agenda política
Revista online | Metade cheia, metade vazia
Caetano Araújo*, consultor legislativo do Senado, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição)
Prossegue, mais de um mês após a posse, o processo de ampliação e consolidação da ampla frente democrática formada no calor da campanha dos dois turnos da eleição presidencial de 2022. Definida a primeira configuração do ministério, ou seja, a partilha de responsabilidades na gestão governamental entre os atores relevantes nos dois turnos da campanha, o foco da estratégia governista em janeiro foi a negociação de uma base de apoio parlamentar suficiente para viabilizar a aprovação das proposições necessárias ao encaminhamento de sua agenda programática. Os resultados do processo eletivo das mesas das duas Casas do Congresso Nacional indicam o sucesso, ao menos até o momento, dos operadores políticos do governo. Na Câmara, há diálogo com o presidente reconduzido; no Senado, o candidato da oposição foi derrotado por margem de votos tranquilizadora.
Agora, com Legislativo e Judiciário em funcionamento pleno e os titulares de cargos do Poder Executivo acomodados com suas novas responsabilidades, o momento é oportuno para uma primeira reflexão acerca das perspectivas do governo que se inicia. As oportunidades que a situação oferece, a metade cheia da conjuntura na perspectiva do governo, face à metade vazia, ou seja, às vulnerabilidades e riscos, inescapáveis, que completam necessariamente a mesma conjuntura.
Vamos primeiro à metade cheia. Nessa perspectiva, o trunfo mais significativo do governo é a adequação entre sua agenda programática, a situação objetiva do país, conforme indicadores confiáveis nas principais dimensões dessa agenda, e os meios à sua disposição. Os objetivos definidos, considerados os dados da realidade e o inventário de meios do governo sinalizam, em conjunto, para a possibilidade de operar avanços significativos em prazos curtos.
Equidade e inclusão social são bandeiras que deram ao governo os votos da grande maioria das parcelas mais pobres da população. Pois bem, nesse rumo, a transição assegurou a manutenção dos programas de transferência de renda operantes no governo anterior, nos seus montantes mais elevados, assim definidos nos últimos momentos de seu mandato.
Mais importante, projetos de reforma democrática do Estado, com grande potencial de redução das desigualdades encontram-se nas etapas finais de formulação e definição, às vésperas de uma implementação concreta. É o caso, em primeiro lugar, da reforma tributária, projeto de amplo alcance, que chega com as diretrizes da simplificação e da progressividade dos impostos. A proposta é objeto de debate há anos. Há acordo construído em boa parte dos pontos polêmicos, e um de seus principais formuladores integra o quadro técnico encarregado da matéria.
Também promissora é a atuação do governo no que respeita à educação. A equipe encarregada da área congrega lideranças políticas e técnicas responsáveis pelas experiências estaduais mais bem-sucedidas nos anos recentes e tem como objetivo a universalização dessas experiências, em colaboração com Estados e municípios, em todo o território nacional.
Finalmente, a questão ambiental, palco de enormes retrocessos ao longo do governo anterior, objeto de preocupação reiterada da comunidade internacional, promete uma reversão completa de expectativas em prazo curto. Há clareza nos objetivos procurados, lideranças reconhecidas à frente do processo, capacidade técnica competente, além da abertura de países desenvolvidos para a cooperação nessa área. Particularmente promissora é a diretriz de utilizar a reconversão da economia em bases sustentáveis para a geração de novos empregos, com vistas ao combate à desigualdade e exclusão social.
A seguir, veja fotos dos ministros do governo Lula 3:
Tudo considerado, o país pode se encontrar às vésperas de uma pequena revolução econômica e social, algo similar, caso os obstáculos existentes sejam superados, de forma eficaz, aos efeitos duradouros do Plano Real, a revolução da estabilidade econômica, que implodiu a inflação na década de 1990.
Vamos à metade vazia, aos riscos e às ameaças que a conjuntura revela. Em primeiro lugar, o risco, evidenciado nos acontecimentos posteriores à vitória eleitoral e, particularmente, na tentativa de golpe perpetrada em 8 de janeiro, de uma questão militar em aberto, que, contra o otimismo predominante nos primeiros anos da redemocratização, se arrasta ao longo da Nova República. Afinal, houve tumulto e depredação, planejados e anunciados, com a omissão das autoridades responsáveis pela ordem pública, inclusive militares, em proporção ainda não inteiramente conhecida.
Essa questão tem sua raiz em duas grandes omissões, perpetuadas pelos governos das últimas décadas. A primeira omissão refere-se à construção de um consenso democrático, em diálogo com os militares, a respeito dos governos militares, em particular o significado histórico e político dos fatos alcançados pela anistia de 1979. A falta desse acordo abriu espaço, sabemos hoje, para a disseminação de pregações golpistas entre militares, mas também entre policiais e bombeiros e todas as categorias vinculadas à segurança pública.
A segunda omissão diz respeito à elaboração de um projeto estratégico de defesa, de iniciativa do poder político legitimamente constituído, com a participação obviamente indispensável dos comandos militares. Cabe ao Congresso Nacional a elaboração de um plano dessa ordem, tarefa ainda não realizada por ele em sua plenitude.
Certamente, não é o caso de subestimar o potencial disruptivo da questão militar, até pela sensibilidade maior à agitação golpista nos setores médios do oficialato. No entanto, as primeiras medidas tomadas pelo governo para debelar a desordem de 8 de janeiro indicam, até o momento, sucesso. O caminho está pavimentado, portanto, para a resolução da questão militar que atravessou todos os governos posteriores à Carta de 1988.
Riscos são acusados também, por atores e analistas políticos, na área econômica. Fala-se em hiato, quando não em oposição franca, entre a atuação da área técnica, incluindo os ministros por ela responsáveis e a palavra do Presidente da República, entendida como expressão dos setores mais ortodoxos do seu partido, advogando um grau maior de intervenção da economia, em detrimento do espaço reservado hoje à operação das forças do mercado.
Essa ameaça precisa também, contudo, ser relativizada. Primeiro, porque os temores do mercado devem em parte ser atribuídos, menos às medidas concretas do governo e mais à pessoa política do próprio governo. Ou seja, medidas que vindas do governo passado seriam absorvidas com tranquilidade, causam ansiedade exagerada quando ordenadas pelo governo presente. Segundo, porque o governo é uma frente, na qual, embora a palavra do presidente tenha um peso específico relevante, todos os parceiros, em tese, têm voz na resultante final. E, no que se refere particularmente aos problemas econômicos, há pluralidade de posições, no tanto no interior da frente governista quanto no próprio Partido dos Trabalhadores (PT).
Finalmente, há ameaças especificamente políticas a serem prevenidas ou superadas pelos operadores do governo. A primeira, e mais grave, é a rejeição persistente de quase metade dos eleitores ao governo eleito. Essa situação foi consequência direta do processo de deslegitimação da política promovido pela operação Lava-Jato, mantida acesa pela operação de redes digitais organizadas por apoiadores do governo passado. Essa a principal ameaça que pesa contra o projeto de reconstrução democrática hoje em curso. Superar essa ameaça exigirá do governo palavras e ações continuadas em favor da democracia, num percurso acidentado, em que o espaço para erros é pequeno.
A segunda ameaça diz respeito à construção e manutenção da base de apoio parlamentar do governo. Até o momento, essa tarefa tem sido exitosa. No entanto, há que considerar que o apoio parlamentar tem motivações diferenciadas, que se distribuem ao longo de uma linha que vai da adesão política plena ao exclusivo interesse eleitoral em espaços decisórios específicos, passando por graus diversos de críticas programáticas. Cabe aos operadores políticos do governo consolidar esses apoios e caminhar sempre no rumo de uma situação de diálogo amplo e permanente, a partir do acordo básico em torno da legitimidade exclusiva do ordenamento democrático, materializado na Carta de 1988.
Em suma, há uma questão militar em aberto, embora submersa, temporariamente, após a condução acertada da crise do dia 8 de janeiro. Há uma questão econômica pendente de resolução, embora os cenários mais prováveis autorizem uma avaliação otimista do governo. Finalmente, há uma questão política complexa e espinhosa, que demandará cuidado e sensibilidade permanente dos atores responsáveis por sua condução.
Saiba mais sobre o autor
*Caetano Araújo é consultor legislativo do Senado, doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Revista online | Breve notícia da terra devastada
Luiz Sérgio Henriques*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Em Washington, mal começado o governo e já na primeira viagem internacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) cunhou a epígrafe definitiva da obra a que se dedicaria com afinco nos anos seguintes. Conservadores de variado coturno – ou melhor, reacionários do calibre de Olavo de Carvalho e Steve Bannon – ouviram-no proclamar o sentido da “missão divina” que se autoatribuía e que consistia em “desconstruir” e “desfazer” regras e valores, hábitos e instituições, antes de começar a pôr de pé a parte supostamente positiva da sua agenda.
