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MPT pede afastamento de Sérgio Camargo da Fundação Palmares

Investigação concluiu que atual gestor é responsável por perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso

MPT no Distrito Federal e Tocantins

Brasília - O Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF) foi à Justiça Trabalhista e pediu o afastamento imediato de Sérgio Nascimento de Camargo da Presidência da Fundação Palmares pela prática de assédio moral.

A Ação Civil Pública, ajuizada na última sexta-feira (27/8), também requer que a Fundação Palmares não permita, submeta ou tolere a exposição de trabalhadores a atos de assédio moral praticado por qualquer de seus gestores, além de cobrar, no prazo de 180 dias, diagnóstico do meio ambiente psicossocial do trabalho, realizado por profissional da área de psicologia social.

O MPT também pede que a Fundação Palmares e seu presidente, Sérgio Nascimento de Camargo, sejam condenados, a título de reparação por danos morais coletivos, no valor de R$ 200 mil, a serem pagos de maneira solidária.

Perseguição política-ideológica:

Após um ano de investigação e de ouvir 16 depoimentos, entre ex-funcionários, servidores públicos concursados, comissionados e empregados terceirizados, o procurador Paulo Neto, autor da Ação Civil Pública, concluiu que há perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso por parte do Presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo.

Segundo o procurador, “os depoimentos são uníssonos, comprovando, de forma cabal, as situações de medo, tensão e estresse vividas pelos funcionários da Fundação diante da conduta reprovável de perseguição por convicção política praticada por seu Presidente e do tratamento hostil dispensado por ele aos seus subordinados”.

Os fatos apurados na investigação do MPT comprovam que Sérgio Camargo persegue os trabalhadores que ele classifica como “esquerdistas”, promovendo um “clima de terror psicológico” dentro da Instituição.

Para definir quem são os “esquerdistas” da Fundação Palmares, o presidente Sérgio Camargo monitora as redes sociais dos trabalhadores e até mesmo associa o tipo de cabelo com aparência típica de “esquerdista”.

Os relatos colhidos pelo MPT também confirmam o uso recorrente de palavrões e tratamento grosseiro contra os subordinados. A situação resultou no desligamento até mesmo de servidores concursados, que pediram para sair da Fundação em virtude do clima instalado a partir da chegada de Sérgio Camargo à presidência.

A Ação Civil Pública será julgada pelo juízo da 21ª Vara do Trabalho de Brasília.

Processo nº 0000673-91.2021.5.10.0021

Fonte: Ascom/MPT
https://mpt.mp.br/pgt/noticias/mpt-pede-afastamento-imediato-de-sergio-camargo-da-presidencia-da-fundacao-palmares-por-assedio-moral


Merval Pereira: "Recesso democrático"

O afastamento do governador do Rio Wilson Witzel trouxe à tona uma discussão política da mais alta importância para a democracia brasileira, sobre a possibilidade de que o governo autoritário do presidente Bolsonaro esteja manobrando o Judiciário com o objetivo de controlá-lo politicamente.

Não seria a primeira vez que democracias aparentes camuflariam o autoritarismo em vigor. Considerar que o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tenha tomado a decisão cautelar para se posicionar como candidato à próxima vaga do Supremo é uma desinformação, pois ele já tem idade superior ao limite de 65 anos para ser indicado para o STF.

Também a decisão não foi ilegal, pois o Supremo deu ao STJ o poder de determinar medidas cautelares contra governadores, sem que seja preciso ouvir a Assembléia. Não é provável, portanto, que o recurso da defesa do governador ao STF seja analisado antes da decisão do plenário do STJ, que tem reunião marcada amanhã para provavelmente avalizar a decisão de Benedito Gonçalves.

O que se tem criticado é o cuidado que ele poderia ter tido de esperar uma decisão do plenário que o fortaleceria, pois afastar um governador é assunto político delicado. Se, eventualmente, o presidente do STF, Dias Toffoli, resolver desautorizar o ministro do STJ, pode haver um choque entre instâncias judiciais.

De qualquer forma, a sobrevida política de Witzel seria curta, pois dificilmente ele escapará do impeachment na Assembléia Legislativa, que deverá estar concluído nas duas ou três próximas semanas.

