agronegócio

Cercado pelo agronegócio, território Xavante tem alta letalidade pela covid-19

Pressão sobre territórios, poluição de rios por agrotóxicos e avanço de doenças crônicas deixam população vulnerável à pandemia

Fábio Zuker / Tatiana Merlino / InfoAmazônia / El País

Sob o sol do Planalto Central, com corpos pintados de tintas preta e vermelha —feitas de urucum e carvão— e adornados com brincos e pulseiras, indígenas Xavante carregam faixas. “Povo xavante não é agronegócio. Terra livre”, “Povo Xavante é contra o PL 490 e marco temporal”, são algumas das frases escritas nos cartazes.

Nem a pandemia da covid-19, que impactou os Xavante de maneira devastadora, nem os cerca de 800 quilômetros que separam a Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé, um dos dez territórios reconhecidos pela União onde vive o povo Xavante, no Mato Grosso, intimidaram os indígenas de irem protestar, em agosto, na capital do país. A cacica Carolina Rewaptu, que vive na Marãiwatsédé, e a liderança xavante Hiparidi Top’tiro, morador da TI Sangradouro, estavam entre os indígenas que participaram do acampamento “Luta Pela Vida”, em Brasília, organizado em oposição à tese do marco temporal —que tenta condicionar a demarcação das terras indígenas do país ao momento de promulgação da Constituição de 1988.

Eles também foram manifestar oposição ao projeto Agro Xavante, de iniciativa de fazendeiros do Sindicato Rural de Primavera do Leste em parceria com o governo do Mato Grosso e a Fundação Nacional do Índio (Funai). Intitulado de “independência indígena”, o projeto prevê a exploração agrícola nas terras indígenas e afirma que irá “levar desenvolvimento, segurança alimentar e qualidade de vida” aos Xavante. A escolha pelo uso de urucum e carvão para pintar a pele tem um motivo, relata Hiparidi. “Urucum e carvão eram usados para a guerra. Estamos em guerra com o Governo. Essa é a explicação”, afirma, referindo-se ao Governo de Jair Bolsonaro.


Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Nas últimas décadas, com o agronegócio cercando as terras Xavante, houve uma diminuição das áreas para cultivo, pesca e caça. Hoje, o território corresponde a pequenas ilhas verdes, rodeadas de soja e gado e, em especial, soja. O projeto Agro Xavante representaria uma ameaça a mais à existência destes pequenos pontos verdes. “Com essa entrada do agro no nosso território, piorou de vez. Muita gente fala que é exagero, mas onde tinha refúgio dos animais, está sendo derrubado. E vamos perder os conhecimentos tradicionais milenares das ervas medicinais. Eles vão desaparecer”, preocupa-se Hiparidi.

De acordo com a cacica Carolina Rewaptu, com a intensificação dos plantios de soja no entorno das terras indígenas, hoje não há mais recursos naturais para se fazer artesanato, tampouco raízes medicinais para tratamentos de saúde. “Antes, a paisagem era mais fechada. Agora mudou muita coisa. Vimos essas mudanças”, explica Carolina, que nasceu em 1960 – década em que a tomada de terras por fazendeiros se intensifica, no âmbito do projeto de colonização incentivado pelo Estado brasileiro e que recebeu amplo apoio da ditadura militar.

O estrangulamento do território afetou também a alimentação tradicional dos Xavante, que foi sendo substituída por produtos industrializados. A vulnerabilidade alimentar e de saúde causadas pela degradação ambiental que acompanha o agronegócio ficou particularmente visível durante a pandemia de covid-19. A população Xavante foi uma das etnias que mais sofreu e perdeu vidas para o vírus.

Destruição territorial e alta taxa de letalidade

Um dado acerca da elevada taxa de mortalidade entre os Xavante chamou a atenção de pesquisadores da área da saúde. O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xavante apresentou uma taxa de 341 mortes por cem mil habitantes, entre a nona e a quadragésima semana epidemiológica —ou seja, no intervalo entre os dias 23 de fevereiro e 3 de outubro de 2020.

A título de comparação, neste mesmo período, a taxa de letalidade para a população geral brasileira foi de 69.5 mortes por cem mil habitantes. Isso significa que a mortalidade do novo coronavírus na população Xavante foi quase cinco vezes maior do que na população em geral. Essas informações constam em um estudo publicado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre outras instituições de pesquisa, que utilizou dados compilados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

O estudo aponta também para uma enorme discrepância entre as mortes registradas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, e os dados compilados pela Coiab, o que indica uma elevada subnotificação nos dados oficiais sobre casos e mortes pela covid-19 entre indígenas. Enquanto a Sesai aponta que 330 indígenas morreram no período analisado, para a Coiab foram 670 mortes. Entre os fatores que explicam essa diferença, o estudo ressalta a negação da identidade dos indígenas mortos pela covid-19, que, principalmente quando se contaminam e vêm a óbito na cidade, são registrados como pardos.

Mas o estudo vai além de indicar as subnotificações dos dados do Ministério da Saúde. Para Paulo Basta, médico sanitarista especializado em epidemiologia e em saúde indígena e um dos responsáveis pelo trabalho, “conseguimos mostrar uma associação direta entre a devastação (de determinados territórios indígenas) e as taxas de incidência nos territórios avaliados”.

Para Basta, um dos pontos centrais do estudo é apontar “como ameaças externas podem contribuir para o espalhamento da pandemia nas terras indígenas”. Por ameaças externas o epidemiologista se refere a atividades madeireiras e garimpeiras ilegais, grilagem de territórios indígenas, mas também aos efeitos de queimadas e do próprio agronegócio.

Para ilustrar seu ponto, Paulo Basta explica como características específicas vivenciadas pelos territórios indígenas em quatro DSEIs influenciam a alta mortalidade identificada pelo estudo.


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Para o médico, no DSEI Alto Solimões, o fator que explica a alta letalidade é a precária infraestrutura hospitalar, que é dependente da cidade de Manaus. De Tabatinga (AM) para a capital do Amazonas, a distância é de 1.100 quilômetros, que levam 1h45 de voo para serem percorridos, ou, com valor muito mais acessível para a população, quatro dias de barco. Já nos DSEIs Xavante, Cuiabá e Kayapó do Pará, Paulo Basta ressalta que, além da também precária infraestrutura, “uma grande presença de comorbidades, como hipertensão e diabetes, estão associadas ao desfecho negativo da contaminação pela covid-19”.

O médico sanitarista explica que essas comorbidades teriam origem num fenômeno que ele considera chave: transição nutricional. “Essas populações, à medida que foi se estabelecendo o contato com a sociedade não indígena, marcado pela destruição do território e diminuição de disponibilidade de recursos naturais e disponibilidade de alimentos tradicionais (pesca, caça, roça ficam mais escassos), os indígenas passam a comer comida industrializada, de baixo valor nutricional, rica em açúcar, sal e gordura”, explica.

A transição nutricional a que Paulo Basta se refere está relacionada a transformações culturais, nas formas tradicionais de alimentação, um processo algo inevitável, que acompanha a intensificação do contato com a sociedade não indígena. Só que este contato, histórica e atualmente, está longe de ser pacífico. E, como ressalta, é um processo que vem acompanhado de uma série de destruições, que permitem a transformação da floresta e do Cerrado em locais aptos para gado e soja.

