400 mil mortes
Fernando Gabeira: O general pulou a cerca
Tive um avô que comia doce escondido, fugindo das prescrições médicas. Lembrei-me dele quando o general Luiz Eduardo Ramos confessou que tomou vacina escondido, para respeitar a medicina e a ciência:
— Tomei e vou ser sincero. Como qualquer ser humano, quero viver, pô.
As coisas mudaram no Brasil de hoje. Um general do Exército toma vacina escondido porque sabe que, para o governo a que está ligado, isso é uma heresia.
O que o general esconde é para ele o impulso de qualquer ser humano. Se for um pouco mais longe, perceberá que está presente em todos os seres vivos.
O belo documentário sobre os ensinamentos de um polvo mostra suas estratégias de sobrevivência, ora caçando um camarão, ora escapando de um tubarão, ou mesmo colocando seus ovos em lugar seguro. Além de sobreviver, os seres vivos tendem a perpetuar sua espécie, general.
Na mesma gravação em que confessa sua escapada para a vida, o general Luiz Eduardo Ramos afirma que está na luta para convencer Bolsonaro a se vacinar também:
— Não podemos perder o presidente para um vírus desses.
Mas, de certa forma, o general e alguns eleitores de Bolsonaro já o perderam para o vírus desde o momento em que o presidente decidiu negá-lo. Bolsonaro não poderia combater o que não existe, o que não é mais do que uma gripezinha.
Um general sensato deveria parar para pensar um pouco na história. Num passado recente, os adversários eram postos na clandestinidade. Mas hoje é o próprio impulso vital que se torna clandestino no interior do governo.
Indo um pouco para trás, encontraremos presidente que se suicidou no auge de uma crise, mas nunca houve presidente que escolhesse o suicídio como um estilo de vida.
Depois de comandar o Ministério da Saúde, o general Pazuello, investigado por negligência nas mortes de Manaus, foi a um shopping center sem máscara.
Ele manteve um nível de obediência total a Bolsonaro, mostrando-se o aliado fiel, aquele que marcha com seu líder ainda que seja para a sepultura.
A travessura do general Ramos é apenas uma das pequenas brechas em que a vida consegue penetrar o fúnebre edifício do governo Bolsonaro. Mas sua própria confissão indica como está enterrado nesse pântano cadavérico.
Ele não tem vergonha de querer viver como os outros seres humanos. Mas também não se orgulha disso nem celebra o ato vital de se vacinar. É apenas uma contingência, pô.
Aliás a expressão “pô” é uma forma simplificada porque achamos na imprensa que, depois de tudo por que passaram os brasileiros, ainda não podem ler certas palavras cruas.
De modo geral, não me interessam generais que se enterram ou mesmo os que põem rapidamente a cabeça de fora.
Eles são apenas a guarnição militar de um projeto de morte que, desvelado para a maioria do país, certamente não sobrevive depois de 22.
O problema é que esse projeto domina hoje o país onde vivo e se espalha além dos mais de 400 mil túmulos que cavou com a pandemia. Ele nos retira o Censo para que não saibamos exatamente quantos somos e que problemas concretos temos de enfrentar. Ele nos impõe e aprova um Orçamento com verdadeiros cheques em branco para políticos.
Enfim, não basta conduzir um projeto de morte, mas é necessário também romper com os elementos de orientacão e planejamento coletivos.
É como se tivéssemos que marchar de olhos fechados para o nosso próprio cadafalso. É um plano meticuloso que se estende à escuridão, ao imposto sobre os livros, para que se feche também essa janela para o mundo.
Houve um pastor que levou seus fiéis ao abismo nas Guianas. Chamava-se Jim Jones. Mesmo para alguém como eu, que não acredita em reencarnacão, as coincidências são assustadoras.
Durante muito tempo se pensou em suicídio coletivo, mas o que prevaleceu foi a tese do assassinato em massa.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-general-pulou-cerca.html
Maílson da Nóbrega: 2021, o pior Orçamento da história
O Orçamento da União para 2021, uma mixórdia, é o pior da era republicana. É inconcebível que isso tenha acontecido com a peça legislativa mais importante depois da Constituição. A Lei Orçamentária Anual é, ademais, a principal da área econômica, pois define as prioridades do País e a destinação dos recursos públicos.
O Orçamento esteve na origem da Carta Magna inglesa (1215), a primeira das grandes mudanças institucionais que legaram a democracia ocidental. A Revolução Gloriosa inglesa (1688) atribuiu ao Parlamento a supremacia do poder e a aprovação anual do orçamento. Questões orçamentárias compuseram as fontes e as transformações das Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789).
No Brasil somos herdeiros de outras tradições, as do mundo ibérico colonial, em que as finanças do rei se confundiam com as do Estado. Talvez por isso o Orçamento não seja levado a sério. Até 1937 o Congresso o usava para dar nome a ruas e promover funcionários. Daí o dispositivo acaciano introduzido pela Constituição de 1937 e mantido desde então: o Orçamento só cuida da receita e da despesa.
Nos últimos 20 anos, segundo levantamento da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), várias vezes o Orçamento foi aprovado meses depois do início do exercício fiscal. Quase virou regra. De fato, durante esses 20 anos, em apenas dois a lei foi publicada antes do término do ano anterior.
Durante a Constituição de 1946, o Orçamento era desfigurado por excesso de emendas. No outro extremo, o regime militar proibiu-as. A Constituição de 1988 restabeleceu essa necessária atribuição do Congresso, mas condicionada ao cancelamento de dotações de mesmo valor ou por “erros e omissões”.
Erros e omissões seriam, óbvio, erros materiais, mas no primeiro Orçamento da democracia, o de 1989, o relator interpretou que abrangiam engano na estimativa da receita. Ao projetar artificialmente uma arrecadação maior, ele abriu espaço para emendas. A maroteira, inconstitucional, foi consagrada mediante sua inscrição como norma do Congresso.
O teto de gastos tornou a manobra inviável, pois a despesa passou a ter um limite. Mesmo que se reestime a receita, as emendas não podem aumentar. Depois de dois exercícios o Congresso achou a saída: criar o espaço para emendas pela redução de gastos obrigatórios como as aposentadorias. Flexibilizou-se o que é fixo por natureza.
Uma justificativa para a barbaridade teria sido estudo do Ministério da Economia sugerindo que o auxílio-doença fosse pago pelas empresas, que descontariam o seu valor no pagamento de tributos. Seria violado um princípio básico do processo orçamentário, pelo qual o Orçamento deve conter todas as despesas e receitas do governo. Prejudicaria a transparência e propiciaria fraudes.
