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Revista online | A natureza pede democracia
Habib Jorge Fraxe Neto*, consultor do Senado, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição/janeiro de 2023)
A proteção e a conservação do meio ambiente vicejam melhor onde correm as águas da democracia, e o recente discurso de posse da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, indicou o curso dessas águas. Passados quatro anos desde que se iniciou o desmonte sistemático da governança ambiental, em 2019, a natureza – nós nela incluídos – respirou aliviada, como as seculares árvores amazônicas respiraram aliviadas quando dos empates vitoriosos de Chico Mendes e outros seringueiros. Desde então, o mundo mudou muito. Se naquele tempo eles se perfilavam no interior do Acre em torno das árvores para impedir seu corte, hoje se colocam contra o desmatamento de nossas florestas atores do porte da comunidade europeia e das empresas globais de seguros. O governo anterior não entendeu essa mudança.
Nos últimos quatro anos, nosso Sistema Nacional do Meio Ambiente foi colocado à prova, e quem acompanhou a passagem da boiada sabe que a precarização da governança ambiental foi tramada entre quatro paredes e de modo a ruir suas bases, convertendo o país de líder em pária da questão ambiental. Nada mais contrário à democracia, que exige a participação da sociedade civil, da ciência e do máximo de atores dedicados à causa do meio ambiente, dada a complexidade das soluções necessárias.
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O novo governo entendeu a gravidade do que foi executado. Estávamos indo na contramão da racionalidade científica e socioeconômica, e nossas políticas ambientais haviam sido colocadas a serviço do crime organizado, sobretudo na Amazônia Legal. As medidas até aqui anunciadas alinham-se com as mais modernas práticas em políticas públicas. E os tempos são outros, passados 20 anos desde o início do primeiro governo Lula, também com Marina na pasta ambiental.
Hoje até os então mais céticos concordam que a mudança do clima precisa ser enfrentada. Os mercados pressionam cada vez mais nesse sentido, considerando os imensos custos arcados pelas seguradoras globais (grandes conglomerados financeiros) devido a acidentes naturais associados a eventos climáticos extremos. Em nosso caso, cerca de dois terços das emissões de gases de efeito estufa associam-se ao desmatamento da vegetação nativa e a atividades agropecuárias. Absolutamente irracional foi descartar, como fez o governo derrotado, planos efetivos de combate ao desmatamento.
Marina e sua equipe precisarão reconstruir as políticas de controle do desmate, a exemplo do que fizeram de 2004 a 2012, quando as taxas de corte raso da Floresta Amazônica diminuíram 83%. O novo governo precisa ainda viabilizar, em especial na Amazônia, modelos socioeconômicos para a geração de renda que não dependam de atividades ilegais. A operação do Fundo Amazônia (que foi retomada no primeiro dia do novo governo, após quatro longos anos de paralisação) poderá contribuir de forma significativa para isso via pagamentos, inclusive internacionais, por resultados de desmatamento evitado.
Técnicas de agricultura de baixo carbono constituem outro pilar das políticas ambientais e, nesse campo, há imenso potencial para diminuir a vulnerabilidade dos sistemas agrícolas e, ao mesmo tempo, aumentar a renda dos produtores rurais. A transversalidade ministerial anunciada na posse da ministra Marina será fundamental para conciliar a dicotomia, equivocada em nosso entender, que classifica o setor rural como inimigo do meio ambiente. Um dos grandes gargalos é a precariedade nos incentivos, na produção de tecnologias e na assistência técnica para que o setor agrícola adote técnicas menos emissoras em carbono, que têm vantagem econômica e ambiental quando comparadas às da agricultura convencional.
Confira, a seguir, galeria:
Os desafios são imensos, diante do papel brasileiro de ser e continuar sendo uma potência ambiental, pela sua imensa riqueza natural, pela matriz energética forte em renováveis e, em especial, pelo gradual fortalecimento das instituições e movimentos sociais dedicados à proteção da natureza que se observou até 2018. E, ainda que o governo anterior tenha se dedicado ao desmonte, a sociedade civil e os servidores públicos da área ambiental fortaleceram resistências que agora serão de grande valor.
A reconstrução da governança ambiental é um grande desafio e exige o apoio de toda a sociedade. Além dos temas aqui apontados, há muitos outros de relevância social e econômica, como políticas de saneamento básico. Diversas pesquisas recentes apontam que, mesmo em uma sociedade ideologicamente dividida como a nossa, cerca de 80% dos brasileiros consideram a proteção ambiental uma prioridade. Poder público e setores econômicos devem nortear suas ações nesse rumo para assim fortalecer nossa democracia. A natureza agradece.
Sobre o autor
* Habib Jorge Fraxe Neto é consultor legislativo do Senado Federal, na área de meio ambiente.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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