O vice-governador Claudio Castro, que ontem anunciou com euforia subserviente um telefonema de apoio que recebeu do senador Flavio Bolsonaro, assume muito fragilizado, porque também é investigado, e é possível que, no decorrer da investigação, ele também seja afastado. A interferência do filho do presidente, embora seja representante do Rio de Janeiro no Senado, acrescenta mais dúvidas sobre se o afastamento do governador não beneficiará diretamente o clã Bolsonaro.

O governador interino Claudio Castro escolherá o próximo procurador-chefe do Ministério Público Estadual, que comanda as investigações sobre a “rachadinha” no gabinete de Flávio quando era deputado estadual, comandada pelo notório Queiroz.

Mesmo que queira, porém, será muito difícil que influencie os procuradores estaduais para que indiquem um colega bolsonarista para o cargo numa lista tríplice obrigatória, de onde sairá o escolhido.Todas essas teorias de conspiração surgem porque vivemos tempos estranhos, em que diversas vezes vimos tentativas de contornar os limites legais para impor a vontade do Executivo.

Decisões judiciais discutíveis que beneficiaram a família Bolsonaro foram tomadas, constatamos cotidianamente a disputa entre dois ou três candidatos à vaga do Supremo para ver qual agrada mais o presidente. Essa situação fez com que o ministro do Supremo e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin se pronunciasse duas vezes nos últimos dias contra o que chamou de “processo autoritário”.

Sem se referir diretamente a Bolsonaro, o ministro citou o livro “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt: “ (…) saber que é possível, sim, criar isso o que podemos chamar de endoautoritarismo, ou seja, manter-se um verniz democrático e, por dentro as instituições serem corroídas a tal ponto que o hospedeiro, que é a democracia, seja destruído pelo parasita, que é o autoritarismo”.

Fachin afirmou várias vezes que existe um “cavalo de Tróia” dentro da legalidade constitucional do Brasil, “que apresenta laços com milícias e organizações envolvidas com atividades ilícitas. Conduta de quem elogia ou se recusa a condenar ato de violência política no passado”.

Esse “recesso democrático” que estamos vivendo, de acordo com Fachin, também foi referido pelo ministro Luis Roberto Barroso, presidente do TSE e seu colega no Supremo, mas com uma visão mais otimista, embora diga que precisamos sempre ficar atentos: “Temos um presidente que defende a ditadura e a tortura, e ninguém defendeu solução diferente do respeito à liberdade constitucional. (…) A democracia brasileira tem sido bastante resiliente, embora constantemente atacada pelo próprio presidente”


Juan Arias: O Brasil afunda tragicamente aos olhos do mundo como um novo Titanic político

País começa a ser um clássico no mundo de como morrem as democracias e de como suas instituições vão se deteriorando numa cadeia infernal

O que está acontecendo com o Brasil, que aparece aos olhos do mundo não como uma potência mundial, mas como um novo Titanic que cada dia vai rachando politicamente, com efeitos econômicos perversos que estão afogando os mais fracos?

A nova podridão que aparece no Rio de Janeiro, com novos e graves escândalos de corrupção política —que já envolvem quatro governadores consecutivos— e as ferozes intrigas de poder que vão surgindo, está colocando de joelhos um dos Estados mais importantes do país. Sua capital sempre foi uma vitrine mundial de beleza e um objeto de desejo do turismo global.

E tudo parece cada dia mais grave porque, das entranhas dos casos de corrupção, surge desta vez o roubo de dinheiro destinado à luta contra a epidemia. Mais do que uma onda de corrupção política e empresarial, tudo parece indicar que estamos diante de uma luta feroz com vistas às eleições presidenciais de 2022 e a uma possível reeleição de Bolsonaro.

Enquanto o chefe de Estado ameaça “dar porrada” na cara dos jornalistas que o interrogam sobre os supostos escândalos de sua família, em todo o país há uma luta entre os diferentes poderes, que agem cada dia mais pelas costas da sociedade em guerras internas.

Sempre foi dito que o Brasil, o quinto maior país do mundo, coração econômico da América Latina, estava destinado a exercer um papel importante entre as demais potências mundiais. Lá de fora olhavam com surpresa e admiração o desenvolvimento econômico e cultural do país, que foi ganhando a simpatia mundial.

Hoje o céu do astro brasileiro começa a escurecer. Parece mais um país abandonado à própria sorte, já que a corrupção e a pequenez de seus dirigentes evidenciam o câncer que o devora por dentro do poder, paralisando o ímpeto que começava a ter dentro e fora de suas fronteiras.

