Aécio Neves

O Globo: Aécio sinaliza a aliados que irá disputar vaga na Câmara

Tucano teria avaliado que rejeição nas pesquisas inviabilizaria reeleição ao Senado

BRASÍLIA — O senador Aécio Neves (PSDB-MG) sinalizou a parlamentares mineiros que vai concorrer a deputado federal nas eleições de outubro. Segundo aliados, o tucano concluiu que não há condições políticas para tentar obter nas urnas um novo mandato ao Senado. Apesar de aparecer em segundo nas pesquisas, o senador teria um índice de rejeição elevado, o que, na avaliação dos tucanos de Minas, inviabilizaria sua candidatura. Aécio é réu em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que apura os crimes de corrupção passiva e obstrução de Justiça no episódio do repasse de R$ 2 milhões de Joesley Batista. Ele também é investigado no Supremo em inquéritos derivados da Operação Lava-Jato.

Oficialmente, a assessoria do tucano afirma que ele ainda não se manifestou sobre seu futuro político. Parlamentares do PSDB de Minas ouvidos em caráter reservado pelo GLOBO, dizem, no entanto, que Aécio, além de pensar na disputa da Câmara, tem refletido inclusive sobre a hipótese de deixar a política e não ser candidato.

— O sentimento é de que ele será candidato a deputado federal. É o que ele tem sinalizado para nós, mas ele não oficializou ainda sua posição. Temos que esperar — disse um parlamentar mineiro.

A convenção do PSDB de Minas Gerais será dia 28 de julho. O presidente do diretório mineiro, deputado Domingos Sávio, afirma que os tucanos esperam um pronunciamento formal de Aécio até lá.

— A posição que o senador Aécio tomar será respeitada. Essa dúvida sobre o destino dele (Senado ou Câmara) toma conta de todos nós, mas ele irá responder sobre isso até o dia da convenção — diz Sávio.

Os tucanos mineiros relembram que a candidatura de Aécio ao Senado começou a naufragar na negociação da cúpula do PSDB que tornou o senador Antonio Anastasia o candidato do partido ao governo de Minas Gerais. Ex-governador mineiro sucedendo o próprio Aécio no cargo, Anastasia, que foi vice do tucano, teria incluído como condição para disputar o Palácio da Liberdade o veto do partido à reeleição do ex-companheiro de governo ao Senado.

Nas conversas com tucanos de sua confiança, Aécio tem debatido a possibilidade de seguir dois caminhos: a candidatura a deputado e a desistência de disputar as eleições. A segunda opção, segundo os tucanos, agrada a própria família de Aécio, que pressionaria o tucano a deixar a política. Concorrer à cadeira na Câmara é considerada uma saída atrativa para Aécio porque ele manteria, caso eleito, as prerrogativas parlamentares que lhe asseguram tratamento especial nos casos em que é investigado.

O acerto em torno da candidatura de Anastasia contou com o aval do presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin, que já confidenciou a aliados não querer "carregar" Aécio numa campanha a presidente. Alckmin é o pré-candidato do PSDB à Presidência e deve ter seu nome oficializado em convenção, no próximo dia 4 de agosto.

Em abril, pouco depois de o STF tornar Aécio réu, Alckmin afirmou afirmou que seria “ideal” para o partido que Aécio não fosse candidato ao Senado. O tucano argumentou que o veto a Aécio seria uma forma de demonstrar que o PSDB lidaria de forma diferente que o PT com as denúncias de irregularidades praticadas por seus filiados.

— Claro que o ideal é que não seja candidato, é evidente — afirmou Alckmin, em entrevista à Rádio Bandeirantes.

Para o PSDB mineiro, a prioridade é eleger Antonio Anastasia governador. Neste contexto, o partido poderá usar a vaga na chapa que seria de Aécio para atrair partidos que possam engrossar a aliança em torno do tucano. O PSD indicou o deputado Marcos Montes (MG) como potencial vice de Anastasia.

O cenário em Minas Gerais ainda é complicado. O PSDB gostaria de uma composição com o DEM, que também tem o deputado Rodrigo Pacheco (MG) como pré-candidato ao governo estadual. Há ainda dúvidas sobre a postura do PSB, por exemplo.

 


O Globo: PF indica que Aécio atuou para maquiar dados usados por CPI que investigou mensalão

Relatório aponta ‘provas indiciárias’ da participação de senador

Por André de Souza, de O Globo

BRASÍLIA — Em relatório finalizado em maio, a Polícia Federal disse ter conseguido comprovar, por meio de provas indiciárias, que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) atuou em 2005 para maquiar os dados do Banco Rural entregues à CPI dos Correios, que investigou o esquema do mensalão. Segundo o delegado Heliel Jefferson Martins Costa, o objetivo era esconder os vínculos da instituição com as empresas de Marcos Valério, operador do mensalão, e o governo de Minas Gerais, comandado na época por Aécio.

No relatório, Heliel explica que as provas indiciárias ocorrem nos casos em que “são demonstrados fatos secundários, devidamente comprovados, a partir dos quais é possível extrair a convicção da existência do fato probando, por meio de induções ou raciocínio lógico”. Em outras palavras, o delegado diz que o envolvimento do senador tucano teria sido provado a partir de fatos que, reunidos em ordem lógica, possibilitam ao investigador afirmar que Aécio não tinha como não saber ou não ter participado da trama apurada.

A investigação teve origem na delação do senador cassado Delcídio Amaral, que presidiu a CPI dos Correios entre 2005 e 2006. Ele contou, em um dos seus depoimentos, que a quebra dos sigilos da instituição financeira, envolvida no escândalo do mensalão, comprometeria políticos tucanos, entre eles Aécio. Para evitar que os tucanos aparecessem na investigação, o ex-governador teria participado da articulação para maquiar os dados do banco juntamente com o então vice-governador Clésio Andrade.