O Congresso fez uma festa com as emendas: somaram inacreditáveis R$ 49 bilhões. Tudo com o aval do Ministério da Economia, segundo o relator, senador Márcio Bittar. Depois dos vetos, esse valor foi reduzido para R$ 35,6 bilhões, correspondente a 47% dos gastos discricionários, ou seja, os não obrigatórios. Para comparar, em 2008 atingiram 19,6%. Veremos mais ginásios de esportes, ambulâncias, tratores e postos de saúde Brasil afora, em detrimento da melhoria da infraestrutura nacional, da ciência e tecnologia, do apoio ao agronegócio e, pasmem, do censo demográfico.
O governo teria participado da negociação de uma pedalada fiscal. A meta do resultado primário de 2021 vai excluir as despesas com saúde, o programa de preservação de empregos (BEm) e o crédito para pequenas e médias empresas (Pronampe). O certo teria sido rever a meta, e não renovar essa estratégia petista. Tais despesas serão financiadas com créditos extraordinários, o que as exclui do teto de gastos. Para tornar viável a manobra, alterou-se a Lei de Diretrizes Fiscais aprovada em 2019, permitindo que essas despesas não precisem ser compensadas com cortes equivalentes em outras áreas.
Ainda mais esquisito foi incluir na Constituição os R$ 44 bilhões de recursos para financiar o auxílio emergencial. Uma dotação orçamentária virou mandamento constitucional, o que deve ser caso único no mundo. Se a pandemia não for controlada, será necessário estender o auxílio, provavelmente por crédito extraordinário. No mesmo exercício, um programa oficial será baseado em emenda constitucional e em decreto presidencial.
O valor das despesas discricionárias, R$ 74 bilhões, tende a ser insuficiente para manter o funcionamento das atividades administrativas do governo. Haverá o risco de shutdown, pois dificilmente o governo concordaria com a ruptura do teto, ainda que para ampliar dotações e desse modo evitar a paralisia da administração. Nas atuais circunstâncias, seria uma catástrofe, o que tornaria inviável a reeleição de Bolsonaro.
Depois de tudo isso, pelo menos se pode esperar a preservação do teto de gastos, que constitui a âncora fiscal do País. Parece que estamos livres do pior.
ECONOMISTA, SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,2021-o-pior-orcamento-da-historia,70003698541
Juan Arias: As palavras macabras de Paulo Guedes sobre o SUS
Escrevo esta coluna no momento dramático em que o Brasil contabiliza 400.000 mortos vítimas da covid-19. É uma triste efeméride que poderia ter sido evitada em boa parte sem a atitude de desprezo pela vida demonstrada pelo presidente Jair Bolsonaro e sua postura de bloquear a vacina. A isso se soma agora a macabra afirmação feita dias atrás por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o sistema público de saúde (SUS) está quebrado porque as pessoas querem viver muito, “até os 100 anos”.
No mesmo dia em que se inaugurou a CPI do Senado para investigar possíveis crimes na tragédia da covid-19, Guedes fez graves declarações sobre o sistema público de saúde, considerado, apesar de suas falhas, um dos mais avançados do mundo. É uma glória do Brasil que nem sequer os ricos Estados Unidos conseguiram implantar, apesar das tentativas do ex-presidente Obama.
Guedes, em seu discurso do último dia 27, afirmou, sem saber que estava sendo gravado, que o atual SUS e o Estado estão quebrados. Com essa afirmação, enviou ao mesmo tempo uma mensagem subliminar aos empresários da saúde de que o futuro do setor no Brasil terá que passar às mãos dos particulares, favorecendo assim a indústria dos planos de saúde. E os milhões de pobres que jamais poderão pagar um plano ou se tratar num hospital privado? Aí chega a parte mais desumana. Segundo o ministro, a culpa do descalabro do sistema publico de saúde não seria do Estado, e sim das pessoas que pretendem viver demais. É uma afirmação que atribui a culpa do descalabro sanitário ao desejo das pessoas de viverem o máximo que puderem.
Talvez não tenha sido casual que o ministro tenha criticado as pessoas por quererem viver muito quando a CPI do Senado investiga a conduta do presidente durante a pandemia, a qual lhe valeu a crítica de estar provocando um genocídio nacional com seu negacionismo e sua rejeição à vacina.
Não podemos nos esquecer de que uma das primeiras declarações do capitão sobre a pandemia foi que “todos nós vamos morrer”, e que afinal os que mais se contaminam e morrem são os idosos e os doentes crônicos, já que os atletas como ele e os fortes resistem melhor.
Foi então quando ele revelou que o que mais lhe preocupava na pandemia era o problema econômico. Por isso, que morressem idosos e doentes importava menos, já que eles não são parte da força de trabalho. Seriam uns parasitas que consomem sem produzir.
Essa desumanidade de Bolsonaro, que parece elogiar a morte dos inúteis e improdutivos, casa perfeitamente com a fria e cruel afirmação de seu ministro da economia, que estigmatiza o desejo das pessoas de continuarem vivendo, o que poderia pôr em perigo o deus do liberalismo, para o qual as pessoas servem apenas enquanto são capazes de produzir. Do contrário, melhor que reprimam seus instintos de quererem continuar vivendo, já que representam um peso para a economia. Um bom tema para a CPI da covid-19 investigar é a responsabilidade de quem deixou a epidemia correr solta, vista como uma espécie de limpeza étnica para eliminar as vidas que o capitalismo cruel considera inúteis e até perigosas para o sistema.
Pena que as 400.000 vitimas mortais da pandemia não possam ressuscitar de suas tumbas para deporem nas investigações da CPI. Certamente os resultados do inquérito seriam muito diferentes do que será pelos rasteiros jogos políticos que essas CPIs costumam abrigar.
As palavras macabras de Guedes de que o sistema de saúde não funciona bem porque as pessoas se empenham em viver “até cem anos” leva a crer que o melhor seria criar uma eutanásia geral para os que já viveram bastante e não podem produzir, para não quebrar a economia.
Comprova-se uma vez mais que a filosofia do bolsonarismo está estreitamente ligada até metaforicamente à morte, e não à vida. Algo que se revela cada vez mais claramente na linguagem, na gestualidade imitando as armas, nos símbolos nazistas, no amor pela guerra e a violência, em seu desprezo pelos fracos que não mereceriam viver e por seus sentimentos de vingança, junto com uma escondida covardia e medo da vida.
Freud nos ensinou, inspirando-se na mitologia grega, que as duas colunas que sustentam o mundo são Eros e Tânatos, ou seja, o amor pela vida e a reprodução, e os sentimentos de morte. E que, no final, sempre prevaleceu no mundo o amor pela vida sobre a morte, já que do contrário o mundo não existiria. O esforço por continuar vivendo apesar de todas as dificuldades que a vida acarreta acaba sendo maior que o instinto de morte e de destruição. Por isso a humanidade continuou viva, apesar das grandes catástrofes, das guerras mundiais e das epidemias. O instinto de querer continuar vivendo acaba sempre por vencer. O bolsonarismo, pelo contrário, parece apostar no Tânatos freudiano, na morte, na negatividade, na violência e na destruição.