Em meio a essa guerra entre os poderes e às ameaças de golpes de Estado enquanto todas as instituições se deterioram, os graves e atávicos problemas que este país nunca soube resolver — como a violência, o racismo e a escandalosa distribuição de renda—, a cada sete horas uma mulher é assassinada. A maioria dessas mulheres são negras ou pardas.

O Brasil começa a ser um clássico no mundo de como morrem as democracias e de como suas instituições vão se deteriorando numa cadeia infernal.

E agora que o mundo inteiro está em emergência por causa da pandemia, e quando existe mais necessidade de que os poderes dos Estados sejam fortes e capazes de fazer frente à emergência, o Brasil vai afundando cada dia com a descoberta de novas tramas de poder e lutas internas.

Daí a urgência para que as forças da sociedade e da oposição —a um Governo cada vez mais atropelado pelas inoperâncias de seus governantes e suas mesquinhas ambições— sejam capazes de salvar um país cuja colaboração no xadrez mundial se torna cada dia mais importante dentro e fora do continente.

O Brasil não é outro país bananeiro da América do Sul. Tem vocação de influência na política global, cada vez mais envolvida no retrocesso dos valores de liberdade e defesa dos direitos humanos, no qual a pandemia está abrindo novas lacunas de exclusão.

O país precisa com urgência de uma Justiça menos politizada e de uma política menos judicializada, num cenário onde cada uma das instituições do Estado possa manter sua independência e agir para o bem de toda a comunidade. O que vemos hoje é um país cada vez mais sujeito a uma política com “p” minúsculo voltada a manter e ampliar seus privilégios, dando as costas a uma sociedade cada dia mais perplexa e desiludida.

Se um dia o mundo olhou até com inveja para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, hoje o país corre o risco de se ver cada vez mais distante dos centros onde se forja o poder mundial. Uma mesa da qual o país se afasta devido à quebra de seus melhores valores, enquanto se desvanecem para os mais pobres as esperanças que os resgatavam de seu inferno de escravidões passadas.

Que os políticos e juízes, em vez de pensar em eleições e reeleições num puro jogo de poder, e em vez de trabalhar para conseguir mais privilégios que escandalizam as pessoas comuns, que têm que se sacrificar para poder comer, sejam capazes de uma renovação, algo que se torna mais urgente e vital cada dia que passa e a cada novo escândalo que surge de suas próprias entranhas.

O Brasil verdadeiro, o de suas tantas riquezas materiais e espirituais acumuladas através dos séculos, necessita hoje com urgência de novos líderes e estadistas que possam fazer renascer sua verdadeira identidade dos escombros de tanta indignidade institucional.


Eloísa Machado de Almeida: Decisão que afastou Witzel parece ter algo fora do lugar

Eleito em 2018, governador foi afastado do cargo por 180 dias em decisão de ministro do STJ

Ainda que o governador Wilson Witzel já tenha sido responsabilizado pelo Supremo Tribunal Federal pela condução de sua necropolítica durante a pandemia, com ordem para suspensão de operações policiais nas comunidades cariocas, que tenha contra si uma maioria sólida para um processo de impeachment e pululem indícios de corrupção com verbas de saúde, a decisão de seu afastamento preventivo como governador gerou desconforto.

A suspensão do exercício das funções públicas de Witzel por uma decisão monocrática de um ministro do Superior Tribunal de Justiça recolocou o tema sobre as imunidades constitucionais —e a forma com os tribunais a interpretam— no centro do debate jurídico e político do país.

A Constituição estabelece uma série de imunidades para detentores de cargos eletivos do Executivo e do Legislativo. São imunidades que procuram proteger a função relevante e representativa, impondo sobretudo limites mais severos à persecução criminal.

Parlamentares são invioláveis por suas palavras e votos, possuem foro por prerrogativa de função e não podem ser presos senão em flagrante de crime inafiançável, sendo tanto a prisão como o próprio processo criminal sujeitos à suspensão pelas Casas legislativas.

Para o cargo eletivo do Executivo, a Constituição é ainda mais exigente: a suspensão de mandato pela prática de crime comum se dá a partir de um duplo controle: a autorização prévia do Legislativo e o recebimento da denúncia pelo Judiciário.

