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Pessoas que sofrem relações abusivas precisam ser alertadas da violência a qual estão submetidas | Foto: Tinnakorn Jorruang/Shutterstock

Revista online | A gaiola invisível do abuso

Neure Rejane Alves da Silva*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)

A gaiola inclui um julgamento sutil sobre o errado dentro de você que você considera ser verdade. Em outras palavras, você se percebe como mau ou errado por causa do abuso que ocorreu. Este "errado" torna-se o filtro por meio do qual você experimenta e percebe a realidade.

O abuso (físico, sexual, moral, psicológico, entre outros) perpetua a destruição, a introspecção, a separação e o isolamento e, quando você está trancado nela, você está em um estado constante de degradação e desvalorização de si mesmo. Isso é o que acontece quando há um abuso: seus desejos e necessidades tornam-se irrelevantes.

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Importante destacar que em nada isso tem a ver com algum tipo de transtorno mental, ou seja, a pessoa abusada sentir-se errada. Nós estamos falando de relações abusivas, de relações que envolvem agressões físicas, sexual, moral, psicológica e patrimonial, esta faz a mulher ficar vulnerável financeiramente, tudo isso em relacionamentos considerados essenciais. O DSM 5 indica essas questões como aquelas que precisam ser abordadas inclusive no atendimento clínico, uma vez que por vezes a pessoa chega em um estado tal de sofrimento que pode até ser confundido com algum transtorno, mas não o é. “Em um extremo, esses relacionamentos íntimos podem ser associados a maus-tratos ou negligência, com consequências médicas e psicológicas significativas para a pessoa afetada”. (DSM 5, 2014, p. 715).

Eis um ponto sensível, a relação abusiva ocorre em relacionamentos considerados essenciais, ou seja, a priori em um campo envolto de confiança, segurança e entrega. Evidentemente, trata-se de pauta a ser tratada no campo da justiça, da saúde pública, bem como, da educação. É preciso educar para o autoconhecimento, para a relação com as diferenças. Essa pauta deveria ser também uma preocupação da ordem do desenvolvimento socioeconômico de um país. Ou se quer ingenuamente pensar que o abuso ocorre somente nas relações íntimas? Não, o abuso também ocorre no ambiente de trabalho. A exposição frequente e constante ao ambiente de constrangimentos e de humilhações pode estimular ao isolamento, à inibição em expor ideias e sugestões. Pode também romper um processo criativo, logo, conduzir à ruptura com o trabalho. Outra perspectiva implicada ao patamar de país desenvolvido a considerar é sua condição de garantia de direitos, de compromisso com a redução da violência, em todas suas faces. 

Mais uma vez, é necessário destacar que não estamos falando de qualquer relacionamento: estamos falando de vínculos essenciais à convivência, à vida das pessoas. Por isso, sua gravidade, a urgência em educar para a identificação do abuso quando sofrido e da segurança para buscar uma rede de apoio.

O que as pessoas que sofrem relações abusivas precisam saber, e para isso precisa ter quem diga, quem as encontrem e quem as ajudem reconhecer a violência a qual estão submetidas. A autopercepção, o reconhecimento dos seus desejos e de que é dotada de direito a sonhos, desejos e planos é tão sufocada nessas relações que, por vezes, elas nem enxergam e não conseguem admitir que tal situação esteja acontecendo. Aliás, geralmente a pessoa afetada pelo abuso costuma justificar o comportamento da pessoa abusadora. O abuso priva a pessoa afetada em viver expectativas. A pessoa abusadora é quem pensa, planeja, deseja e decide pelos dois.

Confira, a seguir, galeria de imagens:

Foto: SurfsUp/Shutterstock
Foto: Alphavector/Shutterstock
Foto: Dragana Gordic/Shutterstock
Foto: Paulo Pinto/AGPT
Foto: H_Ko/Shutterstock
Foto: My Ocean Production/Shutterstock
Foto: Reprodução/Spirit Fanfics e Histórias
Foto: Reprodução/A Folha Torres
Foto: Reprodução/Jornal do Comércio do Ceará
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Aliás, que desejo pode ter um objeto? Se a relação é objetal, o objeto teria que desejo a ser atendido ou escutado? Objeto não age, objeto é conduzido, é movimentado de acordo com a conveniência de seu “dono”.

Mais uma vez, a relação abusiva é cercada por palavras, por atos verbais ou gestos grosseiros ou até mesmo muito sutis e simbólicas que são de extrema reprovação. São atitudes e comportamentos que resultam em dano à autoestima e à percepção de si e da outra pessoa. São comportamentos duradouros, ou seja, não se trata de um ato influenciado por um dia ruim da vida de alguém, estamos falando de uma constância, estamos falando de comportamentos recorrentes, que costumam ter o mesmo modus operandi. Comportamento de ameaças, chantagens, de seguir pelas ruas, de limitá-la financeiramente, a fim de mantê-la em dependência, de colocar a pessoa em dúvida constante sobre sua sanidade mental, que a priva de visita à sua família, aos amigos, inclusive em consulta médica. Quando a pessoa percebe, e se perceber, ela está literalmente ilhada, está sem os seus. A gaiola foi criada e ela está dentro. Ela já não tem mais a rede de apoio que ela tinha ali.