Pela ampla degradação ambiental causada, tanto indígenas que vivem essa situação na pele —e no prato— quanto epidemiologistas especializados em saúde indígena encontram no avanço do agronegócio uma chave de raciocínio para a alta letalidade de indígenas Xavante durante a pandemia de covid-19. O argumento é que a diminuição das áreas de caça e de roçado, e o impacto dos agrotóxicos nos rios que acompanha a intensificação do plantio de monocultivos nos últimos 36 anos criaram condições ambientais que aumentam a situação de vulnerabilidade dos Xavante.


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Com maior insegurança alimentar, alimentação de baixa qualidade e assistência médica precária, doenças circulam mais e têm maior letalidade entre os Xavante. E a covid-19 seguiu este padrão. Essa é a avaliação de Aline Alves Ferreira, epidemiologista especialista em nutrição, que realizou sua pesquisa de doutorado pela Fiocruz entre os Xavante. “A gente já tem indicadores de saúde e de alimentação que são muito piores quando comparados aos não indígenas no Brasil, e que se acentuaram no cenário do coronavírus.”

Ferreira coloca menos ênfase na pré-existência de comorbidades, e mais na baixa atenção médica, na falta de saneamento e nas condições ambientais criadas pelo agronegócio, que afetam, diretamente, as formas de alimentação. A descrição que ela faz do território Xavante é avassaladora: “Tem aqueles pastos, ali: soja, soja, soja, soja. Aí, de repente, quando começa a terra indígena, a vegetação muda completamente.”

A epidemiologista explica que, com um ambiente cada vez mais reduzido, com um ecossistema cada vez mais afetado, cresce a busca por alimentos ultraprocessados (o que significa uma piora na qualidade da alimentação). Mas há também uma piora na própria regularidade de acesso ao alimento.


Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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Comida de ontem, comida de hoje

De sua casa na TI Marãiwatsédé, a cacica Carolina Rewaptu conta que, à época em que era criança, cabia às mulheres a responsabilidade por coletar frutas do Cerrado, como pequi e buritizal. E também raízes, como batata, inhame, batata nativa, abóbora, mandioca.

“Era bom para nós”, diz a indígena, em entrevista por telefone, sobre a alimentação dos Xavante. “Esses alimentos de antigamente eram mais saudáveis. Era comida da roça. Era importante para a saúde das crianças, dos jovens, e das mães jovens na gravidez.” Carolina conta que eram as mais velhas que ensinavam esses costumes de alimentação, de como cuidar das crianças e preparar os alimentos e os rituais.

Nas últimas décadas, no entanto, o cenário mudou. “Hoje, colocam açúcar, sal e óleo em tudo. A gente não comia esses alimentos com açúcar”, explica a cacica da aldeia Madzabdzé. “No meu tempo”, as crianças eram muito sadias, com corpo físico estruturado. “Hoje, a gente vê as crianças muito gordas. Com essas mudanças, muitas pessoas estão com diabetes e obesidade com esse alimento que vem da cidade. Há muita preocupação com o povo Xavante”.


Marta Amoroso: Marco temporal vulnerabiliza povos indígenas

Especialista lembra o direito dos povos tradicionais sobre as terras na Constituição e avalia o critério do Marco temporal como “uma tentativa de golpe”

O Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento sobre a demarcação de terras indígenas a partir do Marco Temporal. Nesse critério, a reivindicação de terras pelos indígenas só será possível se elas foram ocupadas antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. De um lado, ruralistas são favoráveis à tese. Do outro, povos indígenas lutam contra a medida inconstitucional, defendendo o direito originário de posse dessas terras que também é garantido na Constituição.

“É um momento muito sensível”, destaca Marta Rosa Amoroso, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e do Centro de Estudos Ameríndios (CEstA) ao Jornal da USP no Ar 1° Edição. “É preciso lembrar que a Constituição de 1988 reafirma o direito dos povos tradicionais sobre as terras e estabelece um prazo para a regularização das terra indígenas no Brasil de cinco anos, a partir de 1988”, explica. O País segue imerso na discussão por conta dessa dívida histórica do Estado que, do ponto de vista jurídico atual, de acordo com Marta, “é uma tentativa de golpe que ameaça a Constituição”.

A terra representa um modo de vida para os povos indígenas, que se configura em torno de uma filosofia de pertencimento e relacionalidade. “Para os povos indígenas, a terra, o rio, as montanhas constituem seus próprios corpos”, explica Marta. Ela ainda cita o filósofo e cacique Babau Tupinambá da Bahia: “Tudo que é vida tem direito. Tudo que é vida tem espírito. E nós, povos indígenas, conversamos com os espíritos”. Para a pesquisadora, esse é um segundo nível incompreendido dessa relação do indígena com a terra, que é desconsiderado em muitos contextos.

“A gente acompanha na mobilização indígena a angústia diante do perigo de tornar essas terras indígenas mais vulneráveis ainda. O que vemos é o garimpo e exploração mineral sendo legalizados, enquanto a discussão do direito à terra atual suspende o direito constitucional”, avalia. Por fim, Marta ainda revela que os povos indígenas são confrontados a todo momento por pessoas que se julgam no direito de avançar sobre as terras tradicionais, o que gera ainda mais vulnerabilidade para essa população que, ao contrário do que acontece, deveria ser amparada pela legislação.

Fonte: Jornal da USP
https://jornal.usp.br/atualidades/marco-temporal-e-inconstitucional-e-vulnerabiliza-povos-indigenas-diz-marta-amoroso/


Entidades do agronegócio divulgam manifesto em defesa da democracia

Sete associações publicam manifesto dizendo que "precisam de estabilidade, de segurança jurídica e de harmonia" para trabalhar

Correio Braziliense

Na tarde desta segunda-feira (30/8), sete entidades do setor agroindustrial divulgaram uma nota em defesa da harmonia político-institucional e revelando preocupação com a instabilidade econômica e social no país.

O texto afirma que o desenvolvimento do Brasil precisa de paz e tranquilidade para ser efetivo e sustentável e que o país não pode aceitar "qualquer tipo de de violência entre pessoas ou grupos".

Nos últimos meses, o Brasil assiste a uma grave crise entre os Poderes devido a ataques reiterados feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ministros do STF, em especial Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, também foram alvos de declarações do presidente.PUBLICIDADE

"As amplas cadeias produtivas e setores econômicos que representamos precisam de estabilidade, de segurança jurídica, de harmonia, enfim, para poder trabalhar", dizem as entidades.

Segundo o manifesto, o país não pode se apresentar à comunidade internacional "como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais". "O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter", diz a nota.

Assinam a carta a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), a Associação Brasileira de Produtores de Óleo De Palma (Abrapalma), a CropLife Brasil (entidade ligada a pesquisa, desenvolvimento e inovação nas áreas de germoplasma, biotecnologia, defesa vegetal e agricultura), o Instituto Brasileiro do Algodão (Ibá) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).

Segundo o grupo das indústrias do agronegócio, o atual cenário de instabilidade pode custar caro e levar muito tempo para ser revertido. "Em uma palavra, é de liberdade que precisamos. É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará."

Leia a íntegra da nota escrita pelas entidades

Manifestação de entidades do setor agroindustrial

As entidades associativas abaixo assinadas tornam pública sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e, como consequência, à estabilidade econômica e social em nosso país. Somos responsáveis pela geração de milhões de empregos, por forte participação na balança comercial e como base arrecadatória expressiva de tributos públicos. Assim, em nome de nossos setores, cumprimos o dever de nos juntar a muitas outras vozes responsáveis, em chamamento a que nossas lideranças se mostrem à altura do Brasil e de sua História agora prestes a celebrar o bicentenário da independência.

A Constituição de 1988 definiu o Estado Democrático de Direito no âmbito do qual escolhemos viver e construir o Brasil com que sonhamos. Mais de três décadas de trajetória democrática, não sem percalços ou frustrações, porém também repleta de conquistas e avanços dos quais podemos nos orgulhar. Mais de três décadas de liberdade e pluralismo, com alternância de poder em eleições legítimas e frequentes.

O desenvolvimento econômico e social do Brasil, para ser efetivo e sustentável, requer paz e tranquilidade, condições indispensáveis para seguir avançando na caminhada civilizatória de uma nacionalidade fraterna e solidária, que reconhece a maioria sem ignorar as minorias, que acolhe e fomenta a diversidade, que viceja no confronto respeitoso entre ideias que se antepõem, sem qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos. Acima de tudo, uma sociedade que não mais tolere a miséria e a desigualdade que tanto nos envergonham.

As amplas cadeias produtivas e setores econômicos que representamos precisam de estabilidade, de segurança jurídica, de harmonia, enfim, para poder trabalhar. Em uma palavra, é de liberdade que precisamos —para empreender, gerar e compartilhar riqueza, para contratar e comercializar, no Brasil e no exterior. É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará.https://8bb117bbd34f52d1fbfedb1863193f49.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Somos uma das maiores economias do planeta, um dos países mais importantes do mundo, sob qualquer aspecto, e não nos podemos apresentar à comunidade das Nações como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais. O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter.

A moderna agroindústria brasileira tem história de sucesso reconhecida mundo afora, como resultado da inovação e da sustentabilidade que nos tornaram potência agroambiental global. Somos força do progresso, do avanço, da estabilidade indispensável e não de crises evitáveis. Seguiremos contribuindo para a construção de um futuro de prosperidade e dinamismo para o Brasil, como temos feito ao longo dos últimos anos. O Brasil pode contar com nosso trabalho sério e comprovadamente frutífero.

Abag
Abiove
Abisolo
Abrapalma
CropLife Brasil
Ibá
Sindiveg 

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4946734-entidades-ligadas-ao-agronegocio-divulgam-manifesto-em-defesa-da-democracia.html


Pecuarista pantaneiro ganha guia de melhores práticas de sustentabilidade

Guia identifica e analisa as boas práticas de pecuária na Planície Pantaneira e relaciona com os serviços ecossistêmicos do bioma. Iniciativa é do WWF-Brasil, Embrapa Pantanal e Wetlands International 

Por WWF-Brasil

A experiência do criador de gado pelo manejo sustentável no Pantanal acaba de ser documentada no Guia de melhores práticas pecuárias da planície pantaneira, elaborado pela Embrapa Pantanal, WWF-Brasil e Wetlands International. O objetivo do material, que pode ser baixado gratuitamente no link ao lado, é apresentar, de forma didática e descomplicada, como o pecuarista pantaneiro pode atuar em um sistema diferenciado de manejo em áreas naturais com boa convivência com a rica biodiversidade pantaneira, fazendo disso um diferencial para seu negócio e gerando acesso a mercados que exigem sustentabilidade na produção.

O guia, elaborado em uma linguagem acessível e direta, traz uma análise das boas práticas de pecuária na Planície Pantaneira que considera e respeita a vocação da paisagem do bioma. Flávia Araújo, analista de conservação do WWF-Brasil, explica que “o conteúdo foi  elaborado  por  vários  autores  que, com  suas  experiências  e  estudos,  indicam diversas  possibilidades  de  conhecer  e  melhorar  as  práticas  do  produtor  de  gado de corte na Planície Pantaneira. Esta ação é a sistematização do conhecimento produzido até agora, fruto de várias parcerias e apoios”, ressalta. O WWF-Brasil atua desde 2003 na região pantaneira, promovendo discussões sobre alternativas que aliem a atividade produtiva da pecuária e a conservação dos recursos naturais do bioma, seja apoiando produtores e associações de pecuaristas ou fazendo relacionamento com os diversos atores da cadeia produtiva local.

“Um dos focos de atuação da Embrapa Pantanal é o desenvolvimento de soluções tecnológicas voltadas para a pecuária sustentável. E esse guia vem de encontro ao cumprimento da nossa agenda de prioridades, ao disponibilizar informações e tecnologias de maneira acessível aos produtores pantaneiros e técnicos”, segundo a pesquisadora e chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento, Catia Urbanetz. “O guia vem como um forte instrumento para divulgarmos conhecimentos, boas práticas agropecuárias e tecnologias que visam auxiliar os produtores pantaneiros no aumento de sua produtividade de forma sustentável. Acreditamos que este instrumento servirá como importante ferramenta para que o produtor possa inovar em meio às tantas tecnologias e boas práticas desenvolvidas pela Embrapa Pantanal e seus parceiros, concluiu o chefe-adjunto de transferência de tecnologia, Thiago Coppola.

Para Rafaela Nicola, diretora executiva da Wetlands International Brasil, o guia vem trazer uma contribuição significativa tanto para o produtor como para o meio ambiente quanto aos recursos naturais para a manutenção da própria prática pecuária:

“A Wetlands International Brasil e a Mupan - Mulheres em Ação no Pantanal - têm como foco dentro do Programa Corredor Azul encontrar a convergência entre o desenvolvimento econômico, a conservação e a manutenção do Pantanal. Por isso, este guia de melhores práticas é uma demonstração concreta de que se pode obter transformações significativas a fim de salvaguardar e garantir os sistemas essenciais para a manutenção do bioma de maneira aliada à pecuária”, explica Rafaela.

Para o produtor, o guia será um importante aliado no entendimento de temas aparentemente complexos. O material traz, por exemplo, a visão holística das pastagens, com a explicação sobre o que é necessário fazer em caso de necessidade de limpeza da pastagem ou uso de queima prescrita. Transcorre ainda sobre os instrumentos econômicos de política ambiental existentes, mas que nem todo produtor conhece. Consumo de água, tratamento de resíduos, destinação dos resíduos sólidos são alguns dos temas de impacto ambiental que também são abordados. 

Mas, o guia vai além, abordando plano de manejo (para o rebanho), plano de gestão (para a propriedade como um todo) e até sucessão familiar (considerando que boa parte dos pecuaristas pantaneiros são empreendedores familiares).

O documento sugere que o produtor desenvolva uma abordagem integral sobre seu  sistema de  produção,  abordando  medidas  de  conservação  e  restauração  das  pastagens nativas,  implementação de indicadores e práticas que permitam que o valor nutritivo  disponibilizado  para  seu  rebanho permaneça  alto, assim  como  a  produtividade  animal. 

O guia contou ainda com o apoio de instituições parceiras: Centro de Pesquisa do Pantanal; Fundação Panthera Brasil; Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola; Instituto  de  Meio  Ambiente  de  Mato Grosso do Sul; Instituto Homem Pantaneiro; Mupan - Mulheres em Ação no Pantanal; Instituto Nacional de Ciência Tecnologia em Áreas Úmidas; Secretaria  de  Estado  de  Meio Ambiente de Mato Grosso e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento  Econômico,  Produção  e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul.

Webinar e palestras:

Na terça-feira, 27/07, às 16h (horário do MS/MT, 17h no horário de Brasília), será realizado um evento virtual de lançamento do guia, aberto ao público geral, que pode ser acompanhado neste link. Após o lançamento será realizado um webinar de práticas sustentáveis na pecuária pantaneira, que seguirá nos dias 29/07, 03/08 e 05/08, sempre às 16h (MS/MT). Veja a programação dos webinars abaixo, com o horário do MS/MT:

27/07 - Lançamento do Guia de melhores práticas da pecuária pantaneira (16h-16h30)
Cátia Urbanetz, chefe-adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Pantanal
Rafaela Danielli Nicola, diretora executiva da Wetlands International Brasil
Lilian Ferreira dos Santos, secretária adjunta de licenciamento ambiental e recursos hídricos na Secretaria de Estado de Mato Grosso
Rogério Thomitão Beretta, superintendente de ciência e tecnologia, produção e agricultura familiar na Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar/MS
Cristina Carvalho, representante da Delegação da União Europeia no Brasil
Flávia Accetturi Szukala Araujo, analista de conservação no WWF-Brasil

27/07 – Planejamento da paisagem (16h30 - 18h)

A perspectiva da paisagem rural para a sustentabilidade no Pantanal
Dr. Walfrido Moraes Tomas, pesquisador da Embrapa Pantanal

O uso do conceito de macrohabitats para agregar valor à gestão sustentável no Pantanal
Dra. Cátia Nunes, pesquisadora associada ao Centro de Pesquisa do Pantanal

Uso da ferramenta FPS na gestão sustentável das propriedades
Dra. Sandra Aparecida Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal

29/07 - Manejo da pastagem e do rebanho (16h - 17:30)

Manejo sustentável e adaptativo das pastagens do Pantanal
Dra. Sandra Aparecida Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal

Dessedentação animal no Pantanal
Dra. Márcia Divina de Oliveira, pesquisadora da Embrapa Pantanal

03/08 - Manejo do rebanho (16h - 18h)

Saúde, bem-estar e criatividade
Dra. Raquel Soares Juliano, pesquisadora da Embrapa Pantanal

O valor do cavalo pantaneiro na região do Pantanal
Dra. Sandra Aparecida Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal

Estratégias de manejo na convivência com as onças
Rafael Hoogesteij, diretor da Panthera Brasil e Diego Viana, médico veterinário do Instituto Homem Pantaneiro

05/08 – Planejamento da propriedade (16h - 18h)

Legislação ambiental e atividades agropecuárias no Pantanal
Pedro Puttini Mendes, advogado e professor em Direito Agrário e Desenvolvimento

Plano de negócio na propriedade pantaneira
Ana Trevellin, sócia proprietária da Bionúcleo Gestão e Desenvolvimento

Uso de energias renováveis no campo
Alessandra Mathyas, analista de Conservação no WWF-Brasil.

Boas práticas de gestão ambiental na propriedade rural
Máyra Golin, diretora da Arater Consultoria Ambiental.


O Estado de S. Paulo: Câmara aprova projeto que flexibiliza regras de licenciamento ambiental

André Borges, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O projeto da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental foi aprovado na madrugada desta quinta-feira, 13, pelo plenário da Câmara dos Deputados. Com maioria na Casa, a bancada ruralista aprovou o texto substitutivo do Projeto de Lei 3.729, de 2004, relatado pelo deputado federal Neri Geller (Progressistas-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

A proposta do texto principal foi aprovada por 300 votos a favor, ante 122 contra. Nesta quinta-feira, 13, devem ser votados os destaques, como são conhecidas as mudanças específicas propostas pelas bancadas partidárias. Depois, o texto ainda precisa passar pelo Senado. Se os senadores fizerem mudanças no texto, o PL volta a ser debatido na Câmara, mas apenas sobre as eventuais alterações. Se não houver alterações e for aprovado no Senado, seguirá para sanção presidencial.

Entre as principais mudanças, está a dispensa de licença para projetos como obras de saneamento básico, manutenção em estradas e portos, distribuição de energia elétrica com baixa tensão, parte das atividades agropecuárias, entre outros. A nova modalidade também repassa a Estados a prerrogativa de analisar os empreendimentos que precisam de aval para liberação, cria uma espécie de licença autodeclatória para alguns casos e permite a unificação de etapas do licenciamento.

A aprovação causou indignação entre organizações ambientais, cientistas e especialistas no setor. O texto final foi encaminhado ao plenário sem ter passado por audiência pública. Não houve espaço para acatar nenhuma recomendação da ala ambiental, que alertou sobre vulnerabilidades no texto final. Especialistas no setor e juristas preveem ações judiciais, com desdobramentos no Supremo Tribunal Federal (STF), diante de possíveis inconstitucionalidades e descumprimentos de previsões da legislação ambiental.

Já a Frente Agropecuária defendeu o texto e culpou o modelo atual por obras paradas e excesso de burocracias. Disse ainda, ao longo do dia, que “o excesso de burocracia prejudica o setor produtivo e não garante a proteção ao meio ambiente”. Na Câmara, defensores da proposta como o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) também disseram que modelos semelhantes de licenciamento já são adotados em alguns Estados.

Ambientalistas tentaram tirar texto da pauta
Com 216 deputados e oito senadores, a Frente Parlamentar Ambientalista declarou “profunda indignação”. “É inadmissível que uma proposta como essa seja aprovada pela Câmara dos Deputados diante de tantos desastres ambientais vividos recentemente no país”, afirmou a Frente, em nota.

Os parlamentares ambientalistas afirmam que as tragédias de Mariana e Brumadinho (MG) deveriam ser exemplos da importância de debates aprofundados com a sociedade sobre o aprimoramento da ferramenta. “O meio ambiente e a vida dos povos indígenas e originários encontram-se, mais do que nunca, ameaçados pela política da ‘boiada livre’. Para a Frente, é “mais uma derrota do Brasil não somente em nível nacional, mas também internacional”. Coordenador do grupo, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) afirmou que se trata do fim do licenciamento ambiental no País e da “pior versão” da proposta ao longo de 17 anos de tramitação.

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima, afirma que a Câmara votou “a Lei da Não Licença e do Autolicenciamento”. “Somando-se as isenções de licença com o autolicenciamento em que foi transformada à licença por adesão e compromisso, sobra pouca coisa para licenciar. Consagra-se o ‘liberou geral’. Não é o licenciamento ambiental que trava os investimentos no País. É a falta de planejamento, a visão simplista de curto prazo, a busca por lucro fácil, a ignorância, a corrupção”, comenta. “O mundo debatendo a retomada econômica lastreada em uma perspectiva orientada para as questões ambientais e climáticas e a Câmara optando pelo retrocesso”, acrescenta Suely.

Desde a semana passada, quando veio à tona o texto final que seria apresentado pelo relator, centenas de organizações ambientais, especialistas no setor, acadêmicos e parlamentares se mobilizaram para tentar demover o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), da ideia de levar uma proposta ao plenário que não chegou a passar por audiência pública. Não houve negociação. Lira, que já havia assumido o compromisso de pautar o assunto apoiado pela Frente Agropecuária, confirmou que levaria a pauta adiante.

Neri Geller disse, durante a sessão plenária, que apresentou um relatório “equilibrado” e que não traz “uma única vírgula” que afronte o meio ambiente. Afirmou ainda que as regras hoje criam insegurança jurídica e provocam fuga de investimentos do Brasil. A FPA, da qual ele é vice-presidente, aponta excesso de burocracia no modelo atual e divulgou informações para declarar que o licenciamento ambiental é responsável pela paralisação de mais de 5 mil obras em todo o País, entre rodovias, hidrovias e ferrovias.

Levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), porém, mostrou que o licenciamento ambiental não respondia por mais do que 1% das obras do País. Foram analisadas mais de 30 mil obras públicas financiadas com recursos federais. Menos de 200 projetos tinham paralisações associadas a dificuldades de obter licenciamento.

O próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, chegou a afirmar, em entrevista ao Estadão, que o motivo das paralisações não é o licenciamento em si, mas a péssima qualidade dos estudos apresentados pelas empresas e órgãos do governo.

“É preciso fazer um mea-culpa sobre isso e reconhecer que não vínhamos fazendo a nossa parte tão bem quanto o necessário. Estávamos cobrando do órgão ambiental uma velocidade no licenciamento, mas deixávamos de fazer a nossa parte”, disse Freitas ao Estadão, em fevereiro. “Muitas vezes, o licenciamento trava por causa da baixa qualidade desses estudos. A gente estuda mal e, de repente, oferece um produto ruim para o órgão de meio ambiente analisar.”

Texto prevê dispensa de licença para parte das atividades econômicas

Uma das principais mudanças trazidas pelo PL diz respeito à dispensa expressa de licenças para cultivo de espécies de interesse agrícola, pecuária extensiva e semi-intensiva, além de pecuária intensiva de pequeno porte. Outros 13 tipos de atividades ficam isentas da obrigação de serem licenciadas. São projetos como obras de transmissão de energia elétrica; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário; obras de manutenção de infraestrutura em instalações preexistentes, como estradas, além de dragagens (retirada de sedimentos) de rios; usinas de triagem de resíduos sólidos; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; e usinas de reciclagem de resíduos da construção civil.

Outra mudança criada pelo projeto de lei prevê o enfraquecimento de regras nacionais que hoje vigoram sobre o setor, repassando a governos estaduais e municípios a atribuição de definir qual tipo de empreendimento precisará de licença ambiental, além do tipo de processo do licenciamento que é aplicado em cada caso.

Entenda mais alguns impactos do projeto de lei:
Nacionalização de Licença por Adesão e Compromisso (LAC)

O texto propõe a adoção de licenças autodeclatarórias para todo o País. Esse instrumento da LAC já existe em alguns Estados, mas é aplicado apenas a determinados empreendimentos, e com conhecimento prévio da área ambiental e um termo de referência do que se pretende. A crítica é que, da forma como está estabelecida, a LAC será convertida em um licenciamento automático, com simples declaração pela internet, sendo submetida apenas a uma análise por amostragem.

Acesso irrestrito a terras indígenas e quilombolas em fase de estudo

O texto exclui da avaliação de impacto e da adoção de medidas preventivas as terras indígenas não homologadas e as terras quilombolas impactadas por empreendimentos. Hoje, a Constituição prevê que terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de demarcação, ou seja, que ainda aguardam para serem tituladas, devem ser igualmente consideradas, como aquelas que já tiveram esses processos concluídos, com a homologação e titulação pelo governo.

Restrição a condicionantes sociais

O projeto limita profundamente o alcance de medidas de redução de impactos causados por projetos. Medidas como a instalação de escolas públicas e postos de saúde, que muitas vezes são incluídas em ações de mitigação e compensação, ficam mais restritas, limitando-se a temas especificamente ambientais, apesar de uma série de impactos sociais que é gerada por empreendimentos.

Enfraquecimento do ICMBio

O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), órgão que hoje tem poder de veto a empreendimentos que venham a impactar as unidades de conservação federal, tem essa atribuição retirada, a partir do projeto de lei. O PL altera regras do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, acabando com o poder de veto do Instituto Chico Mendes, limitando sua atuação a uma posição consultiva. / COLABOROU EDUARDO GAYER

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,camara-aprova-projeto-que-afrouxa-regras-de-licenciamento-ambiental,70003713454


Bolívar Lamounier: Deitado eternamente num catre de madeira

Exceção feita ao agronegócio, a verdade é que estamos parados, ou retrocedendo

Sei que não é de bom tom fechar o ano numa nota pessimista, mas parece-me pior fazê-lo numa nota mentirosamente otimista.

Quantos de nós conservamos a esperança que tínhamos até poucas décadas atrás, a de que nossa geração veria um País mais desenvolvido, com mais bem-estar, escolaridade e civilidade? O problema, como ninguém ignora, é que não temos sido capazes de retomar o crescimento econômico em bases sustentáveis e, quiçá pior, nem temos uma consciência exata das raízes sociais e institucionais de nossa estagnação.

Há exatos 30 anos, dissecando o período Geisel-Collor, o economista Alkimar Moura definiu o objetivo de seu texto com estas palavras proféticas: “A ênfase reside nas políticas macroeconômicas de curto prazo, pois as preocupações mais largas com crescimento econômico, mudança estrutural e justiça social foram soterradas pelas violentas flutuações conjunturais que assolaram a economia brasileira nos últimos anos. Além disso, não se pretende oferecer nenhuma interpretação original para nossas recorrentes mazelas econômicas, pois a literatura econômica disponível é pródiga a esse respeito”.

Para chegarmos exatamente ao mesmo quadro, e torná-lo mais aterrador, basta acrescentar a pandemia às “violentas flutuações conjunturais” a que Alkimar Moura se referiu. Com uma ressalva: a pandemia já matou e ainda vai matar muita gente, mas por si só não explica o pessimismo (realista) que hoje permeia nossa sociedade. Exceção feita ao agronegócio, cujo desempenho é formidável, a verdade é que estamos parados, ou retrocedendo. Deitados eternamente num modesto catre de madeira.

Igualmente incapaz de oferecer alguma interpretação original, tocarei mais uma vez em questões já bastante exploradas. A questão central é, a meu juízo, a perda do dinamismo. O Brasil atual carece de impulso, de uma força ou um processo que o leve a superar a chamada “armadilha do baixo crescimento”. O leitor poderá objetar que, mesmo com o produto interno bruto (PIB) crescendo a taxas medíocres, o País poderia estar melhorando. Poderia estar aprimorando suas instituições, revolucionando seu sistema de ensino, reduzindo a violência endêmica e, não menos importante, alojando os corruptos nos aposentos que lhes seriam adequados. É óbvio que nada disso está acontecendo, e que não há exagero em afirmar que estamos regredindo em todos esses aspectos.