As imunidades compõem uma série de controles judiciais e políticos que garantem não só estabilidade para o exercício da função como também reforçam a lógica da separação de Poderes. Mas não se trata apenas disso. A preservação do vínculo de representatividade entre eleitor e eleito é mais uma razão, talvez a maior delas, para a existência de imunidades a detentores de cargos eletivos.

A função é especialmente importante e protegida porque decorre de investidura vinda de voto.

As Constituições estaduais, na sua maior parte, reproduziram a mesma lógica da Constituição Federal: governadores só poderiam ser afastados do cargo com autorização prévia do Legislativo, seja no recebimento de denúncia por crime comum ou na hipótese de crime de responsabilidade.

Ainda que as regras constitucionais sejam consideravelmente claras, a interpretação dos tribunais tem sido vacilante quanto à sua extensão.

Nos últimos anos, foi ampliada a interpretação dada a flagrante de crime inafiançável para permitir a prisão de senador. Trata-se do caso Delcídio do Amaral, preso por decisão monocrática de Teori Zavascki, depois referendada em plenário.

Também recentemente, o Supremo passou por duas versões distintas de uma mesma questão jurídica: a possibilidade de afastamento da função pública como cautelar alternativa à prisão de parlamentares.

No caso Eduardo Cunha, a decisão monocrática também de Teori Zavascki, referendada depois em plenário, que suspendeu o exercício de suas funções, não passou por crivo da Câmara dos Deputados; logo depois, o Supremo decidiu que a decisão suspendendo mandato de Aécio Neves deveria ser analisada pelo Senado (que derrubou a decisão de afastamento).

Logo depois, o Supremo decidiu restringir a interpretação sobre foro por prerrogativa de função: crimes cometidos antes da diplomação e sem relação com mandato seriam investigados pelas instâncias ordinárias. Desde então, a decisão tem suscitado questões inéditas.

Juízes de primeira instância poderão determinar a prisão cautelar ou afastamento de deputados e senadores de suas funções? Poderão determinar busca em gabinetes parlamentares?

Recentemente, investigações contra José Serra (PSDB-SP) foram suspensas monocraticamente pelo presidente do STF, Dias Toffoli, pois as buscas determinadas por juízes de primeira instância poderiam afetar documentos relacionados ao atual mandato de senador.

Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado no suposto esquema das “rachadinhas” antes de se tornar senador, teve foro garantido.

O Supremo também tem se debruçado sobre as imunidades de governadores.

Para o tribunal, o regime de responsabilidade criminal de governadores deve ser distinto do conferido a presidente da República.

Por isso, o Legislativo estadual não pode ser uma etapa prévia para a análise da denúncia criminal, e governadores podem ser presos, inclusive por atos estranhos ao mandato e no curso do mesmo. Também para o Supremo, se alguém com cargo eletivo pode ser preso, pode receber uma cautelar diversa da prisão, como o afastamento da função pública.

A interpretação restritiva significou o avanço do Judiciário sobre as imunidades parlamentares e foi amparada —e isso é inegável— por um sistema político agindo de forma nada republicana, não raras vezes usando as imunidades como anteparo para a prática criminosa. Traem a lei e seus representantes.

Mas a substituição de maus políticos através de decisões judiciais instáveis, sem colegialidade e sujeitas a maior politização, tampouco é um bom resultado.

É nessa trajetória cheia de idas e vindas que se insere o caso de Wilson Witzel: uma decisão monocrática provisória de um ministro do Superior Tribunal de Justiça suspendeu o exercício das funções de um governador eleito.

Mesmo não sendo uma decisão inédita, estando repleta de indícios de crimes de corrupção (frise-se, afetando as políticas de saúde durante uma pandemia) e referenciada por uma série de julgamentos recentes, algo parece fora de lugar.

Não à toa. Afinal, o sofisticado desenho constitucional de responsabilização por crimes comuns, no qual a suspensão do mandato só ocorre com chancela dos pares eleitos e, sua perda, após trânsito em julgado da sentença penal condenatória com avaliação de um tribunal colegiado, foi substituído pela decisão cautelar de um único juiz.

É como se foro por prerrogativa de função, que se caracteriza pela colegialidade, fosse extinto na marra: um juiz sozinho pode afastar um governador.

A cautelar de afastamento de função pública é uma alternativa à prisão. Porém aplicada a cargos eletivos parece esquecer um componente essencial dessa relação: a proteção que a Constituição dá ao voto.

*Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP


Eliane Cantanhêde: Legalidade sempre!

Afastamento de Witzel por decisão monocrática e sem ouvi-lo acende luz amarela entre governadores

O Ministério Público acertou ao investigar e descobrir maracutaias justamente na área de saúde no Rio de Janeiro, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) errou ao decidir monocraticamente o afastamento do governador Wilson Witzel por 180 dias, sem nem sequer ouvir o que ele tem a dizer sobre as acusações, feitas a partir de uma delação premiada. Combater a corrupção, sim, mas abrir um precedente perigoso contra governadores, não. Por isso, o julgamento de terça-feira no plenário do STJ é tão importante.

Desde sexta-feira, há intensa troca de telefonemas e mensagens entre governadores, para analisar a situação e a operação que pegou Witzel de jeito. Ninguém defende Witzel, até porque eles não viram o processo e não conhecem as provas, mas todos defendem ferrenhamente a legalidade. Que o MP investigue e faça o que tem de fazer e que a Justiça decida, julgue, puna. Mas um único ministro afastar um governador eleito? Sem dar a ele acesso às acusações? Sem ouvi-lo?

Se hoje é Witzel, amanhã pode ser qualquer um. Há motivos para a preocupação. Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, a ministra Damares Alves disse, em bom e alto som, que estava tudo pronto para pedir a prisão de governadores e prefeitos. A deputada bolsonarista Carla Zambelli, do PSL, sabia de véspera das primeiras buscas e apreensões contra Witzel. O senador Flávio Bolsonaro avisou com antecedência que o vice-governador assumiria. Witzel lembrou que a subprocuradora-geral Lindôra Araújo é bolsonarista e amiga de Flávio. Amigo do meu inimigo é meu inimigo?

É um óbvio subterfúgio de réu que, sem resposta para os fatos, desqualifica acusadores. Mas serve de alerta para MP e Justiça serem milimetricamente rigorosos, sem abrir brechas ao acusado nem gerar desconfiança entre governadores. Uma coisa, legal, elogiável, é investigar roubalheiras e punir responsáveis. Outra é aproveitar erros de um governador para generalizar, jogar a opinião pública contra todos e criar ambiente para afastamentos, buscas e apreensões, até prisões.

Todo cuidado é pouco nessa hora, com o presidente Jair Bolsonaro em campanha e com tudo engatilhado para despejar sobre os governadores todas as culpas por 120 mil mortos, pandemia, economia, desemprego, queimadas, (falta de) educação. Bolsonaro vai posar de vítima, os governadores serão os réus. Bolsonaristas compram qualquer versão do “mito”. E os demais?

Witzel é uma das estrelas da “nova política” que invadiu governos estaduais e Congresso pelo PSL e PSC e na onda Bolsonaro. Nunca se ouvira falar num tal de Witzel e nem se sabia pronunciar o nome daquele juiz que caiu de paraquedas na eleição num dos três principais Estados do País, com direito a vídeo de apoio do general Augusto Heleno, um dos mentores da candidatura Bolsonaro.

O discurso de Witzel foi o mesmo que varou o País, com neófitos em Minas, DF, Norte, Sul, Centro-Oeste: Congresso, Supremo, política e políticos são uma porcaria, nós somos os bons, os salvadores da Pátria. Mas Witzel não é o único que sucumbe antes de completar dois anos de mandato. Aliás, como estão os processos contra Flávio Bolsonaro?

Por tudo isso e as provas que se acumulam, a repetição primária dos métodos do condenado Sérgio Cabral e a transformação de Helena Witzel na nova Adriana Ancelmo, os procuradores do Rio merecem aplausos, descortinando a corrupção, demolindo o discurso fraudulento. Mas não pode haver dúvidas quando Witzel se diz “massacrado politicamente”. Em vez de réu por corrupção, ele quer se passar por vítima do bolsonarismo. Se o STJ e o MP forem impecáveis, esse discurso não para em pé. Se não, o que é questão de justiça pode virar oportunismo político e ameaçar os governadores.


