Aécio

O Globo: 'Temer achava que era imune a qualquer investigação', diz Janot, um ano depois da delação de Joesley

Para ex-procurador-geral da República, omissões não contaminam provas contra o presidente Michel Temer

Por Jailton de Carvalho, de O Globo

BRASÍLIA - Um ano depois de assinar o mais impactante acordo da Lava-Jato, que resultou em duas denúncias contra o presidente da República, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot reafirma a importância das delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista e se espanta com a permanência do Michel Temer no cargo. Em entrevista concedida ao GLOBO na terça-feira, o ex-procurador-geral diz que não há nenhum outro país do mundo em que o chefe da nação é réu em dois processos criminais e alvo central dois outros inquéritos. E afirma que o presidente imaginou que jamais seria investigado.

Foi um acordo importantíssimo para desvendarmos toda organização criminosa que se apropriou do poder público brasileiro. As informações, provas e a proatividade dos colaboradores foram medidas nas denúncias feitas contra o presidente em exercício Michel Temer e nas investigações que seguiram. Ele responde a duas denúncias e duas investigações criminais, que decorrem dessa colaboração. Acredito que essa foi uma das colaborações premiadas que mais auxiliaram o combate à corrupção no Brasil. O que se passou depois foi um outro fato. Os colaboradores não souberam se comportar à altura e, agora, estão sofrendo a possibilidade de ter os seus acordos rompidos, o que não prejudica as provas obtidas. Nós tivemos dois acordos de colaboração premiada muito sensíveis. O primeiro da Odebrecht, difícil pela sua extensão, 78 colaboradores. Exigiram do Ministério Público Federal muito aplicação e criatividade. Mas esse da J&F foi o acordo em que nós chegamos à cabeça da organização criminosa, por isso foi muito importante. Atingiu um presidente da República em exercício que, depois de três anos e meio da Lava-jato, continuava praticando atos que queria. Achava que era imune a qualquer investigação do Ministério Público. E nenhum cidadão é. Chegamos ao virtual futuro presidente da República (senadorAécio Neves), que também continuava praticando atos e se acreditava imune. Esse é o quadro que eu desenho de um ano depois dessa colaboração da J&F.

 

Mas o presidente Michel Temer permanece presidente e o senador Aécio Neves permanece senador. Isso não dá a impressão que estão passando ao largo das investigações decorrentes do acordo?A gente precisa entender as duas situações. A situação do presidente Michel Temer, em razão da relevância do cargo que ocupa, para que seja processado criminalmente necessita autorização da Câmara. E a Câmara, fazendo um juízo político, não permitiu o prosseguimento do processo penal, que já existe. Então ele vai responder depois que deixar o seu mandato. Quanto ao senador Aécio Neves, virtual futuro presidente da República, é réu em um processo penal. E réu num processo admitido pelo Supremo Tribunal Federal em razão da colaboração premiada feita pelos executivos da J & F. Então eu acho que mudou muito. Temos um presidente da República que responde a dois processos penais, suspensos por decisão política da Câmara – e sobre isso eu não me pronuncio. E responde a mais duas investigações no STF. Isso não é pouco. Não consigo vislumbrar exemplos em outros países. Isso não é pouco. O Brasil mudou, tem indignação na rua e tem uma atuação profissional na atuação no campo judicial.

Se tem indignação (nas ruas) e atuação profissional (no campo judicial), o que sustenta o presidente no poder?
Essa pergunta tem que ser feita à Câmara dos Deputados que não permitiu o prosseguimento dos dois processos penais contra ele (Temer). Processos inaugurados contra ele com provas, estou falando em provas, não em indícios, que decorreram da colaboração premiada e da atuação proativa desses colaboradores. Malas de dinheiro circulando em São Paulo, “tem que manter isso, viu ?”, isso não é pouco. Isso é muito. Então quem tem que responder a essa pergunta é Câmara que, num juízo político, entendeu que ele não poderia ser processado agora enquanto presidente da República, apesar de ter cometido, ao que tudo indica, crime no exercício da presidência da República depois de quase quatro anos de Lava-Jato em curso. Quanto ao senador (Aécio) é réu, responde a um processo penal.

 

Qual sua expectativa em relação aos desdobramentos dessas duas frentes de investigação?
Essa investigação não pertence à polícia, ao órgão acusador, à defesa, à ninguém. É uma investigação que está sob os olhos da sociedade brasileira. Mais do que isso: todos os países estão de olho nisso. No Brasil temos uma atuação da imprensa livre. A imprensa é o quarto poder no país. A imprensa atua, mostra, cobra, põe luz nesses fatos todos. Como dizia um juiz da Suprema Corte americana nos anos 1800, o melhor detergente nessas situações chama-se luz. E a imprensa brasileira põe luz nesses fatos todos. Não acredito que teremos regressão nessas investigações.

Antes de deixar a Procuradoria-Geral do ano passado, o sr. pediu a rescisão do acordo de colaboração dos executivos da J & F. Não foi uma medida muito dura? Hoje os advogados dizem que outros delatores também teriam omitido informações e nem por isso tiveram acordos cancelados.
Isso é um assunto muito técnico, que a gente tem que avaliar com muito cuidado em fazer essas comparações. Isso é muito complicado. O que a gente tem de concreto nessa colaboração é que fizemos um acordo. O Ministério Público foi muito criticado por ter dado imunidade a essas pessoas – demos a imunidade e faríamos tudo de novo. Uma das cláusulas do acordo era que não houvesse omissão ou mentira. Os acordos com esses criminosos são feitos a partir de uma relação de confiança. O Estado acusador confia que o criminoso colaborador se redimiu. Está falando sobre a organização criminosa a que pertence, está revelando crimes que a organização praticou, está entregando participantes da organização. No nível que fizeram essa organização, quando omitem ou mentem sobre fatos, o Estado não pode fingir que não deve reagir a esse tipo de atitude. Ou o indivíduo deixa a vida criminosa e passa a ser um colaborador da justiça penal. Ele não pode ter o pé nos dois pontos. Não pode ser colaborador do Estado e continuar com tergiversações de criminosos.

Mas os advogados alegam que eles entregaram aqueles áudios (auto-gravações de conversas com referências a ministros do STF e ao próprio procurador-geral) no último dia, mas dentro do prazo. Portanto, não teria havido omissão.
O que os advogados não dizem é que esse áudio veio dentro de um anexo sobre um senador da República (Ciro Nogueira), que não tinha nada a ver com esse áudio. Esses áudios foram denominados por ele de Piauí. Recebemos quatro áudios envolvendo o senador: Piaui 1, 2, 3 e 4. Piauí 1, 2 e 4 eram áudios de conversas pouco republicanas com esse senador. Piauí 3 era um outro áudio que não tinha nada a ver com esse seguimento. Era um outro fato. E por que fizeram isso ? Por que não disseram,então, que tinha aquele áudio ali que envolvia uma situação que não era aquela do senador. Entendemos o seguinte: como era comum nos acordos espúrios e políticos e empresários colocar jabutis em medidas provisórias, achamos que era um jabuti colocado em um anexo da nossa colaboração. Por isso, por falta de clareza, objetividade, porque não disseram a verdade, porque tentaram enganar o Estado acusador, é que eu propus a rescisão ao acordo de colaboração.