É lamentável, no momento em que o Brasil aparece tristemente como o epicentro da pandemia no mundo, que o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil, revele que se vacinou “escondido”, certamente por medo da reação do seu chefe, o capitão Bolsonaro. O general, ao revelar que se vacinou escondido, acabou confessando: “Sim, me vacinei, não tenho vergonha, porque como todo ser humano eu quero viver”.
O jornalista João Batista Natali, da Folha do S. Paulo, depois de ter passado 21 dias em coma induzido por causa da covid-19, contou em seu jornal a dor causada por ter estado morto durante todo esse tempo. E termina seu relato com um grito: “Que linda é a vida!”. Tomara que seu grito de homenagem à vida tenha chegado aos ouvidos do ministro que critica quem deseja viver demais.
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.
Fonte:
El País
Fernando Abrucio: Estratégias para não repetir o maior erro da eleição de 2018
As principais políticas públicas do país estão no caminho errado. O desempenho do Ministério da Saúde no combate à covid-19 foi um dos piores do mundo. A área ambiental foi destruída pelo antiministro e, enquanto ele continuar no cargo, o mundo não vai acreditar nas promessas feitas pelo governo brasileiro. O MEC abandonou os governos subnacionais e as escolas na pandemia, o que vai aumentar a desigualdade entre os alunos, no curto e no longo prazo. A lista de equívocos é longa e assustadora, e sua origem inicial está no processo eleitoral de 2018. Como evitar a repetição desse erro é uma das tarefas fundamentais para sair das trevas atuais.
Várias razões explicam as origens desse erro eleitoral, mas uma delas foi estratégica: a campanha foi muito curta e, sobretudo, houve poucos debates públicos com os principais candidatos, o que ficou ainda pior por causa da ausência do vencedor da eleição na controvérsia direta contra seus oponentes. Em defesa do presidente eleito pode-se dizer que ele sofrera um terrível atentado, o que é verdade. Mas no segundo turno Bolsonaro foi a inúmeros eventos públicos e deu entrevistas ao “jornalismo-amigo”, de modo que poderia ter ido aos debates contra seu adversário, mas preferiu fugir.
Bolsonaro não foi aos debates porque estava despreparado para ocupar a Presidência da República. Há três provas cabais disso, vinculadas ao seu plano de governo, às qualidades técnicas e políticas dos apoiadores mais próximos e do próprio futuro presidente, bem como à visão de mundo mais geral do bolsonarismo, tanto em termos de projeção de futuro para o país, como também em seu comportamento político.
Em primeiro lugar, o programa de governo foi o pior feito por um presidente eleito desde a retomada da democracia. Reduzido no tamanho e com pouquíssimo aprofundamento das ideias propostas, o programa de governo bolsonarista espalhava slogans e mitos sem a devida comprovação. Com erros básicos no uso dos dados, que nem mesmo alunos do primeiro ano de faculdade cometeriam, o projeto bolsonarista era claramente anticientífico, pois as principais evidências em educação, meio ambiente, segurança pública e saúde foram completamente ignoradas.
Uma lição ficou dessa história: os programas de governo precisam ser mais discutidos pela sociedade e, particularmente, pela imprensa de massa, como a TV. Geralmente, a mídia faz umas poucas matérias sobre as propostas formalizadas dos candidatos, mas o melhor caminho seria chamar, num primeiro momento, os candidatos para discutirem os programas de todos, e, num segundo momento, chamar especialistas nacionais e até internacionais, nas várias áreas de políticas públicas, para discutir a pertinência das ideias de cada concorrente. Quanto mais houver escrutínio público dos programas de governo, mais chances haverá de se evitar que despreparados cheguem à Presidência da República.
O segundo fator que comprova o despreparo de Bolsonaro está na qualidade das pessoas que apoiaram mais diretamente sua candidatura. Como já disse em artigo recente, os piores nomes dominam hoje grande parte dos postos da Esplanada dos Ministérios. Quem não percebeu isso, procure lembrar o nome do ministro da Educação e compare suas ideias para a área com o que é feito pelos países com melhor desempenho educacional. E não para por aí. Por mais de um ano, o Ministério da Saúde foi ocupado por pessoas que desconheciam completamente o setor – o próprio ex-ministro Eduardo Pazuello disse que nem sabia o que era o SUS. A militarização da política sanitária provou que não se pode improvisar com problemas coletivos complexos, pois uma pessoa pode ser habilitada para uma função e ser completamente despreparada para outra.
O pior de tudo isso é que o Brasil tem grandes acadêmicos, especialistas e gestores governamentais reconhecidos internacionalmente. Uma procura em bons sites especializados traria uma lista de nomes qualificados. Quantos desses foram chamados pelo atual governo? Quase ninguém. Bolsonaro prometeu que só chamaria “técnicos” para compor o núcleo de seu governo. Promessa descumprida: colocar policiais militares no Ibama, gente com currículo acadêmico pífio na educação, pessoas que nunca trabalharam com a cultura na respectiva secretaria, para ficar só em alguns exemplos, demonstra como o governo Bolsonaro é formado por amadores despreparados para as várias funções, que só estão lá porque obedecem completamente ao chefe maior.
Os debates na campanha deveriam discutir os principais nomes que assessoram os candidatos e que podem se tornar peça-chave para a qualidade do futuro governo. Mas não só o time de assessores faz diferença. É necessário também analisar a trajetória e as características pessoais dos presidenciáveis. Olhando para a biografia de Bolsonaro, não só ele não tinha comprometimento com a democracia e não fizera nada de relevante em 30 anos de Congresso Nacional, como nunca aprendera nada com as mudanças no mundo. Como todo governante despreparado, não é capaz de admitir e aprender com suas falhas. Isso poderia ter sido mais colocado em questão durante a campanha.
Há um terceiro e último elemento que já antecipava o despreparo para o cargo presidencial. Trata-se da forma como Bolsonaro e seu grupo se colocam frente ao mundo, em termos de ideias sobre o futuro almejado para o Brasil, formas de reagir à adversidade e a disposição em dialogar e aprender com os outros. Desde a campanha, percebeu-se que o bolsonarismo tinha um modus operandi muito claro: queria a volta ao passado em termos de valores e políticas públicas, não tinha muito respeito pela democracia e incentivava o ódio aos adversários.
O que vigora no grupo governante é o que pode ser chamado de “Planeta Bolsonaro”. Neste lugar distópico, imperam ideias e propostas que não são adotadas e/ou implementadas por nenhum outro país bem-sucedido nas diversas políticas públicas. A proposta educacional bolsonarista contém o contrário dos cardápios utilizados por nações que melhoraram sua educação nos últimos anos. A visão sobre a questão ambiental do bolsonarismo é o inverso do que está se firmando como um consenso mundial. Na mesma linha, a luta contra a desigualdade, não só de renda, mas com ações de defesa de minorias e da diversidade, é um processo crescente no mundo, enquanto as políticas do governo brasileiro vão no sentido contrário.