Ascânio Seleme: Não culpe o eleitor

O eleitor não foi afastado do seu cargo no Palácio Guanabara. Tampouco xingou jornalistas ou ameaçou dar porrada em um deles ao ser perguntado por que um  miliciano depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher

O eleitor não foi afastado do seu cargo no Palácio Guanabara. Tampouco xingou jornalistas ou ameaçou dar porrada em um deles ao ser perguntado por que um miliciano depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher. Não foi o eleitor que saqueou os cofres do Rio durante oito anos. Também não podem ser atribuídos a ele a compra de apoio de partidos com dinheiro público e o desfalque bilionário na Petrobras.

Ele cumpre sua obrigação cívica a cada dois anos e pode eventualmente errar nas suas opções eleitorais, mas não erra de propósito. De um modo geral, o eleitor tem boa intenção, vota pensando no futuro, quer que seu candidato encontre soluções para os problemas da sua cidade, do seu estado e do Brasil. Ele pode ser desatento e deixar para a última hora a decisão sobre quem votar, mas quando vota está certo de que fez a escolha certa.

O eleitor pode ser manipulado, claro que pode. Ele é objeto de uma imensa carga de informações, muitas vezes falsas ou fraudulentas nas redes sociais. É certo que a abundância de fake news pode distorcer a vontade do eleitor. Neste caso, ele também não pode ser responsabilizado pelos atos dos que foram eleitos usando armas antiéticas e ilegais.

Como um consumidor qualquer, o eleitor é bombardeado por campanhas publicitárias que tentam vender a ele o melhor candidato. E isso é bom. Ele precisa mesmo saber quem são os candidatos, qual o cardápio disponível para decidir em quem votar.

Essas propagandas de candidaturas são legais e fiscalizadas pelos tribunais eleitorais. Mentira não pode. Acusações sem prova contra adversários também não são permitidas. Há punições aos faltosos que vão da perda do espaço publicitário gratuito até a sua desqualificação para o pleito.

A imprensa também está ao lado do eleitor e pode ser uma ferramenta muito útil para ele escolher melhor. Ela esclarece em tempo real cada lance das campanhas eleitorais. Buscar informação de qualidade com certeza ajuda, mas mesmo que o eleitor não faça isso, ele não poderá ser culpado dos crimes cometidos por quem elegeu.

Ninguém vai às urnas com a determinação de votar num corrupto.

A boa vontade do eleitor é explícita. Com raras exceções, não se compra mais o voto com dinheiro ou sapatos. O que o eleitor quer é Educação, Saúde, Segurança Pública. Em alguns casos, quer água potável na sua torneira, esgotamento sanitário adequado, recolhimento regular do lixo. Quer um governo que estimule a economia de modo que ele possa manter seu emprego ou encontrar um lugar no mercado de trabalho.

Claro que há eleitores que pensam que elegendo este ou aquele governante poderão se dar bem. Mas estes não contam e sozinhos não elegem ninguém. O eleitor é honesto, tem um bom coração e ama seu país. Algumas vezes é ingênuo. E, claro, todos sabem que honestidade e bons princípios são méritos admiráveis.

Foi o mesmo eleitor de bom coração que elegeu Lula em 2002 e Bolsonaro em 2018. Nos dois casos mudou o curso da História. Essa é sua responsabilidade e por ela deve ser cobrado. Se Lula e Bolsonaro perderam depois a sua confiança, a culpa é deles, não de quem os elegeu.

Os extremistas, embora barulhentos, são minoria. Em qualquer contexto que se os coloque, serão sempre minoria. O eleitor não foi às urnas em 2018 para eleger um fascista antidemocrático. Ele queria corrigir o que viu como um erro cometido anos antes. Deu no que deu, mas a culpa não é dele, que mais cedo ou mais tarde vai acabar corrigindo também esse erro.

Por fim, o Brasil tem a cara do seu povo, do seu eleitor. Viva o Brasil.

Rindo de quê?
O presidente riu, ontem, ao comentar com um apoiador na saída do Alvorada o afastamento do governador Witzel. Achou engraçado o envolvimento da mulher do governador num denunciado esquema de corrupção no Rio. O curioso é que Bolsonaro não ri quando o assunto é o depósito de R$ 89 mil feito por Queiroz na conta da sua mulher. Pelo contrário, pergunte isso a ele e veja como fica irado. E, cuidado, o valentão pode ameaçar dar uma porrada na sua boca. Ele também não acha graça das rachadinhas criminosas feitas ao longo de anos no gabinete do seu zero mais velho na Alerj.