Livramo-nos há pouco da promessa bolsonarista da “construção” a ser cumprida em mais um mandato, mas é forçoso admitir que só quatro anos bastaram para legar um cenário de terra devastada. Em outras palavras, a metade inicial do projeto está realizada. A celebração grosseira do “politicamente incorreto” contaminou parte das elites e infiltrou-se por toda a sociedade, criando um reacionarismo de massas agressivo e destruidor.
Juristas defenderam uma leitura golpista da Constituição – em particular, do artigo 142, simultaneamente curto e prolixo, que na aparência dá voz a quem numa democracia deve ser o “grande mudo”. Médicos militaram, e talvez militem ainda, no movimento antivacina, deixando um traço lastimável de retrocesso civilizatório. E a violência política tornou-se um recurso, quando não legítimo, ao menos aceitável para setores da sociedade contaminados pelo culto às armas e pela tentação de eliminar fisicamente o inimigo interno – se preciso for.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
Na verdade, a contrarrevolução política e cultural a que fomos submetidos desde 2019 – e a que, em certa medida, assistimos “bestializados” – teve mais de uma vertente. Desde logo, vimo-nos arrastados pela grande crise das democracias contemporâneas, que está longe de ter se esgotado e parece renovar-se em cada eleição e em cada momento.
Uma crise estrutural, certamente, com aspectos até bizarros. Não é comum que alguém como Viktor Orban, autocrata de um país distante e pequeno (ainda que culturalmente muito relevante), torne-se uma espécie de ídolo global dos “revolucionários” da extrema-direita, inclusive no país-chave do Ocidente, os Estados Unidos. Mais do que ídolo, um modelo para o programa de corrosão das democracias aplicado em várias realidades nacionais. Pois a Viktor Orban fomos também apresentados na posse mesma do presidente Bolsonaro, sinalizando uma aliança e uma afinidade que até então inocentemente ignorávamos.
Há também uma dimensão propriamente interna – ou, mais do que isto, um emaranhado de contradições que são coisas nossas e nos levaram à beira do precipício. A exasperação do conflito político, especialmente a partir de 2013, teve efeitos desastrosos, cuja enumeração exaustiva não cabe aqui.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Mencionemos só um exemplo. Não soubemos lidar nada bem com o instituto do impeachment. Todos os governos não petistas, sem exceção, foram alvo de insistentes pedidos de impedimento por parte do PT ou de figuras próximas. E, no entanto, o impeachment de Dilma Rousseff, num contexto de recessão brutal e perda de apoio parlamentar, teve como contrapartida a acusação inapelável de “golpe”, como se 2016 tivesse sido o marco zero da ruptura institucional – o que, a bem da verdade, não tivemos em momento algum, sequer em 2018 e menos ainda, obviamente, em 2022. Aliás, com seus sinais de nova esperança, a data mais recente reuniu numa só trincheira todos os personagens de vocação democrática, inclusive os que antes se contrapuseram duramente.
Coisa bem diferente é postular que o segundo mandato do aspirante a autocrata teria aprofundado a ação da toupeira ou, para usar termo militar, o trabalho de sapa contra as instituições consagradas na Constituição. Uma democracia fortemente tutelada e uma sociedade conflagrada poderiam, em conjunto, somar a repressão “tradicional” dos aparelhos de Estado e a violência nascida das entranhas do corpo social, violando todas as dimensões da liberdade duramente conquistadas após a ditadura. E assim terminariam por se desenhar as linhas de um pós-fascismo, ou de um fascismo do século XXI, encerrando tragicamente, com um grau maior ou menor de coerção, o mais longo período de vida democrática que tivemos sob a República.
Há quem diga que construções intelectuais dizem pouco, quase nada, sobre as lutas cruas pelo poder a que se entregam de corpo e alma as forças políticas e que são sua razão única de ser. Afinal, o cinismo autoriza a dizer que programas convincentes sempre podem ser encomendados na primeira esquina e nunca falta gente para fornecer discursos altissonantes.
A vantagem de conjunturas críticas, como esta que ainda não deixamos para trás, é que evidenciam a conexão mais íntima entre ideias e atitudes, ideólogos e políticos – mesmo que uns sejam farsantes e os outros toscos. Uma conexão que funciona para o bem e, como acabamos de ver, vezes sem conta para o mal, o que talvez seja uma das advertências mais poderosas sobre as possibilidades de degradação social e política sempre latentes em qualquer circunstância.
Sobre o autor
*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta
* O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Desafios de Lula passam por garantir auxílios e aumentar salários
Gabriel Carriconde*, Brasil de Fato
Desde a eleição, o atual presidente e candidato derrotado Jair Bolsonaro sumiu e o país parece estar sem governo até 31 de dezembro. Até por isso, muito das especulações e do sobe-e-desce da economia vêm sendo atribuídos a falas do presidente eleito, Luiz inácio Lula da Silva. Numa disputa em que os chamados “mercados” e mesmo a imprensa corporativa pretendem enjaular o próximo presidente para que ele não faça mudanças na economia prometidas em campanha.
Num momento em que os truques de Bolsonaro para tentar ganhar a eleição já começam a dar com os burros n’água, com, por exemplo, alta nos preços, depois de uma deflação ocasionada pela tirada de impostos dos combustíveis dos estados. Além dos muitos furos no orçamento do ano que vem, enviado por Bolsonaro, que o novo governo vem tentando enfrentar desde já.
O discurso do presidente eleito contra a fome, no encontro com parlamentares aliados em Brasília, por exemplo, no último dia 10, foi usado nessa especulação, por conta de uma suposta flexibilidade fiscal e o rompimento do teto de gastos para garantir dinheiro para programas sociais.
“Qual é a regra de ouro deste país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia. Essa é a nossa regra de ouro”, disse Lula. O discurso “assustou” o mercado especulativo e fez o índice Bovespa cair 3% e o dólar subir para R$ 5,32 em um dia.
Pressão
Para a economista Juliane Furno, o sistema financeiro, que vem especulando a respeito das decisões que Lula tomará na economia, irá cumprir um papel de pressão política. “O mercado vai fazer o que já fez em outros governos Lula, que é pressionar politicamente o governo. O que provavelmente eles irão defender é uma estabilidade nos preços, com controle da inflação e pressionar para um controle dos gastos do estado”, afirma.
O presidente eleito ainda não confirmou os nomes para comandar a economia e negocia com o Congresso um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) para garantir o pagamento de 600 reais do Auxílio Brasil em 2023. Os nomes de Pérsio Arida e André Lara Resende, mais liberais, e de Nelson Barbosa e Guilherme Mello, mais ligados ao PT, formam o grupo de trabalho econômico no governo de transição.
Com a pluralidade de visões da equipe econômica de transição, reunindo nomes históricos ligados ao PSDB, caso de Lara Resende e Pérsio Arida, Furno reflete que algumas linhas deverão ser seguidas. “Temos dois nomes mais ligadas ao PT, o Pérsio Arida, que é mais liberal, e o Lara Resende, que é um crítico do teto de gastos. O que esse grupo irá desenhar em curto prazo é uma fuga do teto de gastos, em médio prazo é uma nova regra fiscal, que possibilite uma meta de gastos, e não só de contenção”, reflete.
Com o orçamento reduzido em diversas áreas sociais, como o Farmácia Popular, Auxílio Brasil, e até para a saúde, o desafio do futuro governo será garantir promessas de campanha como o aumento do salário mínimo e a recuperação de programas sociais, com um orçamento apertado, apresentado pelo governo Bolsonaro.
Estado de tragédia
Em entrevista para uma rádio de Curitiba, o deputado federal e membro do grupo do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ênio Verri, afirmou que o orçamento federal para 2023, elaborado pelo governo Bolsonaro, é trágico.
“O orçamento de 2023 está em estado de tragédia, teremos enormes desafios. Com o teto de gastos, está faltando, para atingirmos o mínimo necessário, 15 bilhões”, disse.
Verri ainda afirmou que a prioridade do novo governo será a manutenção do Auxílio Brasil, recuperar obras paradas e o retorno do Farmácia Popular. “O desafio que nós temos é garantir o Auxílio Brasil, garantir o aumento do salário mínimo, garantir os recursos para saúde, recuperar o Farmácia Popular e recuperar as obras paradas'', afirmou.
Entenda o que está em jogo agora
- Teto de gastos: Criado no governo Temer por uma emenda constitucional, o teto de gastos impede que o governo aumente seus gastos primários além da inflação por 20 anos desde a adoção da medida. Resumindo, não pode aumentar despesas com saúde, educação etc. É bom lembrar que a medida não impede o aumento das despesas com juros, o que beneficia os bancos e o tal “mercado”.
- Salário mínimo e auxílios: Nos últimos quatro anos, não houve aumento real do salário mínimo. Lula está tentando negociar com o Congresso medidas para voltar a dar aumento para o salário, além de garantir a continuidade do Bolsa Família e dos Auxílios Emergenciais maiores, que não têm recursos previstos no orçamento.