Essa sua decisão acabou dando argumento para a defesa do presidente. Se os delatores tinham mentido ou omitido as acusações seriam inconsistentes. O comportamento não retilíneo dos delatores enfraqueceu a denúncia?
Não. As coisas são diferentes. Como é que pode haver enfraquecimento da denúncia contra o presidente da República se contra ele existem provas ? Se os delatores omitiram fatos sobre outras pessoas não quer dizer que essas provas, estou repetindo provas, apresentadas contra o presidente da República estão contaminadas. A pergunta que se tem que fazer é: existem provas contra o presidente da República em exercício por atos criminosos por ele praticado? A imprensa divulgou áudios, vídeos. Se isso não é suficiente, eu me mudo para Marte.

O ex-procurador Marcelo Miller, que atuou como advogado dos executivos, foi criticado e acusado de cometer crimes nesse episódio. Hoje, no seu entendimento, o ex-procurador cometeu mesmo algum crime?
Na época, com os elementos que tínhamos, eu acreditava que sim, que ele fazia parte dessa organização criminosa, como fazia parte o presidente da República e esses executivos da J&F. Hoje, com o quadro fático que temos – já saí dessas investigações desde setembro – eu acredito que ele tenha cometido atos não éticos, mas estou convencido hoje que crime ele não cometeu.

O sr. foi muito criticado por ter concedido imunidade penal aos irmãos Batista. Se arrepende disso? Tem algo nesse acordo que faria diferente?
Eu não faria nada diferente. Quem tem que pensar em um comportamento diferente são os colaboradores. Eles teriam que ter tratado o órgão acusador com mais respeito. Teriam que ter entregue tudo que tinham realmente. Um acordo de um colaborador da Justiça, que entrega o presidente da República em exercício do cargo cometendo crime, com provas. Houve uma gravação, por decisão espontânea do colaborador, em que o presidente da República é pilhado em uma conversa com esse empresário, que entra na residência oficial sem ser identificado. A placa do carro tinha sido acordada por um deputado, aquele deputado da mala, com a segurança da entrada da residência oficial. Essa pessoa entra na residência oficial do presidente da República. A segurança do presidente é muito ruim ou houve um acordo para que essa pessoa entrasse de maneira desconhecida dentro do palácio. Essa pessoa entra e grava uma conversa às onze da noite, no subterrâneo. Tem com o presidente uma conversa pouco republicana. Os acertos são feitos e aquele deputado da mala, da corridinha, é indicado como o novo interlocutor desse empresário criminoso com ninguém menos que o presidente da República. E quais são as expressões que o empresário usa? “As vias estão obstruídas. Não podemos mais usar esses instrumentos de comunicação, ou algo do gênero”. A mensagem era essa. E esse deputado recebe uma mala com R$ 500 mil numa ação controlada. O acordo ainda não estava assinado. Eram potenciais colaboradores. Enfim, está aí o presidente da República denunciado duas vezes, com mais duas investigações abertas. O virtual futuro presidente da República com denúncia aceita.

A partir dessas duas outras investigações em curso, que tem como alvo central o presidente, vai haver uma terceira denúncia?
Isso eu não sei, não conheço o conteúdo dessas investigações. O caminho normal é a denúncia virá. A justiça brasileira é republicana. Não estamos aqui mais para proteger oligarquias. O Brasil está mudando para melhor.

Por falar em mudanças, qual sua expectativa em relação às eleições tendo em vista que a Lava-Jato gira em torno de políticos e dinheiro desviado?
A primeira coisa é que esse discurso falso de que as investigações criminalizaram a política. A investigação não criminaliza político. Estou convencido de que a mudança desse cenário corrupto, esse cenário destruído, a partir de uma reforma política profunda. Então a mudança virá pela política. A investigação não criminaliza a política. Ela busca criminosos que se escondem atrás de mandatos políticos.

Mas essas eleições serão diferentes das anteriores? Haverá menos corrupção?
Não sei. Temos decisões importantes. Não haverá possibilidade de financiamento de pessoas jurídicas. A expectativa é de que os custos se reduzam. O custo das eleições no Brasil é muito mais caro que na França, Inglaterra, Alemanha, Itália. Temos outros estudos que mostram que dos 20 maiores doadores das eleições de 2010, 14 delas caíram na Lava-jato. Será uma eleição diferente ? Sim, será uma eleição diferente. Mas se haverá interferências dessas organizações eu não posso dizer. Existe um ditado, “criada a lei, criada a fraude à lei”. Então vamos esperar. Como a reforma política não veio, temos que ver o que vai acontecer.

 


Eliane Cantanhêde: Minas já foi Minas

Dilma, Aécio, Pimentel... não se fazem mais políticos mineiros como antigamente

Minas Gerais é um dos três principais Estados da Federação e tinha fama de ser, historicamente, o maior celeiro de políticos matreiros e competentes do País, as tais “raposas políticas”. Porém, se o Rio vive um caos e a eleição presidencial é uma grande interrogação, a situação de Minas não é nenhuma maravilha e a campanha no Estado é igualmente incerta.

Terceira maior economia do País, segunda maior população e segundo maior eleitorado (quase 11% do total), Minas continua sendo definidor de eleições presidenciais, mas seus principais partidos estão machucados e seus mais lustrosos líderes políticos andam em maus lençóis, devendo muitas explicações à Justiça, à Assembleia, à opinião pública.

Diferentemente de São Paulo e Rio, Minas aparece pouco na grande mídia e, em 2014, as análises políticas partiam de duas premissas: Dilma Rousseff ganharia no Nordeste e Aécio Neves levaria fácil em Minas, mas ele perdeu no primeiro e segundo turnos no seu Estado e seu candidato ao governo, Pimenta da Veiga, sofreu derrota fragorosa.
Para arrematar, a aposta de Aécio perdeu feio, dois anos depois, para a prefeitura de Belo Horizonte.

De outro lado, Dilma ganhou no Nordeste e em Minas, seu Estado de origem, apesar de ser gaúcha por adoção, e seu ex-ministro, conselheiro e amigo Fernando Pimentel levou o governo e assim dividiu o “Triângulo das Bermudas” pelos três principais partidos: São Paulo manteve o PSDB, Rio continuou com o agora MDB (apesar de tudo...) e Minas foi do PSDB para o PT.

A guerra entre PT e PSDB é particularmente encarniçada em Minas, mas o resultado é que quem levou a prefeitura da capital em 2016 foi o empresário e dirigente desportivo Alexandre Kalil, do insignificante PHS, que se tornou o mais lustroso “outsider” da eleição no País, apresentando-se como apolítico e apartidário.