O delegado apontou provas indiciárias que remontam a 2004 para justificar sua linha de raciocínio. Naquele ano, as empresas de Valério receberam 50% da verba de R$ 30 milhões de publicidade do governo Minas Gerais. Também em 2004, Heliel apontou um empréstimo fraudulento no valor de R$ 700 mil contraído pela SMP&B, de Valério, junto ao Banco Rural. Os avalistas foram políticos tucanos ligados a Aécio. Em 13 de junho de 2005, pouco depois de o ex-deputado Roberto Jefferson denunciar o mensalão e a atuação de Marcos Valério como operador do esquema, foi feita uma operação para ocultar o nome dos tucanos, que foram avalistas da transação.

A maquiagem se deu, de acordo com o relatório, com a prorrogação do prazo para que o Banco Rural apresentasse à CPI informações sobre os empréstimos contraídos por Valério, que levou à exclusão dos nomes dos fiadores da operação. Aécio teria atuado para que Delcídio aprovasse o novo prazo para o banco prestar informações.

“A exclusão foi feita sem qualquer motivação idônea, vez que não houve alteração nas garantias dadas para quitar o empréstimo que justificassem a renúncia pelo banco dos compromissos fidejussórios (garantias) prestados por Mauri José — presidente da ALMG e líder do Governo Mineiro naquela casa legislativa — e Danilo de Castro — secretário do Governo de Minas Gerais à época dos fatos”, escreveu o delegado.

“Entendo haver restado ao final desta investigação definitivamente comprovado que, em meados de 2005, durante os trabalhos realizados pela CPMI dos Correios, com vontades livres e conscientes, mesmo sabendo da natureza criminosa de suas condutas, Aécio Neves da Cunha e Clesio Soares de Andrade, através de pessoa não plenamente identificada, mas que agia no interesse destes, ofereceram ou prometeram, ainda que tacitamente, indevida e futura vantagem política para que Delcídio, na condição de presidente da CPMI, praticasse ato de ofício contrário a seu dever legal", escreveu o delegado.

O advogado Alberto Toron, que defende Aécio, criticou as conclusões do delegado:

— Eu não examinei o relatório. Mas acho grosseira essa conclusão.

Eugênio Pacelli, advogado de Clésio, também criticou o relatório:

— O relatório é de uma fragilidade constrangedora, porque se reporta a uma pessoa não identificada como autora do crime. Esse é um ponto. E o segundo ponto é que a PGR, quando se manifesta depois desse fato, sequer menciona o nome de Clésio.

Em documento enviado ao STF, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu o envio do processo para Justiça Federal de Brasília. Como os supostos crimes ocorreram quando Aécio era governador, eles não têm relação com o mandato parlamentar. Assim, diz Dodge, não há foro privilegiado.


Merval Pereira: PSDB sem rumo

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de, por unanimidade, aceitar a denúncia contra o senador Aécio Neves, tornando-o réu de uma ação penal por corrupção ativa e obstrução da Justiça devido a um suposto empréstimo recebido em malas de dinheiro de Joesley Batista é um duro golpe não apenas no ex-candidato tucano à presidência da República como em todo o PSDB.

No plano regional, fica quase impossível Aécio Neves tentar a reeleição ao Senado, e até mesmo uma cadeira na Câmara dos Deputados em Brasília parece fora de seu alcance neste momento. Além disso, a pré-candidatura ao governo de Minas do senador Antonio Anastasia deve naufragar.

O ex-governador mineiro aceitou o encargo como uma missão partidária, para dar um palanque forte a Geraldo Alckmin em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país. Com essa carga que representa o processo contra Aécio Neves no Supremo, dificilmente ele manterá sua candidatura, pois a esta altura não há mais serventia para os tucanos nesse sacrifício.

Se continuar será por um dever partidário, mas não há mais razão para acreditar na possibilidade de os tucanos mineiros serem competitivos em Minas. Sem contar que o ex-presidente do partido Eduardo Azeredo pode ser condenado em segunda instância nos próximos dias pelo chamado mensalão mineiro.

O candidato tucano Geraldo Alckmin estará enfraquecido em Minas e também em São Paulo, onde o atual governador Marcio França prepara-se para uma guerra com o tucano João Dória pelo governo do Estado e terá provavelmente um candidato a presidente a apoiá-lo que não será Alckmin, mas o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.

O ex-governador paulista Geraldo Alckmin ainda tem contra si o perigo de uma delação premiada de Paulo Preto, tido como operador do PSDB, e a indefinição do centro político, fragmentado em diversos candidatos. Ele já está perdendo votos no Sul-Sudeste para o ex-tucano Álvaro Dias, e até mesmo em São Paulo Jair Bolsonaro tira nacos consideráveis do eleitorado tucano, sem falar no centro-oeste, onde o pessoal do agronegócio tende a preferi-lo devido a uma campanha agressiva contra as invasões do MST.

No nordeste Alckmin perde condições de se recuperar para Marina Silva, que herda parte do eleitorado de Lula e disputará o eleitorado tucano nacional decepcionado com o partido. Também o PSB tem força regional no nordeste a partir de Pernambuco, e se tiver um candidato como Joaquim Barbosa terá condições de entrar no mercado de votos lulista.

Sem contar com a popularidade na região de Ciro Gomes, que vem herdando parte do espólio de Lula, mesmo à revelia do PT. Para piorar a situação dos tucanos, o presidente Michel Temer, aconselhado por Sarney, faz questão de ter um candidato para defender seu governo. Se ninguém se dispuser, pois até o momento a tarefa é rejeitada por todos os partidos, que, na frase de Temer, querem namorar o MDB, mas nenhum quer casar, o próprio presidente se dispõe a essa tarefa.

Segundo a análise de Sarney, seu maior erro foi não ter um candidato que pudesse chamar de seu, para defendê-lo dos ataques, que vieram de todas as direções. O mesmo acontecerá a Temer se ele não conseguir ser representado nessa eleição presidencial, muito parecida com a de 1989.

A diferença fundamental até agora não mostrou sua influência intuída pelos políticos tradicionais: a força das coligações partidárias, das máquinas eleitorais, o tempo de televisão e o fundo partidário. O cientista político Alberto Carlos de Almeida fez um balanço do nível de rejeição dos candidatos a presidente e explica porque esse índice converge para um mesmo patamar.