A construção do “Planeta Bolsonaro”, como um “mindset” que organiza o atual governo, não dialoga com as ideias e grupos que procuram enfrentar os desafios do século XXI. O Brasil ficará ainda mais para trás com as políticas do governo do presidente Joe Biden, nos Estados Unidos, que vão inspirar boa parte do mundo. A fonte desse reacionarismo radical vem de uma parcela da sociedade brasileira, que pode ter de um quinto a um terço dos eleitores, que está preocupada em evitar que as transformações do mundo contemporâneo cheguem aos seus lares. Não detém a maioria da população, mas consegue emperrar as necessárias decisões que deveríamos tomar para não construirmos aqui um salazarismo do século XXI, para lembrar o ditador português que atrasou por décadas a modernização da sociedade portuguesa.
A campanha de 2022 não pode repetir a de 2018. Os programas de governo devem ser discutidos exaustivamente. Não importa quais serão os candidatos: eles precisam falar mais sobre suas ideias, definirem como lidarão com situações difíceis, debaterem com outros concorrentes e serem testados pelo contraditório de especialistas, jornalistas independentes e cidadãos. Afinal, bons governos baseiam-se em propostas consistentes que necessariamente têm de passar pelo debate público.
Além disso, os nomes dos assessores devem ser conhecidos e analisados profundamente. Uma prévia de boa parte da equipe governamental deveria ser apresentada por todos os concorrentes. Desse modo, seria possível confrontar o plano de governo com a biografia e qualidade de seus prováveis implementadores. Soma-se ainda a isso a necessária análise das trajetórias e características de cada um dos presidenciáveis, tomando como principais qualidades a habilidade de dialogar e de agregar, além da capacidade de aprender com seus próprios erros.
Tão importante quanto o programa de governo e o conhecimento dos membros que o implementarão é a análise do “mindset” de cada grupo que disputa a Presidência. Sugiro quatro questões orientadoras aos condutores dos debates que deveriam ser feitas para todo concorrente a presidente. Primeira: como o senhor imagina que deve ser o país daqui a 20 anos num conjunto amplo de áreas (educação, meio ambiente, saúde, economia, cultura)? Segunda: que medidas adotará para que esse cenário se realize? Terceira: em que ideias, experiências de países e líderes governamentais o senhor se inspira para propor mudanças ao Brasil? E, por fim, como reunirá as pessoas em torno de suas propostas?
Para que uma campanha melhor aconteça em 2022, o período eleitoral deve ser maior e as regras sobre os debates deveriam ser melhoradas, fortalecendo o contraditório baseado em conhecimento sobre as políticas públicas. É sobre isso que o Congresso Nacional e a sociedade deveriam estar debruçados agora se quiserem que o Brasil tenha futuro. Seria a melhor reforma política para enfrentar as barbaridades produzidas no “Planeta Bolsonaro”.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas
Fonte:
Valor Econômico
César Felício: Voando por instrumentos
“Porque no acúmulo de sabedoria, acumula-se tristeza, e quem aumenta a ciência, aumenta a dor.” A julgar pelas ações do governo Bolsonaro e pela sua devoção ao Livro Sagrado, o lema de sua administração deveria ser esta constatação que está em Eclesiastes 1:18, e não o sempre citado João 8:32 (“Conhecereis a verdade e ela vos libertará”). O aumento do conhecimento, com suas incômodas revelações, parece torturar a administração federal, em que desde seu início declarou guerra aos radares, questionou o mapeamento da devastação na Amazônia, lançou suspeitas sobre as estatísticas de desemprego, tentou interferir na contagem de mortos da pandemia de covid-19 e por fim sabotou o censo demográfico que deveria ter sido feito em 2020 e talvez só ocorra em 2023.
Vivemos tempos estranhos, como gosta de dizer o ministro Marco Aurélio Mello, que no Supremo Tribunal Federal acatou anteontem um pedido de liminar do governo do Maranhão para obrigar a realização do censo ainda este ano. Não dá para arriscar prognóstico sobre o que o plenário do STF fará em relação a essa liminar, já na próxima semana.
O Supremo tornou-se o escoadouro último de todos os contenciosos da sociedade e cabe a Marco Aurélio, por exemplo, decidir tanto sobre a realização do censo quanto sobre o peso da embalagem dos sacos de cimento produzidos no Espírito Santo. Executivo e Legislativo, os Poderes a quem cabe a definição e a gestão do Orçamento, estabeleceram que o censo não é prioridade, embora a sua realização decenal esteja prevista em lei.
O governo deve usar a pandemia como argumento para o cancelamento do censo, mas a inicial apresentada pelo governo do Maranhão mostra que fechar o visor da sociedade sobre o que nós nos tornamos na era Bolsonaro parece ser deliberado.
Lá se historia que Bolsonaro assumiu com uma previsão orçamentária de R$ 3,4 bilhões para a consulta. A presidência do IBGE foi trocada em fevereiro de 2019, a diretoria de pesquisas substituída em maio deste ano e em junho foi apresentada a redução do censo, de 112 para 76 perguntas no questionário da amostra e de 34 para 25 no formulário básico. Com isso diminuiu-se a verba para R$ 2,3 bilhões. A dupla formada pelo relator do Orçamento e o ministro da Economia fizeram o resto do serviço este ano para deixar somente R$ 53 milhões em recursos.
Se em 2021 pareceu tão pouco importante realizar o censo, certamente em 2022, um ano eleitoral, haverá para governo e base parlamentar gastos mais relevantes do que fazer a medição. Não realizá-lo agora é adiá-lo mais dois anos, e não um ano só.
Os efeitos mais graves do atraso do censo são bem conhecidos. Prejudica políticas públicas que envolvam alocação de recursos federais de modo geral. No universo de danos há um, entretanto, que mesmo não sendo nem de longe o mais importante, está encoberto e causa dano político: os estragos nas pesquisas de opinião pública, particularmente as eleitorais.
As pesquisas precisam definir um universo para iniciar a amostra. Entrevistar na medida certa pessoas que retratem no microcosmo a diversidade social que permita transpor os achados da parte para o todo
Mesmo sem atraso do censo isso é difícil no Brasil, país onde a realidade social é porosa, com variações bruscas em curto espaço de tempo. Na escuridão proporcionada pelo governo Bolsonaro, todos vão ter que tatear.
“Qual o percentual de evangélicos que existe atualmente no Brasil? Qual exatamente a porcentagem da população que se autodeclara preta? Qual o tamanho da classe C? O prejuízo é enorme”, comenta o diretor científico do Ipespe, Antonio Lavareda.
Como se sabe que o presidente Jair Bolsonaro tem mais aceitação entre os evangélicos e menos entre os que se autodeclaram pretos; há viés para todos os gostos nos levantamentos feitos.
“Nossos modelos vão ficando defasados. Outro exemplo é o perfil demográfico. A população brasileira está envelhecendo. A estimativa de jovens pode estar superdimensionada nas pesquisas”, diz Mauricio Moura, do Instituto Ideia Big Data.
Uma estratégia para contornar essa dificuldade é limitar a amostra apenas aos dados para os quais há estimativas oficiais da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad), que não foi interrompida. Mas ainda assim a base é movediça. “A Pnad também é uma pesquisa, com margem de erro. Portanto, o levantamento eleitoral é uma pesquisa que toma como base outra pesquisa”, diz Márcia Cavallari, CEO do Ipec, empresa de pesquisas.
A partir de uma amostra com cotas mais reduzidas do universo social, pesquisas como a do Ipec procuram identificar nas entrevistas o total de evangélicos, por exemplo. Márcia diz que levantamentos situam a população evangélica no Brasil entre 27% e 30% na atualidade, significativamente mais do que o censo.
O problema é como submeter os achados das pesquisas a um controle para se saber se há ou não problemas no universo amostral. Pesquisadores como Andrei Roman, do Atlas Político, tentam fazer esse controle pelo resultado da última eleição.
Sabe-se que em 2018 Bolsonaro teve 49,8% dos votos totais no segundo turno e Haddad 40,5%. Se o total das entrevistas de uma pesquisa de hoje for feita com este percentual de eleitores que optaram por Bolsonaro e Haddad na eleição passada, a chance de se ter um quadro fidedigno da sociedade no universo pesquisado aumenta. Mas quem garante que o bolsonarista arrependido fala a verdade quando perguntado sobre seu voto há três anos? Não há controle perfeito.
“A gente calibra a pesquisa com esses controles, mas não é uma situação confortável. É difícil até explicar no exterior o grau de incerteza que existe no caso brasileiro”, diz Roman.
Voar por instrumentos é o que resta, não apenas em relação a pesquisas eleitorais, mas a qualquer tipo de pesquisa. As consequências de apostas feitas pelo governo federal desaparecem da linha do horizonte. Há loucura no método, como sempre.
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/voando-por-instrumentos.ghtml
Hélio Schwartsman: Viés de imunidade
Contra os vieses lutam os próprios deuses em vão. Uma das ilusões cognitivas mais danosas e esquisitas de que se tem notícia é a falácia do planejamento, que pode ser definida como a tendência de pessoas e instituições de subestimar o tempo e os recursos necessários para a realização de um projeto.
Ela é danosa porque leva governos, empresas e indivíduos a comprometer-se com orçamentos e cronogramas que não conseguirão cumprir, incorrendo em custos adicionais. E é esquisita porque, mesmo sabendo que o viés existe —qual governo ignora que orçamentos estouram e obras atrasam?—, temos enorme dificuldade para compensá-lo —e é por isso que orçamentos continuam estourando e obras atrasando.
Algo parecido ocorre em relação à Covid-19. Ao menos desde outubro, quando países europeus começaram a apresentar expressivos aumentos de casos, sabíamos que segundas ondas eram possíveis. Aqui no Brasil, mesmo cientes desse perigo, escolhemos ignorá-lo e relaxamos os cuidados assim que os números da primeira onda trouxeram um alívio.
Não somos só nós. Os indianos, mesmo tendo assistido ao que aconteceu na Europa, nos EUA e no Brasil, julgaram-se imunes ao problema e decretaram a volta à normalidade antes da hora. O resultado é a tragédia numa escala que ainda não havíamos visto.
A falácia do planejamento foi identificada pela dupla de psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky e é uma das modalidades do viés de otimismo que afeta nossa espécie quando julgamos nossas próprias capacidades. Mesmo sabendo que não há razões objetivas para tal, nos comportamos como se operássemos sempre acima da média e não precisássemos nos preocupar com os cenários mais negativos.
O melhor modo de escapar ao excesso de otimismo é incorporar o princípio da mediocridade. Não temos nada de especial. Se em algum lugar do mundo houve terceira onda, temos de estar prontos para ela.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/04/vies-de-imunidade.shtml
Ruy Castro: Estão gostando do palhaço?
Paulo Guedes, ministro-bufo de Jair Bolsonaro encarregado dos esquetes sobre economia, disse que “livro é coisa de rico”. E, como sempre, desafinou. Bolsonaro, por exemplo, é rico e não gosta de livros. O último que teve em mãos foi no dia de sua posse —um exemplar da Constituição, que ele jurou defender, mas nunca abriu e na qual cospe com regularidade.
Bolsonaro tem razão em não ligar para livros. Não só porque lê com dificuldade, acompanhando as linhas com a cabeça e tropeçando nas palavras quebradas, mas porque construiu seu patrimônio sem precisar deles, valendo-se apenas do salário de deputado e, dizem, do de seus servidores. A estante ao fundo em seus pronunciamentos no Planalto é cenográfica, com livros comprados a metro. Às vezes variam a cor das lombadas para combinar com sua gravata. Um brincalhão poderia rechear as prateleiras com as obras completas de Karl Marx e Bolsonaro não perceberia.
Esse brincalhão poderia ser Paulo Guedes. Numa trupe de momos como Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello, era difícil notá-lo no picadeiro. À medida que eles foram sendo defenestrados, Guedes saltou para o centro da lona e nunca mais perdeu uma oportunidade de ficar calado. Exprobou as domésticas por irem à Disney, tachou os servidores públicos de parasitas, acusou os pobres de destruir o meio ambiente e ainda os condenou por não saberem poupar e só pensarem em consumir.
Como o show não pode parar, Guedes há pouco criticou o brasileiro por “querer viver 100, 120, 130 anos” e sobrecarregar a Previdência. Deu mais uma cotovelada na China, acusando-a de ter inventado o vírus e vender uma vacina de segunda. E avisou o IBGE que não lhe mandaria dinheiro para fazer o Censo porque “quem muito pergunta ouve o que não quer”.
Está certo. Imagine se, em meio ao espetáculo, alguém perguntar ao público se estão gostando do palhaço.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/04/estao-gostando-do-palhaco.shtml
Rogério Furquim Werneck: Tensão política e reformas
Não falta quem nutra a fantasia de que, nos próximos meses, antes da completa mobilização de Brasília com as eleições de 2022, ainda haverá uma janela de tranquilidade política que permitirá engajamento efetivo do Congresso no avanço do programa de reformas. O mais provável, contudo, é que o paralisante clima de alta tensão política que hoje se vê no País perdure por muitos meses mais.
Com base em longo histórico de CPIs criadas com grande estardalhaço e que acabaram dando em nada, vem sendo arguido, agora, que a recém-instalada CPI da Pandemia pode perfeitamente se revelar um completo fiasco. Mas a verdade é que as peculiaridades dessa CPI tornam pouco crível o prognóstico de que, mais uma vez, a montanha acabará por parir um rato.
É preciso ter em conta que nesse momento dramático da evolução da pandemia e de indignação generalizada, com as proporções da devastação e a lentidão com que avança a vacinação, o objeto do inquérito permanecerá sendo uma questão crucial, de fácil entendimento, na qual a grande maioria da população terá grande interesse.
É bom também ter em mente que, tendo se permitido desmandos de toda ordem no enfrentamento da pandemia, o governo já não consegue esconder seu alarme com a instalação da CPI e com os danos políticos que dela poderão advir. E que, ao se deixar levar por reações completamente destrambelhadas, vem garantindo à CPI uma caixa de ressonância de enorme potência que, a mídia, por si só, jamais conseguiria replicar.
Contando com não mais que quatro senadores governistas, entre os 11 membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, o Planalto não teve melhor ideia do que conseguir que um juiz federal de primeira instância concedesse grotesca liminar, determinando ao Senado que não permitisse que o senador Renan Calheiros fosse “eleito” relator da CPI, quando, de fato, a escolha do relator não é feita por eleição, mas pelo presidente da Comissão.
Ao ver a liminar solenemente ignorada, o senador Flávio Bolsonaro voltou suas baterias contra o presidente do Senado, acusando-o de irresponsabilidade e “ingratidão”, por ter acatado a decisão do Supremo que determinava a criação da CPI e desacatado a do juiz de primeira instância que impedia a “eleição” do relator.
Na situação em que está, não será com hostilização ostensiva do presidente do Senado e do relator da CPI que o Planalto conseguirá conter os danos políticos que a comissão de inquérito poderá lhe trazer.
Entre as reações desastradas à instalação da CPI, merece também destaque a impensada divulgação, pela “sala de guerra” montada no Planalto, de longa lista de nada menos que 23 flancos distintos pelos quais a postura do governo durante a pandemia poderia vir a sofrer censura na CPI.
Com justa razão, a lista foi logo vista no Senado como um roteiro de confissões de culpa no qual a comissão de inquérito poderia se basear, de início, para organizar o trabalho que tem pela frente.
Tudo indica que, ao longo dos próximos meses, a relação entre o Planalto e o Congresso estará dominada pelos atritos advindos da CPI. A composição da Comissão deixou mais do que claro o caráter flagrantemente minoritário do apoio parlamentar efetivo com que conta o governo.
Tendo isso em mente, alguém acredita mesmo que, a 17 meses das eleições de 2022, o Planalto terá condições de conduzir com um mínimo de sucesso a aprovação de reformas econômicas complexas no Congresso?
É dessa perspectiva que se deve avaliar a pretensão do presidente da Câmara, Arthur Lira, de retomar o esforço de aprovação, ainda que fatiada, da reforma tributária. Entre as muitas razões para ceticismo, não se pode deixar de mencionar que esta é uma agenda sobre a qual o governo tem mantido posições especialmente confusas.
É difícil que, logo agora, com o Ministério da Economia fragilizado, e já privado da colaboração da competente Vanessa Canado, o governo consiga se livrar das suas confusões e dar coerência a uma discussão séria sobre reforma tributária no Congresso.
Fonte:
O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/tensao-politica-reformas-24995416
Reinaldo Azevedo: Bolsonaro oferece 400 mil mortos ao lúmpen-milicianato
A instalação da CPI da Covid mexe com os bofes de Jair Bolsonaro. Agride o seu senso de onipotência —injustificado segundo um crivo objetivo, mas compreensível se visto por lentes clínicas. O golpista de primeira hora, que nunca precisou de comissão de inquérito ou de oposição organizada para pregar o rompimento da ordem —como provam os atos antidemocráticos que patrocinou já em 2019—, não aceita que sua obra seja questionada. Os, até agora, mais de 400 mil mortos são o seu grande legado ao lúmpen-milicianato que o aplaude.
A política sempre deve ter precedência na análise da vida pública, embora os dados de personalidade não possam jamais ser ignorados. Uma leitura mais aberta de Maquiavel sugere que a “fortuna” e a “virtù” —a história herdada que condiciona alternativas e as escolhas ditadas pela personalidade— também podem ter um enlace negativo. Em vez de surgir o Príncipe, eis que aparece o ogro, que a democracia tem de esconjurar. Ou morreremos todos.
Assim, é claro que, ao não arredar um milímetro das posições as mais estúpidas e reacionárias, que muitos enxergam danosas e contraproducentes para seu próprio futuro político, Bolsonaro age com cálculo. Ele deu voz a esse público que existia nas sombras; que se esgueirava nos escuros da história; que se acoitava nos desvãos nunca visitados —não de modo suficiente ao menos— pela teoria política.
Há nesses cafofos mentais um potencial de ressentimento odiento; de rancor acumulado contra virtudes vistas como inalcançáveis —pouco importando se as limitações são objetivas ou subjetivas—; de repulsa a tudo o que escapa de suas escolhas, tidas como valores universais. Encontram no presidente a sua voz.
Essa esfera de sentimentos e sensações é infensa a dados da realidade fática. A evidência do erro só reforça a convicção. Daí a fúria patológica contra a imprensa, por exemplo.
Querem uma prova? A crítica ao distanciamento social, sob a alegação de prejuízos à economia, expressa uma racionalidade torta. É um erro, sim, mas faz sentido. O que explica, no entanto, a repulsa de muitos à máscara senão a reação dos que se sentem tolhidos na sua vontade e reprimidos por um mundo que não compreendem, por valores que lhes são distantes, por um discurso que entendem ser só afetação e hipocrisia?
Na arte e na vida, esse caldo alimentou os fascismos. Leiam “M, o Filho do Século”, de Antonio Scurati, sobre os primeiros anos da trajetória de Mussolini, o trânsfuga. Vejam ou revejam o filme “Lacombe Lucien”, de Louis Male, e percebam como o oprimido pode encontrar no peito do opressor o regaço para a sua ascese, ainda que destrutiva.
Bolsonaro pode não saber exatamente o nome do que pratica —embora viva cercado de alguns que o sabem—, mas já percebeu ter um público cativo —em mais de um sentido. O que um olhar objetivo e crítico apontaria como um tiro no pé é precisamente a seiva, vertida como fel, que plasma em eleitorado os ódios que ele açula e alimenta. E, por essa razão, o presidente não desiste nem recua nunca. Aí está a sua fortuna —este texto está pleno de palavras polissêmicas.Não é fácil a um outro qualquer liderar esse lúmpen-milicianato —presente em todos os setores e classes, já que não é o interesse econômico que une os fanáticos, mas uma espécie de identidade espiritual. Embora esteja consciente do jogo, Bolsonaro é um homem, a seu modo, sincero. Está plenamente convencido das coisas estúpidas que diz e faz. É o que a sua inteligência alcança. Creiam: nem os filhos são seus herdeiros naturais. Já pensam demais, ainda que a seu modo.