Caso haja essa percepção, é muito importante acionar, ir atrás porque, por vezes, essas pessoas já estão à espera dela dar um gesto e permitir que elas entrem na vida dela novamente. A pessoa que está sofrendo por uma relação abusiva está nesta gaiola invisível. Saiba que quem te ama está à espera de um gesto seu, de um pedido. Elas estão prontas para te apoiar.

Finalizando, quero ressaltar que não há culpa nisso, mas há oportunidade de mudança. Sei que a mudança é mais um elemento gerador de medo, ainda mais quando se está habituada a um ambiente que mesmo sendo opressor, ainda assim é o conhecido, todavia, experimente pedir ajuda para dar os primeiros passos, alçar o primeiro voo, e você verá que será possível soltar-se e seguir sozinha. Sozinha sim, é preciso apreciar o estar só, e não confunda isso com ser ou estar solitária.

Diz a lenda que ela acreditou e foi... Não, não diz a lenda, diz a realidade que desejamos, a luta que travamos, que ela acreditou e foi... Para onde? Para onde ela quis.

Sobre a autora

Foto: Reprodução/Facebook

*Neure Rejane Alves da Silva é psicóloga (CRP 18/06733), gestora e consultora.

* Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Merval Pereira: Machismo degradante

Há muito tempo não via uma cena tão degradante quanto a que mostra o deputado Fernando Cury, da Assembleia Legislativa de São Paulo apalpando acintosamente sua colega Isa Penna em frente à mesa diretora da Casa. Não se trata nem mesmo de uma questão de tendência política, pois o deputado-cafajeste era do Cidadania, um partido da esquerda moderna que, por ser uma agremiação que zela pela democracia e pelos direitos femininos, o expulsou de suas hostes.

Cury abraçou sua colega por trás e apalpou seus seios, tendo sido repudiado duas vezes, sem que se veja no vídeo nenhum tipo de atitude tomada pelo deputado que presidia a sessão naquele momento, à frente de quem a cena ultrajante ocorreu. A deputada Isa Penna diz que ele estava bêbado quando se aproximou, e é possível que estivesse, porque somente fora de si poderia ter protagonizado, no plenário da Assembleia, uma cena tão nojenta.

 Quando está longe de todos, do que será capaz esse sujeito? Há um detalhe no vídeo que é bastante sintomático. Um deputado de terno cinza tenta pará-lo quando Cury se dirige à mesa onde já estava a deputada. Esse deputado sabia exatamente o que seu colega intencionava fazer, provavelmente porque o avisou antes, jactando-se do que faria.

O fato é daqueles que dão vergonha alheia a todo homem que não se acha com o direito de assediar uma mulher simplesmente por ser do sexo masculino. Essa masculinidade tóxica faz com que a cada fato desses mais seja demonstrada a necessidade da punição rigorosa dos abusos sexuais, sem o quê o Brasil continuará sendo terra de trogloditas onde um comportamento regressivo, animalesco, tem permissão de existir.

A maior prova disso é que nada menos que dez parlamentares foram ao gabinete do deputado assediador prestar-lhe solidariedade, não se sabe bem a troco de que. A deputada Isa Penna já fora chamada de “vadia”, “vagabunda” e “terrorista” quando era vereadora, pois o ambiente parlamentar no Brasil, de maneira geral, é daqueles dominados por homens brancos heteros, cuja maioria ainda vive séculos de atraso mental.

A tal ponto que a obrigatoriedade legal de dar espaços às mulheres candidatas transformou-se em fonte para falcatruas no financiamento eleitoral. Mulheres não representativas e sem chance alguma de serem eleitas são escolhidas apenas para serem usadas como “laranjas” para o uso do fundo eleitoral. Transformam as mulheres, e transformarão outras minorias, em meros instrumentos de trambiques com o dinheiro público, sem nenhum interesse em diversidade na representação partidária.

O machismo é fato tão banal que o atual presidente Jair Bolsonaro foi capaz de agredir a deputada sua colega Maria do Rosario, verbalmente, afirmando que não a estupraria porque ela não merecia, e não sofreu nenhuma punição.

Outro desdobramento dessa praga brasileira revelou-se no julgamento de uma mulher agredida pelo marido em mais um episódio de violência doméstica tão comum na nossa sociedade. Tão relevante quanto a gravidade do episódio em si é o fato de o caso ter sido denunciado pelo site Papo de Mãe, da jornalista Mariana Kotscho, mais uma expressão da atuação feminina no combate ao machismo estruturando sociedade brasileira.