Esquematicamente, podemos identificar três causas para a falta de impulso: uma, derivada da estrutura social lato sensu; outra, devida à má organização das instituições de governo; e uma terceira, de mais difícil identificação, decorrente da inexistência entre nós de uma elite digna de tal denominação. No tocante à estrutura social, o termo estrutura nem parece apropriado. Não temos uma classe média, ou camadas médias bem delineadas, assentadas em pequenas e médias propriedades, urbanas e rurais. Temos um enorme conjunto informe, ameboide, constituído por pessoas que vivem de empregos mal remuneradas e de má qualidade, sem perspectiva e sem incentivos de ascensão.

Nesse conjunto é preciso incluir os desempregados e os que não estão tecnicamente desempregados porque já não têm ânimo para procurar emprego. Pessoas que pagam seus impostos (até porque a maioria deles está embutida no preço dos produtos), cumprem seus deveres eleitorais, etc., mas das quais não é razoável esperar pressões contínuas e racionais sobre as autoridades – menos ainda agora, que estão desmobilizadas pela pandemia – com vista a engendrar o impulso a que me referi.

Nossa organização institucional acopla o sistema de governo presidencialista a um multipartidarismo alucinado, sem dúvida a pior combinação jamais inventada. A dúvida que alguém pudesse ter a respeito dessa afirmação foi para o espaço, na era Lula, com o mensalão e o petrolão. O orgulho de termos ampliado generosamente o eleitorado, tornando-o tão abrangente como o dos países mais desenvolvidos, foi desmontado com um peteleco pela megacorrupção empresarial, que esfarelou todo o sistema de partidos.

No Brasil, a fragilidade da estrutura social e das instituições políticas é agravada pela inexistência de uma elite dotada de certa organicidade. Nas ciências sociais, há quem empregue o termo elite para se referir apenas aos ápices de quantas pirâmides queiramos construir com base em critérios de prestígio, renda, escolaridade, etc. Essa acepção é pobre, pois designa apenas agregados estatísticos. O sentido que ora nos interessa diz respeito a grupos reais, que se destacam não apenas por possuir recursos vultosos, mas também por certa autoconsciência e coesão e exemplaridade no tocante a valores. É graças a tal combinação de atributos que elites influenciam a política pública, balizam as ações dos governos e, em certas conjunturas críticas, os próprios destinos do país. Isso, decididamente, é o que não temos atualmente no Brasil.

Precisamos de ânimos desarmados, não de mais radicalização. Como está não pode dar certo.

*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Míriam Leitão: A conta será do agronegócio

Sim, a China pode nos atingir com as consequências negativas desse tipo de agressão grosseira, gratuita e infantil como a do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O agronegócio precisa se mexer, porque é o alvo. Basta que a China queira fazer um gesto de boa vontade em relação ao governo Biden e passe a redirecionar sua compra de soja para lá. Ou que invista em países que substituam pelo menos em parte as exportações brasileiras de alimentos. Uma pequena redução já nos afetará.

Essa é a visão de um diplomata experiente que vê com perplexidade os movimentos sem eira nem beira da nossa política externa. A palavra dura também cabe na diplomacia, mas só deve ser usada com algum propósito bem definido. Nada da política externa do governo Bolsonaro tem rumo. Uma política biruta.

Um analista bem próximo ao governo Bolsonaro que, contudo, discorda da tendência que tem tomado a política externa, explica a raiz do problema. O verdadeiro chanceler é o assessor internacional Filipe Martins, um jovem sem qualquer qualificação para a ascendência que tem sobre assunto tão relevante. “O Ernesto é um maria vai com as outras”, explicou esse analista.

De fato, o atual ministro só mostrou seu fervor de extrema-direita durante a campanha presidencial, criando um blog para se alavancar para o cargo. Uma vez lá, passou a aceitar todo tipo de interferência e se coloca subserviente aos ditames tanto de Eduardo Bolsonaro quanto de Filipe Martins, um fanático olavista, sem qualquer experiência no ramo.

A mensagem postada pelo filho do presidente era tão absurda que foi apagada depois. Eduardo Bolsonaro estava fazendo mais um ato explícito de vassalagem ao governo de Donald Trump, que está nos seus dias finais. Como foram muitas outras agressões dele, de Araújo, do próprio presidente, a embaixada chinesa reagiu falando que o deputado está solapando as relações entre os dois países. E disse que ele deveria “evitar ir longe demais” para não “arcar com as consequências negativas”.

A China é o nosso maior parceiro comercial, um dos maiores investidores. Mesmo que não fosse, não há razão alguma para que se dê ao filho do presidente o direito de ofender qualquer país na hora que decide postar algo nas redes sociais.

A relação Estados Unidos e China vai passar por um outro momento agora com a posse de Joe Biden. Pode vir a ser até mais tensa do que antes. Com Trump, havia escaramuças intempestivas, ataques via Twitter, idas e vindas. Com Biden, haverá mais estratégia na disputa que continuará existindo entre as duas potências. Mas, uma carta no baralho chinês, em qualquer contexto, será sempre a de aumentar as compras de soja e de outras commodities agrícolas no mercado americano. Nesse caso, o agronegócio exportador brasileiro pagará a conta. Se os empresários não se insurgirem, se acharem que basta resmungar, estarão mais vulneráveis.

Em artigo publicado ontem no “New York Times”, o analista David Leonhardt disse que o governo Trump foi um presente para a China. “Ele antagonizou aliados que estavam também preocupados com o crescimento da China, em vez de construir uma coalizão com Japão, Europa, Austrália e outros.” Foi, segundo ele, citando um professor chinês da London School, um “presente estratégico para a China”. De fato, nesta hora poente de Trump no poder, a China fechou um acordo, no último dia 15, com um grupo de 15 países asiáticos, inclusive o Japão, considerado o maior acordo de livre comércio do mundo. Trump havia retirado os Estados Unidos da Parceria Transpacífica, costurada por Barack Obama, para estabelecer com vizinhos da China um acordo de comércio. A China aproveitou o erro de Trump e fez seu próprio tratado. Esse episódio mostra como a diplomacia é um jogo para profissionais. Amadores acabam atirando sempre no próprio pé.

Biden, em artigo publicado na revista “Foreign Affairs”, disse que os Estados Unidos precisavam ser “duros” com a China. Com Biden, os Estados Unidos voltam ao multilateralismo, mas a rivalidade com os chineses continuará. Só que, ao mesmo tempo, na área comercial e econômica, há uma simbiose entre os dois países, ao contrário do que havia na bipolaridade da Guerra Fria. Diante de relação tão complexa, cabe ao Brasil não tomar partido, porque a missão da política externa brasileira é defender os interesses brasileiros.


José Roberto Mendonça de Barros: Agronegócio, Amazônia e desenvolvimento

Conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade e o meio ambiente.