Nesse particular sentido, raramente houve no Brasil um representante que expressasse com tanta fidelidade o universo mental dos seus representados e que estivesse tão à altura do momento. Ele soube pôr as suas características pessoais a serviço da terra que a Lava Jato arrasou. É emblemático que, neste momento, o senador Renan Calheiros —uma das caças de predileção de procuradores— seja o homem mais temido pelo presidente e pelos fascistoides que ele mobiliza.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Afonso Benites: CPI no Senado pressiona Bolsonaro pela primeira vez na pandemia, que escala com 400.000 mortos
Sempre que o Brasil atingiu trágicas marcas de centenas de milhares de mortos pela covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seguia seu velho roteiro de priorizar a economia, criticar medidas de restrição de circulação, valorizar medicamentos sabidamente ineficazes contra a doença e de flanar sem máscara provocando aglomerações. Sem falar de quando minimizou as perdas e menosprezou a gravidade da crise. Nesta quinta-feira, quando o país ultrapassa os 400.000 mortos, Bolsonaro pouco mudou, mas, pela primeira vez nos últimos 13 meses de pandemia, ele sente a pressão de uma apuração que tem o potencial de desgastar sua imagem pelos próximos meses e colar nele a responsabilidade por parte do maior morticínio enfrentado pelo país ―ao menos para parte da população, já que, até o momento, o Planalto retém a aprovação de em torno de 30% da população.
A CPI da Covid prepara uma artilharia pesada contra o presidente. Nesta quinta-feira, durante a sua segunda reunião, os senadores aprovaram 310 requerimentos que pretendem esmiuçar a ação do Governo no combate à pandemia. Entre os pedidos dos congressistas, há a tentativa de entender as razões que levaram o Governo a não comprar 70 milhões de vacinas da Pfizer entre agosto e setembro do ano passado ou que por razões estritamente políticas tenha atravancado as negociações com o Instituto Butantan, que produz a Coronavac, em parceria com a chinesa Sinovac.
Há duas estratégias dos oposicionistas, até o momento, mostrar que Bolsonaro e sua equipe foram omissos e atrasados na aquisição de vacinas, assim como teriam estimulado a contaminação massiva dos brasileiros, incentivando que a população não parasse de trabalhar, não se isolasse, se infectasse e, desta maneira, atingisse a tão propalada imunidade de rebanho. Nesse sentido, há um pedido até sobre o itinerário que o presidente fez em seus passeios fora da agenda oficial no Distrito Federal. Em quase todos, ele estava sem máscara e promoveu aglomerações.
Diante de um país que já emite alertas para uma terceira onda de contaminações e que em apenas 35 dias atingiu mais 100.000 mortos ―os 300.000 casos foram registrados em 24 de março―, fica cada vez mais evidente que a tática governista não tem dado certo. Entre a catástrofe de março e a de agora, Bolsonaro promoveu uma minirreforma ministerial, que defenestrou o chanceler Ernesto Araújo, um ideólogo que pouco ajudou na importação de vacinas e insumos, e empossou Carlos França. De largada, o novo ministro já mudou a postura do país, passou a reconhecer a gravidade da pandemia e dá sinais de que a política exterior deve passar por mudanças, ainda que dependa de um direcionamento de Bolsonaro.
Na prática, por enquanto, não houve avanços. A mudança de ministros até o momento não resultou na aquisição de mais vacinas. Essa, por exemplo, é uma das queixas dos bolsonaristas na comissão. “Quantas vacinas esta CPI vai aplicar no braço da população?”, indagou o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) nesta semana.
Com uma diminuta tropa de choque (só 4 dos 11 membros do colegiado), o Governo segue tentando dificultar o trabalho da CPI. Mas não tem obtido vitórias. Nesta quinta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), recusou um pedido feito por senadores governistas de afastar Renan Calheiros (MDB-AL) e Jader Barbalho (MDB-PA), das investigações. Calheiros é o relator do processo e comemorou a decisão e tem dito que não investigará pessoas ou instituições, mas sim os fatos. “Só devem ter preocupação os aliados do vírus. Quem não foi aliado do vírus, não deve ter nenhuma preocupação”, disse o relator em tom irônico ao apresentar o plano de trabalho.
Outro caminho do Governo na tentativa de barrar as apurações é o de investigar prefeitos e governadores, ampliando o espectro e desvirtuando o foco. “Não queremos fazer dessa CPI uma CPI do fim do mundo que chegue a mundo algum. É interesse nosso que essa CPI chegue a bom termo”, afirmou o vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Houve uma tentativa de dispersão do foco da CPI. O que a sociedade vai entender se nós investigarmos menos que o fato determinado?”, complementou Calheiros.
Os senadores bolsonaristas também tentarão convocar os médicos e cientistas que defenderam o tratamento com cloroquina ou outras drogas comprovadamente ineficazes contra o coronavírus como estratégia para dizer que Bolsonaro não agiu sem apoio de profissionais da área de saúde. Por ora, esses pedidos não foram analisados.
Para a próxima semana, falarão como testemunhas os três ex-ministros da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, o atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga, e o presidente da Agência Nacional de Vigilância em Saúde, Antônio Barra Torres. Ao convocar esses políticos como testemunhas e não como investigados, os senadores querem evitar que eles mintam ou se calem. Quando se é investigado por uma CPI, o depoente pode se negar a responder qualquer questionamento para não se autoincriminar. Já a testemunha, tem a obrigação de dizer a verdade.
Quem tem se aliado indiretamente ao Governo na tentativa de ampliar o foco da investigação é o Ministério Público Federal. Na linha do que defende Bolsonaro, a subprocuradora da República Lindôra Araújo enviou um ofício aos governos estaduais questionando sobre o emprego de verbas federais no combate à pandemia. Nesta quinta-feira, os nove governadores da região Nordeste, pediram o afastamento de Araújo do Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia de Covid-19, vinculado diretamente ao procurador-geral da República, Augusto Aras.
E, se os governistas têm recorrido à Justiça, os opositores também não fecharam esse caminho. Atendendo a um pedido da REDE, o ministro Lewandowski determinou nesta quinta-feira que o Ministério da Saúde apresente um cronograma atualizado da vacinação. A imunização em marcha lenta é uma das marcas da atual gestão. Enfim, a tendência é que a política e o Judiciário sigam entrelaçados na crise por um longo período.