Kalil é, assim, o maior exemplo de que em Minas não se fazem mais políticos como antigamente, ou como Afonso Arinos, Milton Campos, Gustavo Capanema, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves e Itamar Franco, que tinham lá suas idiossincrasias, mas com imensa liderança ou matreirice política.

Os ex-governadores e ex-presidentes do PSDB Eduardo Azeredo e Aécio Neves estão mal, um com o pé na prisão, o outro réu no Supremo. E a Assembleia Legislativa acaba de acatar o pedido de impeachment do petista Fernando Pimentel, candidato à reeleição contra o ex-governador tucano Antonio Anastasia, caçado a laço pelo presidenciável Geraldo Alckmin. A contragosto, ele cedeu.

E por que tanto empenho do PSDB por Anastasia? O PT reina no Nordeste, o Rio virou a casa da mãe Joana, Álvaro Dias capitaliza o desencanto com Aécio no Sul e Jair Bolsonaro embrenhou-se pelo Centro-Oeste. Alckmin só terá chance se, além de recuperar São Paulo, conquistar Minas – algo que nem Aécio conseguiu.

Como complicador tanto para tucanos quanto para petistas, Dilma Rousseff resolveu aproveitar o jeitinho do Senado, que lhe cassou o mandato, mas manteve a elegibilidade, e quer disputar o Senado por Minas, apesar de alternar residência entre Rio e Porto Alegre. Se tende a tirar votos do PSDB, ela já entra rachando a aliança entre PT e MDB.

Depois do impeachment de Dilma e do colapso político de Aécio, os dois mineiros do segundo turno de 2014, sobra como consolo para Minas ser ainda o Estado mais cobiçado na escolha de vices. O empresário Josué Gomes da Silva é o melhor exemplo. De um Estado-chave, dono de uma das maiores fortunas do Brasil e filho do vice de Lula, José Alencar, ele se filiou a um partido, o PR, e tem tudo para ser o vice ideal e salvar a imagem da política mineira em outubro. Só falta o principal: querer.


Míriam Leitão: Erros ou crimes

Aécio diz ver “versões engolirem fatos”.

O senador Aécio Neves argumenta que o apartamento da sua mãe, que estava posto à venda, havia sido avaliado pela Sotheby's em R$ 36 milhões e que fora negociado por empresa especializada e oferecido por ele ou sua irmã a outros compradores também, além de Joesley Batista. Garante que, na defesa, apresentou comprovação de contato com outros possíveis compradores, visitados pela irmã dele.

Aécio Neves enviou longa correspondência eletrônica em resposta à coluna de sábado, em que sustentei que as versões dos acusados de corrupção são em geral inverossímeis. Por exemplo, a maneira como, pelo que se ouviu naquela conhecida gravação, ele negociava um empréstimo supostamente baseado em transação na qual Joesley Batista poderia comprar o imóvel, que sequer havia visitado.

O que o senador garante é que o imóvel não estava sendo vendido “de forma improvisada”. Quem ouve o diálogo gravado fica com essa impressão, até pelo palavreado nada comercial, nem convencional, da conversa entre o senador e o empresário, agora réu confesso do crime de corrupção. Vamos ver o que a Justiça conclui após a avaliação de todos esses documentos que ele diz ter entregue.

O imóvel, que estava sendo oferecido por R$ 40 milhões, é assim valioso mesmo, segundo o senador.

— O banqueiro Gilberto Faria, marido de minha mãe, construiu o prédio e o casal passou a morar na cobertura. É uma cobertura de dois andares, com mais de 1 mil metros de área construída e com direito à construção de um terceiro. Trata-se de um imóvel diferenciado de alto padrão — escreveu o senador.

De qualquer maneira, o que está em questão não é o pretenso valor do imóvel, mas sim o empréstimo, aquele diálogo, o dinheiro vivo, em malas, entregues a alguém “que a gente mata antes de fazer delação”. O senador terá muito a explicar à Justiça.

Andrea, irmã dele, teria feito visitas a vários empresários, segundo explicou.

— A todos indagou se havia interesse em adquirir o imóvel no Rio de Janeiro e fez o convite para que, se desejassem, visitassem o apartamento, ponto de partida de qualquer negociação.

Certamente a nenhum deles foi pedido um empréstimo antes desse “ponto de partida”. O senador diz que prestava esses esclarecimentos, “mesmo impotente, vendo versões engolirem os fatos”.

— Esclareço ainda que em toda a minha vida pública não existe um único ato em favor do grupo J&F, o que foi inclusive, reconhecido pelos delatores em suas delações. Nós sabemos quem são os verdadeiros parceiros que curiosamente não são citados nas delações feitas — diz o senador.

Sobre esse ponto, em que ele assegura nada ter feito em favor da empresa, também tratei na minha coluna de sábado. E o importante a reter nesse momento de luta tão difícil contra a corrupção é que toda a relação de um empresário, que tenha interesses no setor público, e um político tem o pressuposto da reciprocidade.

O que Joesley pretendia comprar, nos milionários dispêndios em doações aos políticos, era a influência, era a reserva para ser usada em caso de necessidade. No entendimento de cortes americanas, basta que o agente público entenda, mesmo que não explicitado, o que dele é esperado quando surgirem as oportunidades. É isso que o corrupto está comprando: uma espécie de boa vontade futura.

Portanto, o agente público não pode receber vantagens, mesmo que nada dê em troca no momento. Às vezes há transações claras, como ocorreu na Petrobras, sob o argumento de que essa era a regra do jogo, mas às vezes é mais genérico.

O senador Aécio diz que Joesley se esforça para que não seja invalidada a sua delação. Por isso tem mudado de versões para acusá-lo. Que, há um ano, Joesley disse à PGR que havia doado à campanha partidária o valor que agora alega que foi dado a ele, Aécio.

— Nesta última semana ele trata os recursos doados à campanha do PSDB, e devidamente registrados, somados a outros doados a outros 12 partidos, como se fosse um benefício pessoal a mim. Não mereceu atenção de ninguém, os valores muito superiores que ele doou à coligação adversária.

Diz ainda que o contrato com a rádio da sua família, à qual J&F fez pagamentos mensais, era regular e os comerciais foram veiculados. Ele repete ao fim da mensagem que cometeu apenas erros e não crimes.


Míriam Leitão: Longe da verdade

Explicações improváveis são o padrão entre os acusados de corrupção no país. Há um traço comum entre os acusados de corrupção no Brasil. Eles dão explicações inverossímeis para os seus atos. No caso do senador Aécio Neves, ele diz que a família estava pondo a venda o apartamento da mãe, que ele estima valer R$ 40 milhões, e por isso ofereceu o imóvel ao empresário Joesley Batista, pedindo um empréstimo de R$ 2 milhões, tendo em vista essa transação futura.

Na economia não funciona assim. Quando alguém quer vender um imóvel de alto valor procura empresas especializadas. A avaliação é feita por critérios técnicos dos corretores e consultores. Aí se coloca o imóvel à venda. Não faz sentido vender um apartamento desse valor de forma improvisada, falando com um amigo que sequer viu o imóvel.