- Geração de empregos: Outro ponto importante, é conseguir recursos para programas como o Minha Casa Minha Vida para a geração de empregos no país. A queda na taxa de desemprego nos últimos meses está ligada principalmente ao crescimento do trabalho informal e com salários mais baixos.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Lula 'toma posse' no exterior em meio a vácuo deixado por Bolsonaro
Laís Alegretti*, BCC News Brasil
Mais de 40 dias antes de assumir o Palácio do Planalto e com Jair Bolsonaro recolhido, Luiz Inácio Lula da Silva é tratado, na prática, como se já fosse presidente em compromissos no exterior e consegue atenção internacional com pauta ambiental.
Após participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), Lula tem encontros em Lisboa, nesta sexta-feira (18/11), com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa. Na manhã de sábado (19/11), Lula tem previsto encontro com a comunidade brasileira no Instituto Universitário de Lisboa
Na COP27, no Egito, Lula teve encontros com autoridades de outros países e foi aguardado por um grande público internacional - o que levou a imprensa francesa, por exemplo, a dizer que o brasileiro foi recebido "como uma estrela de rock" (jornal econômico Les Echos) e a descrever que foi "acolhido com um imenso fervor" (Le Monde).
O diplomata Rubens Ricupero avalia que Lula tem dominado a agenda "um pouco pelo acerto dele, um pouco pela omissão de Bolsonaro".
"Para todos os efeitos, é como se (Lula) já fosse presidente, até porque o outro esvaziou. Nunca vi isso antes, é como se não tivesse mais presidente, há não sei quantos dias. A agenda (de Bolsonaro) está completamente abandonada", disse o ex-embaixador e ex-ministro à BBC News Brasil ao comentar a viagem de Lula.
O silêncio de Bolsonaro e a escassez de compromissos oficiais vêm sendo destacados na imprensa brasileira. Além de poucos compromissos na agenda em Brasília e de um ritmo baixo de postagens no Twitter, Bolsonaro também não participou da cúpula do G20, na Indonésia.
'Legitimidade reforçada'
Ricupero diz que o fato de Lula ter conseguido imprimir um tratamento de presidente no exterior antes da posse "reforça a legitimidade em um momento em que aqui há um movimento muito grande de pessoas que contestam as eleições", em referência aos protestos de parte dos apoiadores de Bolsonaro.
O diplomata considera que Lula acertou no momento da viagem, no início do período de transição. Agora, ele diz, "o calendário tende a favorecer o Lula", já que há a Copa do Mundo e as festas de fim de ano até a posse.
"Com a Copa do Mundo, eu acho que boa parte desse sentimento de mobilização política (contra as eleições) vai abrandar. Terminando a Copa do Mundo, entra nas festas de Natal. Aí Ano Novo e posse, e é outra história", diz. "O momento mais crucial era agora."
Ao deixar o Brasil no início do governo de transição, Lula também se distancia, em certa medida, da disputa por espaço entre partidos aliados na formação do novo governo.
Ricupero, que já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda lembra, ao mencionar viagens de Tancredo Neves e de Juscelino Kubitschek em momentos semelhantes, que "esse período de transição no Brasil é sempre muito carregado de risco, porque há muita intriga, além da chateação dos pedidos de todo tipo, porque todo mundo cai em cima do presidente".
O destaque negativo ficou para a carona que Lula pegou, para chegar ao Egito, no jato do empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde, que chegou a ser preso em 2020 em operação que investigava supostas irregularidades na campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014.
"Eles deveriam ter calculado que cairia mal. Não creio que terá desdobramentos maiores, mas foi um descuido", diz Ricupero.
Ao lembrar que viagens de Tancredo foram feitas em aviões comerciais, Ricupero pondera que "naquela época não havia ameaça à segurança que há hoje" e diz que, no atual contexto, "também seria penoso pegar um avião comercial e ser vítima de manifestações de bolsonaristas, como essas contra os ministros do supremo em Nova York".
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, diz que não há problema jurídico na carona de Lula no avião particular. "Há um problema ético aí, se você quiser. Um problema ético de você aceitar um oferecimento de um empresário para viajar num avião privado."
Barbosa destaca problemas de segurança em uma eventual viagem em voo comercial e diz que, idealmente, o presidente eleito teria se deslocado de carona em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que tivesse viajado para o Egito.
Lula em Portugal
Ao noticiar a previsão de visita de Lula a Portugal, a imprensa portuguesa destacou que Bolsonaro nunca esteve no país enquanto presidente e que, no Brasil, cancelou um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa em julho deste ano porque o português encontraria Lula.
O jornal Expresso escreveu que a visita de Lula "marca uma nova etapa das relações luso-brasileiras, que tinham sido objeto de um distanciamento institucional durante a Presidência de Jair Bolsonaro". O jornal Público disse que há "carga simbólica" na visita de Lula "por decorrer no ano do bicentenário da independência brasileira e por acontecer meses depois de Bolsonaro ter rejeitado receber o chefe de Estado português".
A visita do presidente português ao Brasil no 7 de setembro deste ano, que marcou o bicentenário, também é lembrada.
Rubens Barbosa diz que houve uma "desconsideração" com o presidente português no desfile. "Ele estava ao lado do presidente, o presidente não falava com ele, entrou o cara da Havan (Luciano Hang), ficou no meio... Isso foi uma coisa, diplomaticamente, muito ruim".
Ricupero já havia declarado que considera que o tratamento dado ao presidente de Portugal no governo Bolsonaro foi "inqualificável" e voltou a defender uma reparação.
"Os portugueses fizeram tudo o que nós pedimos, mandaram até aquela coisa do coração de Dom Pedro 1º, com aquele aspecto um pouco lúgubre... Colaboraram em tudo para que se pudesse comemorar o bicentenário, que acabou sendo um fracasso por culpa nossa, não deles".
Ricupero diz que "os portugueses foram maltratados". "Quando houve o 7 de Setembro, ele (Bolsonaro) deixou o presidente Portugal ao lado dele no palanque, mas não deu atenção nenhuma. E fez um tipo de discurso completamente fora do espírito da celebração", diz o diplomata.
E a falta de uma visita de Bolsonaro aos portugueses?
Para Rubens Barbosa, a ausência de uma visita de Bolsonaro a Portugal diz mais sobre a política externa do governo Bolsonaro em geral do que sobre a relação entre os dois países em si.
"Bolsonaro não visitou quase país nenhum, não tem nada de discriminação contra Portugal. Ele tem uma política externa muito complicada", disse. "A relação com Portugal é muito intensa e eu acho que o Lula, passando por lá, vai retomar essa tradição de contato estreito entre os dois países."
Lula na COP27: meio ambiente e a atenção internacional
A atenção internacional que Lula conseguiu logo após sua eleição também tem a ver com o tema central da viagem, já que a pauta ambiental é o maior interesse internacional no Brasil, devido principalmente à Amazônia.
"Lula foi para uma conferência que é, nesse momento, a mais importante da agenda internacional e na qual o Brasil é relevante", destaca Ricupero.
Na COP27, Lula disse que "não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030" e afirmou que todos os crimes ambientais vão ser combatidos "sem trégua". Ele também propôs que a COP de 2025 ocorra na Amazônia.
Ricupero, que conta ter se filiado à Rede Sustentabilidade, diz que a pauta ambiental "deveria dominar grande parte da política externa" do novo governo Lula. "Tem outros aspectos da política externa do PT que são mais controversos - por exemplo, ele vai ter em algum momento que se posicionar em relação à Nicarágua, Cuba e Venezuela. No passado, sempre teve simpatia ideológica do PT (a governos desses países) e eu não sei o que ele vai fazer", disse.
"(A pauta ambiental) é um assunto que pode render enormes retornos ao Brasil a curto prazo, sem muito custo. O custo que tem é interno, de enfrentar os grileiros, mineradores, garimpeiros ou os madeireiros. De qualquer forma, ele é obrigado a enfrentar, porque são todas atividades criminosas, ilegais", diz.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Lula diz que vai usar a amarelinha para torcer na Copa: "A camiseta não é de partido político"
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), declarou nesta quinta (10) que vai torcer pela seleção brasileira na Copa do Catar usando a camisa verde e amarela.
É sempre bom lembrar que o símbolo máximo do nosso futebol vem sendo usado há quase uma década por grupos políticos alinhados à direita, incluindo simpatizantes do presidente Bolsonaro e grupelhos golpistas inconformados com a eleição do petista.
"A Copa do Mundo começa daqui a pouco e a gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde e amarela. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13", escreveu Lula em seu Twitter.
O "sequestro" da amarelinha já havia afastado torcedores de esquerda desde a última Copa, na Rússia, em 2018. Na época a designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso chegou a criar uma versão alternativa, vermelha, para atender quem não queria ser confundido com os manifestantes que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
:: Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa? ::
Mas a camisa foi comercializada por pouco tempo, já que a CBF, dona dos direito sobre a camisa, não gostou.
A versão vermelhinha, proibida pela CBF, tem até foice e martelo / Reprodução Facebook
Atualmente, a própria CBF está procupada com o amor perdido de muita gente que criou ranço das cores. No início da semana, quando o técnico Tite anunciou os 26 convocados, foi lançada uma peça publicitária da entidade conclamando toda a torcida a esquecer da política e abraçar o símbolo, que até há pouco parecia ser do bolsonarismo.
:: Política em Copa do Mundo? Na Seleção Brasileira só é ok se for de direita ::
Ao UOL, o atual presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, disse que o objetivo da campanha - veiculada em rede nacional - "é para mostrar que todos podem se sentir bem com a camisa da seleção". Veja abaixo:
Mas será que vai dar certo? O fato de nosso maior craque, Neymar, ter dito que celebraria seu primeiro gol na Copa fazendo o sinal do "22", para homenagear o candidato derrotado na eleição presidencial (vocês sabem quem) não ajudou muito a sarar as feridas.
No entanto, sabemos que, uma vez que a bola comece a rolar - daqui a só dez dias -, a paixão pelo esporte pode falar mais alto até mesmo que a paixão - ou o rancor - pela política.
Selecionamos algumas reações sobre o tema:
Nas entrelinhas: Transição não será um passeio pelo Eixo Monumental
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Engana-se quem pensa que este período de transição para o novo governo será fácil para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No plano político, a sinalização está sendo boa: Lula estabeleceu as relações cordiais com os demais Poderes e opera a montagem de um governo de ampla coalizão democrática. Também mostrou que não pretende deixar no sereno os eleitores de mais baixa renda que o elegeram, ao anunciar que os recursos do Bolsa Família vão extrapolar o teto de gastos.
Entretanto, o dólar disparou depois da divulgação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos. Ontem, o câmbio já passou dos R$ 5,30. O preço do fechamento do dia foi de R$ 5,396, alta de 4,14% no dia. Por volta das 15h30, o dólar estava a R$ 5,341, alta de 3,09%. Logo na abertura do mercado, a moeda americana chegou a subir quase 3%. Na quarta-feira, o dólar já havia fechado o dia em alta, de 0,74%, fechando a R$ 5,18. Desde o início do mês, a alta é de 2,96%. É óbvio que existe muita especulação no mercado, com divulgação de fake news que mexem com a Bovespa, em razão da insegurança dos investidores.
Lula já disse que não tem pressa para indicar o novo ministro da Fazenda, mas é aí que está o xis da questão no mercado financeiro. A rigor, ninguém sabe quais serão as medidas de impacto dos 100 primeiros dias de governo, exceto aquelas que estão sendo negociadas no Congresso, que sinalizam uma certa continuidade da farra fiscal que marcou a gestão do ministro Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Esse problema somente se resolverá quando for anunciado o nome do novo ministro da Economia ou da Fazenda, se houver desmembramento.
Havia uma expectativa positiva de que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin viesse a ocupar esse cargo, mas isso nunca foi cogitado de verdade por Lula. O próprio Alckmin já havia dito isso, o que fora interpretado como dissimulação, porém, ontem, Lula jogou uma pá de cal nessa possibilidade, ao afirmar que o ex-governador paulista não ocupará nenhum ministério. Esse também não foi o problema maior para o mercado financeiro, o que gerou instabilidade foi a própria fala de Lula e o fato de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ter sido confirmado como um dos integrantes do governo de transição.
Coalizão
Até agora, a principal ancoragem da transição de governo no mercado financeiro era a presença dos economistas Pérsio Arida, André Lara Resende e Guilherme Mello na equipe econômica da transição. A confirmação de Guido Mantega, ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff, sinaliza noutra direção. Mantega tem uma velha relação com Lula, que começou quando dava aulas de economia para o então líder metalúrgico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
Arida, Resende e Mello têm evitado declarações à imprensa; imagina-se que a mesma coisa acontecerá com Guido Mantega. Enquanto não se define o nome do futuro ministro, porém, as especulações no mercado financeiro vão continuar, até porque existe um ambiente internacional que também favorece isso. A guerra da Ucrânia se prolonga, o inverno se aproxima na Europa e há sinais de que poderemos ter um ambiente de recessão na economia mundial. Esse cenário acaba alimentando as teses de políticas anticíclicas, como as adotadas por Lula após crise de 2008, que se prolongaram no governo Dilma, levando-a ao impeachment.
A transição vai bem no plano político. Lula está prestigiando todos os políticos que o apoiaram desde o primeiro turno e ampliou a equipe de transição para incorporar os partidos e lideranças que o fizeram no segundo turno, principalmente Simone Tebet. O risco que corre, porém, é o novo ministério ficar com cara de governo velho, no qual antigos caciques políticos e a atual cúpula petista pontificariam. Com a PEC da Transição, do ponto de vista de sua base eleitoral, e o bom relacionamento com os líderes do Centrão, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, Lula garante a estabilidade do governo na sua largada para o novo mandato. Mas isso não basta para satisfazer os setores da classe média e da elite econômica do país que fazem restrições ao presidente eleito.
De qualquer forma, o novo governo será o que Lula conseguir articular em termos de forças democráticas. O primeiro turno das eleições mostrou que o projeto original era viabilizar nas urnas, de forma inequívoca, um governo de esquerda, ainda que sua coalizão eleitoral se autointitulasse “frente ampla”. A correlação de forças políticas e eleitorais, porém, obrigou Lula a ampliar suas alianças em direção ao centro político; a vitória por estreita margem, a realizar uma articulação ampla das forças democráticas para dar sustentação ao seu governo. Essa articulação não passa apenas pelos acordos no Congresso, passa também, e sobretudo, pela formação do governo e sua composição.
Novo colegiado da FAP afirma compromisso com a manutenção do cenário democrático
Nívia Cerqueira, coordenadora de Mídias Sociais
Na última segunda-feira (7/11), membros da Diretoria e dos Conselhos Curador, Consultivo e Fiscal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) elegeram o novo quadro de colegiados. A solenidade aconteceu na modalidade on-line e foi presidida por Luciano Rezende, presidente do Conselho Curador da FAP, que iniciará seu segundo mandato.
Ex-prefeito de Vitória (ES), Rezende comenta que os partidos têm uma importância muito grande neste momento. “Temos uma eleição presidencial que foi vencida por uma disputa política mínima que não foi e não será resolvida facilmente. As expectativas para o governo Lula e as cobranças serão intensas. É um grande desafio poder refletir por meio da Fundação Astrojildo, com o partido Cidadania23, como iremos avançar e nos portar nesse período", declara.
Membro do novo quadro da Diretoria Executiva, Maria Dulce Reis Galindo comentou sua satisfação em poder estar mais próxima da FAP, sobretudo num momento de destruição da política e de polarização. “Mais do que nunca, a Fundação Astrojildo Pereira - de forma suprapartidária - pode enfrentar temas que a nossa sociedade precisa: ganhar maior capilaridade; sair um pouco de Brasília e chegar às cidades onde vivem as pessoas; atingir a nossa bancada de vereadores e nossa militância; falar com cada um, ajudando a formar, refletir e discutir principalmente democracia”, ressalta.
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Diretor-geral da FAP no biênio 2020-2022 e nomeado vice-presidente do Conselho Curador para esse novo mandato, Caetano Araújo explica que a eleição do novo colegiado tenta assegurar um mínimo de renovação e também manter uma certa continuidade para que a FAP persiga nos mesmos projetos e diretrizes. “Nós temos uma regra estatutária que visa garantir ao mesmo tempo um percentual mínimo de renovação a cada dois anos e também continuidade, e, por essa regra, nenhum dos conselheiros ou diretores podem permanecer no cargo ou no mesmo colegiado por mais do que dois mandatos”, explica o sociólogo.
Caetano destaca que a ideia é fazer uma composição plural e, a partir desses colegiados, criar grupos que sejam capazes de cooperar, discutir e de atender as finalidades da fundação, seja no que se refere à preservação do passado e da tradição do partido, seja no que se refere à formulação e prospecção dos grandes temas da política no futuro.
“A nossa perspectiva é manter a pluralidade. Os nossos conselheiros não são necessariamente filiados ao partido Cidadania23, que é o mantenedor da FAP. Temos, inclusive, conselheiros que são filiados a outros partidos e essa já é uma tradição nossa e temos conselheiros que não são filiados a nenhum partido e achamos que é uma contribuição positiva que esses não filiados podem dar e têm dado às nossas discussões”, completa Araújo.
Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) , Marco Aurelio Marrafon foi eleito novo diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira para o biênio 2022-2024. Ele agradeceu a Caetano, Luciano, ao diretor financeiro, Raimundo Benoni, e a todos que construíram o diálogo para a formação dessa nova chapa. Marrafon apontou como principal compromisso da gestão que se inicia a manutenção do cenário democrático.
“Precisamos avançar no público universitário, é preciso ter um olhar e precisamos falar com esses jovens. A nossa tradição sempre olhou para a juventude. É um espaço que não podemos deixar de lado para a gente poder expandir e construir uma base de formação”, afirma o professor, que também preside a Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst.
Mulheres na berlinda: a violência política de gênero e o alcance dos casos no Brasil
Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato
Elas passam toda a vida lutando contra o silenciamento de suas vozes; batalham por igualdade de tratamento nos diferentes espaços de convivência pessoal, pública e profissional; resistem à violência multifacetada do mundo ao redor; superam barreiras internas do ambiente político-partidário para conquistar espaços de liderança e, pasmem, mesmo depois de vencidas todas essas etapas, as mulheres que atuam em frentes de poder convivem ainda com outra chaga: a violência política de gênero.
O roteiro acima descreve a realidade que – não só de hoje, mas especialmente de forma mais evidente nos temos atuais – marca a trajetória de uma série de personagens femininas cuja atuação política é alvo de ataques contra a sua liberdade de incidência no mundo. No xadrez da política, seja ele local ou nacional, é costumeiramente reservado a elas o espaço de maior vulnerabilidade no jogo, e o problema se intensifica conforme avançam o conservadorismo e a cultura do ódio no país.
Um levantamento recente organizado pelo Psol sobre integrantes do partido que viraram alvo desse tipo de ataque cita os 34 casos mais emblemáticos de membros que foram colocados nessa berlinda. Ao longo de 18 páginas, o documento menciona situações registradas entre março de 2017 e julho de 2022. Enquanto no primeiro ano o partido registra três ocorrências, em 2021 foram nove, mesma quantidade já registrada até o mês passado.
O dossiê aponta casos como os que envolveram o ex-deputado federal Jean Willys e o atual candidato ao governo do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (ex-Psol e hoje PSB), mas o rol deixa claro, pelo perfil das situações, que o destino principal desse tipo de violência continuam sendo elas, as mulheres. Dos 34 casos notificados pela sigla, cinco atingiram homens, enquanto 29 tiveram como alvo as mulheres, sendo seis delas mulheres trans.
As ocorrências vão desde xingamentos, passando por ameaças de estupro e morte até o assassinato de fato, como ocorreu em 2018 com a vereadora carioca Marielle Franco, o caso mais lembrado na memória traumática do Psol. A parlamentar foi morta junto com o motorista Anderson Gomes e depois de ter sofrido uma série de ataques por conta da atuação política que tinha, pautada em bandeiras como a igualdade de gênero, a igualdade social e o combate ao racismo.
Este último tema, inclusive, tem destaque entre os casos levantados pelo Psol no dossiê, que relata variadas situações de ofensas racistas às militantes atingidas. A professora Maíra Kubik, do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), aponta que mulheres de esquerda tendem a ser o destino predileto de quem pratica a violência política por conta do ideário professado pelo segmento.
“Historicamente, são as mulheres de esquerda que estão mais próximas do movimento feminista. Elas trazem, pra esfera pública e pra política institucional, tanto no Legislativo quanto no Executivo, pautas que dizem respeito à autonomia, à liberdade, à expansão dos direitos das mulheres, e isso incomoda muito os conservadores.”
Para dar conta dos casos que se multiplicam pelo país, o Psol chegou a criar a chamada Secretaria de Segurança Militante. Fundado em 2004 a partir de divergências ocorridas no seio do PT, o partido se considera a sigla mais atacada desde a redemocratização do país em termos de violência política de gênero.
“Isso tem a ver com o fato de que hoje isso é uma prática principalmente de bolsonaristas, e as parlamentares do Psol têm uma agenda frontalmente contrária ao que é a política bolsonarista. Então, é isto: acabamos sendo vistas como inimigas e, consequentemente, alvo desses que pregam o discurso de ódio”, atribui a líder da bancada da sigla na Câmara dos Deputados, Sâmia Bomfim (SP).
O material compilado pelo Psol foi encaminhado a diversas instituições. Entre elas, receberam o dossiê o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) e as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.
O partido também enviou o documento para as presidências das Comissões de Direitos Humanos do Congresso, bem como para a Organização das Nações Unidas (ONU) e para a Organização dos Estados Americanos (OEA).
"“A gente já procurou todas as instituições possíveis, apresentando o nosso relatório e colocando sugestões que poderiam ser adotadas, mas acho que precisa é de punição exemplar", defende Sãmia Bomfim / Câmara dos Deputados
2018-2022
Vereadora na cidade de São Paulo (SP) e atual candidata a deputada federal, a mulher trans Erika Hilton (Psol) relata que percebe uma piora no problema entre os anos de 2018 e 2022, ambos períodos de pleito presidencial. Quatro anos atrás uma parte da população brasileira assistiu atônita à eleição do ex-capitão Jair Bolsonaro (então filiado ao PSL e hoje ao PL).
A chegada dele ao posto mais importante do país veio depois de uma intensa e polarizada disputa que colocou em lados opostos os apoiadores do político ultraconservador e uma massa de eleitores que optaram por um caminho mais democrático e progressista.
De lá pra cá, o país virou palco de uma avalanche de fatos que envolveram ataques a mulheres, a pessoas negras, à população LGBTQIA+, entre outros grupos de maior vulnerabilidade social. No atual cenário, o ex-capitão continua polarizando o jogo eleitoral, desta vez tendo como principal opositor o ex-presidente Lula (PT), que tem arregimentado em torno de si um conjunto de apoiadores de diferentes colorações político-partidárias.
“A disputa agora está mais acirrada. Esta eleição é histórica. É uma das mais importantes da República brasileira, tem muitos grupos de ódio colocados nessa disputa e eles se organizam através dos ataques, ameaças, tentativas de boicote. Isso é um estímulo colocado pelo processo vigente no país, que é o ódio, a intolerância, a não permissão de um terreno de debate de ideias”, avalia Erika.
Com perfil insubordinado, Erika Hilton transpôe barreiras, destaca-se pelo pioneirismo e foi a mulher mais bem votada em 2020 na Câmara Municipal de São Paulo / AFP
Primeira mulher transgênero a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, Hilton obteve mais de 50 mil votos na eleição de 2020, o que lhe rendeu o título de mulher mais bem votada e sexta candidata com mais votos no ranking da capital paulista. Passada a euforia resultante da vitória, não demorou muito para que o fantasma da violência política batesse à porta da parlamentar: em janeiro de 2021, ainda o primeiro mês de mandato, Erika ajuizou uma ação contra 50 pessoas suspeitas de lhe proferirem ameaças transfóbicas e racistas no ambiente da internet.
O material organizado pela defesa da vereadora incluía expressões ofensivas como “ser desprezível”, “raça imunda”, “vagabunda”, “jumenta”, “traveco” e apontamentos de que o cabelo da parlamentar servia “pra tirar ferrugem de ferro”. Depois disso, o mandato teve que acionar a Guarda Civil Metropolitana e Erika passou a andar escoltada por segurança particular. Agora, ela olha para o cenário de 2022 com preocupação.
“Acho que essa violência tende a aumentar ainda mais e por isso acho que temos que contar com observadores internacionais, clamar pelos países vizinhos pra que tenhamos um processo eleitoral com segurança, porque eu temo pelas nossas vidas ao fazermos campanha política no Brasil este ano”, desabafa.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as eleições brasileiras são acompanhadas por convidados internacionais desde 2016, mas este ano, de forma pioneira, o pleito contará ainda com sete missões estrangeiras.
Estas últimas consistem em uma tarefa entregue a instituições ou organismos de fora do país que tenham expertise no assunto. Elas têm autonomia para conversar com atores da sociedade civil e da imprensa, acompanhar seções de votações, entre outras coisas.
Raio de alcance
O problema da violência política de gênero não se resume às integrantes do Psol, abarcando uma gama de mulheres de outras legendas e grupos. A vereadora de Fortaleza Larissa Gaspar (PT) é um exemplo disso. Ela chegou a ser ameaçada de morte pelas redes sociais em meados do ano passado, após a aprovação de uma lei de sua autoria que proíbe a utilização de fogos barulhentos na cidade.
A tentativa de intimidação recaiu ainda sobre a família da parlamentar, também ameaçada de morte. O acusado chegou a dizer inclusive que os assassinatos já estariam encomendados a uma organização criminosa. Após o mandato denunciar o caso às autoridades, a inteligência da Polícia Civil do Ceará localizou o acusado no mesmo dia. Ele foi preso e atualmente responde a um processo na Justiça.
“A gente fica se perguntando: 'Se eu fosse um homem, será que ele teria essa mesma postura?' Eu imagino que não. A gente sente como uma tentativa de silenciamento da luta das mulheres, principalmente de alguma iniciativa que tem uma repercussão pública muito forte, e aí alguém se acha no direito de silenciar essa causa e essa luta”, desabafa Larissa.