Fonte:
El País
Jorge Henrique Cartaxo: Sobre os meios e os modos
Parece não haver lugar para a decência no Brasil. Além dos desencontros diários do presidente Bolsonaro com a língua portuguesa, o bom senso e a empatia, não raro seus ministros inundam a República com persecutórias aleivosias. O camelô da 25 de março que faz as vezes de ministro da Economia, o personagem de Dante, Paulo Guedes, durante uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar na última terça-feira – que ele não sabia que estava sendo gravada – expressou, sem receios, todo o seu olhar sinistro sobre o Brasil, os brasileiros e o nosso tenebroso tempo. “Nas universidades públicas ensinam Paulo Freire, sexo para crianças de 5 anos e há maconha e bebidas nas unidades de ensino mantidas pelo governo”, professorou Paulo Guedes emulando as mais “eruditas” teses bolsonaristas. E num araujiano assombro diplomático acusou os chineses de terem inventado o coronavírus e uma vacina menos efetiva do que a vacina americana. “Os americanos têm 100 anos de investimento em pesquisa. Os caras falam: qual é o vírus? É esse? Tá bom. Decodifica. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor que as outras. Então, vamos acreditar no setor privado”, vociferou Guedes, bolsonaristicamente, emporcalhando os fatos e a inteligência. Outras aberrações animaram a confraria palaciana que contou com a presença, dentre outros, dos ministros Luiz Eduardo Ramos, Marcelo Queiroga e Anderson Torres.
As insanidades dessa reunião foram tamanhas que se acredita que as ofensas primitivas do ministro Paulo Guedes, vazadas deliberadamente, cumprem uma estratégia no sentido de construir uma nova crise diante dos prováveis avanços da CPI da Covid instalada no início da semana no Senado. “Olha aí uma estratégia já até desbotada no governo federal. Sempre que um ministro não consegue cumprir o prometido ao povo brasileiro, para desviar a atenção do seu fracasso, copia uma das narrativas cretinas dos bolsonaristas ‘terraplanistas’ e soltam na mídia como se fosse uma ‘pérola’,” disse o deputado Fausto Pinto, presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, formada por cerca de 270 deputados e senadores.
Bolsonaro, desde a sua posse na presidência da República, vem ofendendo a vida, a dignidade humana, a razão, a ciência, a decência, as instituições, a democracia, a Nação e a República. As tensões, artificiais e reais, sempre animaram o não-fazer do governo Bolsonaro. Do escandaloso descaso com a pandemia, passando pela sua evidente cumplicidade com os crimes ambientais, até as suas constantes sinalizações de que, a qualquer tempo, convocará as Forças Armadas para conter os seus fantasmas, Bolsonaro nunca sentiu, de maneira tão evidente, que o poder não está e nem nunca esteve exatamente em suas mãos.
As CPIs, no Brasil, costumam não dar em nada. É sempre plausível! Mas podem abrir as portas para o impeachment do presidente da República, como aconteceu com o ex-presidente Fernando Collor. Podem também imobilizar o governo, paralisar as aspirações políticas e eleitorais do presidente em exercício, como aconteceu com o ex-presidente Michel Temer que, para conter uma ameaça de um eventual impeachment ou da instalação de uma CPI, não teve condições de se candidatar para um segundo mandato.
Um outro fantasma de Bolsonaro, ainda não devidamente valorizado pela mídia, é a eventual candidatura do senador Tasso Jereissati à presidência da República. Lula, Ciro, Eduardo Leite, Doria e Huck não assustam exatamente a reeleição de Bolsonaro. Ao seu modo, cada um desses nomes evidencia suas fragilidades, ainda que o nome de Ciro Gomes apresente significativas vantagens e qualidades diante dos demais. Já o senador Tasso Jereissati é um personagem diferente. Ele jamais bateu à porta do poder ou empurrou portões de Palácios para se fazer presente na cena pública com o devido destaque. Em 1986, foi convidado para ser candidato ao governo do Ceará, inaugurando a Nova República cearense. Desde então, tornou-se uma das vozes mais respeitadas e acreditadas no universo político do País.
Talvez a única vez que ele tenha se colocado, deliberadamente, à frente de uma disputa política tensa em seu partido, tenha sido na sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, Tasso sabia que o senador José Serra, que empurrava a porta do Palácio no momento, não teria condições de vencer o candidato do PT. Ele sabia que a elite paulista e o mundo empresarial temiam, por motivos justos ou não, o nome de Serra na presidência da República. Tasso seria o único nome tucano, naquele momento, com chances reais de vencer o Lula e por isso lutou pela indicação na legenda. Ele perdeu no PSDB e o partido perdeu o poder pelas urnas. Essa história deve ser mais rica e bem mais interessante, mas, objetivamente, foi isso o que aconteceu.
Agora, assim como em 1986, Tasso está sendo convocado para ser o candidato que daria qualidade à disputa presidencial, que seria apenas medíocre entre Lula e Bolsonaro. Claro, ainda é muito cedo para previsões. Mas o senador Tasso Jereissati jamais deixaria o seu nome ser colocado como presidenciável e menos ainda se colocaria a disposição da sua legenda, se as conversas, avaliações, possibilidades, articulações, meios e modos, já não estivessem devidamente analisados.
São boas as razões para as apreensões de Bolsonaro e dos bolsonaristas. O senador Jereissati não se fez como homem público tangendo plateias ou sujando os tapetes. De um modo geral, abrem a porta e o convidam. A conferir!
*Jorge Henrique Cartaxo, jornalista, cientista político e historiador
Fonte:
Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/04/jorge-henrique-cartaxo-sobre-os-meios-e.html
Alon Feuerwerker: Terreno de combate
Governos que perdem a maioria em casas do Congresso passam a ser alvo de uma “caça à raposa”. E a situação fica pior quando sofrem a ofensiva coordenada entre a oposição e os mecanismos de formação da opinião pública. Parece ser o caso agora das relações entre a administração Jair Bolsonaro e o Senado, como se está vendo nesta etapa inicial dos trabalhos da CPI da Covid-19.
Uma interpretação é o governo ter bobeado, pois em tese teria maioria no Senado, mas permitiu que a carruagem corresse solta até as bancadas indicarem, para compor a CPI, gente que faz oposição. Outra interpretação, talvez mais realista, deduz que o governo cuidou de não perder a Câmara, onde começam os processos de impeachment, e descuidou da outra casa. Onde, na real, já estaria hoje em minoria.
Que siga o debate, mas agora o teatro está instalado e a CPI opera numa correlação de forças extremamente desfavorável a Bolsonaro. Bem num momento em que a média móvel de casos e mortes começa a descer a ladeira (continuará?), a vacinação anda e os números que saem todo dia da economia não são tão ruins quanto eram as previsões. Inclusive porque EUA e China aceleram.
E isso em algum grau nos puxa. Mesmo que não seja muito, já é um refresco.
Um efeito político já contratado na CPI é garantir que se prolongue no tempo o abastecimento de noticiário negativo, sempre um problema para o candidato à reeleição. Mas esse será um transtorno administrável se o governismo se mantiver protegido na Câmara, que tem o botão capaz de implodir a edificação.
E talvez não seja de todo ruim para o oficialismo que o relator da CPI e o presidente da Câmara sejam do mesmo estado e ferozes adversários. Pois toda política é em boa medida local.
Mas, em última instância, é sempre o próprio governo que precisa lutar. E CPIs são mesmo terrenos de combate. E em CPIs de poucos membros, qualquer voto pode virar o placar.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte:
Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/04/terreno-de-combate.html