De Silvinho a Jair
No século passado, um Fiat Elba derrubou um presidente. Foi este o modelo do carro que o ex-presidente Fernando Collor comprou com dinheiro do seu testa de ferro Paulo César Farias, o PC. A falcatrua foi revelada pelo jornalista Jorge Bastos Moreno e com ela a CPI acabou carimbando o impeachment de Collor. Neste século, o carro da onda é o Land Rover. Há pouco mais de 15 anos, Silvio Pereira (o Silvinho), um assessor do então presidente Lula, foi presenteado com um veículo desse por uma empreiteira amiga. Dançou, claro. Agora, soube-se esta semana, apareceu um novo Land Rover na História política nacional, desta vez comprado por Jair Bolsonaro da enrolada ex-mulher do encrencado advogado Frederick Wassef. É bom ficar de olho aberto.

Gore de Deus
Nenhuma dúvida que Bolsonaro mais uma vez envergonhou os brasileiros ao convidar o ex-vice-presidente americano e ambientalista Al Gore para juntos explorarem a Amazônia. Na conversa mantida entre ambos em Davos, ocorrida em janeiro do ano passado e divulgada esta semana, o presidente do Brasil também disse que durante a ditadura combateu o falecido Alfredo Sirkis, velho amigo do americano. Mas, tudo bem, esse é o presidente que temos e que todo o mundo conhece. Estranho mesmo foi o ex-vice de Bill Clinton ter procurado Bolsonaro e falado de Sirkis e da Amazônia. Em que mundo Al Gore vive, meu Deus? Não é possível que ele não soubesse com quem estava lidando. Era fácil evitar o contato, bastava não atravessar a sala. E se atravessasse, poderia dar um breve alô a Bolsonaro e seguir em frente. Ou simplesmente ignorá-lo.

Legados e sequelas
Governos normalmente deixam legados. Alguns passam em branco, como o de Dilma Rousseff, mas é raro. Até Collor deixou uma herança positiva, foi a abertura da economia fechada dos tempos da ditadura e mantida assim na gestão de José Sarney. Deste, o legado foi a tolerância em favor da redemocratização em curso naquele tempo. Itamar e Fernando Henrique deixaram o Real. Lula abriu os cofres para os mais pobres. Temer foi um reformista. Já Bolsonaro, bom, não se pode atribuir a ele a reforma da Previdência, que foi obra do Congresso. Tampouco o seu programa de inclusão social pode ser a ele atribuído, trata-se de um “copia e cola” do petismo. Governos deixam legados, o de Bolsonaro por ora só deixou sequelas.

Nelson Rodrigues
A história de Flordelis e Anderson é digna de uma novela, a começar pelo nome da principal personagem da trama. O assassinato sozinho já daria um excelente roteiro. Imagine uma mulher executando o marido a tiros, com a ajuda de sete filhos e uma neta, depois de tentar algumas vezes matá-lo por envenenamento. Mas tem um detalhe sexual na história que aumenta a sua combustão. O morto era filho da Flordelis. E namorou uma irmã, antes de se amasiar com a mãe. O incrível é que ainda tem gente que acha Nelson Rodrigues exagerado.

Efeito positivo
As lojas de eletrodomésticos, físicas ou on-line, estão vivendo um boom nos negócios desde o início da pandemia. Não se trata de aumento de compras, porque não houve o impacto semelhante na indústria do setor. A explicação, segundo especialistas, é a forte retração do contrabando. Tanto os contrabandistas profissionais como os famosos sacoleiros estão de quarentena em casa. Por isso, não estão disponíveis no mercado eletrodomésticos comprados para lá da fronteira, sobretudo no Paraguai, e internalizados no Brasil ilegalmente. O volume das compras não aumentou, foi apenas concentrado no comércio formal.

Democracia sempre
Um grupo de cidadãos suíços e brasileiros vai lançar em Genebra, no dia 6 de setembro, um manifesto pela preservação das instituições democráticas no Brasil. Um dos idealizadores, o jornalista Jean-Jacques Fontaine, convidou seus colegas Fernando Gabeira, Reinaldo Azevedo e Jamil Chade para um debate on-line no dia do lançamento do manifesto.


