também uma derrota “lapidária”: “a Convenção foi uma instância da esquerda, eles não tiveram a voz de veto da direita, fizeram um texto basicamente sem oposição, e o texto foi apresentado fielmente ao povo, com o apoio do governo e de uma parte importante da oposição; e o povo a rejeitou. Então é uma derrota ideológica, política, sobre uma visão socioeconômica do Estado que não tem comparação”.
Por essa avaliação, pode-se dizer que um projeto de Constituição, de caráter exclusivo de um conjunto de forças de esquerda, sem sequer uma aproximação com outros setores sociais e políticos, ou seja, um texto constitucional que revelava uma forma de ver a sociedade e o que, no longo prazo, se queria para o país em todas as dimensões, superando o sistema político vigente bem como o Poder Judiciário, marca uma visão refundacional do país e, por consequência, seu rechaço pela maioria do povo significa que não se trata apenas de uma derrota eleitoral e, sim, uma derrota política, cultural e ideológica da esquerda que hegemonizou a Convenção.
Depois de uma derrota desse porte, pode-se avizinhar um percurso bastante difícil para a esquerda chilena. Há aqueles que vaticinam um retorno da direita ao poder em prazo não muito distante. É possível que isso ocorra. As reações do governo Boric têm sido de mudanças tópicas em seu gabinete e erráticas em muitas outras dimensões – vide o estrepitoso episódio da negativa de credenciais ao novo embaixador israelense.
Confira, abaixo, galeria de imagens:


















Ainda não se tem claro como se fará uma nova Constituição para o Chile, ou mesmo se ela será feita. Há uma forte divisão entre aqueles que querem uma nova Assembleia Constituinte, com um novo formato na sua composição (as sugestões são inúmeras) e aqueles que simplesmente querem entregar essa tarefa ao atual Congresso e pensam simplesmente em “reformas constitucionais”.
O cenário é efetivamente de uma imensa estafa. O apelo do presidente Boric – que defende a elaboração de uma nova Constituição – para que se afaste do novo debate constitucional as posturas “maximalistas, violentas e intolerantes com aqueles que pensam de maneira diversa” ajuda, mas é visivelmente insuficiente para enfrentar o enorme problema de recomposição de algum consenso entre os chilenos.
Sobre o autor

*Alberto Aggio é mestre e doutor em História pela USP e professor titular em História da América pela Unesp, com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália). Dedica-se à história política da América Latina Contemporânea, em especial à história política do Chile. É o diretor do Blog Horizontes Democráticos (https://horizontesdemocraticos.com.br/autores/) e autor de Democracia e socialismo: a experiência chilena (São Paulo: Unesp, 1993; Annablume, 2002, Appris, 2021).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia mais
Revista online | Um Natal com Darcy Ribeiro
Revista online | Os desafios fiscais para 2023
Revista online | Eleições atrás das grades
Revista online | Não! Não Olhe! Sim! Enxergue!
Revista online | 1789 e 1822: duas datas emblemáticas
Acesse a 46ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
As eleições como forma superior de luta
Luiz Werneck Vianna, Horizontes democráticos
Será que o Brasil é isso mesmo, indiferente diante da injustiça, chapado sem erguer um dedo em sinal de protesto aos males que lhe são infligidos, engolindo ofensas calado, anômico, abúlico, e que estivemos redondamente enganados quando o imaginávamos, não há muito tempo, pleno de energia e animado para grandes realizações? Quando perdemos os elos que nos vinculavam a nossos maiores e seus feitos exemplares, como os de Mario Andrade, Drummond, Bandeira, Villalobos, Portinari, Niemeyer, Rondon, os tenentes de 22, a Coluna de 24, os do Teatro de Arena, com o Guarnieri e o Vianinha, e com todos aqueles que deixaram em seus rastros a promessa de aqui iria florescer uma sociedade justa e solidária?

Algo de muito grave ocorreu aqui para que nos encontremos na miserável situação do regime Bolsonaro, inimigo do nosso passado, de suas tradições e instituições, que não só quer aviltá-las como erradicar a sua memória para cujo sinistro desígnio já conspira para sua perpetuação. Tal resultado malévolo não é fruto apenas das circunstâncias desafortunadas que nos viram nascer como nação marcada pelo estigma do latifúndio e da escravidão, que ainda nos atormenta, pois ao longo da nossa história, inclusive recentemente, contamos com oportunidades de buscar alternativas benfazejas, que perdemos por incúria.
As eleições já ao alcance da mão nos fornecem mais uma oportunidade para que, dessa vez, afastemos o passivo que continua a nos assombrar abrindo passagem ao que há de novo na nossa sociedade que forças obscurantistas se esforçam em reprimir. O cenário à frente, diversamente dos idos de 1964, inscritos como estamos na geopolítica americana, apresenta possibilidades para que uma coalizão de forças democráticas encontre sua hora e sua vez e enfrente com êxito a fronda reacionária em plena articulação. O embate entre elas transcorre no campo da política, principalmente eleitoral, terreno mais promissor às oposições democráticas do que para seus adversários, que procuram, conscientes disso, levá-lo para outras esferas como evidente em suas arremetidas contra o processo eleitoral e suas instituições.
Nesse sentido, o foco central dos democratas consiste em criar condições para garantir a preservação do calendário eleitoral e se apresentar nas eleições com candidaturas capazes de ampliar nos limites do possível alianças que lhes facultem o sucesso nas urnas, e, mais que isso, por sua envergadura, afastar as eventuais tentativas de impedir a sua conclusão. A aliança entre Lula e Alckmin certamente é um bom começo para esse fim, mas não basta, a gravidade dos riscos a que estamos expostos exige a incorporação de todas as forças vivas da sociedade, dos sindicatos aos movimentos sociais, não podendo faltar as agremiações de estudantes, universitários e secundaristas, fermento sempre presente em nossas lutas libertárias, capazes de evocar em suas manifestações o que fez do Brasil Brasil.
*Texto publicado originalmente no blog Horizontes democrático, de Alberto Aggio
Alberto Aggio: "Chile passa por turbilhão político no início do governo Boric"
João Rodrigues, da equipe da FAP
Há pouco mais de um mês no poder, o presidente do Chile, Gabriel Boric, enfrenta desafios para começar atender as demandas que o levaram à Presidência. Implantação de serviços públicos, combate à desigualdade social e a aprovação da nova Constituinte estão entre as missões do presidente mais jovem da história do país. Porém, de acordo com a agência Reuters, os índices de desaprovação do presidente chileno já chegam a 50%.
Para analisar o conturbado início do governo de Gabriel Boric, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) bate um papo com Alberto Aggio, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP) há mais de 30 anos. Responsável pelo Blog Horizontes Democráticos, Aggio é especialista em história política da América Latina e atuou como professor visitante na Universidade de Valencia (Espanha), onde realizou seu pós-doutorado entre 1997 e 1998.
As expectativas e apreensões do novo governo do Chile, os rumos da Constituinte no país e a importância simbólica da ampla participação feminina no governo de Gabriel Boric estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Fantástico, da TV Globo, Brasil de Fato, Band Jornalismo, Chilevisión, TV 247, AFP Português, CNN Brasil e Folha de S.Paulo.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIOFAP