Daniel Gullino, Jussara Soares e Dimitrius Dantas / O Globo
BRASÍLIA — Acossado pelo mau desempenho nas pesquisas e pelo alto índice de reprovação ao seu governo — 53%, segundo o Datafolha —, o presidente Jair Bolsonaro vem apostando numa forma de reciclagem do discurso que lhe garantiu a vitória nas urnas em 2018: liberal na economia e conservador nos costumes. De olho no eleitorado que se distanciou dele, o mandatário da República reafirmou sua disposição de vetar a liberação dos jogos de azar no Brasil e, numa crítica ao PT, saiu em defesa da reforma trabalhista aprovada em 2017.
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Ainda que mantenha Paulo Guedes à frente da Economia, Bolsonaro não seguiu todo o receituário propagado na campanha eleitoral — houve poucas privatizações, por exemplo, e o presidente resiste a acelerar a reforma administrativa.
Ontem, no entanto, ele afirmou à “Radio Viva”, do Espírito Santo, que “mente” quem afirma que as mudanças nas regras trabalhistas tiraram direitos do povo.
— O governo (Michel) Temer fez uma pequena reforma trabalhista. Não tirou direito de nenhum trabalhador. Mente quem fala que a reforma do Temer retirou direito do trabalhador. Até porque os direitos estão lá no artigo sétimo da nossa Constituição, não podem ser alterados — disse.
As alterações, propostas pelo então governo Temer e aprovadas pelo Congresso, atenderam a um pleito do empresariado, favorável à flexibilização de pontos da legislação que rege as relações entre empregado e empregador.
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Diferentemente do que afirmou o presidente, porém, a reforma alterou artigos da Consolidação das Leis do Trabalho — estabeleceu, por exemplo, novas regras sobre férias, banco de horas, jornada de trabalho e demissão. De acordo com o governo à época, a intenção ao flexibilizar as atribuições dos empregadores era desburocratizar as relações de trabalho e estimular a geração de empregos. Um dos principais pontos foi a permissão para que os acordos firmados entre sindicatos e empresas tenham força de lei quando versarem sobre alguns itens, como jornada, participação nos lucros e banco de horas.
A pregação de Bolsonaro tem dois endereços. O primeiro é o seu principal adversário, o ex-presidente e líder das pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No início do mês, ele e a presidente da legenda, deputada Gleisi Hoffmann (PR), elogiaram a decisão do governo espanhol de revogar mudanças que haviam sido feitas na legislação trabalhista daquele país. Aprovada em 2012, a lei serviu de modelo para o pacote brasileiro de 2017.
Ao disparar contra o candidato petista e sair em defesa da reforma, Bolsonaro faz um aceno aos entusiastas de políticas liberais, um dos grupos entre os quais o presidente perdeu terreno. Desde que assumiu, em 2019, além da agenda de privatizações ter travado, ele viu a inflação dos 12 meses anteriores acumular alta de 10,74% em dezembro e o desemprego atingir 14,6 milhões de brasileiros em 2020, no auge da pandemia — no mês passado, havia 12,9 milhões de desocupados no país.
“Roubalheira”
Nos últimos dias, o presidente tem repetido que a inflação é reflexo dos estragos econômicos provocados pelo coronavírus e buscado atrelar a alta dos preços do combustível aos escândalos de corrupção na Petrobras, ocorridos durante os governos petistas.
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— Ano passado, nós pagamos R$ 100 bilhões de dívida da Petrobras. Dívida contraída do dinheiro usado para corrupção. Tem gente que diz aí que o cara (Lula) é a solução para os problemas do Brasil. Preço do combustível? Tem a ver com as roubalheiras do passado — disse Bolsonaro ontem a apoiadores.
Aliados do presidente apostam ainda que mirar o PT e lançar dúvida sobre um eventual novo governo Lula é o melhor caminho para desviar o foco das críticas ao comportamento de Bolsonaro e a coleção de crises de sua gestão, principalmente no enfrentamento à pandemia da Covid-19. Parte da estratégia de campanha foi antecipada no domingo em um artigo publicado no GLOBO pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. No texto com uma série de críticas a Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, ele indica que o objetivo é apresentar uma imagem de governo comprometido com a responsabilidade fiscal.
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Em outro movimento de ontem, o titular do Palácio do Planalto tratou de afagar outra parcela do eleitorado que ajudou a elegê-lo três anos atrás e que agora também apresenta claros sinais de descontentamento. Trata-se dos evangélicos, que historicamente trabalham contra a liberação dos jogos por acreditarem que a prática retira fiéis dos templos religiosos e estimula a gastança descontrolada. Em dezembro, uma pesquisa Ipec registrou empate técnico entre Lula (34%) e Bolsonaro (33%) no segmento, motivo pelo qual o titular do Palácio do Planalto precisa recuperar terreno.
Guedes exposto
O presidente afirmou que os jogos “não são bem-vindos no Brasil” e prometeu vetar o projeto que legaliza a prática, caso a proposta seja aprovada no Congresso. Ao abordar o tema, contudo, o presidente deixou claro que o próprio Legislativo poderá derrubar sua decisão.
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— No Parlamento, foi aprovado o regime de urgência desse projeto, se não me engano, com 300 e poucos votos. É um sinalizador que, se eu vetar aqui, o veto seria derrubado lá. Já fui sondado, por algumas lideranças, (sobre) como me comportaria em aprovando o projeto. Eu falei que vetaria o projeto.
Em dezembro, a Câmara aprovou, por 293 votos a favor e 136 contrários, a urgência da proposta de legalização dos jogos. Isso dá prioridade na tramitação do projeto, que pode ser analisado em fevereiro, no retorno dos trabalhos legislativos. Caso o texto seja aprovado, ele ainda teria que passar no Senado.
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Se, por um lado, prestigia o público religioso, a frase de Bolsonaro expõe o crescente enfraquecimento de Guedes, um dos principais fiadores do então postulante ao Planalto em 2018, sobretudo entre eleitores liberais. O ministro da Economia defende a legalização da prática — o setor seria mais um a recolher impostos, aumentando a arrecadação, além do potencial de atrair turistas.