Um juiz da Vara de Sucessões de São Paulo, cujo nome não foi revelado por o caso estar em segredo de Justiça, fez comentários escabrosos durante uma audiência, sempre de caráter machista, indicando qual seria sua tendência na decisão: “Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe, eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”, afirmou.

O juiz desmereceu a lei e criticou a mulher por registrar boletins de ocorrência contra o ex-marido, ameaçando-a com a perda da guarda dos filhos: “Ficar fazendo muito B.O. depõe muito contra quem faz. (...) “Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo”.

A audiência foi gravada em vídeo, que está exibido no site Papo de Mãe para quem quiser constatar como o machismo arraigado na nossa sociedade faz com que juízes e deputados se sintam em condições de cometer absurdos, certos da impunidade.


Merval Pereira: Disputa de poder

O episódio da prisão de membros da Polícia Legislativa do Senado acusados de estarem agindo para obstruir as investigações sobre senadores envolvidos na Lava-Jato é a explicitação de uma disputa entre o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Legislativo, empenhado em aprovar uma legislação que limite as investigações.

Esses limites, segundo os parlamentares, são os da lei, que consideram estar sendo ultrapassada em muitos casos. Já o Ministério Público e o próprio juiz Sérgio Moro acham que os políticos querem colocar obstáculos ao combate à corrupção. É provável que o presidente do Senado, Renan Calheiros, que responde a 9 processos no Supremo, a maioria ligada à Lava-Jato, faça reclamação ao STF pelo que teria sido invasão do Senado pela Polícia Federal.

A alegação oficial é que a ação da PF foi contra funcionários do Senado, que não têm foro privilegiado, e por isso ela tem validade apenas com a autorização de um juiz de primeira instância. Como, porém, diversos computadores e outros instrumentos eletrônicos foram apreendidos, é provável que informações sobre senadores venham a ser reveladas.

Nesse caso, a Polícia Federal pode alegar que é uma “prova achada”, isto é, que surgiu indiretamente de outra investigação, não devendo ser anulada, mas o Supremo certamente será chamado a decidir a disputa. Há rumores no Senado de que os integrantes da Polícia Legislativa faziam trabalhos paralelos que podiam incluir a vigilância de senadores por seus adversários políticos no próprio Senado.

Episódios recentes mostram como a disputa entre polícia do Senado e PF vem se agravando. Além do caso do apartamento da senadora Gleisi Hoffmann, que integrantes da Polícia Legislativa tentaram proteger impedindo a ação da PF, houve outro caso, mais grave.

Quando a Polícia Federal chegou à Casa da Dinda, onde reside o senador Fernando Collor, a Polícia Legislativa foi acionada e enviou para lá um batalhão de homens armados que tentaram impedir que computadores e outros documentos fossem retirados da residência, inclusive a frota de carros importados. Por pouco não houve confronto físico.

A ação da PF no Senado reforçou a iniciativa de aprovar lei contra o abuso de autoridade, que o MP considera um atentado à magistratura, comprometendo o combate à corrupção. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima disse ao “Estadão” que a lei sobre o abuso de autoridade representa um golpe contra a Lava- Jato: “A aprovação da lei de abuso de autoridade pode significar o fim da Lava-Jato; inclusive eu pessoalmente, se essa lei for aprovada, não vou continuar”.

Ele considera que o projeto pretende criar constrangimentos para quem investiga situações envolvendo pessoas poderosas, especialmente empresários e políticos. Com a aprovação da lei, Carlos Fernando diz que os investigadores serão ameaçados “por corruptos e bandidos em geral, porque vão estar expostos a todo tipo de retaliação”.

A atuação da Polícia Legislativa foi considerada a de uma “organização criminosa armada”, e os agentes presos estarão sujeitos às penas da lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. As investigações indicam que ela atuava como uma “guarda pretoriana” ou, como registrei ontem na coluna, uma milícia a serviço da proteção dos senadores.

Por enquanto não há denúncia direta de que esse grupo obedecia a Renan, mas as investigações caminham nessa direção. Nesse caso, as malhas do § 2º do art. 2º da lei que trata da organização criminosa se abateriam sobre Renan, agravando ainda mais sua situação: “A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”.

O artigo 2º, § 5º, esclarece: “Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual”.

“Indícios”, diz o texto legal, e não provas. “Investigação”, e não ação penal. Se a Procuradoria-Geral da República, em resposta a uma provável reclamação do Senado, encaminhar ao STF pedido de afastamento de Renan da presidência da Casa, a crise institucional ganhará proporções perigosas.(O Globo)


Fonte: pps.org.br