Para ele, a razão é prosaica: o fato de Lula ter passado para a oposição. Na série, fica claro que ele chega ao máximo da rejeição no mês anterior ao impeachment, e partir do momento em que deixa de ser governo, começa a cair a rejeição.

Como ele assumiu a proa da oposição ao governo, ofuscou os demais, saindo de 45% para 35%, enquanto os outros subiram de 15% para 25%. Uma explicação complementar, segundo Alberto Carlos de Almeida, é que a rejeição é a todos os que se colocam na política, inclusive Lula, que continua sendo o mais rejeitado.

O aumento da rejeição de Bolsonaro se explica pela maior exposição. Alberto Carlos de Almeida ainda acha que a polarização PT – PSDB pode ser repetida, e pega uma declaração de Alckmin para reforçar sua tese: “Bolsonaro no segundo turno é um passaporte para o PT”, disse ele.

Do lado dos tucanos, ele ressalta que quando se somam os votos de Alckmin e de Álvaro Dias, que tem DNA tucano, o PSDB chega a 12%. Se as coisas andassem normalmente, também o DEM estaria na aliança com os tucanos. Ele continua achando que o tempo de televisão e a maior parcela do Fundo Partidário darão vantagens aos grandes partidos.


Míriam Leitão: O inferno são os outros

O senador Aécio Neves pediu dinheiro a um empresário que confessou comprar parlamentares e avisou que a encomenda teria que ser carregada por alguém “que a gente mata antes de fazer delação". É difícil imaginar prova mais clara, e mortal, de obstrução de Justiça. O ex-governador Geraldo Alckmin recebeu em espécie, e não declarou, R$ 10 milhões da Odebrecht, mas responderá apenas na Justiça Eleitoral.

O ex-presidente do PSDB, ex-governador de Minas e ex-senador Eduardo Azeredo está nas raízes do primeiro escândalo de corrupção da nova safra. Ele fez em Minas o rascunho do que viria depois a ser o mensalão. A mesma engenharia financeira, o mesmo Marcos Valério, a mesma SMP&B, o mesmo Banco Rural. Foi condenado a 20 anos e o tempo corre contra a execução da pena. Ele tem abusado da patologia recursal brasileira, e com sucesso.

Aécio Neves está solto e exercendo seu mandato. O Supremo decidiu que o Senado poderia anular a ordem do próprio Supremo de suspensão do mandato. No caso de Alckmin, a decisão da Procuradoria-Geral da República de enviar o caso à Justiça Eleitoral porque há “só” caixa dois, e é “prática comum em caixa dois a entrega do numerário em espécie”, nas palavras do subprocurador-geral, revoga tudo que o país aprendeu com a Lava-Jato. Quase todos os acusados disseram que seus casos eram “só” de caixa dois, mas normalmente isso está conectado a outros delitos. Dinheiro em espécie entregue pela notória Odebrecht é indício de lavagem.

O inferno desse momento que o Brasil atravessa são os outros, para pegar emprestada a frase do filósofo Jean-Paul Sartre. São todos os outros que mostram como é persistente e longa a história de impunidade dos crimes de colarinho branco no Brasil. O mensalão e a Lava-Jato são uma quebra de paradigma. Podem ser o começo de um novo tempo, ou agravar ainda mais a sensação de uma Justiça seletiva.

Os tucanos sempre foram opostos aos petistas na economia, e adversários na arena política. Pois quando a denúncia chegou aos seus, se comportaram de forma idêntica. O PSDB era presidido por Eduardo Azeredo quando estourou o mensalão mineiro e continuou presidindo a legenda até o fim da gestão. Era presidido por Aécio Neves quando veio a público a conversa dele com o empresário Joesley Batista. Permaneceu presidente de fato. O PSDB fingiu afastá-lo, mas ele mostrou sua força no episódio em que forçou a saída do interino Tasso Jereissatti.

Há uma lista de outros, soltos por aí, porque seus inquéritos andam lentamente quando estão em tribunais superiores. O presidente Michel Temer conseguiu barrar duas denúncias contra ele e, diante da pressão contra seus amigos, o Planalto usa a surrada desculpa de que é denúncia “requentada". Como se as suspeitas se dissolvessem por repetição.

A lentidão tem sido o outro nome da impunidade. O símbolo disso é Paulo Maluf. A chegada da Justiça foi tão demorada que o encontra octogenário e, como disse o Hospital Sírio-Libanês, com “confusão mental". Ele faz parte da geração dos políticos que tinham certeza de que nada os alcançaria, se tivessem bons advogados especialistas na quase infinita estrada recursal. Agora a Justiça está se apressando. Mas não para todos.

A defesa do senador Aécio Neves diz que ele foi “vítima de uma situação forjada arquitetada por criminosos confessos que buscavam firmar um acordo de delação premiada fantástico". Há pedaços de verdade aí, mas a tese é falsa. Joesley Batista é criminoso confesso e estava em busca de provas para fazer a delação com um pedido fantástico: o da inimputabilidade. O prêmio foi concedido e depois, felizmente, suspenso. O inferno para o senador é que ninguém o forçou a procurar o empresário, pedir dinheiro e dizer os absurdos que disse, como a ameaça de morte feita ao carregador de malas; seu primo, a propósito.

O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer, disse que a Justiça não pode fazer “compensação”, querendo dizer que não pode apertar o cerco sobre os tucanos porque prendeu o ex-presidente Lula. Não se trata de compensação, mas de Justiça. Todos os suspeitos precisam ser investigados, todos os condenados precisam cumprir suas penas. É assim em países onde funciona o império da lei.


Merval Pereira: PMDB do B

O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra. Interessante a estratégia do grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG) para não caracterizar a saída de Bruno Araújo do ministério de Temer como um protesto. Ele se antecipou a seus colegas, e foi anunciado que coordenará a campanha do governador de Goiás, Marconi Perillo, à presidência do partido.

Ao mesmo tempo, abre caminho para uma reorganização ministerial, deixando Temer com o cobiçado Ministério das Cidades livre para negociações. Com a decisão do governador de Goiás de não aceitar uma candidatura de consenso para a presidência do PSDB, insistindo em permanecer na disputa, fica claro que a candidatura do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, à Presidência da República não é consensual.

A disputa pela presidência do partido será um divisor de águas, e se o grupo do senador Aécio Neves demonstrar que ainda controla as bases partidárias, provavelmente, aliado ao governo Temer, apresentará outro candidato, que poderá ser o prefeito João Doria ou o próprio Perillo, que há muito tem o sonho de se candidatar à Presidência da República.

Ou se aliar a uma candidatura que represente uma eventual retomada econômica, como a do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, filiado ao PSD de Kassab. Que, aliás, poderia apoiar também seu velho aliado, o senador José Serra, que pretende disputar o governo de São Paulo.

O centro da disputa passou a ser o futuro do PSDB visto pelas lentes do grupo do senador Aécio Neves, que já anunciou que pretende se candidatar a um cargo majoritário nas próximas eleições, governador de Minas ou senador.

Mesmo tendo o controle da maior base eleitoral do partido, o governador Geraldo Alckmin não tem influência importante nas demais máquinas estaduais, o que aparentemente o senador Aécio Neves mantém, apesar dos percalços por que vem passando. Se a opção desse grupo for mesmo por um candidato paulista, como Doria, em oposição a Alckmin, não restará ao governador outra saída que ir para o PSB, uma alternativa que estava em cogitação já desde que escolheu Márcio França para seu vice.

O PSB ganhará de qualquer maneira um governador de São Paulo, em troca de apoio a Alckmin numa coligação ou, no limite extremo, lançando-o à Presidência da República. A montagem prevista por Fernando Henrique, com a indicação de Alckmin como candidato de consenso à presidência do PSDB, levaria a uma decisão antecipada do candidato do partido à Presidência, e a um ambiente mais pacificado.

A resistência até o momento de Marconi Perillo, e agora o anúncio de que a saída de Bruno Araujo não significa o início da debandada tucana, mas o reforço de uma candidatura a presidente do PSDB com o apoio do Palácio do Planalto, demonstra que a estratégia do grupo de Aécio Neves é mais ampla.

Controlando o partido no ano da eleição, esse grupo poderá impor as soluções que lhe convierem. A destituição do presidente interino, senador Tasso Jereissati, combinada com o próprio presidente Michel Temer, faz parte de um acordo que certamente coloca o PMDB mais uma vez em uma coligação eleitoral que, se será prejudicada pela baixa popularidade governista e pela imagem fisiológica do partido, terá recompensas com o tempo de televisão e a máquina governamental.

Além da esperança de que a economia estará em melhores condições em 2018, beneficiando os aliados do governo. Resta saber se os mecanismos da velha política ainda serão úteis em um país que está polarizado entre posições radicalizadas à esquerda e à direita, e ansiando pelo novo, que tenta surgir, apesar do ambiente adverso.

O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra, transformando-se numa espécie de PMDB do B.

 


Ruy Fabiano: O declínio da esquerda

PT e PSDB, que por décadas simularam um antagonismo de fachada, chegam juntos ao ocaso político. Enquanto o PT padece as consequências do desastre que impôs ao país, o PSDB, que lhe oferecia falso contraponto, perde suas referências existenciais.

Sua identidade vincula-se à do PT, que protagoniza a esquerda carnívora, enquanto os tucanos posam de socialistas vegetarianos, no melhor estilo da estratégia das tesouras, concebida por Lênin.

Ambos, porém, são faces da mesma moeda, que ora sai de circulação, sob o desgaste da Lava Jato e da debacle institucional do país. Se o povo ainda não sabe o que quer, já sabe, no entanto, o que não quer. E o projeto esquerdista, lastreado no politicamente correto, que busca minimizar ou ultrajar os que se lhe opõem, se empenha em refundar-se sem dispor de lideranças que o renovem.

FHC chegou a dizer que Luciano Huck, o animador de auditório de TV, representa o novo na política brasileira. É um diagnóstico de desespero, que expõe o estado de indigência política do partido.

O nome que despontava entre os tucanos, João Doria, prefeito de São Paulo, é alvo do fogo amigo, que cresce na razão direta de sua compulsão marqueteira. Seus maiores detratores estão dentro de casa – e seu maior concorrente é quem o apadrinhou: o governador Geraldo Alckmin. Parecem destinados ao abraço dos afogados, já que imersos num ambiente sem sinais de consenso.

Lula continua sendo o único nome no horizonte do PT, mas sua popularidade perde cada vez mais para os crescentes índices de rejeição. Seu projeto político hoje é escapar da cadeia. Não é pouco.

Dificilmente conseguirá registrar sua candidatura, como, aliás, já sinalizou o futuro presidente do TSE, ministro Luís Fux. Os petistas, por isso mesmo, passaram a conspirar contra as próprias eleições, como se depreende de reiteradas declarações da presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann. Sem Lula, disse ela, as eleições não terão legitimidade. Órfão de candidato, o partido joga no caos.

Daí o retorno de ações predatórias, de teor criminoso, cada vez mais violentas, sob o patrocínio do MST e do MTST, os “exércitos” de Stédile e Boulos, braços armados do partido, a invadir propriedades e detonar redes elétricas e patrimônio público.

Ambos parecem desejar uma intervenção militar, dada a estratégia de desafio à lei e à ordem que protagonizam.

Lula, como se sabe, prometeu “tocar fogo no país”, sob os auspícios daquelas milícias, caso não possa se candidatar. Ao que parece, é a única promessa que está disposto a cumprir.

Os tucanos, antevendo o drama que ora vivem, tudo fizeram para evitar o impeachment de Dilma Rousseff. Aderiram aos 44 minutos do segundo tempo, e embarcaram no governo Temer na expectativa de dominá-lo. Perderam para as raposas do PMDB.

Coadjuvantes de um governo que já nasceu fadado à impopularidade, discutem agora se dele devem desembarcar. Aécio Neves, presidente afastado, às voltas com a Justiça, quer ficar.

Precisa do guarda-chuva do Planalto. Tasso Jereissati, que o substituía interinamente, quer sair. E tem FHC a seu lado - o que, até há pouco, era um trunfo; hoje talvez já não seja. Aécio, ainda com os poderes formais do cargo, o afastou, abrindo nova crise, que não tem prazo para acabar – e talvez não acabe nunca.

Alberto Goldmann, ex-governador paulista e crítico feroz de João Doria, substitui provisoriamente Tasso e fala em união, vocábulo que, no PSDB, tornou-se uma abstração metafísica. Marcone Perillo, governador de Goiás, disputará com Tasso a presidência efetiva, convicto de que nenhum dos dois dará jeito na encrenca.

As eleições do ano que vem (se o ano realmente vier) já não serão bipolares, como as anteriores. Prometem um vasto elenco de candidatos, o que está longe de significar grandes alternativas ao eleitor. Quantidade, desta vez, será antônimo de qualidade.

O descrédito – que vai dos partidos às urnas eletrônicas – permeia todo o processo, que se antevia precedido de profunda reforma eleitoral. A reforma não veio - e a esperança de renovação do país muito menos. O candidato que mais cresce nas pesquisas, Jair Bolsonaro, evoca no imaginário popular uma ruptura com a conjuntura presente, seja lá em nome do que for.

O eleitor, desencantado, parece dizer que aceita qualquer coisa, desde que não seja o que aí está. O cenário não é dos mais promissores, para dizer o mínimo.

* Ruy Fabiano é jornalista

 

 


Merval Pereira: No precipício

O PMDB é um fator decisivo na vida do PSDB, desde sua fundação em junho de 1988, fruto justamente de uma dissidência do PMDB, à época dominado por Orestes Quércia, governador de São Paulo, o principal expoente da ala fisiológica do partido, até o momento da implosão atual, que tem justamente no fisiologismo peemedebista sua razão mais explícita.

Os tucanos hoje se encontram presos a uma contradição de sua própria história, pois não conseguem se desvencilhar de uma aliança carcomida com o PMDB, envolvido, como quase sempre, em acusações de corrupção e fisiologismo político, depois de ter vivido uma história de resistência e luta contra a ditadura em que políticos como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves davam o tom do partido.

Com a indecisão característica de um partido que só encontra posição majoritária quando um fato consumado se apresenta, o PSDB perdeu o timing de sair do governo, e pode morrer afogado, não com Temer, como se temia, mas por Temer e sua aliança de bastidores com o grupo de Aécio Neves, os dois pensando apenas em salvarem as próprias peles.

O interessante nessa situação atual é que o senador Aécio Neves, quando armava sua candidatura à presidência da República, mesmo antes de 2014, se recusava a projetar alianças com o PMDB justamente para se livrar da imagem fisiológica do partido. Queria assumir uma posição mais social-democrata, a mesma que hoje o senador Tasso Jereissati pretende preservar.

O PSDB, aliás, foi salvo de aderir a outro governo tóxico na época de Collor, que convidou seus principais líderes para seu ministério. A adesão, como agora, enfeitiçava uma ala do partido, mas a ação decidida de alguns, principalmente de Mário Covas, ex-candidato à presidência contra Collor, estancou essa possibilidade.

Desta vez a decisão correta de apoiar o governo legítimo de Michel Temer, que substituía a presidente Dilma Rousseff por ter sido escolhido vice-presidente pelo próprio PT, terminou sua validade no dia em que a gravação da conversa de Temer com Joesley Batista veio à tona, tirando completamente a legitimidade de seu governo.

Com a disputa interna para ficar no governo liderada pelo senador Aécio Neves, que, como disse Tasso Jereissati, está “agarrado ao cargo” sem pensar na coletividade, mas em seus interesses pessoais, o partido perde o significado, a identidade e a razão de ser, como já escrevi aqui. Qual é o projeto do partido hoje? Ficar no governo? Ter um bom candidato para 2018?

Essas angústias racham o partido, e o último lance dessa divisão profunda foi a escolha seguida de dois deputados ligados ao grupo de Aécio para serem relatores dos dois processos contra Temer, garantindo o apoio institucional do partido ao presidente, mas não a maioria dos votos.

As digitais do senador Aécio Neves, presidente afastado do PSDB, podem ser encontradas nessa manobra política que desmoralizou a posição majoritária no partido de abandonar o governo Temer.

Majoritária mas não decisiva. O senador Jereissati tem o apoio da maioria dos caciques e ganhou a simpatia dos chamados “cabeças pretas”, os jovens parlamentares e prefeitos que querem decisões mais agudas, como a saída do governo, como defendia o presidente interino. A pressão para que o partido decida logo sua nova direção e parta para uma posição de autonomia diante do governo Temer, apoiando as reformas, mas não com cargos no governo, permanece na disputa pela presidência do PSDB.

Tudo indica, porém, que o partido está ferido de morte e, pior do que da primeira vez em 1988, os dissidentes não têm para onde correr, pois não há tempo para criar um novo partido e nem parece à disposição uma legenda para abrigá-los até abril, data limite para os que quiserem se candidatar a algum cargo em 2018.

É previsível que as lideranças partidárias que se colocaram contra Aécio, se não tiverem força interna para derrotá-lo, se dispersarão no apoio às várias candidaturas já colocadas ou a serem colocadas. Mesmo com uma capilaridade grande pelo país, e uma força grande em São Paulo, o PSDB não terá condições de sobreviver politicamente a esse revés.

 

 


Míriam Leitão: País dos privilégios 

O Brasil cria mais privilégios a cada semana. Na quarta-feira, o STF demonstrou que, se for o senador Aécio Neves que estiver em questão, pode-se ter uma interpretação ambígua até sobre os poderes do Supremo. Na sexta-feira, o Planalto pediu ao STF para revogar a prisão após a condenação em segunda instância, um dos raros avanços nos últimos anos sobre o velho problema do país.

O tratamento desigual é o centro dos erros brasileiros, mas isso é reafirmado constantemente. Pobres e anônimos vão presos após qualquer condenação, ou passam anos detidos sem sequer culpa formada. Ricos e famosos só iam para a prisão após a longa tramitação do processo. O caso Pimenta Neves é o exemplo. Um dos muitos. Assassino confesso, em crime premeditado, ficou anos fora da prisão — mesmo após dupla condenação — pela força das estratégias recursais dos seus advogados. No ano passado, o STF decidiu que, após ser condenado por um órgão colegiado, portanto em segunda instância, o réu começa a cumprir a pena. Isso, hoje, ameaça diretamente muitos integrantes da elite política brasileira processados pela Lava-Jato. Alguns ministros do STF ficaram inconformados com a decisão e iniciaram o bombardeio para que o entendimento fosse revisto. Agora, a Advocacia-Geral da União enviou ao STF manifestação a favor da revisão.

No Brasil, se o criminoso fez ensino superior tem direito à cela especial. Se for político, pode cometer crime comum porque é protegido por imunidade parlamentar. Se for militar, cumpre pena e fica ao abrigo da Justiça Militar, aquela mesma que ameaçou e condenou civis durante a ditadura, mas que protege os seus na democracia. O almirante Othon Luiz Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, condenado a 43 anos por corrupção, exigiu ficar preso em estabelecimento militar e conseguiu. Agora, já está solto na onda recente que houve de liberação de condenados nos vários processos contra a corrupção que o país tem assistido.

O que houve no STF na quarta-feira mostrou até que ponto pode chegar o contorcionismo jurídico no país para se confirmar a ideia da “A revolução dos bichos”, de George Orwell, de que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros. Parlamentares já foram afastados de seus mandatos por decisão do STF, como Delcídio Amaral e Eduardo Cunha, como deve ser. Nessa semana, um Supremo dividido decidiu de maneira diferente. Se a medida cautelar, mesmo que não seja a prisão, afetar o mandato, o Congresso tem que ser ouvido antes. A última palavra cabe ao Congresso e não ao Supremo Tribunal Federal.

A ideia de que “o mandato é o que está sendo protegido e não o parlamentar" é balela. O voto é para que o político represente o seu estado ou sua região, e não para que cometa crimes. A imunidade foi pensada para proteger a atividade parlamentar. Por isso tudo, o que se relaciona ao exercício dessa representação está protegida. E assim foi escrito na Constituição, porque, em períodos autoritários, os parlamentares eram cassados por suas palavras, ideias, e atividades de representação. Quando se escreveu na Constituição o princípio da imunidade parlamentar, não se pensava, evidentemente, em crime comum.

A questão da quarta-feira não era sobre o senador Aécio Neves oficialmente, mas de fato era. Com ele em mente, e o voto da presidente do Supremo, o STF errou. Minas Gerais votou para que o senador representasse os interesses do estado, e defendesse as ideias que apresentou na campanha. Ele não foi eleito para pedir dinheiro a um investigado em cinco operações anticorrupção. Dinheiro que seria entregue em espécie a um enviado especial, desses que “a gente mata antes". Não foram esses os poderes que Minas delegou ao senador quando o elegeu. A tese de que “o mandato é do povo, e o povo, soberano” só pode ser defendida se vier com a pergunta: qual poder foi delegado pelo povo ao seu representante? Certamente não foi o de cometer crimes.

Esse tem sido nosso vício desde o início. O país dos fidalgos, do “sabe com quem está falando", não aceita o “erga omnes". A revolução que está sendo feita no processo de combate à corrupção é a de que a lei é universal. Mas o velho país dos privilégios resiste.

 


Eliane Cantanhêde: Corte evita crise com Senado, mas atrai raios e trovões  

Aécio Neves é o grande vitorioso do 'voto médio' da presidente Cármen Lúcia e do julgamento confuso do Supremo Tribunal Federal

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) é o grande vitorioso do “voto médio” da presidente Cármen Lúcia e do julgamento confuso do Supremo Tribunal Federal, que põe panos quentes, pelo menos por ora, na crise entre o Senado e a Corte. O grande derrotado foi o relator Edson Fachin, acompanhado por Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e, no final, pelo decano Celso de Mello.

Ao decidir que pode aplicar medidas cautelares contra deputados e senadores, mas admitindo que os plenários da Câmara e do Senado têm de dar o aval quando há ameaça ao mandato, o Supremo deu sobrevida a Aécio. Na próxima terça-feira, 17, o plenário do Senado negará o afastamento do senador e o seu recolhimento noturno, em nome da “independência entre os Poderes”.

Foram dois times em campo no Supremo. O de Fachin, baseado no refrão de que “imunidade não pode significar impunidade”, defendeu que as medidas previstas no artigo 319 do Código do Processo Penal, como as de Aécio, são aplicáveis a parlamentares e dispensam o aval do Congresso.

O outro, que estreou com o voto do ministro Alexandre de Moraes, se pautou no “estado de direito” e no artigo 53 da Constituição, que prevê prisão de políticos só com mandato em caso de flagrante delito de crime inafiançável. Votaram assim Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Toffoli, porém, abriu uma janela para o “voto médio” de Cármen Lúcia, ao propor que não cabem medidas cautelares que interfiram no exercício do mandato... a não ser em casos de “superlativa excepcionalidade”. Essa solução carrega um alto grau de subjetividade, mas foi uma forma de deixar o Supremo bem, pois mantém a aplicação das medidas a Aécio, e o Senado igualmente bem, porque vai votar contra as punições ao tucano sem estar confrontando a alta Corte do País.

O Supremo está dividido exatamente ao meio e a presidente Cármen Lúcia, ao comandar uma solução salomônica, atraiu para si os raios e trovões, tanto de quem apoia o afastamento de Aécio quanto dos que defendem o contrário. Mas ela sabia exatamente o preço a pagar.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Homem a homem

Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia da Lava-Jato na Câmara, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira

O presidente Michel Temer adotou um sistema de marcação homem a homem para garantir a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pela Câmara, na qual é acusado, supostamente, de organização criminosa e obstrução de Justiça, com base na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Ontem, quase 50 deputados foram recebidos oficialmente por Temer, em seu gabinete, em cerca de 20 audiências, depois de um fim de semana dedicado à discussão de sua estratégia de defesa.

Já não adianta terceirizar as negociações com os deputados da base do governo que negaceiam seu apoio, por diversos motivos, do não cumprimento de compromissos assumidos à ambição de ocupar mais espaços na Esplanada. Pelo Twitter, logo de manhã, Temer classificou a denúncia do ex-procurador Rodrigo Janot de “inepta e sem sentido” e anunciou que conversaria com os parlamentares da base para preservar “a harmonia entre os poderes”. Na verdade, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi seu esteio na rejeição da primeira denúncia, acendeu uma luz amarela no Palácio do Planalto ao se queixar da atuação da cúpula do PMDB e se defender das acusações de que está conspirando: disse que não teria o mesmo comportamento do PMDB, que articulou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff quando Temer era o vice-presidente da República.

Na avaliação do Palácio do Planalto, Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira. O aval da Câmara para que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue o presidente da República depende do apoio de 342 dos 513 deputados, o que é muito difícil de alcançar. Entretanto, Temer não deixa de ser um animal ferido, o que provoca uma espécie de ataque de piranhas na própria base do governo, principalmente dos aliados que querem mais espaço na Esplanada.

A movimentação dos insatisfeitos fragiliza o ministro Antônio Imbassahy (PSDB-BA), da Secretaria de Governo, que teria a responsabilidade de articular a base do governo, mas perdeu autoridade porque o líder do PSDB, Ricardo Trípoli (SP), e praticamente todos os tucanos paulistas são a favor da aceitação da denúncia, que implicaria no afastamento de Temer do cargo por 180 dias. Nesse caso, Rodrigo Maia assumiria a Presidência.

Temer já conversou com uma dezena de deputados da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, responsável pela primeira etapa de análise da denúncia, que consiste na apreciação do parecer a ser elaborado pelo deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), recomendando o envio da acusação para o Supremo ou a suspensão do processo até a conclusão do mandato de Temer. A situação do relator é um capítulo à parte: o PSDB não quer que permaneça na função, mas não pode substituí-lo. Nesse caso, outro partido poderia indicá-lo para a comissão, a pedido do Palácio do Planalto.

A conciliação

O Senado é mesmo a Casa da “conciliação”: adiou para 17 de outubro a apreciação da suspensão do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, assim, evitou um confronto aberto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor do adiamento 50 senadores; contra, 21. Os senadores Jader Barbalho (PMDB-PA) e Renan Calheiros (PMDB-AL) foram os “jacobinos” da sessão, mas não tiveram o apoio que esperavam. O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), também defendeu a realização da votação, porém, o líder da bancada do PMDB, Raimundo Lira (PB), consultou 21 dos 23 integrantes da bancada e concluiu que havia uma “maioria consistente” para aguardar o julgamento do STF.

O PSDB tentou sair da saia justa com um pedido de suspensão do afastamento de Aécio ao Supremo, mas o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, negou o pedido. Ao líder do PSDB, Paulo Bauer (SC), não restou outra alternativa a não ser defender a votação, mas a bancada acabou isolada. Aécio Neves, além de estar com o mandato suspenso, foi proibido de sair à noite e manter contato com outros investigados pela Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada com base no Código de Processo Penal, por três dos cinco juízes da Primeira Turma do STF: Luís Barroso, Rosa Weber e Luís Fux. Marco Aurélio Mello, o relator, e Alexandre de Moraes votaram contra.

A Constituição determina que a prisão de senadores seja autorizada pelo Senado, o que criou um impasse. Para muitos senadores, “quem pode mais, pode menos”: o princípio Constitucional deve prevalecer sobre matéria penal. Mas a Constituição também determina a palavra final sobre matéria constitucional seja do Supremo. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, marcou para 11 de outubro a sessão do Supremo que apreciará a questão. Ao adiar a decisão sobre o caso para 17 de outubro, o Senado evitou um confronto institucional. A possibilidade de o Supremo rever a decisão da Primeira Turma é grande.


Luiz Carlos Azedo: As lições de Tuchman

Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional

A escritora norte-americana Barbara Tuchman (1912-1989), historiadora autodidata, ficou famosa com a publicação do livro Canhões de agosto, em 1962, com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer de não ficção, ao relatar os antecedentes e o primeiro mês da Primeira Guerra Mundial, desnudando o despreparo e a arrogância dos líderes políticos que protagonizaram o conflito. A carnificina custou 10 milhões de mortos, 30 milhões de feridos, arrasou indústrias e campos agrícolas, gerando prejuízos econômicos e dívidas impagáveis. Um mês de guerra foi o suficiente para desmoralizar e desacreditar governos, entre os quais a autocracia dos Romanov, cuja deposição resultou na Revolução Russa de 1917.

Seu livro mais conhecido, porém, é a A marcha da insensatez, lançado em 1984 nos Estados Unidos e publicado logo no ano seguinte no Brasil, pela Editora José Olympio. Teve grande repercussão por aqui, porque foi um raio de luz num momento decisivo da transição à democracia. Nele, Tuchman traça um paralelo entre momentos decisivos da História, entre os quais a Guerra de Troia, a Reforma Protestante, a Independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã, para tipificar o desgoverno provocado pela tirania, pela ambição, pela insensatez e pela decadência. Retrata a loucura política de governantes que adotam políticas contrárias aos seus próprios interesses, mesmo quando as evidências do fracasso se avultam e escolhas acertadas seriam possíveis.

Não faltam exemplos na política brasileira sobre isso, mas parece que estamos novamente num desses momentos em que as lideranças não medem as consequências dos seus atos. O presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao sair do encontro de ontem com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, anunciou que a sessão marcada para apreciar a decisão da Primeira Turma do STF que decidiu afastar do mandato o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, está mantida para hoje. E que a revogação da decisão está na pauta de votação, mesmo que o recurso impetrado pelo PSDB contra a decisão esteja para ser julgado pelo plenário da Supremo em 11 de outubro.

Desde sexta-feira, nos bastidores do Judiciário, comentava-se que a decisão da Primeira Turma, protagonizada pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luís Fux, contra os votos do relator Marco Aurélio Mello e do ministro Alexandre de Moraes, seria revista pela maioria do Supremo. Supostamente, somente o ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, da Segunda Turma, estaria solidário com a decisão. Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski seriam a favor de rever as “medidas cautelares”. Caberia ao decano Celso de Mello e à presidente da Corte, Cármen Lúcia, consolidar ou reverter essa maioria. Talvez fosse mais prudente e elegante o Senado esperar o próprio Supremo rever a decisão da Primeira Turma em vez de reiterar o poder de dispor dos mandatos de seus membros. Daria aos demais integrantes da Corte a oportunidade de rever os atos de três de seus pares.