Mesmo entre amigos, haveria, antes de o vendedor pedir qualquer adiantamento, um documento assinado de compromisso de compra e venda, com cláusulas que garantissem ambas as partes. Aécio diz que caiu numa armadilha montada por um criminoso confesso e que queria pegá-lo para usar como moeda de troca na negociação na delação premiada. Foi ele a procurar o criminoso confesso, a entrar na armadilha ao tentar fazer um negócio fora de qualquer padrão.

A afirmação de que nada deu em troca é comum a todos os acusados. O problema é que o empresário, no caso Joesley Batista, tinha muitos interesses nas relações com o setor público, nas leis que eventualmente tramitavam no Congresso. O pressuposto em empresários que fazem contribuições generosas aos políticos é que eles retribuam quando seus interesses estiverem em jogo.

O senador Aécio disse que cometeu um erro e não um crime. Seu adversário político, José Dirceu, a um passo de uma prisão prolongada, também disse que não cometeu crimes. Apenas erros. Em entrevista à Mônica Bergamo, Dirceu afirmou que comprou um imóvel, financiou-o e pagou a entrada. O “erro” foi aceitar que o lobista Milton Pascowitch fizesse a reforma do imóvel. Segundo ele, era também um “empréstimo não declarado", coisa que agora Dirceu se dá conta de que é indevida. “Ele reformou o imóvel e eu não paguei".

É curioso que no país do dinheiro mais caro do mundo, homens públicos, influentes e poderosos tenham aceitado empréstimos informais de lobistas e empresários, sem se dar conta, ainda hoje, o que houve de criminoso nos seus atos.

O artigo 317 do Código Penal diz que corrupção passiva é solicitar ou receber vantagens, ou aceitar oferta de vantagens. Aécio as solicitou, José Dirceu as recebeu. Mas ambos dizem que cometeram erros.

O ex-presidente Fernando Henrique disse em entrevista à Maria Cristina Fernandes, do “Valor”, que “no caso de Aécio, a citação diz respeito ao que se deu na esfera privada”. Aécio não é apenas “citado", agora ele é réu. Não existe “esfera privada” num negócio entre um senador e um empresário cheio de interesses na esfera pública. Sobre Eduardo Azeredo, o ex-presidente diz que ele “está sendo processado". Também é mais que isso. Ele já foi condenado em duas instâncias e está agora se completando o julgamento dos recursos. Fernando Henrique disse que não conhece o processo contra Azeredo. “Qual é a acusação? É dinheiro de campanha que teria sido dado". Deveria conhecer melhor, porque foi no caso Azeredo que o PSDB pegou o caminho errado, de passar a mão sobre os seus e acusar os outros. Azeredo foi acusado do mesmo crime que condenou tantos petistas no mensalão.

José Dirceu é um ser político e a entrevista mostra sua visão estratégica. Não deve ser tomada pelo valor de face, apenas como peça da construção do discurso político. Sua tese é de que o PT estava implantando o “estado de bem-estar social no Brasil” e que as prisões, inclusive a do ex-presidente Lula, são fruto da reação a esse “legado”, como ocorreu com o ex-presidente Getúlio Vargas. Joga essa resposta para a militância. Não tem qualquer base real. O estado do bemestar social vem sendo montado no Brasil há muito tempo, a contribuição do PT foi o Bolsa Família, um bom programa, que foi mantido. O PT pouco fez para melhorar outras bases do estado de bem-estar social, como o SUS, por exemplo.

Os acusados de corrupção no Brasil ou dão respostas que contrariam os fatos ou explicações inverossímeis.


El País: Aécio Neves, réu na Lava Jato e um fardo incontornável para o PSDB

Senador por Minas Gerais se divide entre defesa no STF e a busca por seu futuro político. Alckmin tenta se blindar dizendo que "lei é para todos" e cúpula tucana evita cravar destino

Por Afonso Benites, do El País

De candidato que quase venceu a eleição presidencial de 2014 a uma incógnita eleitoral em 2018 e um fardo para seu próprio partido. Esse é Aécio Neves, o senador do PSDB de Minas Gerais que nesta terça-feira, dia 17, tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção passiva e obstrução à Justiça no âmbito da Operação Lava Jato. Algumas horas após da derrota sacramentada, quase nenhum tucano mineiro se animava a comentar o futuro político do principal nome do partido no Estado. Extraoficialmente, três deles disseram ao EL PAÍS que dificilmente Aécio se candidatará a algum cargo eletivo. E, se o fizer, tentará concorrer a uma das 53 vagas mineiras na Câmara dos Deputados. Uma tentativa de reeleição ao Senado é incerta. Apesar de essa ser sua vontade principal.

Entre a cúpula nacional do PSDB também há uma incógnita sobre qualquer candidatura de Aécio. O EL PAÍS questionou os senadores Cássio Cunha Lima (PB) e Tasso Jereissati (CE) se, diante do atual cenário, eles achavam que Aécio teria alguma chance nas eleições deste ano. A resposta de ambos foi exatamente a mesma: “Tem de perguntar aos mineiros”.

Aécio Neves se tornou um constrangimento algo incontornável para os tucanos, pelo menos por enquanto. Como ainda comanda a máquina partidária do PSDB em seu Estado, o segundo maior colégio eleitoral do país, e tem certa influência no diretório nacional, do qual era presidente até o ano passado, só Aécio poderá anunciar sua decisão se concorre ou não a um cargo eletivo.

"Cabe a ele definir o que vai fazer e como fazer", limitou-se a dizer o pré-candidato à presidência do PSDB, Geraldo Alckmin. Antes, no entanto, fez coro com outro senador peessedebista, Ricardo Ferraço (ES), que gravou vídeo para dizer que a “lei é para todos”. "Não existe justiça verde, amarela, azul ou vermelha. Só existe Justiça. Decisão judicial se respeita e a lei é para todos, sem distinção", afirmou Alckmin, segundo a Folha de S. Paulo.

Capital político minguante
Desde que se viu envolvido no escândalo da JBS, no qual foi flagrado em diálogos duvidosos com o empresário e criminoso confesso Joesley Batista, Aécio viu seu capital político ruir. De Joesley, Aécio recebeu 2 milhões de reais em espécie. O empresário diz que o dinheiro era propina. O senador, empréstimo.

Após esse escândalo vir à tona, o parlamentar chegou a ser afastado do Senado Federal, se licenciou da presidência do PSDB e foi vaiado na convenção do próprio partido. Até correligionários de primeira hora, como o senador Antônio Anastasia, que é seu afilhado político e foi seu vice-governador, afastaram-se. No PSDB mineiro Anastasia é o único nome para concorrer ao Governo. Mas enfrenta a rejeição de Aécio, que tem remado contra ele.

As escolhas eleitorais de Aécio nos dois últimos pleitos se demonstraram equivocadas. Pimenta da Veiga perdeu para o petista Fernando Pimentel no primeiro turno para o Governo em 2014. Em 2016, foi a vez de João Leite perder para Alexandre Kalil (PHS) a disputa por Belo Horizonte, a capital mineira. “O PSDB no nosso Estado era o Aécio. Mas os últimos movimentos eleitorais, sua derrota para a Dilma [Rousseff] no próprio Estado e agora a denúncia aceita pelo Supremo o enfraquecem, sem dúvida”, afirmou um deputado tucano.

“Estou sendo acusado tendo como base uma ardilosa armação"
Seja como for, a inflexão mais importante no calvário político de Aécio foi mesmo nesta terça, quando, por unanimidade, os juízes da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal aceitaram a denúncia da Procuradoria Geral da República contra ele. Por quatro votos a um, os magistrados concordaram que ele também deveria responder pelo delito de obstrução à Justiça. O voto contrário, neste quesito, foi dado pelo ministro Alexandre de Moraes. A acusação dá conta que Aécio teria tentado usar de sua influência enquanto líder político e senador para embaraçar as investigações pela Polícia Federal. O caso teria ocorrido em 2017, quando Moraes era ministro da Justiça do Governo Michel Temer e filiado ao PSDB. A Polícia Federal era, na época, subordinada a esse ministério.

Durante o julgamento, o ministro relator, Marco Aurélio Mello, entendeu que surgiram sinais de práticas delituosas e, por essa razão, a acusação contra Aécio deveria ser aceita. A defesa do tucano reclamou que as principais provas da denúncia foram obtidas de maneira ilícita, por meio de uma ação controlada sem autorização judicial. Para Alberto Toron, defensor do senador, deverá haver uma investigação sobre a atuação do Ministério Público para comprovar que a atuação de Joesley ocorreu para prejudicar Aécio. “Houve uma ação dirigida sem autorização judicial”.

Nas redes sociais, o ex-procurador-geral da República que apresentou a denúncia, Rodrigo Janot, comemorou a decisão. “Provas obtidas por ação controlada validadas. Reconhecimento de que ex-procurador agiu por conta própria. Reconhecida a validade das gravações feitas de conversas nada republicanas com autoridades da República. O discurso vazio que tentava invalidar tudo isso virou sal na água”, afirmou em seu Twitter.

Ainda não há data para o julgamento do caso Aécio Neves no Supremo Tribunal Federal - a pauta da corte é essencialmente discricionária. Até lá, ele se dividirá entre uma definição de seu futuro político e em sua defesa de uma acusação que pode lhe render de 2 a 20 anos de prisão (se somados os dois crimes em que é réu). “Estou sendo acusado tendo como base uma ardilosa armação de criminosos confessos, aliados a membros do Ministério Público, que construíram um enredo para aparentar que cometi alguma ilegalidade. Não cometi crime algum”, disse o tucano a jornalistas, sem responder diretamente se seria ou não candidato.

Nos próximos meses, o senador aguardará o desenrolar da pré-campanha eleitoral e as costuras pelas coligações. Se, remotamente, decidir concorrer a uma das duas vagas ao Senado que estarão em aberto poderá reeditar uma disputa com Dilma Rousseff (PT). A ex-presidenta transferiu seu domicílio eleitoral para Belo Horizonte e o seu partido estuda se a lança ao Senado ou à Câmara.


Vera Magalhães: Aécio fora da eleição?

É quase certo que o senador tucano não será candidato a nada em outubro
É quase certo que Aécio Neves não será candidato a nada em outubro. A provável saída de cena de alguém que há menos de quatro anos teve mais de 50 milhões de votos na eleição para presidente é mais um retrato de como a política brasileira foi virada do avesso na última quadra. Um ex-presidente na iminência de ser preso, a presidente reeleita apeada do cargo um ano e três meses depois da posse, o presidente que a sucedeu duas vezes denunciado pelo Ministério Público Federal e todo um elenco do primeiro escalão de vários partidos atrás das grades.
Aécio já externou a intenção de não disputar a reeleição ao Senado nem tentar uma vaga na Câmara aos seus advogados e ao seu grupo político. Isso teve peso fundamental na sofrida decisão de Antonio Anastasia de ir para o sacrifício pessoal e aceitar ser candidato ao governo de Minas – o que facilita a vida de Geraldo Alckmin na disputa presidencial. Sem Aécio, Anastasia pode negociar a composição da chapa majoritária com os partidos que pretende atrair para a aliança. E, principalmente, não terá de passar a campanha respondendo pela situação do aliado na Justiça.
Do lado jurídico, Aécio, denunciado no Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva e obstrução da Justiça, tem externado convicção de que o Supremo vai restringir em muito o foro privilegiado. Assim, perderia o sentido buscar um mandato apenas para manter a prerrogativa. Advogados o aconselham a tentar “começar do zero” seu processo, que poderia, caso haja de fato a revisão do foro, descer à primeira instância.
É aí que entram os conselheiros políticos, tentando de novo convencê-lo daquilo que não conseguiram quando o caso explodiu: a sair de cena para, se for absolvido lá na frente, voltar à vida pública redimido. Desta vez ele tem se mostrado sensível aos apelos – e às pesquisas que mostram a dificuldade que terá de ser eleito depois do derretimento de seu cacife político pelo que foi revelado na Lava Jato.

Lula, Aécio, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves são só alguns dos nomes que saíram de postos de comando para, em poucos anos, cair no inferno político e judicial. Para quem acha que nada mudou no Brasil e que não se avançou no combate à impunidade, cumpre ler a lista (e as siglas partidárias) em voz alta.
STF
Isolada, Cármen Lúcia vive seu pior pesadelo
Há dez dias, escrevi neste espaço que, sob a justificativa de não “apequenar” o Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia estava fazendo justamente isso. Defendi, na ocasião, que adiar a discussão, pela Corte, do mérito das ações que tratam da possibilidade de cumprimento de pena de prisão após a condenação em segunda instância não evitaria a pressão. E que quanto mais se aproximava o momento da execução da pena do ex-presidente Lula, mais as coisas se tornariam indissociáveis. Desde então, a presidente insistiu em sua disposição de deixar o tema fora da pauta, e se isolou ainda mais. Pois nesta quarta-feira ela pode viver seu pior pesadelo: diante do imbróglio em que se transformou a questão, pode ser questionada na sessão do plenário, e não na administrativa – em rede nacional, portanto – , sobre o assunto. Pior: a admoestação pública pode vir do decano da Corte, Celso de Mello, que se sentiu traído por ela ao tentar, sem sucesso, uma reunião discreta para buscar a saída para o impasse

Míriam Leitão: Os entregadores

Os sete homens fizeram discursos sequenciais em que a palavra mais repetida foi “entrega”. Disseram que vão entregar o que foi prometido por administrações anteriores em exatos 7.439 projetos. Apesar do esforço do governo para construir, com o anúncio de ontem, uma agenda positiva, o que teve destaque foi a ordem de despejo que Aécio entregou a Tasso.

O governo não tem tempo nem dinheiro para entregar o que prometeu nos discursos de ontem do presidente e de seis ministros, mas pelo menos fez uma proposta cuja filosofia é interessante: a de completar obras paradas que se espalham pelo país. Os ministros apresentaram uma coleção de projetos iniciados, alguns há 13 anos, como disse o ministro Bruno Araújo, das Cidades, e disse que o governo vai completá-los. Não iniciar novas obras, mas terminar as antigas.

Isso tem o poder de atrair políticos pelo Brasil afora. Em cada uma dessas obras paralisadas há um grupo de pessoas interessadas. Quem viaja pelo Brasil vê pontes suspensas no ar, duplicações de estradas perigosas que ficaram pelo caminho, puxadinhos de aeroportos mal escondidos atrás de tapumes. Completar o que foi começado é, na maioria dos casos, uma boa ideia. Difícil é combinar isso com a realidade fiscal, administrativa e de governança da administração Temer em seus últimos 13 meses e 20 dias.

O primeiro objetivo que o governo tinha com o anúncio do programa Avançar ele não conseguiu: era o de ocupar com boas notícias, de recomeço de obras, e de investimento, o noticiário do dia. Quem saltou para as manchetes dos portais foi o aliado senador Aécio Neves, pelo golpe dado contra o senador Tasso Jereissati. Com um gesto apenas, Aécio entregou vários recados: que o PSDB não é um partido, é um feudo com dono; que a impunidade subiu-lhe à cabeça; que a proposta de renovação do partido e a autocrítica foram enterradas; que o afastamento do senador, quando ele entrou em apuros por receber dinheiro de um empresário investigado, era puro teatro. Ele era o verdadeiro presidente da tucanolândia, tanto que teve força para destituir o seu suposto substituto e nomear outro para o lugar. Se o partido precisava de mais um sinal de decrepitude, ele foi entregue ontem pelo senador que deveria estar ocupado em explicar as entregas de dinheiro de Joesley Batista feitas através do primo.

O palco montado pelo governo ontem era para dizer em resumo o que o presidente Temer disse: que a crise acabou e que agora o país vai retomar o crescimento. Na narrativa do presidente, seu governo enfrentou um problema há cinco meses, que ele denunciou desde o começo dizendo que era “assim, assim e assado” e que agora “o assado” está aparecendo. Quem assimilou o sentido dessa mensagem ficou assim com impressão de que ele quis dizer que conspiraram contra ele, mas ele descobriu tudo antes. A verdade como se sabe é que ele teve uma conversa de teor indefensável com o empresário Joesley Batista, numa noite do Jaburu, e que se livrou das denúncias com todas as entregas que fez aos grupos de interesse da base do governo.

O argumento usado por Aécio para defenestrar Tasso do posto de presidente do PSDB poderia até ser cômico se estivéssemos em momento de achar graça na política. Disse que Tasso precisava sair do cargo para disputar com seu concorrente em igualdade de condições a presidência do partido. Ou seja, quem está no cargo tem vantagens. E isso dito no partido que inventou a reeleição.

No cenário traçado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o governo vai entregar um crescimento de 3% ao fim do ano que vem. Há sinais de melhora da economia, sem dúvida, mas dificilmente isso entregará ao governo a melhora da popularidade. Também há poucas chances de o programa de ontem, de reapresentar um cozido de obras inacabadas, entregar a agenda positiva que o governo quer.

Esse governo permanecerá sob o sinal da crise até o final, tentando, com nomeações como a desta semana para a Polícia Federal, entregar um salvo conduto para os seus integrantes ou aliados fiéis. O problema é que a encomenda desejada talvez não chegue a tempo.

 


Eliane Cantanhêde: Aécio, uma batata quente

Aécio não está livre, Senado não resolveu problema, e Supremo tem muito o que julgar

O senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB, virou uma batata quente para o Judiciário e o Legislativo. Por ora, deixou de ser um problema imediato do Supremo para ser o principal problema do próprio Senado, que, ao dizer “não” ao seu afastamento e à Primeira Turma do STF, na próxima terça-feira, estará obrigado a ter sua própria solução para Aécio. No Conselho de Ética? O histórico das decisões ali é claramente corporativo.

A manobra para transformar a votação no plenário do Senado nem parece uma tentativa desesperada de mudar o resultado, mas apenas para “proteger” os senadores dos seus próprios votos. Vão deixar as evidências contra Aécio por isso mesmo? Eles se acertam entre eles e não querem que seus eleitores fiquem sabendo como votam?

Apesar disso, a roda continua girando: Aécio sobrevive agora, mas tem um encontro inexorável com a Justiça; o Senado está livre da acusação de confrontar o Supremo, mas é justamente a casa dos três campeões de inquéritos com foro privilegiado; e o Supremo rachou ao meio para resolver o impasse com o Senado, mas, mais cedo ou mais tarde, vai ter de julgar não só Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, mas os demais parlamentares investigados.

O que esteve, e está, em discussão no Supremo é se os fins justificam os meios. Há ministros que, como a sociedade em geral, cansaram da confusão entre imunidade parlamentar e impunidade – como disse o relator da Lava Jato, Edson Fachin – e da velha tradição brasileira de “prender os miúdos e proteger os graúdos” – como acrescentou, em bom e claro português, o ministro Luís Roberto Barroso. De certa forma, tentam um atalho rápido para punir quem eles julgam que deva ser punido. No caso de Aécio, o atalho é o artigo 319 do Código de Processo Penal.

Do outro lado, há ministros “garantistas”, como o novato Alexandre de Moraes, defendendo que as leis se submetem à Constituição, não o contrário. Ela, a Carta Magna, só prevê prisão de parlamentares em caso de flagrante delito inafiançável, como o Supremo julgou e o Senado acatou quando o senador Delcídio Amaral foi gravado acertando dinheiro e alternativas de fuga para potenciais delatores. Para esses ministros, a ordem jurídica está acima de tudo. Não há atalhos, há o caminho constitucional.

É uma discussão importante, num País que efetivamente vive um eterno “pacto oligárquico” (outra expressão de Barroso) que se ramifica por todas as regiões, Estados, cidades e setores e está na mente de cada um. Aos poderosos, tudo; aos pobres e desvalidos, a lei – e as prisões fétidas, as humilhações, as condições vis, a renda precária, a pior educação, a pior saúde.

A Lava Jato, porém, já tem quebrado esse pacto, ao desvendar a corrupção e investigar presidentes da República, líderes dos principais partidos, banqueiros, donos das maiores empreiteiras e produtoras de carne, altos executivos de estatais e empresas privadas. É um avanço, uma herança e tanto para as futuras gerações, desde que não se use o bom pretexto de acabar com a impunidade dos poderosos para “dar um jeitinho” na Constituição e nas leis, “quando necessário”.

Mal comparando, quando se acha que “um pouquinho de inflação não faz mal a ninguém”, a inflação dispara, implode os indicadores macroeconômicos e quem acaba pagando o maior preço é o mais fraco. Achar que atalhos jurídicos fazem bem à sociedade e mal aos corruptos pode ter um efeito oposto: favorecer os corruptos e prejudicar a sociedade, com efeito danoso sobre todo o fantástico trabalho da Lava Jato. Aécio não é santo, mas precisa ser investigado e julgado à luz da Constituição. Os fins, por mais nobres que sejam, não justificam os meios.

 


Fernando Gabeira: Hora de desligar aparelhos

No futuro, não há estabilidade, e sim turbulência. No terceiro ano da Lava-Jato, um assessor do presidente é filmado correndo com uma mala preta. No interior da mala, R$ 500 mil de uma pizzaria. Antigamente, tudo acabava em pizza. Aqui começou numa pizzaria chamada Camelo. Depois da delação da JBS, Temer entrou em guerra com a Lava-Jato. Os métodos são os mesmos, politizar a denúncia, investir contra juízes e investigadores. Os detalhes da denúncia da JBS são conhecidos, foram repetidos ad nauseum na televisão. A iniciativa de Temer ao partir para o confronto marca mais um capítulo de uma resistência histórica à Lava-Jato.

Nas gravações divulgadas, Lula foi o primeiro a articular uma reação, criticando os procuradores, confrontando Sérgio Moro, politizando ao máximo a luta ao que chama de República de Curitiba. Lula tentou articular uma reação. Ele percebeu que todo o sistema político partidário poderia ruir. Não conseguiu avançar. Havia a possibilidade do impeachment, e o tema da luta contra a Lava-Jato caiu para segundo plano.

Num outro compartimento, as gravações de Sérgio Machado mostram a cúpula do PMDB tramando para deter as investigações. Nas intervenções de Romero Jucá fica claro que a expectativa era deter a sangria. Mas ao mesmo tempo era preciso derrubar o PT. Possivelmente, julgavam-se mais capazes, uma vez no poder, de realizar o sonho de preservação do sistema.

As intervenções de Aécio Neves, presidente do PSDB, são mais ambíguas. Aécio não assumia publicamente que era contra a Lava-Jato. No entanto, articulava leis para neutralizá-la, seja pela anistia ao caixa dois ou pela Lei de Abuso de Autoridade. No terceiro ano da Lava-Jato, Aécio é gravado tratando de dinheiro com Joesley Batista, um empresário, por boas razões, investigado em várias frentes.

A resistência do velho sistema foi se esfacelando até encontrar, agora em Temer, o último general, com uma tropa de veteranos da batalha de Eduardo Cunha, como o deputado José Carlos Marin. É um presidente impopular que se escora apenas na cativante palavra estabilidade. A mesma que Gilmar Mendes utiliza ao absolver a chapa Dilma-Temer diante de provas que o relator Herman Benjamin classificou de oceânicas.

Que diabo de estabilidade é essa? O Tribunal Superior Eleitoral, num espetáculo caro aos cofres públicos, perdeu toda a credibilidade. Mas mesmo ali, julgando um fato passado, a Lava-Jato estava em jogo. Não só porque desprezaram provas da Odebrecht.

O ministro Napoleão Nunes mostrou-se um bravo soldado do sistema em agonia. Referindo-se aos seus delatores, falou na ira do profeta passando a mão pelo pescoço, como se fosse decapitá-los. Num mesmo espetáculo, soterram provas contundentes, e um deles se comporta, simbolicamente, como se fosse um terrorista do Estado Islâmico.

Nada mais instável do que abalar a confiança na Justiça. As reformas necessárias, os 14 milhões de desempregados são uma realidade inescapável. Mas a estabilidade que o núcleo do governo está buscando é uma proteção contra a Lava-Jato. Oito ministros são investigados. O chamado núcleo duro, Moreira Franco e Padilha se agarram ao foro privilegiado.

Olhando o futuro próximo, não é a estabilidade que vejo, e sim turbulência. Um presidente desmoralizado pelos fatos policiais vai buscar todas as maneiras de se agarrar ao poder. Quando tiver de hesitar entre a estabilidade fiscal e a do seu cargo, certamente lançará mão de pacotes de bondades.

Mesmo um presidente indireto teria de seguir a sina de Lula, Renan, Jucá, Aécio e do próprio Temer. Uma das condições para que o Congresso escolha alguém é a promessa de proteção contra a Lava-Jato. Tarefa inglória. Todos falharam até agora. Por que um presidente nascido de uma escolha indireta teria êxito?

O seu trabalho seria desenvolvido num período eleitoral. A experiência mostra que nesses períodos a sociedade tem um peso maior sobre as decisões do Congresso.

Isso completa a visão de que não há estabilidade à vista, mas uma rota de turbulência. A escolha portanto é voar para frente ou para trás. Desligar ou não os aparelhos do velho e agonizante sistema politico partidário, ancorado na corrupção.

A ausência das manifestações de rua não significa que a sociedade perdeu o interesse. Pelo contrário, o impacto de espetáculos como o do TSE tem um longo alcance. É muito provável que, num momento em que achar necessário, vá comparecer com a célebre voz da rua. Se tudo o que aconteceu passar em branco, corremos o risco de nos transformar numa nação de zumbis. Com a exceção de praxe: os índios isolados da Amazônia.

* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/hora-de-desligar-aparelhos-21488149


Marcos Nobre: A nova geração da política

Terminada uma eleição, a primeira pergunta que se faz é pelas chances que teriam figuras já conhecidas para as eleições seguintes. As chances de Geraldo Alckmin, Aécio Neves, Lula, Marina Silva, Ciro Gomes, Fernando Haddad e por aí vai. O problema desse tipo de foco é o imediatismo, limitado à próxima eleição. É um raciocínio que pensa que política é apenas eleição.

Tentar entender política envolve saber distinguir movimentos políticos de lógica partidária e de estratégia eleitoral. Quadros políticos são construídos ao longo de décadas. Não surgem nem desaparecem apenas em momentos de eleição. Nem são formados apenas dentro de partidos. Suas trajetórias de vida determinam o que são e onde estão para além da política oficial. Temos de nos perguntar como se politizaram e como tomaram a decisão por um caminho e não por outro.

É importante não reduzir a pergunta pela nova geração da política à pergunta pela geração nova da política. Para conseguir pensar o que será a política nos próximos 20 anos. E o que se quer que se ela seja. Para tentar sair da armadilha imediatista e pensar adiante, vale lembrar, por exemplo, onde estavam figuras da nova geração 20 anos atrás.

Nestas eleições, há casos clássicos de uma nova geração com formação partidária ortodoxa, como o do prefeito reeleito de Salvador, ACM Neto, do DEM. Nascido em 1979, acompanhou desde cedo um político tradicional, o avô, ACM, e conquistou seu primeiro mandato de deputado federal aos 23 anos. Mas está longe de ser paradigmático de sua geração. Basta olhar para outras figuras políticas que nasceram entre 1980 e 1984.