A pandemia está sendo uma experiência única por ter detonado a maior crise global em décadas. Não sabemos ainda como ela vai terminar e nem todas suas implicações. Entretanto, parece seguro imaginar que as pessoas tenderão a valorizar uma vida mais simples e prezar mais a sociabilidade (família e amigos) e a natureza. O desejo que já existe de consumir produtos mais naturais vai se ampliar, o que vai valorizar certos atributos (orgânicos etc.) e, especialmente, exigir o conhecimento de onde e como foi produzido. A percepção da ameaça do aquecimento global é cada vez mais visível no mundo inteiro, o que favorece a transição energética e a descarbonização.

Também as empresas estão sendo fortemente pressionadas a mudar. É muito intensa a percepção de que seu desenvolvimento recente foi quase exclusivamente voltado para o curto prazo e ao retorno do acionista, com resultados para lá de questionáveis: expressiva concentração de renda e poder, redução da competição, limitado avanço da produtividade e agravamento das questões ambientais.

O conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade (solidariedade) e o meio ambiente. A covid-19 acelerou drasticamente essas tendências já existentes. Passamos o ano vendo companhias de todos os portes, setores e regiões, incluindo instituições financeiras e fundos de investimento, punindo países e regiões que não se posicionam na luta contra o aquecimento global.

Apenas gente muito distraída não percebeu a seriedade e a perenidade destes movimentos. Assim, tendo em vista a ampliação das exigências referentes ao meio ambiente, à sustentabilidade e à descarbonização, não dá mais para admitir a destruição da floresta amazônica por grileiros e garimpeiros agindo de forma totalmente ilegal.

O documento entregue na semana passada pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura retrata bem a importância do momento atual e apresenta linhas de ação para enfrentar a questão de forma construtiva.

Transformar os estímulos para a preservação da floresta em pé, via bioeconomia, é triplamente importante: pelo impacto na região em si e na população lá residente; pela remoção do que se transformou num obstáculo aos investimentos no Brasil; e, de forma especial, pelo afastamento de uma ameaça mortal ao único setor da economia brasileira que vem atravessando o período recessivo que se iniciou em 2015, crescendo todos os anos sem parar.

Essa disparidade de desempenhos setoriais é realmente impressionante: em relação a 2014 e usando nossas projeções para 2020 (queda de 4,8% no PIB), teremos no final do ano uma queda acumulada de 32% na construção, 15% na indústria de transformação, 6% nos serviços e uma expansão de 17% na agropecuária!!

Uma implicação lógica desses resultados é que deve ter se ampliado a importância do agronegócio no PIB brasileiro, estimado tradicionalmente em algo como 23%.

Apenas um novo censo pode gerar as informações necessárias para balizar novos cálculos, mas chamo a atenção para o crescimento significativo do valor adicionado em muitos outros produtos fora dos carros-chefe soja, milho, carnes, cana, leite e café. São exemplos frutas (tratadas aqui no jornal pelo ministro Roberto Rodrigues no domingo passado), peixes criados em cativeiro (cuja produção se faz no Brasil inteiro e já se aproxima de um milhão de toneladas), hortícolas, outros grãos, mel, produtos especiais e com certificado de origem (queijos, vinhos, embutidos, azeite de oliva), produtos certificados com certos atributos (especialmente orgânicos) e outros. O consumidor paga com satisfação um adicional para obter o que preza cada vez mais.

Enfrentada a questão amazônica, o agronegócio está pronto para um novo salto. Os 300 milhões de toneladas de grãos estão logo aí adiante. Nossa agenda de avanços tecnológicos já está dada, e dela trataremos no próximo artigo. A coalizão em torno do agronegócio poderá ser o primeiro puxador de crescimento em nosso País no pós-pandemia. Temos muito trabalho, mas um trabalho fascinante: a um só tempo, teremos de ter um adequado tratamento dos recursos naturais, abraçar em definitivo a agenda da sustentabilidade, continuar criando novas tecnologias e novos produtos, integrando indústria e serviços com grau crescente de sofisticação num ambiente de modernidade e respeito aos trabalhadores e aos consumidores. Seria muita burrice – para não dizer um crime – deixar esse futuro se perder nas chamas.

*Economista e sócio da MB Associados.


Míriam Leitão: A renovação da economia

Cinquenta milhões de hectares de pastagens produzem menos da metade do que poderiam produzir porque o solo perdeu qualidade. Isso é território equivalente a dois terços do Reino Unido. Imagine que o país invista em tecnologias simples, como curva de nível? Isso elevaria em R$ 20 bilhões a capacidade de geração de renda da mesma área. A pecuária tem 28% de ineficiência, se ela fosse combatida, o país poderia produzir 10% a mais no mesmo espaço, isso seriam 20 milhões de cabeças de gado. Além disso, deixariam de ser derrubados 15 milhões de hectares de floresta.

Se a gente fizer contas assim chegará a bilhões ou trilhões de reais acrescidos ao PIB brasileiro. Foi isso que o WRI Brasil fez para calcular o quanto o país tem a ganhar se escolher uma nova forma de produzir na retomada da economia. O mundo inteiro está discutindo isso — é o chamado green new deal — e a conclusão mais inteligente é que adotando medidas para converter a economia para novos padrões de baixa emissão o país cresce mais e melhor. E gera mais empregos. O número final impressiona. O PIB pode crescer 38% a mais até 2030, no melhor cenário, o que significa R$ 2,8 trilhões.

— O Brasil tem 200 milhões de hectares de pastagem, 70% das pastagens brasileiras tem algum nível de degradação. Sem proteção básica do solo, a chuva leva todo o fertilizante e é preciso colocar mais. Em vez de recuperar esse solo já ocupado, o país avança sobre a floresta e desmata. De cada 10 hectares de pasto na Amazônia, sete foram de desmatamento dos últimos 35 anos — diz Rafael Barbieri, economista sênior do WRI.

Ou seja, a cada ano o país perde bilhões com a queda de produtividade das pastagens, além disso destrói floresta, que ao ser derrubada diminui o fluxo de água nos rios, onde hidrelétricas produzirão menos energia. É um círculo vicioso. O país perde de várias maneiras com essas opções. E se em cada área os novos investimentos fossem diferentes? Essa foi a pergunta básica no estudo que reuniu especialistas da organização, professores da UFRJ, como Roberto Schaeffer, da PUC-Rio, ex-ministros como Joaquim Levy, estudiosos do Banco Mundial. Parece impossível que o governo atual faça as escolhas certas. Por isso eu perguntei para Carolina Genin, diretora de Clima do WRI, por que lançar o estudo neste momento:

— O trabalho começou há um ano e meio e replica para o Brasil uma pergunta que tem sido feita no mundo: se a transição para a economia de baixa carbono é benéfica. A conclusão é que sim e há muitas evidências. A agricultura, infraestrutura e indústria estão preparadas. Em alguns casos, é apenas dar escala ao que já fazemos. Nosso público alvo é o setor corporativo e o setor financeiro. E é uma linha de base para conversa com o Congresso. Seria um erro fazer o estudo pensando apenas no governo federal. Queremos fomentar o debate. É uma discussão de país.