Larissa Gaspar e família entraram na mira de criminoso que os ameaçou de morte em Fortaleza (CE) / Câmara Municipal de Fortaleza/Arquivo
Mulheres que atuam politicamente em outros espectros ideológicos também se tornam alvo desse tipo de agressão. É o caso da deputada federal Rosângela Gomes (Republicanos – RJ), autora da legislação que trata do combate à violência e à discriminação político-eleitorais contra a mulher. Batizada de Lei nº 14.192/2021, a norma completou um ano recentemente, no último dia 4.
A parlamentar conta que a proposta nasceu a partir de sua própria experiência na política, iniciada com um mandato de vereadora em Nova Iguaçu (RJ). Em um seminário realizado em junho deste ano pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados para discutir o tema, a deputada fez um desabafo, afirmando que adentrou o ambiente político “com muita dificuldade”.
“Enfrentei muitas humilhações, a ponto de ser chamada de ‘macaca’, ‘analfabeta’. Sofri muita violência na política, porque eu tenho vários adjetivos. Além de ser mulher, pobre, periférica, negra, evangélica, paguei um preço alto, mas permaneci.”
Na última década, país se tornou palco de frequentes protestos envolvendo mulheres que levam pauta feminista às ruas / Mídia Ninja
A lei enquadra a violência política contra a mulher como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir” os seus direitos políticos. O conceito também abrange “qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais em virtude do sexo”.
A legislação prevê pena de reclusão de um a quatro anos, além de multa, com a possibilidade de ampliação da penalidade em alguns casos específicos, como é o caso de infrações que atingem gestantes, idosas e mulheres com deficiência.
Campanha
Em 2019, a Câmara dos Deputados lançou a campanha “Violência Política de Gênero – Uma letra muda todo o contexto”, que foi reeditada até aqui. Segundo explica a assessora técnica da Secretaria da Mulher da Casa, Danielle Gruneich, o objetivo é esclarecer o público feminino a respeito do conceito.
“Práticas que poderiam ser vistas como comuns não são comuns e não são normais. São práticas violentas contra a mulher. Na política a gente identifica muito isso, mas existe uma dificuldade da mulher de identificar que aquilo é uma prática violenta. Então, a campanha serve como um esclarecimento, porque a violência contra a mulher é uma violência contra a democracia.”
Violência política ganha expressão máxima com casos de assassinato; mulheres denunciam sistematicamente contexto que leva ao feminicídio / Mídia Ninja
Desde 2013 a Procuradoria da Mulher na Câmara recebe denúncias de agressões contra o segmento e foram registradas 150 ocorrências entre agosto daquele ano e setembro de 2021. Dessas, seis foram de violência política. Danielle Gruneich afirma que o número é baixo porque atualmente os canais de atendimento à mulher para esse tipo de situação são vastos e se multiplicam pelo país, o que gera uma pulverização dos dados. As estatísticas ainda não são unificadas.
Nos últimos meses, por exemplo, o Ministério Público Federal (MPF) criou um formulário específico para esse tipo de denúncia na Ouvidoria Nacional. O mesmo ocorreu com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Além disso, foram criadas ouvidorias com esse fim no TSE e no CNJ.
O foco dessas vias de atendimento é computar os casos e dar o encaminhamento cabível a cada demanda. “Você tem um conjunto de canais de entrada e, obviamente, tem ainda a possibilidade de a mulher ir a uma delegacia abrir uma ocorrência policial”, acrescenta a assessora técnica.
Caminhos
Apesar do avanço que representa a nova norma, parlamentares e outras representantes têm cobrado publicamente uma aplicação mais efetiva da lei, que ainda é desconhecida por boa parte da população, por exemplo. De outro lado, discute-se também a necessidade de se diminuir ou, no plano ideal, dizimar o problema.
Entre as diferentes fontes ouvidas pela reportagem, é unânime o entendimento de que a cura do mal é complexa e por isso exige medidas profundas. Para Sâmia Bomfim, por exemplo, é preciso haver penalização concreta dos infratores.
“A gente já procurou todas as instituições possíveis, apresentando o nosso relatório e colocando sugestões que poderiam ser adotadas. Mas, sinceramente, acho que precisa é de punição exemplar. Vejam o caso da Marielle. Não é exagero dizer que, se ele não for solucionado, esse clima de naturalização do ódio e da violência política contra as mulheres vai seguir se perpetuando porque os caras vão pensar ‘bom, assassinaram uma vereadora e nada foi feito, então, seguiremos’.”
Assassinada no Rio de Janeiro, Marielle Franco já havia recebido uma série de ataques e ameaças antes de morrer / Foto: Bárbara Dias/Fotoguerrilha
Para a pesquisadora Maíra Kubik, a solução passa pelas instituições, mas também carece de providências de outra natureza. Ela comemora a lei que enquadra a violência política de gênero, mas defende iniciativas de caráter estrutural, como uma reforma política substancial que seja capaz de garantir um acesso mais democrático das mulheres ao Poder Legislativo e a qualificação da educação.
A professora analisa que o país não tem investido nos debates educativos da forma como deveria e critica, por exemplo, a retirada das diretrizes de gênero do último Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014 e vigente até o ano de 2024. A meta foi questionada por setores conservadores que consideraram a iniciativa inadequada ao ambiente escolar.
“Fizeram um discurso de pânico moral que foi ativado na sociedade brasileira dizendo, por meio de uma fake news, que crianças seriam supostamente ‘transformadas em homossexuais’ se houvesse diretrizes de gênero no PNE quando, na verdade, o que se propunha era conscientizar as crianças desde cedo para justamente não haver violência de gênero. Nós precisamos educar crianças com base em iniciativas estruturais”, encerra Maíra Kubik.
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato.
Nas entrelinhas: Simone Tebet completa a fila de largada da campanha
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A confirmação da candidatura de Simone Tebet, ontem, pela convenção nacional do MDB e da coligação que a apoia, integrada pela federação PSDB-Cidadania, completou a fila de largada das eleições deste ano. O cenário mantém como tendência principal a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 44% das intenções de voto, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), com 35%, segundo a pesquisa XP/Ipespe divulgada na segunda-feira. O que pode alterar esse quadro, ou consolidá-lo, será a propaganda eleitoral de rádio e tevê, que começa em 16 de agosto.
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 9%, a senadora Simone Tebet (MDB), com 4%, e André Janones (Avante), com 2%, são os candidatos mais bem posicionados para construir uma terceira via, alternativa muito difícil. Nenhum dos três, até agora, definiu o vice. Simone contava com o apoio do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), mas o tucano histórico, mais uma vez, movimenta-se em função da política do Ceará. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-AM) pleiteia a vaga. Pablo Marçal (Pros) e Luiz Felipe d’Avila (Novo) têm 1%. Vera Lúcia (PSTU), Sofia Manzano (PCB), Luciano Bivar (União Brasil), Eymael (DC) e Leonardo Péricles (UP) completam a fila de largada, com menos de 1% cada.
Votos nulos ou que não votariam em nenhum dos candidatos somam 4%. Não sabem/não responderam representam apenas 2% dos entrevistados, o que indica um cenário de grande participação eleitoral. Ontem, o Datafolha divulgou uma pesquisa entre jovens eleitores, que confirmou o que já se previa: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem a preferência no eleitorado adolescente e jovem nas 12 maiores capitais do país, com 51%. Jair Bolsonaro (PL) tem 20%. Depois, vem Ciro, com 12%. São jovens de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Curitiba, Goiânia, Brasília, Manaus e Belém. A margem de erro é de três pontos para mais ou para menos. A pesquisa eleitoral completa do DataFolha sobre as eleições presidenciais deve ser divulgada hoje.
Nenhuma grande alteração no quadro deve ocorrer até o horário eleitoral, pois a prioridade dos candidatos agora é a articulação dos palanques regionais, resolvendo conflitos e recolhendo náufragos das alianças. Como o registro das candidaturas deve ocorrer até 5 de agosto, muita água vai rolar ainda nos estados, e os candidatos terão de conciliar as articulações de campanha com a própria movimentação eleitoral. Lula passa a ter a segurança sob responsabilidade da Polícia Federal. Como ex-presidente, já tinha esse direito, mas, agora, o esquema será reforçado em razão dos riscos de atentado.
Regras do jogo
Bolsonaro passa à desvantagem de ter que se comportar de acordo com as regras eleitorais, ou seja, será tratado como os demais candidatos, estando sujeito a punições toda vez que sair das regras do jogo. Como está em guerra com o Supremo Tribunal Federal (STF), pode ser que queira esticar a corda, para passar por vítima e ilustrar a narrativa de que não existe imparcialidade da Corte. Entretanto, essa postura aumenta seu risco eleitoral, porque a opinião pública confia na Justiça Eleitoral, e isso gera grandes desgastes políticos.