O procurador da República no Paraná, Deltan Dallagnol, nasceu em 1980 e formou-se em direito em 2001 na UFPR. Seu mote sobre a transformação do país pode ser enunciado assim: “Não é o envolvimento político-partidário, mas o exercício de cidadania”. Provavelmente foi sua avaliação negativa do cenário político-partidário no momento de sua decisão profissional o que o fez optar pela carreira de procurador em lugar de um engajamento na política oficial.

Liderança do MTST, Guilherme Boulos tem hoje 34 anos e aos 17 já tinha assinado uma carta de rompimento com o PCB. Como será que, durante seu curso de filosofia na USP, decidiu que o caminho partidário ou a militância em um movimento social tradicional não conseguiriam traduzir mais suas aspirações políticas? No momento em que decidiu participar de sua primeira ocupação, o PT e os movimentos sociais estavam voltados para a eleição de 2002. Não parece que era essa a sua ideia do que significa fazer política.

Áurea Carolina nasceu em 1984. Sua atuação no coletivo “Hip Hop Chama” e no movimento feminista, seu engajamento nas lutas do movimento negro nas periferias se traduziu em 2016 na maior votação para a Câmara Municipal de Belo Horizonte. Elegeu-se pelo Psol, mas seu mandato está ligado à iniciativa “Muitas | Cidade que queremos”, semelhante à que foi realizada em São Paulo pela “Bancada Ativista”.

A pergunta que se pode fazer agora é: por que recuar 20 anos se há caras da nova geração que têm 20 anos de idade, como o vereador eleito Fernando Holiday, em São Paulo? Também o caso de Holiday vai além do horizonte partidário. Negro, pobre e primeiro vereador assumidamente gay, elegeu-se pelo DEM, mas sua atuação se pauta pelo movimento do qual é uma das lideranças, o MBL.

Em Junho de 2013, Holiday era secundarista. Se optou por se lançar na política oficial desde já, não foi esse o caminho escolhido por muitos da mesma idade que saíram às ruas três anos atrás. O exemplo de Holiday leva à ideia simples de que pensar o futuro é pensar o que está acontecendo agora nas escolas ocupadas em quase metade dos Estados. Da natureza dessas iniciativas e das respostas que serão dadas a elas sairá muito do Brasil de 2036.

Para quem quer entender essa “primavera secundarista”, é indispensável ler “Escolas de luta: o movimento dos estudantes contra a ‘reorganização’ escolar”, de Antonia M. Campos, Jonas Medeiros e Márcio M. Ribeiro (Veneta). É um relato generoso tanto com quem lê o livro como com quem ocupou e continua a ocupar as escolas. Reconstrói, com paciência e detalhe, o processo de “reorganização escolar” desencadeado pelo governo Alckmin em São Paulo em 2015, reunindo informações que se encontram espalhadas em fontes diversas e dispersas.

Mas não existe neutralidade quando se trata de recortar uma exuberância de dados, uma multiplicidade de vozes. Cada escola ocupada tem sua história, sua linguagem e seus temas. E nem os autores pretendem neutralidade. Se não há tomada de posição nem preferências por uma ou outra ação, é explícita sua adesão ao sentido geral das movimentações secundaristas como ações de resistência e de auto-organização.

A peculiaridade do livro é fazer com que esse conjunto de ações surja como um movimento, algo que talvez não seja claro nem para quem faz nem para quem está tentando entender o que está sendo feito. A dificuldade que o livro se colocou é dar esse caráter de movimento sem confundi-lo com homogeneidade, muito menos com partidos e com a política oficial.

Não por acaso, em lugar de “movimento”, fala-se muito desde 2011 no mundo todo em “primaveras”: árabe, feminista, secundarista. Um movimento como o de “secundas” não é um movimento no sentido que se conheceu até antes dos anos 2010. Parece que o próprio conceito de “movimento” e de “movimento social” ficou obsoleto. Nessa lógica, primavera é uma estação de germinação. As formas anteriores de organização ficaram como que com o inverno da política.

Ninguém mais tem dúvida de que o cenário partidário e a forma atual de organização do sistema político caducaram. O problema é que muitos parecem continuar a olhar apenas para a política oficial, com a expectativa de que ela se transforme de dentro e por si mesma. Essa miopia não permite ver adiante. Para olhar para frente, é preciso olhar para trás. E para um presente que não é só o da política institucionalizada. Principalmente para quem ainda acha que partidos são instituições fundamentais da institucionalização da política. (Valor Econômico – 31/10/2016)

Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap. Escreve às segundas-feiras
E-mail: marcosnobre.valoreconomico@gmail.com


Fonte: http://www.pps.org.br/2016/10/31/marcos-nobre-a-nova-geracao-da-politica/


Dora Kramer: Uma eleição sem derrotas nem derrotados

À exceção do já previsto desastre petista, não houve derrotas nem derrotados fragorosos na eleição de ontem. Tampouco ocorreram vitórias ou se registraram vitoriosos absolutos na escolha de prefeitos e vereadores nas capitais do País. Foi tudo meio morno. Portanto, de baixa intensidade também foi o impacto sobre os preparativos para 2018. É tradição se tomar o desempenho de cada partido no pleito municipal como uma espécie de ensaio para a disputa presidencial dali a dois anos, embora tal versão quase nunca corresponda aos fatos. Desta vez, podemos dispensar o “quase” e assumir na totalidade a negativa.

Não haverá correspondência alguma entre as duas eleições, notadamente pela peculiaridade de ambas. A de agora, realizada com regras até então inéditas, em ambiente de crises, escândalos, prisões, delações, reações algo desesperadas e um altíssimo grau de rejeição aos políticos. O paradoxo é que o interesse pela política cresceu na proporção inversa. O sumiço dos caciques partidários das campanhas deu-se justamente porque não há quem possa dizer que esteja bem na fotografia no momento. Fernando Henrique e Aécio Neves fizeram aparições fortuitas em prol do candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, João Doria, e ainda assim só depois de ele dar sinais de saúde eleitoral.

O ex-presidente Lula bem que tentou. Apareceu aqui e ali, no Nordeste e em São Paulo, para ter o desgosto de ver candidatos nordestinos dispensando sua presença e Fernando Haddad desistindo de apresentá- lo no horário eleitoral depois de as pesquisas qualitativas o apontarem como fator de perda de votos. O presidente Michel Temer não deu o ar da graça. Verdade que ele havia anunciado distância a fim de não provocar atritos entre partidos dos quais depende de votos no Congresso. Mas é fato também que não se viu ninguém no PMDB e área de influência a clamar por sua presença.

Por esses e outros motivos, não se pode enxergar em 2016 um ensaio para 2018, quando o esperado e o inesperado cuidarão de proporcionar cada qual a respectiva surpresa. Nada está garantido e a obra do futuro com desfecho em aberto. Mesmo o desempenho surpreendente de João Doria em São Paulo não representa um passaporte para o governador Geraldo Alckmin na disputa presidencial. Entre outros motivos, porque nossa história recente demonstra que criaturas nem sempre fazem bem aos criadores. (O Estado de S. Paulo – 03/10/2016)


Fonte: pps.org.br