No Brasil, o governo está dividido por uma discussão de meados do século passado: se é o Estado ou o setor privado que deve tocar o investimento. Em torno disso digladiam-se os ministros. O que deveria estar em debate é o que se discute no mundo hoje. Por exemplo, o que eles chamam de “infraestrutura de qualidade”. Parece um conceito abstrato. Rafael Barbieri dá um exemplo para o tornar concreto. Belo Monte foi construída tendo como base o regime de chuvas e o curso hídrico do passado. Só que está chovendo menos e o fluxo dos rios será menor com a mudança climática. O país construiu uma usina gigante que ficará ociosa em grande parte do tempo.

— Ela foi obsoleta na sua concepção. Com menos fluxo de água, ela vai gerar menos, ter menos receita e demorar mais a se pagar. Hoje, considerar os efeitos climáticos ao projetar uma obra é gestão estratégica de risco — diz Rafael Barbieri.

No mundo atual, mais do que apenas crescer é preciso saber como crescer. A opção por uma economia de baixo carbono é naturalmente a escolha de tecnologias novas. Ônibus elétrico, em vez dos velhos, a diesel, tem inovação embutido e custos menores em várias áreas. Na saúde, por exemplo. O texto sustenta que a transição energética para tecnologias de baixa emissão não é uma questão de “se”, mas de “quando”. Uma das sugestões é usar o gás como combustível de transição, nos navios de cabotagem, por exemplo.

No longo estudo, há exemplos e números que levam a uma constatação: essa é a nova economia. Se não for por aí, o Brasil ficará no passado.


Elio Gaspari: O agronegócio não é uma ‘bancada do boi’

Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina “bancada do boi”. Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.

Dois renomados historiadores — Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP — entregaram à editora da Universidade de Cambridge o texto de “Feeding the World” (“Alimentando o Mundo”), onde contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem. O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitividade internacional.

Entre a década de 1980 e os últimos oito anos a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha seis mil estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas oito mil dissertações de mestrado e três mil teses de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centro de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.

Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõe uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores, 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram sete mil hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje o Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).

O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.


José Eli da Veiga: Do Nobel ao "ruralismo"

Expressão 'agronegócio' também serve de biombo ao parasitismo 'ruralista', antagônico à eficiência produtiva

William Nordhaus foi laureado com o Nobel de Economia deste ano por ter sido pioneiro em reintroduzir no cérebro dos economistas uma dimensão da realidade ausente por mais de um século (1870-1977): a natureza. Modelando as conexões entre crescimento e clima, causou estupefação ao concluir o que hoje é quase trivial: a necessidade de taxar emissões de carbono.

Tão justa homenagem - 41 anos depois de seu célebre artigo na American Economic Review (67-1: 341-6) - incentivará jovens estudantes a se perguntarem como foi possível que a natureza tenha sido por tanto tempo banida da teoria econômica. Houve até quem ganhasse Nobel depois de dizer que o mundo se daria muitíssimo bem sem recursos naturais, graças a substituições de capital e trabalho. Foi o que escreveu Robert Solow no mesmo periódico (64-2: 1-14), concepção logo apelidada de 'Jardim do Eden' pelo injustiçado Nicholas Georgescu-Roegen (cf. Valor de 03/09/04 e 08/02/08).

Uma das piores consequências de tão radical abandono do beabá da escola clássica foi longa atrofia teórica das análises sobre as atividades que formam o chamado 'agro', a parte viva do setor primário que virou 'pop': agricultura, pecuária e florestas. Por mais de um século, os economistas torceram para que o "residual" ramo biológico se "industrializasse". O que legitimava a crença em supostamente universal "teoria da produção", cega ao fato de a elevação da produtividade do 'agro' depender sobretudo das tecnologias que mais propiciam a seres vivos reunirem as condições de seu próprio desenvolvimento orgânico.

Não por outro motivo, a grande inovação intelectual do século passado nesta área de pesquisa acabou emergindo dos mais realistas e pragmáticos estudos de negócios, conduzidos por administradores. Na Harvard Business School, um ovo de Colombo desbancou, desde 1955, a falsa expectativa de industrialização. John H. Davis (1904-1988) e Ray A. Goldberg (1926-) adotaram como objeto de análise o conjunto transversal das atividades industriais e terciárias mais diretamente ligadas à apropriação da natureza pelo 'agro'. O recorte "agribusiness" - feito pela dupla na matriz insumo-produto lançada em 1941 por Wassily Leontief - aniquilou a visão tradicional que ignorava os encadeamentos à montante e à jusante, separando o 'agro' de transações fora das porteiras dos estabelecimentos agropecuários e florestais.

No Brasil, foi só nos anos 1990 que o saudoso engenheiro agrônomo e empreendedor Ney Bittencourt de Araújo se serviu da noção "agronegócio" para tirar do gueto um carcomido lobby de grandes fazendeiros. Desde então, o emprego político do termo não parou de brigar com seu sentido analítico, adquirindo muitas outras utilidades, entre as quais a de servir de biombo ao parasitismo "ruralista", antagônico à eficiência produtiva.

Às vésperas de quadriênio que se anuncia desdemocratizador e descivilizador, fica ainda mais relevante dar atenção a duas perguntas: será que o trombeteado "agronegócio brasileiro" exprime a tríplice aliança entre os mais dinâmicos segmentos do 'agro' com seus fornecedores de insumos e as cadeias que transformam e/ou comercializam sua produção? Em que medida poderia ser representado pelos "ruralistas"?

Nota-se robusto engajamento dos fabricantes de máquinas, fertilizantes e agrotóxicos, assim como das grandes tradings, mas em flagrante contraste com a ausência de atacadistas e varejistas, além da dubiedade desconfiada das indústrias processadoras, com as notáveis exceções das de açúcar/álcool e, em menor medida, das da carne e da celulose.

Por outro lado, estima-se que mais da metade dos empregos oferecidos pelo agronegócio permaneçam primários: agrícolas, pecuários ou florestais. E que só um quinto destes esteja em fazendas operadas por contratação de mão de obra. Quatro quintos se encontram pulverizados na infinidade de sítios de agricultura familiar, aos quais se deve um terço do PIB do "agronegócio" e metade das vendas de produtos agropecuários.

Se as fazendas de natureza patronal geram tão pouco emprego é porque a maior parte de suas terras está ocupada por extensivas pastagens, que suportam a mais predatória bovinocultura de corte do mundo. Por buscarem muito mais rentabilidade patrimonial do que operacional, seus proprietários desrespeitam normas agronômicas básicas de conservação ecossistêmica, socializando os mais duradouros custos de sua ganância.

Em suma: é trapaça o uso da expressão "agronegócio" para esconder o vampirismo "ruralista". E em sistema eleitoral que garante super-representação de regiões periféricas, são objetivos avessos aos das atividades mais empreendedoras - representadas na 'Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura' - os que fundamentam e articulam a frente BBB como unificadora das bancadas boi, bala e bíblia. Por esse e muitos outros motivos, é altamente recomendável a leitura de "Formação Política do Agronegócio", recente e oportuna tese de doutorado do antropólogo Caio Pompeia, na Unicamp: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/332572

*José Eli da Veiga é professor sênior do IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo) e autor de Amor à Ciência (Senac, 2017), o mais recente de seus 27 livros.