Por exemplo, o manifesto em defesa do Estado de direito organizado por juristas e estudantes da tradicional Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (USP), berço da elite política e jurídica paulista, com apoio de empresários, intelectuais e artistas, subscrito por três mil personalidades, em 24 horas obteve a adesão de mais de 100 mil representantes da sociedade civil. Entre os signatários estão os ex-ministros do STF Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Eros Grau, Marco Aurélio Mello, Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, além de artistas, intelectuais, executivos, empresários e até banqueiros. É o tipo de fato político que pode impactar negativamente a candidatura de Bolsonaro em que ela é mais forte: os eleitores com renda acima de 10 salários mínimos.
No rastro do encontro com diplomatas no qual levantou suspeitas sobre a urna eletrônica e atacou a Justiça Eleitoral, Bolsonaro vive, também, a rebordosa da reação negativa da comunidade internacional. A mais importante foi o pronunciamento do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, na terça-feira, durante a 15ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas, em Brasília: “Os nossos países não estão ligados apenas pela geografia. Também somos atraídos pelos interesses e valores em comum, pelo nosso profundo respeito pelos direitos humanos e pela dignidade humana, pelo nosso compromisso com o Estado de direito e por nossa devoção à democracia”, disse.
Editorial revista online | Incerteza e risco na campanha eleitoral
No dia 5 de agosto próximo, partidos e candidatos sairão às ruas, na largada de suas campanhas. A partir dessa data, até a realização do primeiro turno das eleições, assistiremos todos à campanha eleitoral com maior grau de incerteza e risco dentre todas as realizadas na vigência da Constituição de 1988.
O presidente da República, candidato à reeleição, reincide seguidamente em três modalidades de pronunciamentos, todas com efeito desestabilizador sobre o curso do processo eleitoral. Em primeiro lugar, lança dúvida sobre a eficácia das urnas eletrônicas, tentando fazer prosperar, na opinião pública, a hipótese de fraude em caso de derrota. A reiteração desse argumento em contextos diversos mostra, de forma clara, a intenção de contestar o eventual resultado desfavorável e prolongar, no fim das contas, sua permanência no poder, a despeito da derrota. Uma mensagem inequivocamente golpista.
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Em segundo lugar, promove, simultaneamente, a desqualificação moral dos adversários, sempre com base em notícias falsas, fabricadas e disseminadas com o propósito de aumentar a animosidade, até mesmo a aversão, aos candidatos das forças que integram o campo democrático hoje no país.
Finalmente, prossegue na propaganda e estímulo permanente ao livre acesso e porte de armas de fogo a todo cidadão. Cumpre assinalar que esse esforço discursivo foi acompanhado por medidas efetivas de liberalização que resultaram na multiplicação do número de armas de fogo em circulação, de 2018 para cá.
Os três argumentos apontam para o mesmo alvo: a constituição de uma massa de eleitores armados, radicalizados, prontos para disparar contra adversários, em caso de frustração de seus objetivos eleitorais. Aumenta a voltagem da violência política e, mesmo antes do início da campanha, houve episódios que resultaram em agressão armada e óbito.
Veja, abaixo, galeria de imagens:
O grande indicador dos resultados da estratégia do candidato governista será, aparentemente, a mobilização popular convocada em seu favor para o dia 7 de setembro. A estratégia parece repetir, em escala ampliada, as manifestações de 2021. Em caso de sucesso, o saldo seria a desmoralização das instituições e a criação de uma reserva de aparente apoio popular a movimentos futuros de recusa do resultado eleitoral.
As tarefas da oposição, por sua vez, estão desenhadas com clareza. Articular de imediato uma rede em defesa da democracia, que reúna partidos e candidatos, governadores e prefeitos, legisladores nacionais, estaduais e municipais, Judiciário e sociedade civil, em defesa da ordem no dia do bicentenário da Independência e da democracia ao longo de todo o processo eleitoral, até a posse dos eleitos.
Outra tarefa é promover o diálogo urgente entre os candidatos do campo democrático para construir o consenso necessário em torno da defesa da democracia, do repúdio conjunto aos ataques autoritários e definição das regras mínimas de convivência democrática e civilizada que devem governar a competição eleitoral no interior desse campo.
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MDB rachado e presidenciável com pouco voto: uma história recorrente
Glauco Faria*, Brasil de Fato
Caso não haja nenhuma surpresa, o MDB deve confirmar hoje a candidatura à Presidência da República da senadora do Mato Grosso do Sul Simone Tebet. Mas, de saída, a legenda já sai rachada. Líderes emedebistas de onze estados manifestaram apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, embora o presidente nacional da sigla, Baleia Rossi, tenha declarado que a candidatura da parlamentar tem o apoio de 19 diretórios estaduais, a divisão já é evidente.
Não que isso seja novidade na história da legenda. Partido que antagonizava com a Arena no período da ditadura civil-militar, o PMDB da pós-democratização chegou a eleger todos os governadores do país, exceção ao de Sergipe, em 1986, fazendo ainda 38 dos 49 senadores e 261 dos 487 deputados federais naquele ano. Mesmo com tamanho poderio, não chegou forte e tampouco unido nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime autoritário, em 1989.
Àquela altura, o "Senhor Diretas", presidente da Assembleia Constituinte e figura histórica da luta contra a ditadura, Ulysses Guimarães, foi o candidato de uma legenda castigada pela impopularidade do governo Sarney e pelo papel dúbio que exercia frente à opinião pública. No ano da eleição, a sigla havia se retirado do governo, mas mantinha alguns ministérios e cargos importantes.
E se Ulysses seria o nome certo da legenda em uma eventual eleição direta em 1985, a história foi bem diferente em 1989. Em 29 de abril daquele ano, o PMDB realizou sua convenção nacional com quatro candidatos. No primeiro turno da escolha, Ulysses Guimarães foi o mais votado com 302 votos, seguido pelo então governador da Bahia Waldyr Pires, com 272, vindo em seguida Iris Rezende (251) e Álvaro Dias (72). Para evitar um segundo turno, Ulysses e Waldir formaram uma chapa única, que na prática não representou a unidade esperada, ainda mais por conta de uma parte significativa da sigla sonhar com a candidatura do governador paulista Orestes Quércia.
O presidenciável peemedebista foi "cristianizado" e viu muitos daqueles que deveriam ser seus correligionários aderirem a outras candidaturas, em especial a de Fernando Collor (PRN). Ao fim, terminou a eleição com parcos 4,6%, ficando em sétimo lugar. Ao menos o jingle de sua campanha, "Bote fé no velhinho", entrou para a história como um dos mais bem marcantes das campanhas eleitorais.
Em 1994, um novo revés do PMDB
Se Ulysses seria um nome natural para uma eleição direta que não aconteceu em 1985, a candidatura mais forte da legenda em 1989 talvez fosse a de Orestes Quércia. Mas quando ele se tornou de fato presidenciável em 1994, seu tempo tinha passado. Àquela altura já havia sofrido com inúmeras denúncias de irregularidades que abalaram sua popularidade, tendo ainda problemas internos em São Paulo e desavenças com seu ex-afilhado político, o então governador Luiz Antônio Fleury.
Disputou a prévia com o ex-governador do Paraná Roberto Requião e saiu vitorioso. A declaração de seu rival após o resultado já dava o tom que iria imperar nas hostes da sigla dali em diante. "Com Quércia concorrendo à Presidência, o PMDB mostra sua face horrível e corrupta", disse Requião.
O CPDOC da Fundação Getulio Vargas relembra a divisão naquele momento, apontando o alto índice de abstenção daquela prévia, sobretudo no Rio Grande do Sul, foco da dissidência comandada por Antônio Brito e Pedro Simon, e no Maranhão, reduto do ex-presidente José Sarney. "O senador José Fogaça, dissidente da bancada gaúcha, lamentou que o ex-presidente do PMDB não tivesse compreendido, antes da convenção, o 'desajuste' provocado por sua candidatura e afirmou que Quércia era 'sinônimo de inadequação ao pensamento político do partido, uma dificuldade de contexto'."
Seu último comício, na Praça da Sé, em São Paulo, marcou o fim de uma campanha melancólica em 30 de setembro. Na ocasião, atacou o candidato tucano Fernando Henrique Cardoso afirmando que "o PSDB é um partido fraco, sem tradição, sem estrutura. Com Fernando Henrique, quem vai comandar? O governo vai ser como um monstro, com várias cabeças e vários braços". E não poupou seu colega de legenda José Sarney, que apoiava FHC, chamando-o de "canalha".
Quércia terminou a eleição com 4,38%, atrás de Enéas Carneiro, do Prona. Talvez um dos fatos mais lembrados daquela disputa presidencial tenha sido seu embate com o jornalista Rui Xavier no programa Roda Viva, da TV Cultura, com um desfile de xingamentos, ofensas e ameaças nada usual na grade televisiva.