Míriam Leitão: Águas do Rio e conflito federal

Até as águas do Rio Jordão sabem o que está se passando no Rio de Janeiro. Há uma guerra entre os que se banharam nas mesmas águas. O que levou Wilson Witzel do traço na intenção de voto ao Palácio Guanabara foi a onda bolsonarista. O mesmo discurso anticorrupção, o uso da religião, e a apologia das armas. Bolsonaro fazia o gesto da arma na mão, Witzel dizia que daria “tiro na cabecinha”. Bolsonaro passou pelo PSC, onde lançou sua pré-candidatura e foi batizado pelo Pastor Everaldo, Witzel foi eleito pelo PSC. Hoje os dois lados se acusam mutuamente. Witzel acha que está sendo perseguido pelo presidente, através do Ministério Público Federal, Bolsonaro acha que seus filhos são perseguidos por Witzel, através do MP estadual e da Polícia Civil.

A política do Rio de Janeiro tem água turva demais. Quatro governadores passaram pela prisão, um permanece entre grades e outro está em prisão domiciliar. A PGR chegou a pedir a preventiva de Wilson Witzel, o ministro do STJ Benedito Gonçalves apenas o afastou. De tarde, o ministro Alexandre de Moraes permitiu a continuidade do processo de impeachment, o que pode afastá-lo definitivamente do cargo. Bolsonaro já disse que “o Rio é o estado mais corrupto do Brasil”, mas foi onde fez a sua carreira, na qual jamais se mobilizou contra a corrupção. Fez sua vida política defendendo bandeiras corporativas das forças de segurança e emitindo sinais de simpatia à milícia. Com essas alavancas e usando o sentimento anticorrupção, foi mais longe do que qualquer outro do estado. Jair Bolsonaro é o primeiro político do Rio a ser eleito presidente da República. Antes dele, apenas Nilo Peçanha, o vice de Afonso Pena, ocupou a presidência, de 1909 a 1910, após a morte do titular.

O Rio vive a sua tragédia de cenas repetidas. “Nós nos sentíamos num túnel do tempo”, disse o procurador federal Eduardo El Hage, sobre o que pensaram os procuradores diante dos indícios do envolvimento do escritório de advocacia da primeira-dama na passagem do dinheiro de propina. O Rio está preso no túnel de um tempo circular que repete sempre as mesmas cenas.

Chega a ser bizarro ler como o governador mandou um email com o contrato do escritório de Helena Witzel com uma empresa que se comprometia a pagar valores mensais, e um grande adiantamento, à primeira-dama. “Observa-se que a primeira-dama, apesar de ser advogada e ser quem figurava como contratada, não participou diretamente do próprio contrato de prestação de serviços advocatícios”, diz a acusação. Além disso, não há sinal de serviços prestados.

Witzel tem muitas explicações a dar, mas Bolsonaro também deve respostas. Durante a campanha, o elo de ligação entre Bolsonaro e Witzel foi o senador Flávio Bolsonaro. Meses depois de ter sido eleito, o governador começou a indicar que sonhava com a cadeira de presidente. A um dirigente de empresa federal, logo no primeiro encontro, o governador contou que sua mulher falara da vontade de ter um apartamento na Zona Sul. E ele teria dito que ela deveria se acostumar a morar em palácios. Primeiro o Laranjeiras, depois o Alvorada. Histórias assim foram chegando a Brasília, até que o próprio governador admitiu que concorreria. Foi isso o que os separou.

Bolsonaro acusou Witzel de ter vazado investigações que estavam em segredo de justiça, do depoimento, depois desmentido, do porteiro do condomínio do presidente sobre o assassinato de Marielle. Acusou o governador de usar a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio contra seus filhos Flávio e Carlos. “Armaram há pouco tempo uma busca e apreensão na casa do meu filho Carlos, já com provas forjadas para jogar para cima dele, com dinheiro lá dentro, com armas, com drogas”, disse o presidente em uma transmissão ao vivo no dia 4 de janeiro, sem indicar a origem da informação.

Witzel, desde a primeira operação de busca e apreensão, culpa o presidente de o estar perseguindo; no começo, usando a Polícia Federal e ontem através da sub-procuradora Lindôra Araújo, que seria ligada a Flávio. O pastor Everaldo, que batizou Bolsonaro no Rio Jordão para atrair o eleitorado evangélico, foi ontem levado à prisão. O espetáculo exibido nesta sexta-feira pareceu ao cidadão do Estado do Rio um filme antigo. Com uma peculiaridade: é um faroeste sem mocinho.