Não há interesse real dos provedores em proteger a sociedade
É inegável o impacto das chamadas fake news na sociedade. Um dos mais perversos se dá na vida e na saúde das pessoas. Hoje, diante da pandemia de Covid-19, a OMS e a ONU conclamam o mundo a, além de combater o novo coronavírus, lutar contra o fenômeno da desinformação em massa, a “infodemia”.
Outro efeito perverso da “desinformação” massiva é a radicalização política do país, com consequências graves à democracia. Neste ano haverá eleições municipais e, se nada for feito, é provável que, numa atividade criminosa, a livre escolha do cidadão continue sujeita à manipulação.
É certo que precisamos identificar e penalizar infratores ou grupos organizados que têm como fonte de renda e método de trabalho a criação e disseminação de notícias falsas, valendo-se de robôs e contas inautênticas nas redes sociais. Mas também o intermediário da informação, as plataformas, pode e deve contribuir no combate ao problema.
O modelo bilionário de negócio dos monopólios de comunicação em massa, que são as plataformas de redes sociais e de mensagens, é baseado em engajamento —medido por cliques, curtidas, compartilhamentos. Estudos mostram que o conteúdo radicalizado, chocante e que causa indignação, é mais lucrativo. Logo, não há interesse real dos provedores em iniciativas para proteger a sociedade em detrimento de seus lucros. É isso que precisa mudar.
As plataformas já têm medidas de controle de conteúdo, mas falta transparência. Postagens são sinalizadas ou removidas e perfis são retirados da rede sem qualquer justificativa ou processo para contestação. Para proteção real dos usuários, é preciso reduzir o volume de robôs (“bots”) nas redes e a capacidade operacional das ferramentas de disparos em massa; deixar claro quem é responsável por conteúdos impulsionados e por publicidade; e dar transparência à gestão de conteúdo ofensivo e com potencial de gerar danos individuais ou coletivos.
Não se sabe quantas contas inautênticas há no Brasil. O Facebook, recentemente, declarou ter “derrubado” um bilhão de contas durante o “Webinar da Frente Digital – “Todos Contra Fake News”.
Como separar as contas de pessoas e organizações de contas falsas, usadas para disseminar fake news? Por meio de regras claras de verificação que precisam fazer parte das políticas das plataformas. Perfis de robôs precisam ser identificados.
A disseminação de mensagens por contas falsas em ferramentas como WhatsApp ou Telegram é grave. Pode ser evitada com revisão dos mecanismos de compartilhamento; autorização expressa do usuário antes do envio de mensagens de massa ou inclusão em grupos; guarda dos metadados do ciclo de compartilhamento de uma mensagem criminosa —a ser requisitado, eventualmente, por medida judicial—; e impedimento do compartilhamento de contas com atividade incompatível com a capacidade humana.
Hoje, as plataformas permitem a denúncia pelos usuários de conteúdos ofensivos, ameaçadores ou mentirosos. Mas falta clareza sobre como essa análise é feita e como o autor pode contestá-la. O presidente Jair Bolsonaro teve postagens apagadas, e o presidente americano, Donald Trump, teve uma postagem sinalizada como potencialmente falsa.
Não se sabe, porém, se há o mesmo rigor com outros atores. Só com transparência é possível garantir a liberdade de expressão.
É urgente discutir adequações no modelo de negócio das plataformas para que sirvam ao nobre objetivo de conectar pessoas e ideias, e oferecer meios para um debate público saudável, democrático e necessário.
*Alessandro Vieira, Senador da República (Cidadania-SE), é autor do projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, a Lei das Fake News