Sem candidatos do PMDB
A candidatura presidencial de Quércia foi a última do PMDB durante um bom período. Em 1998, a base da legenda aliada a FHC conseguiu barrar a candidatura própria na convenção realizada em março daquele ano. O placar de 389 contrários com 303 a favor já deixava à vista o diagnóstico recorrente de desunião. "Houve uma descortesia. Humilharam o Itamar Franco. Vai ser difícil reconstruir a unidade do partido", disse o senador Ronaldo Cunha Lima, defensor da candidatura própria, em referência ao ex-presidente que acabou candidato vitorioso ao governo de Minas Gerais. O partido não fechou apoio formal à reeleição do tucano, mas a maioria seguiu esse caminho.
Já em 2002, com a implosão da aliança dentre o então PFL, hoje DEM, e o PSDB, os peemedebistas indicaram a deputada federal capixaba Rita Camata como vice na chapa de José Serra. Mais uma vez a tese da candidatura própria foi vencida, assim como a pretensão renovada de Itamar Franco de ser o candidato peemedebista. Em 2002, nova derrota para os defensores de um presidenciável da sigla: a disputa teve a ala governista (agora pró-Lula) com 351 votos contra 303, mas não houve a formalização da aliança.
Em 2010, a vitória dos governistas foi expressiva, com 560 dos 660 votos apurados na convenção nacional optando pela coalizão com o PT e a indicação de Michel Temer para vice de Dilma Rousseff. O ex-governador do Paraná, Roberto Requião, e Antônio Pedreira, do PMDB do Distrito Federal, que buscavam a vaga para disputar a Presidência, conseguiram 95 e 4 votos, respectivamente. Em junho de 2014 a manutenção da aliança foi aprovada com 69,7% dos votos dos convencionais. Ali, Temer fez um discurso profético por vias tortas ao seus correligionários pedindo unidade (que efetivamente não ocorreu).
"Uma maior presença do PMDB na área social, assim como teve no passado. São ações relativas à saúde, à educação, à integração nacional, entre outras”, prometeu o vice.
A falta de um projeto nacional
"O atual MDB já há algumas eleições tem mostrado que não tem um projeto nacional. Ou ele embarca numa candidatura a vice ou em uma candidatura como a do Henrique Meirelles que não chegava a ser sequer uma aventura, com números insignificantes para um partido que ainda tem uma bancada de senadores e deputados federais expressiva", explica a cientista política e professora da PUC-SP Rosemary Segurado, em entrevista ao Jornal Brasil Atual. "Fica sempre numa negociação ou de uma candidatura à vice-presidência ou numa composição governamental em que possa ter alguns ministérios. Parece que isso lhe é suficiente. Um partido que tem uma história importante, desde antes da democratização."
Rosemary faz referência à candidatura do ex-ministro do impopular governo Temer às eleições de 2018, que cumpriu o rito de candidatos pouco expressivos ao Planalto por parte da sigla, marcando então o pior desempenho de um presidenciável do partido. Henrique Meirelles, mesmo tendo investido R$ 54 milhões em sua própria campanha, teve somente 1,2% dos votos válidos, finalizando sua participação atrás do Cabo Daciolo (Patriotas).
Henrique Meirelles investiu pesado, mas ganhou poucos votos em 2018 / Antonio Cruz/Agência Brasil
Com a candidatura de Simone Tebet, o desempenho deve ser pouco melhor que o da última eleição, mas nada que inspire possibilidade de vitória. "Uma das perguntas é como o MDB vai fazer para manter essa candidatura, até porque tem questões relacionadas ao recebimento do fundo eleitoral, que são importantes para o partido, mas certamente esse desembarque da candidatura da Simone Tebet é anterior ao embarque porque parte expressiva do MDB atual não vê essa candidatura com nenhuma possibilidade de representar o partido nacionalmente", aponta Segurado, destacando que a política local também se torna determinante para o apoio ou não a um presidenciável.
"O que um candidato do MDB em determinado estado olha: quem vai alavancar minha candidatura? É Simone Tebet ou o ex-presidente Lula? E as pesquisas estão mostrando que a influência de Lula em algumas regiões pode ser decisiva para os candidatos a governador. Obviamente aquele candidato do MDB e aqueles acordos locais estão olhando para sua própria sobrevivência", pontua.
A questão local é vital para a sobrevivência não apenas de políticos em determinadas regiões, mas do próprio poderio da legenda. O partido continua sendo o líder no ranking de prefeituras comandadas no Brasil, mas viveu um recuo expressivo em 2020, passando de 1044 em 2016 para 784. Isso pode ser um indicativo de redução de bancadas, com a perda de espaço para outras agremiações, em especial do chamado Centrão. No Senado, os emedebistas ainda são a maior sigla com 12 parlamentares, mas na Câmara ocupam um hoje modesto sétimo lugar, com 37 deputados.
O que pode ser dado como certo, independentemente dos resultados de 2022, é que parte do MDB deve buscar compor com um novo governo. Como lembra o professor de História do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) Cássio Augusto Guilherme, sem contar a gestão de Fernando Collor e o período inicial do primeiro governo Lula, até 2017 o PMDB permaneceu por 28 anos em coalizões governistas. Nisso, a história também pode se repetir.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado
Revista online | Em busca do Exército cidadão na república democrática
Ricardo José de Azevedo Marinho*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)
O que pensam os oficiais do Exército Brasileiro1 é um livro que aparece no percurso da pandemia do coronavírus e tem o propósito de discernir o principal marco da percepção dos oficiais do Exército Brasileiro (EB) em face da instituição em que atuam e da nossa democracia.
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Fruto de uma pesquisa, patrocinada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no âmbito de convênio celebrado entre o Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e o Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias (CEP-FDC), da Diretoria de Educação Técnica Militar (DETMil) do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), na linha do Edital do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa) de 2008, tratou-se de um survey em âmbito nacional, que envolveu questionário a 20.435 oficiais da ativa, o que possibilitou a construção de um banco de dados contendo os retornos de 2.423 respondentes.
Este livro oferece instigante interpretação sobre o EB, colocando seu foco nos oficiais. Trata-se de um retrato deles, obtido a partir do uso de potente zoom. O alcance destas lentes não deixa de lado sequer as forças que impelem o EB a tentar redefinir, tanto seu formato, como suas funções, sobretudo, após a Constituição de 1988. Assim, ainda que se possa sustentar que se trata de um "retardatário", quando comparado com outras instituições, também o EB se vê convidado a adaptar-se a um novo contexto democrático.
Duas ordens de questões são analisadas: de um lado, a questão institucional propriamente dita e, de outro, a característica das demandas que chegam até eles. E o resultado encontrado foi: um oficialato compassivo na avaliação do sistema de educação continuada que caracteriza sua formação; o deslocamento da ideia de vocação para a carreira militar em favor da ideia de sua estabilidade; a ênfase na capacitação profissional, com sua exigência correlata por melhor formação; e a demanda por acesso a vantagens conferidas a outras carreiras de Estado, dimensões que apontam para a ideia de profissão.
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O novo formato institucional assumido pelo EB é, como sustentam as autoras e o autor, menos o efeito de uma política desejada por estes do que uma consequência de um complexo processo de transição para a democracia.
Além do texto coletivo que dá corpo ao livro, ele conta ainda com um prefácio do professor Francisco Fonseca – Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP) –, uma apresentação do nosso imortal da Academia Brasileira de Letras José Murilo de Carvalho e posfácio do Eduardo Raposo, onde fazem a ponte da publicação com o contexto em que a vê surgir, aludindo que o 38º presidente do Brasil tenta usar os militares para forçar a barra na disputa política.
Isso não retira a importância do EB na balança política de 2022, ainda que seus oficiais não estejam majoritariamente dispostos a apoiar políticas momentâneas que alterem o curso de suas preferências, como revela a pesquisa em tela.
Importa reter que, quando entendeu que a pandemia não cabia na securitização e nas metáforas dos conflitos armados, o Ministério da Defesa (MD) oportunizou, para os profissionais civis e militares da área de saúde, treinamento para mitigar o coronavírus no Brasil. A capacitação dos profissionais vem sendo realizada em unidades de saúde militares, a exemplo do Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, e da Escola de Saúde do Exército (EsSEx), o estabelecimento de ensino militar responsável pela seleção e formação do Quadro do Serviço de Saúde do EB, no Rio de Janeiro.
Por tudo isso, O que pensam os oficiais do Exército Brasileiro realiza a tarefa de mostrar quem são eles, e o faz com maestria, traçando o perfil demográfico e social desses oficiais, sua trajetória profissional e suas atitudes em face de questões atinentes ao seu exercício profissional, ao sistema político e à sociedade. O livro é mais do que um simples retrato, sem consequências. É um retrato que, ao conferir estatura a esse grupo profissional, fornece elementos para a discussão tanto de questões relativas à própria corporação como dos desafios de uma democracia em busca de equalizar sua jornada.
1 Raposo, Eduardo, Carvalho, Maria Alice Rezende de e Schaffel, Sarita. O que pensam os oficiais do Exército brasileiro. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio. São Paulo: Hucitec Editora, 2022. 152 p.
Sobre o autor
*Ricardo José de Azevedo Marinho é professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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