Um velho poema
É muita ingenuidade — para não dizer insensatez — acreditar que a ordem dos fatores não altera seu resultado. Uma decisão do Senado hoje desautorizando a Primeira Turma pode desacreditar o Supremo e talvez até provocar uma reação contrária às expectativas quanto à decisão do plenário da Corte, o que nos levaria ao limiar de uma crise institucional. O aviso veio de um dos ministros vencidos na Primeira Turma: “No dia 11, o Supremo dará a última palavra. Temos que cumprir a Constituição. A última palavra e interpretação constitucional é do STF. A partir do dia 11, qualquer desrespeito a partir da decisão do STF poderá resultar em crise institucional”, admitiu Alexandre de Moraes.

A situação é realmente delicada, ainda mais porque a Câmara inicia a discussão de outro contencioso: a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, que pode ser rejeitada pela base governista. São dois episódios que tensionam a relação entre os poderes da República, ambos em razão das investigações da Operação Lava-Jato. As forças no poder destituíram a presidente Dilma Rousseff em razão dos anseios da sociedade organizada em rede, que não permanece nas ruas, mas continua sendo uma variável a ser levada em conta. Os políticos entrincheirados no governo e os agentes econômicos também não têm os mesmos interesses, ainda que a sobrevivência do patrimonialismo nos processos de modernização, historicamente, faça parte da nossa tradição ibérica.

A crise política somente se resolverá nas eleições de 2018, nas quais vale a advertência de quem retratou a formação do patriarcado brasileiro, Gilberto Freyre, autor de Casa grande & senzala, no velho poema de 1926: “Eu ouço as vozes/eu vejo as cores/eu sinto os passos/ de outro Brasil que vem aí”.


Merval Pereira: Choque de visões 

Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do STF. O caso do senador tucano Aécio Neves, que coloca em xeque uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaça o país com uma crise institucional grave, é consequência de um embate que vem se desenvolvendo desde o julgamento do mensalão em 2011, às vezes sub-reptício, às vezes escancarado.

Naquela ocasião, vários políticos do governo em exercício e empresários foram condenados e presos, fato raro na História do país que deu início a um novo paradigma de interpretação da legislação penal e da própria Constituição.

Essa disputa de interpretações tem levado o Congresso a diversas tentativas de legislar em causa própria, para refrear o ímpeto dos investigadores, especialmente os procuradores de Curitiba — berço da Operação Lava-Jato, que se espalhou por vários pontos do país encontrando eco generalizado no Ministério Público e em juízes como Sergio Moro, de Curitiba, o juiz natural do caso, Marcelo Bretas, do Rio, ou Vallisney de Souza, de Brasília.

O Brasil vive uma disputa entre os que querem usar a lei para punir as ilegalidades que ocorrem há anos — e nos levaram à situação de degradação político-social em que nos encontramos —, e os que, a pretexto de defender o estado de direito, acabam, com a interpretação restrita da lei, alimentando a percepção da sociedade de que a impunidade é a marca da Justiça brasileira.

A legislação basicamente é a mesma, o que está mudando é sua interpretação. O falecido ministro do Supremo Carlos Alberto Direito cunhou a expressão “jurisprudência evolutiva”, que explica o que está acontecendo: para os tempos atuais, já não servem mais os critérios adotados até então, que, aliás, nos levaram aonde estamos. Uma marca registrada do sistema jurídico nacional era a possibilidade de escapar de uma punição com os vários recursos existentes.

A decisão recente do STF de permitir a prisão depois de uma condenação em segunda instância trouxe um ar renovador para um ambiente jurídico envelhecido, e não é por acaso que já existem dentro do próprio STF movimentos para reverter essa decisão, que tem sido fundamental para barrar a impunidade e, por isso mesmo, incomoda os que não eram expostos à ação da Justiça e agora temem simplesmente ir para a cadeia, situação inimaginável anteriormente.

A prisão preventiva também passou a ser utilizada para impedir a ação do condenado de obstrução da Justiça, especialmente quando ele é poderoso, pelo cargo que exerce ou pela situação social. Desde o mensalão, a interpretação da lei passou a ser feita com o objetivo de punir, e não mais de ser benevolente com os que tinham poder, dinheiro, ou capacidade de influência.

A partir da Lava-Jato, essa situação foi exacerbada, e agora vão para prisão o político, o empresário, o ex-ministro e quem mais tiver de ir. Os antes beneficiados estão revoltados, porque nunca estiveram ao alcance desse tipo de ação na Justiça. Não foi outra a intenção dos que, no Congresso, queriam punir o chamado “crime de hermenêutica”, ou seja, a possibilidade de criminalizar a interpretação que um juiz dê a determinado fato do processo.

No caso dos parlamentares, por exemplo, a interpretação usual da norma constitucional era que só se podia prendê-los em flagrante por crime inafiançável. E, por isso, nunca acontecia nada. O sociólogo e jurista alemão Niklas Luhmann, um dos maiores intérpretes das teorias sociais do século XX, considerava que, para ser efetiva, qualquer medida dependia de três fatores: a tomada de decisão, a implementação dessa decisão e a consequente paz social que ela geraria.

É o caso atual, uma decisão da Primeira Turma do Supremo que corrobora uma anterior, do relator da Lava-Jato, Edson Fachin, derrubada por uma medida monocrática do ministro Marco Aurélio Mello. Como a Constituição trata de prisão de parlamentares, mas não garante a eles a impunidade, a decisão não fere a Constituição, pois a punição dada ao senador foi uma pena alternativa à prisão, que consta como do novo Código de Processo Penal.

Não cabe ao Senado desacatar uma decisão do Supremo, mesmo que alguns ministros do próprio STF, estranhamente, venham a público defender que a decisão majoritária da Primeira Turma deve ser contestada como inconstitucional.

E a paz social só será alcançada se a sociedade passar a acreditar que a lei é para todos.